TRIBUNA FEIRENSE NOVEMBRO 2019

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FEIRA DE SANTANA-BAHIA, NOVEMBRO DE 2019

ANO XX- Nº 2.621

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ATENDIMENTO (75)99151-1623

“Chore quantas vezes sentir a dor”

Foto: Reprodução

Quando o assunto é violência doméstica e violência sexual, constatamos que uma verdadeira tragédia se abate sobre o Brasil. Segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o país é o quinto do mundo em número de feminicídios. E, somente no ano passado, 536 mulheres foram agredidas, por hora, no território nacional. Mais estarrecedora ainda é a estimativa que contabiliza as vítimas de estupro. O número de casos notificados à polícia mostra que uma média de 180 mulheres é estuprada, por dia, no Brasil. Mas, de acordo com o Atlas da Violência, essa contagem está extremamente distante da realidade. O documento aponta que as ocorrências de violência sexual registradas podem representar, apenas, 10% do total. Há um universo desconhecido de casos subnotificados, inclusi-

ve de vítimas do sexo masculino. Contabilizando as ocorrências do Sistema Único de Saúde, a estimativa é assustadora: entre 300 mil e 500 mil estupros, por ano. Nesse contexto, o cálculo diário é brutal: de 822 a 1.370 estupros. Nessa edição, nossa equipe de reportagem entrevistou autoridades policiais, judiciais, psicólogos e uma vítima de violência sexual, que preferiu não se identificar. O relato é chocante e coincide com a face mais perversa desse tipo de crime: 63,8% dos casos de estupro reportados à polícia foram cometidos contra vulneráveis: menores de idade, deficientes físicos ou pessoas sob o efeito de drogas. Os estudos revelam ainda que 75,9% dos agressores são conhecidos das vítimas. Nas quatro reportagens especiais sobre o tema, mostramos as estatísticas nacionais e locais;

abordamos o teor das leis que protegem as vítimas e que deveriam punir, com mais rigor, os agressores; falamos sobre a existência e o funcionamento da rede de atenção pública, em Feira de Santana; e ouvimos profissionais sobre os traumas, o sofrimento e as brutais consequências que se abatem sobre quem sobrevive a crimes hediondos dessa natureza. No caderno Tribuna Cultural, destaque para a matéria sobre o portal Memorial da Feira, lançado, em outubro, pelo Governo Municipal. O projeto tem por objetivo a divulgação da memória histórica, cultural, arquitetônica e afetiva da cidade, por meio do compartilhamento digital de produções audiovisuais próprias e de fotos, vídeos e documentos pertencentes a acervos pessoais, que retratam ou estão relacionados com a Feira de Santana antiga.


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Deam de Feira tem quase 3 mil ocorrências de Foto: Reprodução/ G1 Bahia

Daniela Oliveira

“Eu confio em você, mas não confio nos outros”. “Mulher minha não sai sozinha”. “Se você não for minha, não vai ser de mais ninguém”. Frases como estas podem ser sinais de alerta de relacionamentos abusivos ou violentos. Apesar dos muitos avanços, especialmente após a instituição da Lei 11.340/2006, mais conhecida como Lei Maria da Penha, os números ainda são assustadores. Segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), o Brasil é o quinto país do mundo em número de feminicídios, ou seja, de assassinatos de mulheres motivados por violência doméstica ou discriminação de gênero. No ano passado, 536 mulheres foram agredidas, por hora, no território nacional. De acordo com o Ministério da Saúde (MS), o número de notificações de agressões físicas contra mulheres quase quadriplicou, entre os anos de 2009 e 2016. Segundo informações do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em 2014, apesar de 91% dos entrevistados afirmarem que homens agressores deveriam ir para a cadeia, 63% acreditavam que casos de violência doméstica deviam ficar apenas “na família” e 89% achavam que “roupa suja se lava em casa”. A pedido do FBSP, o Instituto Datafolha ouviu, em fevereiro de 2019, mais de mil pessoas do sexo feminino sobre violência contra a mulher. Os números mostraram que 42% afirmaram já terem sofrido agressão e, em quase 24% dos casos,

pelos próprios companheiros, namorados ou responsáveis. A violência contra a mulher se dá de diferentes formas. Além da física, há a violência patrimonial, sexual, moral e psicológica, de acordo com a Lei Maria da Penha. Conforme o Mapa de Violência de Gênero (referente ao ano de 2017, mas divulgado esse ano), na Bahia, foram registrados 2.731 casos de violência contra a mulher, sendo que 1.069 aconteceram dentro de casa. As estatísticas mostram que as próprias residências são os locais mais perigosos para as mulheres baianas. Do total, 41% delas afirmam que foram agredidas pelos próprios maridos, namorados ou companheiros. 31% revelam que as agressões partiram de exmaridos, ex-namorados ou ex-companheiros. O que chama a atenção é que apenas um terço das

Segundo a Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher, esse ano, a maioria dos casos de violência, em Feira, foi de ameaça. Em segundo lugar, aparecem as ocorrências de lesão corporal. O órgão também foi acionado para apurar 61 casos de estupro mulheres diz ter acionado o Estado. Em 2018, a Bahia registrou 70 feminicídios, em todo o seu território, de acordo com dados da Secretaria Estadual de Segurança Pública (SSBA). Comparando com 2017, houve um aumento de 6,1%, quando as estatísticas apontaram 66 feminicídios. Em nível nacional, esse número também cresceu. Foram 1.173 assassinatos de mu-

lheres, no ano passado. tupros. Com relação a esEm 2017, houve 1.047 ses números, o que mais casos. chama a atenção é o fato de apenas 13 estupros NÚMEROS EM FEIRA terem sido cometidos Até o dia 10 de no- por pessoas estranhas. As vembro de 2019, a De- demais ocorrências dão legacia Especializada de conta de que a violência Atendimento à Mulher sexual aconteceu entre (Deam) registrou 2.962 casais. Até o fechamento ocorrências de violên- dessa reportagem, conscia, sendo a maioria de tatamos que foram regisameaças: 1.221 casos. O trados apenas dois casos órgão também recebeu de feminicídios, ao longo denúncias de 491 casos do ano, o que representa de lesão corporal e 61 es- uma redução, já que, em

Fundado em 10.04.1999 www.tribunafeirense.com.br / redacao@tribunafeirense.com.br Fundadores: Valdomiro Silva - Batista Cruz - Denivaldo Santos - Gildarte Ramos Diretor - César Oliveira Editora - Ísis Moraes Editoração eletrônica - Maria da Prosperidade dos Santos

2018, aconteceram cinco casos, no mesmo período. A titular da Deam, delegada Edileuza Suely Gomes, acredita que as campanhas têm contribuído para a redução do número de homicídio de mulheres. “E não apenas isso, mas também as denúncias, as respostas efetivas e rápidas, as medidas protetivas, que têm dado uma resposta imediata, colocando o autor atrás das grades”, avalia a delegada.

QUEIXA

Para registrar uma queixa de agressão, basta a vítima se dirigir à Delegacia da Mulher, que, em Feira de Santana, fica situada na Rua Adenil Falcão, 1.252, bairro Brasília. A delegada explica os passos após a denúncia. “Depois de registrada a ocorrência, uma audiência é marcada. O autor, então, é intimado e vai haver um processo. Mas se a mulher estiver em

OS TEXTOS ASSINADOS NESTE JORNAL SÃO DE RESPONSABILIDADE DE SEUS AUTORES.

Av. Senhor dos Passos, 407 Sala 05


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violência contra a mulher registradas, em 2019 uma situação de emergência, pode ligar para o 190 e pedir à Polícia Militar (PM) que atenda de imediato”, informa. No que diz respeito à medida protetiva, ela pode ser solicitada durante o registro da queixa. “A medida protetiva é um mecanismo legal que tem por objetivo oferecer uma proteção imediata às vítimas em situação de risco. Esse dispositivo veio com a inovação da Lei Maria da Penha. A mulher vítima de violência pode, durante o atendimento na delegacia de polícia, solicitar as medidas de proteção que estão previstas no artigo 22 da Lei, que são de caráter liminar e cautelar, no sentido de evitar outra violência. Quando o autor da agressão descumpre a medida protetiva dada pelo juiz, estando devidamente intimado (ele tem que ter essa informação prévia), isso configura crime de desobediência, cabendo, inclusive, a prisão preventiva, a fim de assegurar a conveniência da instrução criminal”, explica. Atualmente, 464 mulheres estão com medidas protetivas, no município. E elas contam com o importante apoio do Projeto Ronda Maria da Penha, da Polícia Militar, que atua como mecanismo de defesa no combate à violência doméstica e familiar. “A Ronda Maria da Penha é informada quando a medida protetiva é expedida pelo juiz. Vai, então, ao encontro da vítima e do autor, que é advertido sobre a obrigação de cumprir tudo o que foi especificado pela autoridade judicial, sob pena de ser preso. São feitas constantes visitas à residência da vítima, a fim de saber se o agressor continua infringindo a Lei. Caso isso esteja ocorrendo, a delegacia é notificada”, esclarece a titular da Deam. Destacando a grande quantidade de estupros

Foto: Reprodução

De acordo com dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), no ano passado, 536 mulheres foram agredidas, por hora, no território nacional praticados por namorados e companheiros, a delegada Edileuza Suely Gomes enfatiza que, apesar de se tratar de um crime de difícil comprovação, a mulher deve denunciar a prática sexual sem concordância. “Sexo sem o consentimento da mulher é considerado estupro. Temos muitos casos registrados, na delegacia, em apuração. A violência sexual nem sempre deixa marcas, por isso é um crime de difícil prova. Mas se a mulher registrar queixa, emitimos uma guia, para que ela se dirija ao Departamento de Polícia Técnica (DPT), a fim de realizar o exame de corpo de delito. Caso não tenha ficado vestígio da violência, recorremos a um relatório emitido por psicólogo, que possa, no comportamento da vítima, apontar sinais de abuso e violência sexual, porque, dificilmente, esse tipo de crime tem testemunha. No entanto, apesar de ser difícil provar, isso é possível sim”, salienta.

CENTRO DE REFERÊNCIA

Em Feira de Santa-

na, o principal órgão de acolhimento de mulheres agredidas é o Centro de Referência Maria Quitéria (CRMQ), que está subordinado à Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social. Nele, a vítima é atendida independentemente de ter prestado queixa na Delegacia da Mulher. A coordenadora da instituição, Josailma Ferreira Lima, explica que a rede de proteção à mulher, no município, tem serviços 24 horas, como a Deam, hospitais e locais de abrigamento. Já o CRMQ funciona de segunda a sexta, das 8 às 17 horas. Desde a implantação do Centro, em 2010, quase 3 mil mulheres já foram cadastradas, mas nem todas continuam sendo acompanhadas pelo órgão, segundo a coordenadora. “Acompanhamos parte delas, porque, após a escuta, algumas passam a ser assistidas por psicólogos e outras são encaminhadas a outros serviços. Além disso, não contamos com uma casa de acolhimento, onde as mulheres possam

pernoitar ou passar um tempo. O que temos é um serviço de abrigamento, que, atualmente, foi regionalizado e vinculado também ao Estado. O acesso a ele se dá após o registro da ocorrência, através da central”, esclarece. Josailma Lima salienta ainda que qualquer mulher com mais de 18 anos e vítima de violência doméstica pode procurar o Centro Maria Quitéria. “O atendimento psicossocial é o primeiro contato. A partir dele, são identificadas as demandas. Após isso, redirecionamos a vítima. E aí a gente conta com psicólogo, serviço social, jurídico e pedagógico, de forma individualizada”, detalha. A coordenadora ressalta que a instituição trabalha com informações sobre que é a violência e seu ciclo, também orientando sobre direitos e proporcionando o resgate da autoestima. Tudo isso através de palestras, grupos de convivência e oficinas. “Realizamos, ainda, atividades pedagógicas com as crianças,

enquanto suas mães estão sendo assistidas”, informa. O CRMQ trabalha em conjunto com outras instituições, a exemplo de movimentos sociais e Defensoria Pública (DP), atendendo mulheres vítimas de violência doméstica e vítimas de estupro praticado por desconhecidos.

ASPECTOS SOCIAL E PSICOLÓGICO

A mulher vítima de agressão é vista de diferentes formas. Para a assistente social Patrícia Lavini, o machismo faz com que atitudes violentas ainda sejam justificadas, tanto por homens quanto por mulheres. “Vivemos em uma sociedade na qual existe a predominância do machismo, então, muitas vezes, os homens (e até mesmo as mulheres) vão apoiar qualquer tipo de conduta abusiva. Mas a mulher que sofre violência, que é vitima de violência doméstica, é vítima como uma mulher que se submete a algumas condições do relacionamento ou da família para tentar manter a união e conviver com o indivíduo agressor”, explica. Ela acredita que algumas pessoas ainda veem a mulher vítima de violência como alguém fraco ou que sofreu violência “porque quis ou procurou”. No entanto, ressalta que esse panorama vem mudando, em Feira de Santana. “Hoje, também

há outra percepção. As pessoas estão começando a ver a mulher que denuncia a agressão sofrida como alguém que está quebrando o ciclo, que está quebrando o silêncio, que está expondo sua vida para garantir seu direito de sobrevivência”, observa. No aspecto psicológico, a psicóloga Milena Pérsico salienta a necessidade que a vítima tem de ter apoio, nos mais diversos segmentos. “Entendemos que a violência passa por um ciclo: que vai desde a violência psicológica, passando por restrições e violência física, até a ‘lua de mel’, espécie de fase de reconquista, onde são feitas promessas de que a agressão não se repetirá. Por isso, uma mulher vítima de violência precisa ter apoio familiar, social e jurídico. Além disso, muitas vezes, as medidas protetivas são imprescindíveis. O suporte psicológico, tanto para a mulher quanto para as crianças, se houver filhos, também é muito importante. Isto porque, além dos traumas sofridos pela própria violência, há também a elaboração do luto, pelo fim do relacionamento, e a construção e busca pela independência financeira e emocional dessa mulher”, pontua. As sequelas causadas pela violência são inúmeras, de acordo a psicóloga. “Estamos falando de agressões, às vezes, sutis, que são socialmente consideradas ‘normais’, visto que vivemos em uma sociedade machista. A violência afeta a autoestima da mulher, cerceia seu direito de pensar e ser como deseja. As violências física e sexual deixam marcas no corpo e na alma. Mas é importante considerar que cada sofrimento é vivido de maneira bem particular”, frisa, ressaltando que, sim, é possível se livrar do trauma psicológico, mas que, para tanto, políticas públicas são fundamentais, funcionando como uma rede de apoio à vítima, aos filhos e até ao próprio agressor.


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Violência contra a mulher: Foto: arquivo pessoal

Lana Mattos É vasta a legislação brasileira que trata da violência, sendo que, ao versar sobre a agressão doméstica e familiar contra a mulher, há o enquadramento específico na Lei 11.340, de 7 de agosto de 2006, que ficou famosa com o nome de Lei Maria da Penha e foi considerada, pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 2012, a terceira melhor do mundo, perdendo apenas para leis da Espanha e do Chile. Apesar disso, ainda há muitos casos que permanecem impunes e até reincidem, incluindo crimes hediondos, como estupro e feminicídio. Em Feira de Santana, não é diferente. Penalidades para os muitos tipos de violência estão previstas no Código Penal Brasileiro, instituído pelo Decreto Lei nº 2.848, de 1940. Dentre os crimes, estão: maus-tratos; lesão corporal seguida ou não de morte; homicídio qualificado; ameaça; sequestro e cárcere privado; e estupro. A pena pode variar, a depender do delito, de multa a 30 anos de reclusão. No entanto, o Código Penal é válido para todos os indivíduos, não especificando questões de gênero. Com a instituição da Lei Maria da Penha, isso mudou drasticamente. As mulheres vítimas de violência doméstica, incluindo mulheres transexuais, passaram a ser amparadas legalmente por um conjunto de leis que contempla casos de violência física, psicológica, sexual, patrimonial e moral. As penalidades para os agressores, que, em geral, são maridos, companheiros, parentes ou pessoas do convívio das vítimas, também mudaram. A nova legislação prevê a prisão dos suspeitos de agressão; a violência doméstica como agravante para aumentar a pena; a não substituição da pena por doação de cestas básicas ou multas; e ordem de

Foto: arquivo pessoal

rativos” e de “recursos humanos e de estrutura, para tornar-se realidade”. Lorena Peixoto Oliveira, presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), subseção Feira de Santana, acrescenta: “o problema não está na medida protetiva, mas na forma de aplicá-la, integralmente”. Segundo ela, é preciso, por exemplo, “ter viaturas e policiais, a fim de garantir o cumprimento dos mecanismos”.

AFASTAMENTO IMEDIATO

“Todo aquele que, porventura, presencie ou tenha ouvido falar de casos de violência tem a obrigação moral e social de denunciar”, diz a presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da OAB, Lorena Oliveira afastamento do agressor, tanto da vítima quanto de seus familiares. Desde que entrou em vigor, há 13 anos, a Lei Maria da Penha “vem passando por alterações, com o objetivo de aprimorar a eficácia de sua implementação”, conforme o site da campanha Compromisso e Atitude pela Lei Maria da Penha – A lei é mais forte (www.compromissoeatitude.org.br). Uma das mudanças mais significativas ocorreu em 2018: a criminalização do descumprimento de medida protetiva de urgência. De acordo com André Garcia de Jesus Neves,

titular da 20ª Promotoria de Justiça de Feira de Santana, esse mecanismo legal “dá proteção rápida à vítima e coloca o agressor em risco real de prisão imediata, no caso de seu descumprimento, permitindo à mulher ter paz, interrompendo as violências que sofre, enquanto os demais aspectos do problema, a exemplo da divisão patrimonial, da situação dos filhos e do tratamento psicossocial da vítima e do agressor, vão sendo tratados”. No entanto, o promotor lembra que, “para sair do papel de modo eficiente, a medida protetiva precisa do apoio dos entes fede-

Em maio desse ano, o presidente Jair Bolsonaro sancionou algumas mudanças na Lei Maria da Penha, dentre elas o afastamento imediato do agressor do local de convivência com a vítima. Tal medida não caberá mais apenas à autoridade judicial, mas também ao delegado de polícia, quando o município não for sede de comarca, ou mesmo ao policial, se não houver um delegado disponível, no momento da denúncia. Segundo o promotor André Garcia Neves, essa alteração aumenta a proteção das mulheres da zona rural, que não contam com uma estrutura de amparo como a de Feira de Santana, por exemplo, que possui uma boa rede de assistência, contando, inclusive, com Casa de Abrigo, Centro de Referência Maria Quitéria (CRMQ), Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam), Ministério Público (MP), Judiciário com atribuição exclusiva e com a atuação da Ronda Maria da Penha. “Em cidades que são sede de comarca, mesmo sem esse aparato, a proximidade do fórum e da delegacia confere maior proteção às vítimas. As mulheres das cidades pequenas, que não têm juízes lotados nos municípios, foram bastante beneficiadas com a mudança”, ressalta.

De acordo com o promotor André Garcia Neves, vítimas de feminicídio, em Feira, são mulheres que não procuraram denunciar a violência sofrida, anteriormente Lorena Oliveira, por sua vez, adverte que “ainda existe muito despreparo, nas delegacias, quando do atendimento à mulher em condição de violência, podendo, inclusive, desestimulá-la frente a um eventual tratamento hostil”.

APREENSÃO DE ARMAS

Em outubro, novas alterações foram implementadas na Lei Maria da Penha, com destaque especial para a possibilidade de apreensão de armas registradas em nome do agressor. Diferentemente de outros crimes, nos quais as armas utilizadas são, geralmente, ilegais, em casos de violência doméstica, “a arma de

fogo, mesmo de origem lícita, traz perigos, pois os crimes previstos na Lei Maria da Penha costumam ocorrer de modo não premeditado, em virtude de conflitos de relacionamento afetivo e familiar”, afirma o titular da 20ª Promotoria de Justiça. No entendimento da presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher, essa mudança não chega a ser uma novidade, porque “apreender a arma de fogo do agressor já era uma medida adotada”. Segundo ela, a lei já previa a cassação do porte de arma, no rol das medidas protetivas. Além da Lei Maria da Penha, a violência contra as mulheres também


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feirenses ainda temem denunciar é objeto de muitos outros instrumentos normativos, no país. Os decretos que promulgam as convenções internacionais das quais o Governo brasileiro é signatário são bons exemplos disso. Esses acordos asseguram, de forma direta ou indireta, os direitos humanos das mulheres e primam pela eliminação de todas as formas de discriminação e violência baseadas no gênero. Após aprovados pelo Congresso Nacional e sancionados pela Presidência da República, os decretos passam a fazer parte do ordenamento jurídico nacional.

LEIS LOCAIS

Em âmbito municipal, a vereadora Gerusa Sampaio (DEM) conseguiu sancionar diversas leis relativas à violência contra a mulher, dentre elas: a Lei 3399/2013, que garante a reserva de

vagas em creches e escolas da Rede Municipal de Ensino para filhos de mulheres vítimas de violência doméstica; a Lei 3570/2015, que dá prioridade às mulheres vítima de violência doméstica na inscrição e aquisição em programas habitacionais, no município; a Lei 53/2017, que torna obrigatória a apresentação de vídeo contendo conhecimentos básicos sobre a Lei Maria da Penha em escolas municipais de Ensino Fundamental; e a Lei 165/2018, que institui o dia 6 de dezembro como o Dia Municipal de Mobilização dos Homens pelo Fim da Violência Contra a Mulher, campanha denominada Laço Branco. A edil também é autora de vários outros Projetos de Lei (PL) ligados ao tema, ainda em tramitação. Foto: arquivo pessoal

A vereadora Gerusa Sampaio (DEM) obteve a aprovação de diversas leis relativas à violência contra a mulher e possui Projetos de Lei em andamento

Brechas na legislação e falta de efetivo ainda são problemas, quando o assunto é punição Ao ser questionado se há brechas, na legislação brasileira, que permitem a soltura do agressor ou mesmo que ele reitere, chegando até a assassinar sua companheira, o promotor André Garcia Neves disse que, se fosse possível, “proporia um aprimoramento no artigo 24-A da Lei Maria da Penha, no sentido de aumentar a pena pelo descumprimento de medida protetiva, em proporção ao crime pelo qual essa medida cautelar foi concedida”. Ele explica que “se a medida foi concedida por ameaça, a pena pelo seu descumprimento seria menor, e não igual àquela dada a um crime de lesão corporal grave”. Conforme o promotor, hoje, a pena por descumprimento desse tipo de provimento jurisdicional é igual para qualquer crime, não importando a gravidade. No caso, a detenção, que pode variar de três meses a dois anos. André Neves afirma, no entanto, que “as principais brechas, atualmente, são mais de caráter estrutural que legislativo, propriamente”. Segundo ele, “há uma necessidade de mais efetivo, para fiscalizar as medidas protetivas, educar os agressores e realizar a Ronda Maria da Penha, que protege, preventivamente, a vítima”. Ainda segundo o titular da 20ª Promotoria de Justiça de Feira de Santana, apesar das falhas estruturais, houve um aumento de confiança na rede local. Isso, conforme explica, resultou em um significativo aumento de demanda. “Essa situação fundamentou a criação de mais uma Promotoria de Violência Doméstica, que será ocupada pela valorosa doutora Nayara Barreto e que, em breve, estará em funcionamento”, adianta. Para a delegada Edileuza Suely Cardoso Ramos, titular da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam), as leis funcionam, embora acredite que ainda há muitas brechas na legislação brasileira, sobretudo no que diz respeito à interposição de recursos. Ainda conforme Edileuza, a gran-

Foto: reprodução

sário que a mulher tenha coragem de denunciar o agressor de violência doméstica e familiar”. E ela ressalta que não apenas as vítimas devem fazer isso, mas também a população. “Todo aquele que, porventura, presencie ou tenha ouvido falar de casos de violência tem a obrigação moral e social de denunciar”, lembra.

VERSOS DE MULHER

Segundo Edileuza Ramos, delegada titular da Deam, a Lei Maria da Penha tem a previsão legal de que o réu pode responder em liberdade de quantidade de registros para um reduzido quadro funcional atrapalha o andamento dos processos. “Os casos que vêm a ser registrados e investigados têm uma tramitação legal. E, infelizmente, temos uma quantidade exacerbada de registros e um quadro ínfimo de servidores na Secretaria de Segurança Pública (SSP)”, lamenta. A respeito de casos recentes, veiculados pela imprensa, em que agressores pagaram fiança e saíram da cadeia, a delegada conta que o pagamento de fiança é uma possibilidade quando a pena privativa de liberdade não é superior a quatro anos. “O problema é que a grande maioria dos crimes contra a mulher, no âmbito doméstico e familiar, tem previsão de penas que não ultrapassam esse período. Mas há, também, a possibilidade de a autoridade policial não arbitrar fiança”, decretando a prisão preventiva do agressor.

Edileuza Ramos afirma ainda que a Lei Maria da Penha tem a previsão legal de que o réu pode responder em liberdade. “Em um segundo momento, se ele reiterar a conduta violenta, então fica mais difícil, mas, numa primeira prisão, sendo réu primário, sim, ele pode responder em liberdade”, esclarece, salientando que, mesmo em casos graves, como feminicídio e estupro, “em determinado momento, o preso vai ter direito a responder seu processo fora da prisão”.

CORAGEM DE DENUNCIAR

De um modo geral, conforme André Neves, em Feira de Santana, o perfil das vítimas de feminicídio é de mulheres que não buscaram denunciar a violência sofrida, anteriormente. Lorena Oliveira, no entanto, observa que, para uma aplicação efetiva da lei, “faz-se neces-

A advogada Fabiana Machado é presidente do movimento Versos de Mulher, entidade que está trabalhando para se tornar uma Organização Não Governamental (ONG). A instituição atua prestando serviços jurídicos, psicológicos e de assistência social, gratuitamente, a meninas e mulheres pobres em situação de violência doméstica e familiar. Ela conta que, infelizmente, as vítimas ainda preferem não denunciar, muitas vezes, “por sentirem compaixão pelos seus agressores ou por nutrirem a esperança de que eles vão mudar”. O medo e a vergonha também são responsáveis pelo ela chama de “voto de silêncio”. “Argumentamos e tentamos demonstrar que os agressores, dificilmente, mudam suas condutas violentas. E orientamos quanto à necessidade de denunciar, para que o ciclo de violência seja rompido, mas elas preferem fazer voto de silêncio. É uma realidade muito triste”, lastima. Para as mulheres que não têm coragem de denunciar seus agressores, Fabiana Machado deixa um recado: “Empoderemse! Do contrário, estarão condenadas a amar seus ofensores, sem correspondência. Amor não dói, não machuca, não fere e não mata. Amor é respeito. Denuncie a violência, sempre”, estimula. O movimento Versos de Mulher tem perfis ativos no Facebook (https://www. facebook.com/versosdemulher/) e no Instagram (https://www.instagram. com/versosdemulheroficial/). Também pode ser localizado através do telefone (75) 99145-8090.


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“O silêncio nos adoece”, diz vítima de violência sexual Karoliny Dias Ísis Moraes

Em uma sociedade machista, é inegável a vulnerabilidade da mulher, que, muitas vezes indefesa, acaba violada e humilhada, em contextos absolutamente normais do cotidiano: andar nas ruas; ir à escola ou à faculdade; pegar um transporte para se deslocar até o trabalho; estar em sua própria casa. Independente de horário, uma média de 180 mulheres é estuprada, por dia, no Brasil, segundo dados notificados, ou seja, registrados nas delegacias de polícia do país. Em 2018, foram denunciados 66 mil casos de violência sexual. Número considerado o mais alto, desde o ano de 2009, de acordo com dados das Secretarias de Segurança Públicas (SSP) de todos os estados. Esses números, no entanto, estão longe de representar a realidade. Há um universo desconhecido de casos subnotificados. De acordo com o Ministério Público Federal (MPF) e com o Atlas da Violência, produzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)

e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), as ocorrências de estupro registradas podem representar, apenas, 10% do total. Contabilizando as notificações do Sistema Único de Saúde (SUS), isto é, o número de vítimas de estupro atendidas na rede pública hospitalar, e levando em consideração a subnotificação, já que a esmagadora maioria não denuncia oficialmente o crime, o Atlas da Violência chegou a uma estimativa assustadora: entre 300 mil e 500 mil estupros, a cada ano, o que eleva, sobremaneira, o cálculo diário. O documento presume que ocorrem de 822 a 1.370 estupros, diariamente. Se pensarmos que, por desconhecimento, muitas vítimas sequer se dirigem aos hospitais, por acharem que é necessário um Boletim de Ocorrência (BO) ou outro documento que comprove o estupro, perdemos completamente a noção de quantas vítimas são violentadas, a cada 24 horas, nesse país. Os órgãos competentes também dão conta de que, do total de vítimas, 82% são mulheres. Mas não podemos deixar de refletir que a subnotificação também pode

mascarar esse dado, ainda que a maioria das vítimas seja, de fato, do sexo feminino. Vale lembrar que as ocorrências sobre estupro de homens são pouco descritas e raramente registradas. Mas estima-se que um a cada seis homens foi vítima de violência sexual antes dos 16 anos de idade. Outro fator que mascara as estatísticas é o fato de o ato libidinoso em homens ser de mais difícil comprovação, especialmente quando o intervalo entre a agressão e o exame sexológico é longo. Nesse contexto, os sinais objetivos para a validação clínica do abuso ou para a identificação do agressor desaparecem, tornando pouco provável a confirmação por meio de pesquisa de espermatozoide e sêmen. Não resta dúvida, no entanto, que o principal fator que nos afasta do número real de vítimas do sexo feminino e do sexo masculino ainda é a decisão de não registrar queixa. E isso tem inúmeros motivos: medo de sofrer retaliação, por parte do agressor; receio do julgamento que irá receber da sociedade ou, até mesmo, da família; falta de confiança

nas instituições públicas; ser menor de idade. Tudo isso nos leva a refletir que se há um fato incontestável, é que, no Brasil, a cultura do estupro ainda assombra, sobretudo, as mulheres. Frases como essas não são difíceis de ser lidas ou ditas, quando se relata um caso de violência sexual envolvendo uma vítima do sexo feminino: “o que ela queria a essa hora da noite andando sozinha?”; “também, com essa roupa curta, estava pedindo”. Mas enquanto afirmações desse tipo continuarem sendo usadas como justificativa para o estupro, essa cultura se perpetuará. De acordo com o Centro das Mulheres da Universidade Marshall, nos Estados Unidos, o termo “cultura do estupro” é utilizado para descrever um ambiente no qual essa agressão é predominante e no qual a violência sexual contra as mulheres é normalizada, na mídia e no cotidiano. A dor que um crime como esse pode gerar é indescritível. A repórter Karoliny Brito conversou com uma vítima de estupro. Transcrevemos, abaixo, o relato. É forte e doloroso.

Trata-se da história real de uma mulher que convive, todos os dias, com a culpa e a dor de ter sido vítima desse tipo de violência. As palavras utilizadas podem ser chocantes, pois des-

crevem atos sexuais e de violência. Atendendo a solicitação da vítima, preservamos a sua identidade. Respeitamos o seu direito ao anonimato. Aos 36 anos, ela recomenda aos pais: “Encorajem as meninas!”

“O primeiro crime de violência sexual aconteceu na minha infância. Dos sete aos 12 anos, um amigo da família abusava de mim todas as vezes que tinha oportunidade. Meu pai trabalhava viajando muito e, algumas vezes, eu precisava dormir na casa dos meus padrinhos, por conta da logística para a escola, já que eles moravam vizinho de onde eu estudava e o filho deles era meu colega de sala. Na casa dos meus padrinhos, morava um sobrinho deles, que, na época, já era adulto. Ele tinha 30 anos. No início, eu não entendia direito o motivo de ele sempre entrar no quarto onde eu dormia e tocar minhas partes íntimas. Masturbava-se e me obrigava a fazer sexo oral nele. Eu não sabia o que era aquilo e não tinha o discernimento de entender e contar aos meus pais ou aos meus padrinhos. Fui crescendo e aquilo acontecendo sempre que eu precisava ir para a casa deles. Eu não sei explicar o porquê de nunca, em um período de oito anos, ter tido coragem de contar a alguém. Por muitos anos, já na minha fase adulta, eu me culpava por aquilo. Mas, hoje, eu entendo que a culpa não era minha, por não ter tido a coragem de falar. A culpa era dele, que é um psicopata, doente. Quando ele foi embora da cidade, eu chorei de joelhos e agradeci a Deus. Mesmo sendo apenas uma criança, entendi que era a resposta às minhas orações. Que era a forma de Deus acabar com aquilo tudo. Mais recentemente, há quatro anos, em janeiro de 2015, eu voltava de uma confraternização, com umas amigas, em Salvador. O prédio onde eu morava não tinha garagem para dois carros. Por isso o do meu companheiro ficava na garagem e o meu na rua. Estacionei, desci do carro e um homem me pegou pelo braço. Ele me jogou dentro de um carro, me obrigou a beber algo e lembro que ele colocava uma toalha molhada no meu rosto. Outro homem dirigia o


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Feira de Santana-Bahia, novembro de 2019 Foto: reprodução

carro. Acordei na madrugada, num matagal. Era um local deserto, próximo ao aeroporto de Salvador. Eu não sentia meu corpo. Doía tudo. Eu não conseguia me mexer. Cerca de 30 minutos se passaram até eu conseguir entender o que poderia ter acontecido. Fui lembrando, aos poucos. Minha roupa estava amontoada perto de mim. Minha bolsa, com meus pertences, mas o celular não. Eu não conseguia ver uma forma de pedir socorro. Não havia casas. Tentei levantar e percebi sangue. Doía tudo e eu não conseguia andar. Orei por uns 30 minutos. O dia estava amanhecendo e passou um senhor de bicicleta. Eu não sabia se gritava por socorro ou se me calava e me escondia. Consegui dar sinal e ele se aproximou. Eu não estava vestida. Só me escondia com a própria roupa e chorava. Ele entendeu a minha situação. Quis ligar para alguém da família dele, para pedir socorro, mas eu só pedia que ele ligasse para a polícia e para meu companheiro, que, depois, soube que estava sem dormir, preocupado porque eu não havia voltado para casa. A polícia chegou e me levou direto para a delegacia. Foi um processo tão doloroso quanto ter acordado e me visto ali, impotente, sem saber o que fazer. Fiz exames, tomei medicações, mas não conseguia acreditar que aquilo estava acontecendo comigo. Eu só chorava. Eu queria morrer. Eu não queria que ninguém, além daquele senhor, da polícia e

do meu companheiro, soubesse. Demorei uma semana para conseguir voltar à rotina de trabalho. Até hoje, lembro-me de tudo, quando acordo e quando vou dormir. De tudo. Do que aconteceu na minha infância e adolescência e do caso de quatro anos atrás. Eu choro. Eu sinto a mesma dor física, como se tivesse acontecido agora. Mas sigo a vida. Com medo de tudo e de todos. Revoltada por saber que não temos o direito de ir e vir, principalmente nós, mulheres. Eu já vinha sendo acompanhada psicologicamente, desde os meus 28 anos. Hoje, tenho 36. Na época do ocorrido em Salvador, não queria mais fazer terapia. Eu achava que nada fazia mais sentido, que não adiantava cuidar de mim, porque, a qualquer momento, iria aparecer alguém e acabar com meu psicológico, novamente. Afastei-me, por um ano. Nesse tempo, voltei a morar em Feira e retornei à terapia. Acredito que é muito importante esse acompanhamento, independente do tipo de violência que a mulher sofre. Não sei como é feito esse processo com pessoas que não podem pagar pela consulta, mas, até hoje, sigo pagando particular. Com relação à ajuda do poder público, acho que falta entendimento. Não só do poder público, mas de toda a sociedade. Eu NUNCA tive coragem de contar sobre o ocorrido a ninguém, com exceção de duas amigas e do meu

ex-companheiro. Há o medo do julgamento. Há o medo de as pessoas dizerem que é para aparecer. Há o medo de as pessoas taxarem você de coitadinha. Há o medo de as pessoas duvidarem do que você está falando. São tantas coisas em jogo... Preferi me calar e cuidar de mim. Hoje, entendo, perfeitamente, que não tive culpa de nada. Eu me solidarizo muito com mulheres que sofrem qualquer tipo de abuso. Não consigo ler as notícias e sair ilesa. Eu sempre choro, peço a Deus pelas mulheres, que elas consigam ser curadas das dores física e psicológica. Não há nada mais cruel do que ser violentada. Não há! Acho que a sociedade precisa entender isso, sabe? Acho que as mulheres, principalmente, precisam sair dos discursos prontos de internet e fazer algo. Acho que deveriam existir grupos de mulheres, para se ajudarem; algo que todas pudessem ter acesso. Eu já pensei em sair por aí falando sobre a minha história e encorajando jovens a denunciar esses psicopatas. A coragem que eu não tive naquela época queria que as meninas de hoje tivessem. Aquele homem que fez o que fez comigo, na minha infância e pré-adolescência, vive uma vida normal, hoje. Impune! Eu não consegui falar, denunciar. Hoje, não adianta mais eu fazer isso. Mas eu queria muito que as crianças e adolescentes de hoje tivessem esse discernimento de contar, de conversar com os pais. Talvez isso se aprenda na escola, talvez conversando com mais velhos. Eu, realmente, acho que algo precisa ser feito. O meu conselho para alguém que já passou pelo que eu passei é: fale. Fale sobre. Faça acompanhamento psicológico. Se se sentir à vontade, converse, com amigas, sobre. O silêncio nos adoece. Aquilo que eu não fiz, há vinte anos, ensinem suas filhas a fazerem. Ensinem que elas não têm culpa pelos erros dos outros. Encorajem as meninas! Conversem muito com elas. Se o seu caso é algo parecido com o meu já na fase adulta, procure terapia, denuncie, tente manter sua vida, normalmente. Chore. Chore quantas vezes sentir a dor. Ore. Peça a Deus orientação e que afaste todos os fantasmas de você. Lembre que você não é culpada. Lembre sempre que a sua vida vale mais do que a psicopatia do outro. Vai doer, toda vez que você lembrar, mas sempre haverá outro dia, pessoas e momentos que nos arrancarão um sorriso.”


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Feira de Santana-Bahia, novembro de 2019

Rede de apoio a vítimas de violência sexual, em Feira, Foto: Karoliny Dias

Karoliny Dias É estarrecedor o número de estupros que ocorrem no Brasil. O ano de 2018 foi de recordes. 63,8% dos casos de estupros reportados à polícia foram cometidos contra vulneráveis, ou seja, quando a vítima tem menos de 14 anos e é considerada juridicamente incapaz de consentir uma relação sexual ou, ainda, quando quem sofre o abuso não consegue oferecer resistência, seja por deficiência, enfermidade ou por estar sob o efeito de drogas. O 13º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, lançado, em setembro desse ano, pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), traz mais dados sobre as vítimas. De acordo com o documento, 81,8% delas são do sexo feminino e 18,2% do masculino. No caso do estupro de vulneráveis, o ápice da violência sexual ocorre aos 13 anos, mais comumente com meninas. Com os meninos, a maior concentração de registros é por volta dos sete anos. O levantamento mostra ainda que 75,9% dos agressores são conhecidos das vítimas. Do total de estupros reportados, 93,2% tiveram autoria única e 6,8% foram cometidos por mais de um abusador. Os homens são maioria entre os autores: 96,3%. Em Feira de Santana, os casos registrados aumentaram 56%, em relação ao ano de 2018. De janeiro até o dia 24 de outubro, a Delegacia de Atendimento à Mulher (Deam) registrou 61 casos de estupro. Na maioria deles, as vítimas conheciam seus agressores. Titular do órgão, a delegada Edileuza Suely Ramos afirma que o psicológico das pessoas que sofrem esse tipo de violência fica extremamente abalado. Ela explica o protocolo de atendimento às vítimas: após abrir o Boletim de Ocorrência (BO), na Deam, a mulher é encaminhada para fazer um exame de corpo delito e, posteriormente, encaminhada ao Centro de Referência Maria Quitéria (CRMQ). “Após essa assistência, se a vítima estiver em situação de risco iminente de morte, é levada para a Casa Abrigo e uma medida protetiva é solicitada. O endereço do local de acolhimento permanece em sigilo. A mulher é levada até lá com os olhos vendados, a fim de que não saiba a localização do abri-

De acordo com o juiz Wagner Ribeiro, titular da 1ª Vara de Violência Doméstica e Familiar de Feira de Santana, quem comete crime de estupro dentro da sociedade conjugal tem pena agravada go. Esse cuidado é tomado para evitar que, porventura, em alguma conversa com familiares, possa revelar onde está e colocar em risco tanto a própria vida quanto a vida de outras pessoas abrigadas”, esclarece. Conforme a delegada, o tempo de permanência no abrigo depende de cada mulher. “Elas podem ficar o tempo que for necessário. Algumas passam meses. No entanto, às vezes, acontece de uma ou outra querer sair no dia seguinte. Quando preciso, os filhos também ficam no abrigo, junto com elas”, explica. De acordo com Edileuza Ramos, quando a vítima de abuso sexual é uma criança, a conduta muda. Ela explica que os menores de idade são encaminhados, imediatamente, a um psicólogo. “O profissional, então, ouve a família, a fim de saber detalhes do comportamento da criança. E emite um relatório, afirmando ou negando a presença de indícios de abuso sexual”, relata.

REDE DE APOIO

Em Feira de Santana, existe toda uma rede de apoio a mulheres vítimas de violência doméstica. O Centro de Referência Maria Quitéria (CRMQ) é um dos principais componentes dela. Nele, a mulher vítima de qualquer tipo de violência é atendida e tem tratamento contínuo. “O local dispõe de psicólogos, assistentes sociais e advogadas, para dar todo o suporte necessário a essa mulher”, diz a titular da Deam. Coordenadora do CRMQ, Maria Josailma Ferreira Lima enfatiza que a instituição prioriza o atendimento de mulheres em situação de violência doméstica ou familiar, perpetrada por seus parceiros, ex-companheiros, irmãos, pais ou outros familiares, mesmo no caso de relações homoafetivas. “As mulheres vítimas de violência sexual praticada por desconhecidos também são atendidas aqui”, informa. Josailma Lima salienta

que, geralmente, as vítimas chegam encaminhadas pela Rede de Proteção, sempre após o atendimento clínico, para contracepção de emergência e profilaxia das Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST) e Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV). “Após a acolhida, é realizada a escuta qualificada, por profissionais da área de Psicologia e Serviço Social, com o objetivo de identificar as demandas e referenciar a vítima aos demais serviços”, explica, enfatizando que todos os protocolos de atendimento são realizados por uma equipe qualificada e multidisciplinar. Segundo a coordenadora, tudo é feito com o total respeito às decisões tomadas pela vítima, que é convidada a participar de grupos de convivência e encontros semanais. Os atendimentos também podem ser estendidos a familiares, caso seja necessário. A advogada Fabiana Machado, idealizadora do projeto Versos de Mulher, diz que, além da Deam e do CRMQ, a rede de apoio também conta com o Ministério Público (MP), com a Defensoria Pública (DP), a Vara da Justiça pela Paz em Casa, a Casa Abrigo, o Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas), o Centro de Referência de Assistência Social (Cras), o Centro de Atenção Psicossocial (Caps), o Conselho Municipal de Defesa dos Direitos da Mulher, a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social, o Instituto Médico Legal (IML), hospitais públicos e entidades sociais, a exemplo do Movimento de Mulheres em Defesa da Cidadania (Mondec) e do Versos de Mulher. “A rede é ampla, bem estruturada e funciona”, garante. Fabiana Machado ressalta que os agentes públicos precisam realizar melhorias periódicas nos equipamentos de proteção às mulheres vítimas de violência sexual, com a finalidade de tornar o enfrentamento a esse tipo de crime altamente satisfatório. “É preciso forte investimento financeiro, equipar a rede com tecnologia de ponta, contratar recursos humanos adequados e acolher as reivindicações dos movimentos sociais. Não se pode admitir que a vítima, ao bater na porta do Estado, seja submetida à revitimização e à culpabilização, em razão da violação do princípio da humanidade. A vítima tem

direito à proteção absoluta e integral”, adverte. De janeiro a setembro desse ano, o Centro de Referência em Infecções Sexualmente Transmissíveis – HIV/ Aids já prestou 29 atendimentos a pessoas vítimas de estupro, em Feira de Santana. No ano de 2018, no mesmo período, foram 16 ocorrências. “O atendimento a vítimas de violência sexual, aqui no serviço, começa pelo Centro de Testagem e Aconselhamento (CTA), onde essas pessoas são acolhidas e, posteriormente, encaminhadas para a realização de testes rápidos de HIV, sífilis, hepatites virais e de profilaxias, como a Terapia Antirretroviral e outras medicações para HIV/IST. Essas medicações são prescritas por um infectologista do programa”, diz Vanessa Sampaio, enfermeira referência do órgão. Paralelo a isso, a vítima também passa por atendimento psicológico, na própria unidade. Ainda segundo Vanessa Sampaio, quando preciso, o órgão realiza o direcionamento a outras instâncias. “Após atendimento no CTA e no Serviço de Assistência Especializada (SAE), a vítima de violência sexual é enca-

minhada para atendimento psicológico, caso ela deseje e aceite”, informa. Conforme a enfermeira, toda essa assistência é mantida em sigilo. A identidade da vítima também é preservada, a fim de que se sinta segura. “Esse espaço é utilizado para a reconstrução da autoestima e da autonomia dessa pessoa, que está frágil e sem muitos recursos emocionais para enfrentar a situação”, lembra.

TRATAMENTO PSICOLÓGICO

A psicóloga Camila Andrade afirma que as vítimas de estupro sofrem tanto com as sequelas físicas quanto com os traumas emocionais. “Na esfera psicológica, elas começam a sentir medo de andar sozinha e das pessoas que estão ao seu redor. Também sentem culpa, vergonha e ficam desconfiadas. Isso pode desencadear distúrbios de sono, depressão e Transtorno de Estresse Pós-traumático (TEPT). O sentimento de degradação e a perda da autoestima também são grandes. As mulheres se despersonalizam e desrealizam, sentem nojo de si mesmas. E podem, ainda, Foto: Reprodução

“Não se pode admitir que a vítima, ao bater na porta do Estado, seja submetida à revitimização e à culpabilização. A vítima tem direito à proteção absoluta e integral”, diz a advogada Fabiana Machado, presidente do projeto Versos de Mulher


Feira de Santana-Bahia, novembro de 2019

é ampla, bem estruturada e funciona, diz advogada desenvolver um quadro de ansiedade”, enumera. Conforme a profissional, as mulheres também podem sofrer com temores sexuais, além de ter pesadelos repetidos com o ato violento, vivenciando, novamente, a sensação do estupro. “Isso pode levar ao desenvolvimento de síndrome do pânico e de tendências suicidas. E afetar os relacionamentos íntimos delas”, destaca. Camila Andrade explica ainda que o maior medo das vítimas de estupro é de que a violência sofrida volte a acontecer. “A vítima pode desenvolver algum tipo de trauma, mas isso pode ser trabalhado em terapia. O tratamento é individual. Por isso, os protocolos de atendimento serão diferentes para cada uma. Normalmente, não é preciso intervenção medicamentosa. Depende dos sintomas apresentados. Se eles atrapalham a vida e a rotina, aí, sim, medicamentos são necessários, para controlar e ver, com clareza, o que é sintoma ou o que está acontecendo, na realidade”, esclarece.

Foto: Reprodução

“A violência sexual contra a mulher é um problema de saúde pública, que pode acarretar consequências médicas, psicológicas e sociais”, alerta a psicóloga Judinara Braz

SUICÍDIO

Sobre casos de suicídio após estupro, Camila Andrade alerta que, depois de ser vítima desse tipo de crime, a ideia que a pessoa tem de si mesma muda. “Para diminuir a dor, a culpa e o nojo que sente de si, a vítima cogita o suicídio. São pensamentos negativos baseados no que aconteceu, e não no futuro. São distorções. E isso faz com que a pessoa sinta como se não tivesse valor nenhum. Mas é algo que pode ser evitado, com suporte e apoio das pessoas próximas”, observa. A psicóloga Judinara Braz alerta que as principais consequências da violência sexual são: lesões físicas, gravidez indesejada, Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) e impactos psicológicos, como ansiedade e depressão, que podem, sim, levar a vítima ao suicídio. “A violência sexual contra a mulher é um problema de saúde pública, que pode acarretar consequências médicas, psicológicas e sociais. As vítimas também podem vir a sofrer de transtornos alimentares, distúrbios sexuais e do humor. E apresentar problemas sérios, como uso ou abuso de álcool e drogas, redução da qualidade de vida, comprometimento da

satisfação com a vida, com o corpo, com a atividade sexual e com os relacionamentos interpessoais”, especifica. Ainda segundo Judinara Braz, o acolhimento da pessoa em situação de violência deve permear todos os locais e momentos do processo de produção do cuidado, diferenciando-se da tradicional triagem. “O acolhimento representa a primeira etapa do atendi-

mento e, nele, são fundamentais: a ética, a privacidade, a confidencialidade e o sigilo. A pessoa deverá ser acolhida em ambiente reservado, assim que sinaliza o fato que a levou a procurar atendimento”, recomenda. A psicóloga relata ainda que o trauma deixado pela vivência do abuso sexual, sobretudo quando se trata de menores de idade, marca as vidas das vítimas. “As crianças que viven-

ciam essas situações não entendem o que está acontecendo. Sentem vergonha e medo e ainda se sentem culpadas pelo abuso do qual foram vítimas”, frisa. Sobre como identificar que uma criança foi abusada, Judinara Braz adverte que elas dão alguns sinais, como mudança de comportamento, proximidade excessiva e regressão. “Um indicativo apontado pelos especialistas é o de recorrer a comportamentos infantis, que a criança já tinha abandonado, mas volta a apresentar, repentinamente. São coisas simples, como fazer xixi na cama ou voltar a chupar o dedo. Começar a chorar sem motivo aparente também pode ser um indício”, alerta.

LEI DO MINUTO SEGUINTE

A advogada Fabiana Machado reforça que o atendimento às vítimas de violência sexual deve ser prioritário, tanto nas instituições quanto nos hospitais públicos. “As vítimas de violência sexual precisam procurar atendimento hospitalar nas primeiras 72 horas após o estupro, para receber tratamento profilático”. A Lei 12.845/2013, mais conhecida como Lei do Minuto Seguinte, inclusive, garante às vítimas de estupro atendimento humanizado imediato, emergencial e integral, em todos os hospitais do Sistema Único de Saúde (SUS), independentemente da apresentação de Boletim de Ocorrência ou de outros documentos

que comprovem o abuso sofrido. De acordo com o Ministério Público Federal (MPF), “a palavra da vítima é suficiente para fazer a valer a Lei”. O objetivo é agilizar a assistência e evitar o reforço do trauma, por descaso ou omissão dos profissionais da rede pública de saúde. Ainda segundo a advogada Fabiana Machado, não apenas a Deam, mas todas as Delegacias do Estado devem atender e receber esse tipo de ocorrência. Ela também esclarece que, nos casos de violência sexual contra crianças e adolescentes, o Conselho Tutelar precisa ser comunicado e deve agir de imediato. “A finalidade é garantir a proteção absoluta e integral da criança ou do adolescente violado, bem como aplicar à situação todas as medidas protetivas necessárias, além de acionar o Ministério Público, porque qualquer omissão, por mínima que seja, levará à impunidade do violador”, ressalta. Os caminhos da investigação, apuração e punição do agressor, no crime de estupro, são complexos. Após a vítima prestar queixa na Delegacia da Mulher ou em outra delegacia, um inquérito é instaurado. O delegado titular, então, colhe todas as informações necessárias, no prazo da lei, e remete todo o material ao Ministério Público. É o MP que vai oferecer a denúncia ou pedir o arquivamento do caso, ao juiz. “O juiz pode optar por receber a denúncia ou arquivá-la. Se receber, o processo passa para a

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fase de colheita de provas, oitiva do réu, da vítima e das testemunhas. Por fim, o juiz profere a sentença. É um processo longo, difícil, árduo para a vítima, mas nenhuma vítima pode deixar de denunciar seu agressor”, recomenda. O Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) atestou que apenas 7,5% das vítimas de violência sexual, no Brasil, notificam a polícia. Dados desse mesmo Fórum apontam que 76% das vítimas possuem algum vínculo com o abusador. Responsável pela 1ª Vara de Violência Doméstica e Familiar do município, o juiz Wagner Ribeiro afirmou que não se sabe exatamente o número de estupros que ocorre na relação entre marido e mulher, mas acredita que são poucos, em Feira de Santana. “No entanto, a violência contra a mulher ainda é grande. Temos, aqui, mais de 3 mil casos. Dentro desse universo, a quantidade em que o estupro faz parte não é muito grande, mas existe”, afirma. Para quem comete crime de estupro dentro da sociedade conjugal, o magistrado destaca que a punição para o agressor é agravada. “Se o crime é cometido no âmbito doméstico, temos uma pena grave, séria e severa. A lei não traz uma pena específica, mas temos uma pena mínima e uma pena máxima. Ela pode iniciar com oito anos e ir até 20 anos de reclusão ou mais, dependendo da gravidade do delito”, adverte. Foto: Reprodução

Centro de Referência Maria Quitéria atende mulheres em situação de violência doméstica ou familiar, perpetrada por parceiros, ex-companheiros, irmãos, pais ou outros familiares, mesmo no caso de relações homoafetivas, segundo Josailma Ferreira Lima, coordenadora do órgão


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César Oliveira

Bodega do Legozza

aldeias@uol.com.br

Memorial da Feira Sem dúvida, uma excelente iniciativa da Secretaria Municipal de Comunicação (Secom), a criação do Portal Memorial da Feira. Ele permite que estudantes e a população em geral tenham acesso a informações sobre a história da cidade, através de documentos, depoimentos, fotos e filmes que retratam a evolução do Município, de forma rápida, com atualização permanente. Além disso, a exis-

tência do Portal torna as informações muito mais acessíveis do que na forma impressa, habitual, especialmente porque são materiais de fontes diversas e que estão ali reunidas. É uma grande contribuição, como retratamos nessa edição do Tribuna Cultural, para a preservação, divulgação e amplificação da memória feirense. Esperamos que a iniciativa seja persistente, independente do governo que estiver no poder.

Ensino Médico A Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs) prepara-se para formar mais uma Turma de Medicina, a décima primeira. Enquanto isso, lutamos pela reposição dos modelos de

simulação da Unidade de Habilidades e pelo pleno funcionamento do Ambulatório – um dessas obras intermináveis de Feira –, para qualificar, ainda mais, o processo de Ensino-Aprendizagem.

Violência Sexual O Brasil apresenta um estarrecedor número de casos de violência sexual. Os dados, no entanto, são extremamente controversos. E não há dados científicos de boa qualidade, que nos permitam dimensionar, com precisão, o problema. Os dados registrados sugerem 180 casos por dia, enquanto dados do Atlas da Violência, estimando-se os casos de subnotificação, chegaria a quase 500 mil por ano. Ou seja, precisamos investir em investigação cientifica de qualidade, a fim de conhecer essa realidade, para, então, determinar estratégias de intervenção. Um estudo do Instituto de Pesquisa Eco-

nômica Aplicada (Ipea), de 2010-2014, mostra aspectos absolutamente aterradores: 69,9% das vítimas eram crianças e adolescentes. E mais de 10,0% das pessoas agredidas sofriam de alguma deficiência física e/ou mental. Observou-se, ao

Foto: Reprodução

mesmo tempo, o aumento da proporção de casos de estupro coletivo, que, em 2014, responderam por 15,8% do total, sendo esta proporção correspondente a 25,6%, quando os autores eram desconhecidos da vítima. Outro dado estarrecedor mostra que cerca de

40,0% dos estupradores de crianças pertenciam ao círculo familiar próximo, incluindo pai, padrasto, tio, irmão e avô. Esse é um problema que exige múltiplas intervenções, incluindo legais, educacionais e culturais.


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O Ano Bolsonaro Apesar das limitações culturais e da mixórdia de alguns debates, a verdade é que Bolsonaro vai entregar um ano melhor do que recebeu, apesar do ranger de dentes da imprensa, da esquerda ressentida e dos torcedores do caos. O país acaba de fechar o sétimo mês com geração positiva de empregos. O índice de atividade do Banco Central – calculado com dados da indústria, dos serviços, do comércio e da agricultura – apresentou alta de 0,91%, o que leva à previsão de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) para 2%, em 2020. A indústria de cimento apresentou crescimento de 9,2% em Outubro. Além disso, está entregando a menor taxa de juros da história e inflação mais baixa. O ministro Moro conseguiu a redução de 23% dos crimes violentos; isolou líderes das facções – e só ele teve coragem de fazer isso –; utilizou recursos do crime a favor do cidadão; implantou o laboratório de Genética Forense e o Sistema Vigia nas fronteiras; fez acordo para ação policial em países vizinhos; deportou bandidos; ampliou o número de agentes da Polícia Federal (PF) e, com ela, bateu recorde absoluto de apreensão de cocaína, o

que corta recursos do crime; além de ter criado Delegacias Especializadas no combate à corrupção. O governo fez a reforma da Previdência, que todos tentaram, mas não conseguiram; o acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE); a Lei da Liberdade Econômica (250 negócios, sem pagar por alvarás, por exemplo); o décimo terceiro salário do programa Bolsa Família; cortou patrocínios inúteis (Fórmula 1), verbas da Rouanet, para artistas consagrados, e liberou significativa verba para hospitais Universitários. Fez, ainda, o melhor Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) da história, sem ideologia; criou a carteira de estudante gratuita; ampliou o Ensino Técnico; e está reduzindo a maldição da burocracia. Na Infraestrutura, o ministro Tarcísio Gomes de Freitas – o melhor do governo – tem produzido uma revolução, com rodovias, concessões, retomada dos programas ferroviário e aéreo. Apesar dos fracassos no Turismo e Meio Ambiente, não há como negar que são medidas e resultados extremamente positivos, ao analisarmos, com frieza e sem torcida.

Parece, mas não É

Depois do “fumei, mas não traguei”, de Clinton; do “esqueçam o que escrevi” e do “assinei sem ler”, de FHC; do “eu não sabia de nada”, do Lula; do “ganhei o relógio, mas não usei”, de Jacques Wagner, eis que surge o “pedi a senha, mas não acessei” – os 600 mil sigilos fiscais –, de Dias Toffoli.

Saneamento Básico, em Feira, é vergonhoso

Juazeiro vai chegar a 96% de cobertura sanitária. Em Campina Grande, o atendimento total de água é de 99,98% e o de esgoto ficou em 93,90%. Diz a Embasa que, por aqui, é em torno de 60%. E caímos, no ranking das 100 maiores cidades, nesse aspecto. A Embasa arrecadou R$ 664,26 milhões, em Feira, nos últimos cinco anos, mas o investimento foi de, apenas, de R$ 240,72 milhões.

Prisão em Segunda Instância A prisão em 2ª Instância vigorou, no Brasil, por mais de 68 anos – de 1941 a 2009 e de 2016 a 2019. Ou seja, o Supremo Tribunal Federal (STF) mudou de posição três vezes em 11 anos, criando uma total insegurança jurídica. O Brasil é a única exceção, entre os países desenvolvidos, a prender só após julgamento no STF, que nunca julga ninguém. Isso faz de nós o pa-

raíso da impunidade e desmerece as cortes inferiores. A 1ª e a 2ª instâncias tratam de análise das provas, ou seja, quando o julgamento do réu já tem definido sua culpa. O que se discute, nas Cortes Superiores, é se houve algum ato que feriu o processo, ou algo similar, mas não mais as provas. Prender em 2ª Instância – muitos países prendem em 1ª – é um ato civilizatório.

Brasil nas ruas contra Gilmar Foto: Renato S. Cerqueira/ Futura Press/ Estadão Conteúdo/ Reprodução

Em ato absolutamente inédito, o Brasil foi às ruas contra o ministro Gilmar Mendes, do STF, algo que nunca tinha ocorrido, nesse país. A falta de compostura, ética e coisas piores, em Gilmar, que costuma sempre passar uma mensagem de leniência com o crime, motivou a inédita mobilização. Outra pauta das ruas foi a prisão em 2ª Instância, uma prioridade para todos os brasileiros de bem.


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Dom Itamar Vian

Luzes no Caminho di.vianfs@ig.com.br

O PODER DO SILÊNCIO NOSSAS CASAS e nossas cidades são agitadas pelo barulho e o silêncio transformador é morto pela parafernália eletrônica que nos enche os ouvidos, os olhos e embota o coração. Fazemos de tudo para fugir do silêncio. Mas o contrário do que a maioria pensa, o silêncio não é perda de tempo, não é fuga da ação.

POLÍTICA AMBIENTAL Jose Marques Neto Segundo, pessoa física, atuante na área de compostagem estabeleceu a seguinte política para guiar seu compromisso com o meio ambiente:

• Conduzir o empreendimento com máxima segurança, honestidade e responsabilidade atendendo aos padrões ambientais estabelecidos pela legislação e regulamentos vigentes no país;

AS PESSOAS que revolucionaram o mundo vieram do deserto, onde tiveram a experiência fértil do silêncio: foi no deserto que Moisés tomou a decisão de ir libertar seu povo do Egito. Foi no deserto que Jesus se preparou para sua missão de redentor do mundo. Foi no deserto do Saara que Charles de Foucauld, deu a largada de um grande movimento de espiritualidade cristã e humanística. O DESERTO é silêncio. O silêncio produz o encontro com o Deus da Vida. Quem não passa pela experiência do silêncio, não sentirá a passagem de Deus por sua vida. Vai perder as melhores oportunidades de crescimento pessoal, pois estará sempre mergulhado na agitação do

PUBLICAÇÃO PEDIDO DE LICENÇA AMBIENTAL

• Incentivar os parceiros de negócios a buscar práticas ambientalmente corretas, capacitando e conscientizando funcionários e terceiros que executem atividades na empresa;

• Buscar a melhoria contínua do desempenho ambiental, através do monitoramento de nossos aspectos ambientais e a melhoria de nossas tecnologias, conforme normas técnicas existentes o que contribui com o aprimoramento do sistema gestão ambiental, atingindo nossos objetivos e metas;

• Treinamento contínuo de funcionários; • Conscientização da comunidade quanto à proteção ambiental; • O melhoramento contínuo de nossas tecnologias visando a excelência no processo de compostagem, certos de ser uma tecnologia favorável ao meio ambiente.

José Marques Neto Segundo, CPF 044775245-60, torna público que está requerendo à Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Recursos Naturais - SEMMAM, a Licença Ambiental para Usina de compostagem e Triagem de Materiais e Resíduos Urbanos, localizada na Faz. São Joaquim, distrito de Humildes, zona industrial, Feira de Santana Bahia, CEP 44100-000 .

mundo. Nossa vida precisa de silêncio a fim de que possamos refletir e avaliar nossas atitudes. SOMOS tão cercados pelo barulho do som e da imagem que perdemos a sensibilidade pelas pessoas. Não calando, não ouvimos. Quanto mais o ruído nos dominar os sentidos, menos teremos paciência para escutar alguém. Nossas casas tornam-se ninhos de solidão e insensibilidade. Perdemos a disposição para a conversa e para o diálogo, porque a televisão, o computador e celular ocupam todo nosso tempo. SOMOS os grandes prejudicados pela ausência do silêncio porque acabamos não nos escutando mais. Pior ainda, teremos medo do silêncio que nos coloca frente a frente com a nossa consciência e não conseguimos refletir sobre nossa própria vida e nossas atitudes. Por isso, vem a depressão, o sentimento destrutivo de estarmos sozinhos no mundo, de não termos quem se preocupe conosco. E o barulho será o remédio para fugirmos de nós mesmos. A PESSOA que gosta do silêncio está em paz consigo mesmo e com a vida. Seu silêncio será contemplação feliz da própria existência. Deus age sempre no silêncio de nosso coração. Sem silêncio, sua presença passará despercebida e o sentiremos sempre mais distante de nós. “Quem vigia a sua boca, guarda sua vida, quem muito abre seus lábios se perde” (Prov. 13,3).


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