MP Velocidade

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DEZEMBRO 2015 • Matéria-Prima YASMIN GODOY

Atibaia tem forte produção química e alto consumo de medicamentos

Operadores de telemarketing são submetidos a dinâmicas exaustivas para atingir metas Página 8

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Pós-modernidade impossibilita humanos de serem humanos

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Matéria-Prima Jornal-laboratório do Curso de Jornalismo da FAAT Faculdades • Atibaia • Dezembro 2015 • nº 21

FOTO: DIEGO PHILIPE

Vida sem pausa

Pós-modernidade traz consigo o abalo das certezas estabelecidas, a dessacralização da autoridade e, sobretudo, a emergência do homem multifacetado. E agora?

Crise macroeconômica atinge Atibaia Página 7


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EDITORIAL

ACONTECE REPRODUÇÃO

FAAT em Pauta abordou temas de Projeto Integrado na TV Programa de entrevistas foi produzido em Telejornalismo FOTOS: DIEGO PHILIPE

Aline Zarur*

Desacelerar é necessário Paulo Henrique da Silva Por ora, desligue a TV. Não responda às mensagens do WhattsApp. Deixe de lado o Big Mac. Compartilhe depois aquela foto com inúmeros filtros. Caso se sinta depressivo, tente não se automedicar. Não compre nenhum produto agora. Apenas respire, devagar. Desacelere. Defina prioridades. Pense mais. Leia e compreenda. Nós, sujeitos pós-modernos, estamos condicionados a uma correria danada. Dividimos a impressão de que as horas voam e o dia é sempre curto demais para realizarmos nossas tarefas. Vivenciamos de fato uma vida sem pausa, comprimida em 24 horas por dia e sete dias por semana — ou 24/7, como teorizou o escritor Jonathan Crary. Pensando nisso, os alunos do primeiro, segundo e terceiro anos de Jornalismo lançaram luz sobre o tema “Tempo, Velocidade e Pósmodernidade”. O projeto integrado realizou-se em duas fases. A princípio com temáticas em nível global e, depois, regional. Analisaram-nas a maneira como estão presentes na vida em sociedade, permeadas pelo

uso abusivo de psicofármacos; na formação identitária de crianças, jovens e adultos; no consumo desenfreado de bens; na consolidação do fast-food como alimento contemporâneo; na emergência de novas tecnologias; até na substituição do espaço público pelos ambientes virtuais. Na fase seguinte, os alunos reportaram temas regionais, vinculando-os aos subtemas pesquisados anteriormente. Finalmente, produziram uma edição especial do programa televisivo “FAAT em Pauta”, que contou com a presença de professores das áreas da sociologia, filosofia, psicologia e meio ambiente para discutirem as causas e consequências da pós-modernidade. Desse modo, a presente edição do Matéria-Prima traz nas páginas seguintes os resultados alcançados nesse trabalho conjunto. A vocês, caros leitores, não imprimimos respostas definitivas, mas deixamos algumas perguntas, bons momentos de reflexão e uma proposta: Olhemos mais para o entorno e para o outro. Desliguemos a televisão e os celulares. Afinal, desconectar é também conectar-se. Boa leitura!

Em 17 de novembro os alunos do sexto semestre do curso de jornalismo gravaram a primeira edição do programa experimental “FAAT em Pauta”. O programa, resultado do PIJ (Projeto Integrado de Jornalismo), ocorreu no auditório do Campus Dom Pedro e contou com a presença de professores da faculdade. Participaram dessa edição os professores Érica Cardoso, Marcos Bernardi, Yara Milan e Estevão Vernalha, que discutiram o tema Tempo e Velocidade, relacionando o conteúdo de suas áreas de conhecimento ao debate proposto pelo apresentador, o aluno Hugo Moura. Os demais alunos atuaram em produção, reportagem, fotografia e técnica.

Os assuntos que marcaram o bate-papo foram “a identidade no capitalismo”, “consumismo”, “a felicidade como fetiche”, “o sentido da vida” e “meio ambiente”. Em meio à discussão, o professor Marcos Bernardi apontou que a sociedade se orgulha em dizer que é conectada, ao invés de se orgulhar em ser uma sociedade vinculada. Segundo ele, “a co-

nexão é frágil, cai, some. Já o vínculo é forte e intensifica as relações”. Ao final do programa, os convidados agradeceram a oportunidade de participar do debate e disseram que a busca pelo sentido da vida sempre marcou a maneira como o ser humano vive. *Acadêmica do 2º semestre do curso de Jornalismo

FAAT realiza 6ª edição do JOBMIX para alunos do curso de comunicação Michele Gomes Montanher* Na última semana de outubro, nos dias 26, 27 e 28, foi realizada a 6ª edição do JOBMIX na FAAT Faculdades. Este evento foi realizado para todos os alunos dos cursos de comunicação, Jornalismo, Relações Públicas e Publicidade e Propaganda. Cada curso teve um palestrante diferente durante os três dias, momento conhecido na faculdade como Semana de Comunicação. Para o curso de Jornalismo, o primeiro dia contou com a presença do correspondente de guerra Moises Rabinovici,

que relatou um pouco da sua trajetória ao longo dos anos em que atuou como jornalista, e que, por ironia do destino, completava seus setenta anos no dia da palestra. Moises car-

rega em seu repertório um rico arquivo de credenciais, que lhe rendeu várias histórias, e uma delas é sobre os conflitos no Oriente Médio. Lucas Rangel e Mayra Bondança, alunos formados pela própria faculdade, marcaram presença no segundo dia das palestras. Eles apresentaram seus projetos de TCCs para os estudantes de jornalismo. No último dia a palestra foi de Jean Takada, que contou suas experiências em produzir reportagens especiais e sua vida inusitada como repórter. *Acadêmica do 2º semestre do curso de Jornalismo

Matéria-Prima Ano 7, nº 21 – Novembro de 2015

Jornal-laboratório do Curso de Jornalismo, da FAAT – Faculdades, produzido pelos alunos do 3º e 5º semestres. Os textos publicados são de responsabilidade dos autores, que os assinam, não refletindo a opinião da Instituição. Diretores da Mantenedora da FAAT: Marilisa Pinheiro, Hercules Brasil Vernalha, João Carlos da Silva, Júlio César Ribeiro, Manoel Ferraz. Diretor Geral de Administração: Saulo Brasil Ruas Vernalha. Diretor

Acadêmico: Gilvan Elias Pereira. Diretor Administrativo-Financeiro: Elias dos Santos Reis. Diretora de Comunicação: Maria Gorette Lourenço Nobre. Diretor de Manutenção, TI e Projetos Prediais: Angel Henrique Rodrigues de Souza, Coordenador de Captação de Alunos e Pesquisa e Extensão: Orivaldo Leme Biagi; Coordenadora Geral da Pós-Graduação: Hilda Maria Cordeiro Barroso Braga. Professores-orientadores: Osni Dias (MTb 21.511) e William Araújo (MTb 20.015). CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL: Coordenador do Curso de Jornalismo: Prof. Ms. Osni Tadeu Dias


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Atibaia tem forte produção química e alto consumo de medicamentos

Cidade sofre com a vida sem pausa e suas consequências. Para especialista, época patologiza nossos problemas YASMIN GODOY

Yasmin Godoy O Brasil é o país com maior número de farmácias no mundo e o 4º em consumo de medicamentos. Segundo o IMS Health, só em 2013, a indústria farmacêutica brasileira lucrou cerca de R$ 58 bilhões com a venda de quase 3 bilhões de remédios. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que metade desse consumo é feito de forma irracional, ou seja, em dose, tempo e custo maior que o necessário. Esse consumo excessivo vem se estendendo por todo o país. Em Atibaia, a situação não é diferente: a Secretaria Municipal de Saúde estima que só no setor público sejam consumidos anualmente mais de um milhão de hormônios para tratamento de hipotireoidismo e cerca de 650.000 comprimidos de omeprazol – medicamento utilizado em casos de problemas gástricos. Apesar de esses medicamentos serem considerados “essenciais” em muitos tratamentos, um dado chama a atenção: mais de 125.000 unidades de ibuprofeno – me-

Atibaia: 650 mil comprimidos Omeprazol e 125 de analgésico por ano

dicamento analgésico e anti-inflamatório com efeitos colaterais comprovados – são consumidos por ano, muitas vezes de maneira excessiva e desnecessária. Tudo isso para uma população com pouco mais de 115.000 habitantes. No setor público, o uso de medicamentos foi regulamentado no município em junho de 2012, através da Comissão de Farmácia e Terapêuti-

ca, que estabelece normas de prescrição e dispensação, além de definir e selecionar os medicamentos essenciais à população. Já no âmbito privado, Atibaia pode ser considerada referência, pois possui uma grande produção química. O laboratório farmacêutico Althaia possui uma fábrica operando em Atibaia desde 2011, onde registra forte crescimento nas atividades.

O grupo possui seis produtos Preocupado com a presença genéricos registrados, entre de antibióticos nas águas dos antibióticos, anticonvulsivan- rios, o professor Wilson Jartes, anticoncepcionais e an- dim, do Instituto de Química ti-hipertensivos, além de 30 da UNICAMP, realizou um submissões de registros aguar- estudo, apoiado pela FAPESP, dando aprovação pela Anvisa entre 2007 e 2009. O proje(Agência Nacional de Vigilân- to chamado “Antibióticos na cia Sanitária). Segundo Carlos bacia do Rio Atibaia” chama Eduardo Rodrigues, gerente a atenção pela forte presende TI da marca, “a receita do ça de antibióticos populares grupo vem crescendo 100% a nas águas, em razão do concada ano desde a abertura”. Só sumo exagerado de medicaem 2013, registrou um fatura- mentos e pela automedicação. mento de R$ 41 milhões, e o Para o professor e psinúmero de funcionários tam- canalista Tácito Carderelli da bém tem dobrado a cada ano. Silveira, esse consumo está Mas essa produção em lar- relacionado ao estilo de vida ga escala traz “sem pausa” em sérias conseque a socieda“Vivemos em uma quências sociais de está inseriépoca que patologiza e até ambientais: da: “Vivemos e medicaliza muitos águas de abas- dos nossos problemas e em uma época tecimento em que patologisintomas psicológicos” todo o mundo za e medicaliTácito Carderelli estão sendo conza muitos dos taminadas por nossos promedicamentos, antibióticos, blemas e sintomas psicolóhormônios, agrotóxicos, en- gicos, cujas causas estão de tre outros químicos. Os efei- alguma forma relacionadas tos dessa contaminação são ao nosso modo de vida indiprejudiciais tanto para a po- vidualista e acelerado, quase pulação que a consome quan- sempre voltado para a proto para o meio ambiente. dução e o consumo”, afirma.

Informatização agiliza, mas não satisfaz pacientes Henrique Cisman A tecnologia trouxe e continua trazendo muitas inovações à sociedade. Dentre inúmeras profissões que tiveram sua dinâmica modificada por essas novas ferramentas, a medicina é uma das que mais se destacam e continua apostando em novas pesquisas para alcançar a cura de doenças, o aperfeiçoamento de tratamentos já existentes e, por consequência, a oferta de melhores serviços à população. Apesar disso, médicos se deparam diariamente com grandes desafios e sentem a carga de estresse causada pela tensão da rotina. Será também a própria tecnologia responsável por momentos estressantes para médicos e pacientes? Para Wanderley Tasca, cardiologista há 41 anos e médico da rede municipal de saúde do município de Socorro, a informatiza-

Consultas contra o relógio

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ção é uma aliada para ambos. Segundo ele, o problema é a falta de investimento na área: “A informatização vem para facilitar, agilizar e melhorar o atendimento. Acho que esse esquema do SUS, se fosse bem aplicado o investimento nele, seria a solução, porque a população aumentou e o número de médicos não”. O cardiologista também afirma que o estresse existe e é muito comum em médicos, mas que isso nada tem a ver com a

velocidade imposta pela tecnologia e informatização do atendimento, mas sim com o fato de ser uma profissão que lida com vidas: “Com certeza é uma rotina estressante. Porque mexe com sentimentos, mexe com vida humana. Às vezes, ele (médico) não é um cardiologista e tem que tratar de um problema cardíaco sério, então você imagina o estresse. A vida daquela pessoa depende dele, e ele está ali sozinho.” – exemplifica. Para o médico-chefe da equipe de cirurgia de urgência do Hospital Sancta Maggiore, Romeu Pompeu Junior, a informatização do sistema de saúde é muito benéfica, pois com ela é possível ter “acesso a todos os dados dos pacientes no computador e no celular e evitar a solicitação de exames repetidos ou desnecessários”. Para ele, a tecnologia é importante no sentido de complementar

diagnósticos e diminuir o tempo de procedimentos, como as cirurgias: “A informatização acelerou os processos, mas sua ausência não alteraria a conduta médica. A consulta clínica ainda é soberana. Uma história bem colhida do paciente, um exame físico bem realizado, permitem ter um diagnóstico em cerca de 85% dos casos”, afirma. Sobre o estresse da rotina, o cirurgião admite que existe, mas diz que é causado pela responsabilidade de lidar com casos graves que exigem solução rápida, e não pela informatização e o consequente aumento no número de pacientes: “Outros colegas da equipe também fazem visita na enfermaria aos pacientes, centro cirúrgico, evitando sobrecarregar o atendimento”, ressalta. A psicóloga do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medi-

cina da USP, Bianca Nascimento, concorda que a rotina de médicos é bastante estressante, mas também atribui essa carga à responsabilidade de lidar com vidas: “Eu acho que a questão não é tecnologia e tempo. Eu acho que é uma questão do nível de cobrança, do material humano com que se trabalha”. Bianca ressalta que, ao contrário do que acontece com psicólogos, o médico não tem a opção de delimitar o tempo de atendimento. Mesmo assim, por conta da baixa remuneração de consultas por convênio ou devido a outros atendimentos marcados, muitas vezes as consultas duram 15 minutos ou até menos que isso. “Já ouvi de pacientes relatos em que dizem ter ido a consultas, que isso ocorreu em cinco minutos e o médico nem olhou para seu rosto”, informa.


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Conectividade e alterações na produção da notícia alteram rotina de jornalistas

Assessores de imprensa relatam como as novas tecnologias e as mídias sociais influenciaram seus cotidianos Diego Lima Muita correria e loucura, assim é retratada a vida de um jornalista nas redações em produções cinematográficas, como no filme “O Jornal” (The Paper, EUA, 1994), de direção de Ron Howard. Muitos, no entanto, ficam em dúvida se a rotina do noticiarista é mesmo assim, uma vez que nos telejornais o que se vê são as redações tranquilas e calmas como cenário. Em Atibaia, os meios de comunicação publicam, em sua maioria, releases e matérias produzidas por assessorias de órgãos públicos da cidade. Há pouca produção própria dos jornais impressos que, no máximo, possuem tiragem duas vezes na semana. De uma década bem diferente da atual, a secretá-

ria de comunicação da Prefeitura de Atibaia, Viviane Cocco, que em 2000 presenciava uma estrutura pequena, percebe hoje como sua rotina está diferente e muito mais corrida. “Antes você tinha um horário definido de trabalho, tanto em locais de iniciativa privada como no poder público. Lembro-me de ficar produzindo matéria para os jornais semanais da cidade, tranquila. Dava até tédio. E hoje você não conse-

gue nem respirar. Não existe tranquilidade”, declarou. Da mesma forma, Simone Noguera Cesar, diretora do Departamento de Comunicação da Câmara Municipal de Atibaia, acentua que as tecnologias mudaram a realidade de trabalho. “Há 10 anos trabalho com comunicação política e com as novas tecnologias, a população passou a ter mais facilidade de encontrar a informação. Com isso, mais questionamentos, mais REPRODUÇÃO

Região valoriza as redes sociais Hábito visa a suprir precariedade dos meios de comunicação tradicionais

A clássica ideia de que os meios de comunicação colocariam a sociedade comunicável tal como uma aldeia global, ficou na teoria. E na Região Bragantina, esse advento só foi possível com a expansão das redes sociais, ferramenta que se destaca no cenário local, ocupando o tempo e o espaço da mídia tradicional. Com cerca de 150 mil habitantes, de acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), Bragança Paulista possui diferentes plataformas de comunicação,

muito mais influenciada pela correria do dia a dia conectado. “Levanto às 6h30 todo dia, quando estou me arrumando para ir trabalhar, já estou respondendo mensagem no WhatsApp. Até quando vou dormir, por volta da meia-noite, estou olhando o WhatsApp. Aí você fala: não, espera aí, tem alguma coisa errada nessa história”, desabafa Viviane. A história de que existe tranquilidade no interior cai por terra quando se fala em jornalismo. A rotina tem sido intensificada cada vez mais e feito com que o profissional do jornalismo tenha sua divisão de trabalho e folga abalada. “Mesmo que você não esteja trabalhando efetivamente, sua mente não para e com isso o jornalista se deixa levar pelo 24/7”, completa Simone Noguera.

A mídia não acompanha a velocidade das metrópoles, “reaproveitando” as notícias publicadas por elas

Vida com um volume de informação acelerado exige estar atualizado sistematicamente: o novo fica velho em segundos

Juliana Dorigo

envolvimento e mais interação”, conta. Para a médica Rita Bergo, no tocante à conectividade ininterrupta incorporada à vida desses profissionais, percebe-se que o uso do celular tem levado os usuários ao estresse por meio da fadiga mental. “Hoje em dia existe uma dependência muito grande de celular. Os usuários recebem um excesso de informação que leva a um cansaço, uma fadiga mental ou até mesmo uma depressão”, explica Rita. Nesse sentido, acentua Rita, a vida pessoal do jornalista é afetada pelo “não desligamento” do profissional. “É bom por saber das informações em tempo real, conseguir informar a população dos fatos com credibilidade. Mas não tenho mais vida pessoal”, relata Simone. Já para Viviane, a vida é

como jornais, rádios e emissoras de TV a cabo. Veículos como os jornais Bragança Jornal Diário, Gazeta Bragantina, GB Norte, Jornal da Cidade e Jornal em Dia, bem como as emissoras de rádio 102 FM e Bragança AM além da emissora de televisão Altiora que alimentam a teia de informações no município. Para o público de um modo geral a maioria dos veículos de comunicação da cidade utiliza releases de empresas particulares e públicas. Em uma rápida constatação percebe-se que os veículos regionais encontram dificuldades para sobreviver,

seja pela demora na distribuição, seja pela reduzida força de trabalho nas redações. O cenário só acelera em termos de hard news quando há sessões na Câmara Municipal e na Prefeitura. A dificuldade em acompanhar a velocidade dos veículos das grandes metrópoles, estimula o “reaproveitamento” de material da capital. Na visão da jornalista Ana Maria, aliado a isso, o jogo de interesse político mina o interesse do público em consumir essas notícias, e, para isso, ela aponta uma saída: que a mídia regional amplie o interesse para os furos de reportagem, matérias mais elaboradas e menos corriqueiras, além de dar devida importância ao interesse público. Isso, aliado ao avanço das redes sociais, faz com que os veículos tradicionais da região tendam a se tornar secundários. Segundo a jornalista, já é perceptível uma dispersão no interesse do público local. “O leitor não vê

interesse em comprar jornal, pois tudo está na internet”. Percepção recente também evidencia que os meios não conseguem acompanhar a velocidade dos fatos cotidianos da cidade e, como consequência, a própria população tornase o motor de disseminação das informações utilizando as redes sociais como meio de divulgação de acontecimentos. Esse meio, por suas características, coloca em destaque pessoas influentes e que ganharam notoriedade e acabaram gerando expressivo fluxo de conteúdo, facilmente compartilhado. Nas redes, quanto maior a quantidade de acessos à postagem, melhor será o retorno para quem a escreveu, principalmente quando está em busca de notabilidade, ou seja: quanto mais acessos, mais notoriedade terá o administrador. Exemplo disso está na página “Dia a dia de Bragança”, que obtém cerca de 10 mil

curtidas e mais de 4 mil acessos por dia; “Tudo que acontece em Bragança e Região”, por sua vez, recebe cerca de 14 mil curtidas e mil acessos por dia. A mais expressiva delas, do apresentador Claudio Moreno (Rádio 102 FM), recebe mais de 20 mil curtidas e tem o alcance de mais de 5 mil pessoas por dia. De um modo geral, esses perfis totalizam a quantidade de informação do que acontece na cidade. Segundo Moreno, o Facebook, por exemplo, facilitou o compartilhamento de notícias. Para ele, “as redes, além de darem voz às pessoas, permitem acesso considerável aos veículos tradicionais (jornais, revistas, rádio e TV”. No seu caso, utiliza as redes sociais para dimensionar os acontecimentos de Bragança. Ele, que pretende em breve criar um canal no YouTube, diz que seu perfil ficou mais concorrido depois que priorizou o uso das redes sociais.


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Má alimentação reflete no cotidiano Mudança nos hábitos alimentares depende da educação, apontam especialistas Laila Faria O homem, com a descoberta de ferramentas e da agricultura, deu um salto no modo de se alimentar. Hoje, a indústria alimentícia possui uma grande variedade de alimentos. Além de preparar o próprio alimento, há uma infinidade de opções de alimentação rápida, os fastfood. Sem contar outras opções presentes nos supermercados e até mesmo em aplicativos para tablets e smartphones, que fazem o serviço delivery, as encomendas de comida pela internet. Como no texto “La Vida sin Pausa”, do escritor Jonathan Crary, publicado no EL PAÍS, em que o autor escreve sobre um tempo em que tudo é cronometrado, a expressão “não tenho tempo” tornou-se parte do vocabulário. Duas cidades, separadas por 50 quilômetros, abrigam o futuro da agricultura, mas também quatro famosas redes de fastfood. Socorro é conhecida por sua beleza natural, cercada de montanhas, cujo turismo rural e de aventura é também destino da agricultura orgânica, iniciada pela década de 80 na cidade - hoje base da economia de muitas famílias socorrenses. Já Bragança Paulista, com quase 150 mil habitantes, possui quatro re-

des de comida rápida: McDon- taurante: “nossa percepção soalds, Habib’s, Subway e Burger bre consumo desenfreado nos King. A questão é que, com mais fast food pode estar enganada. É habitantes e uma economia agitada, porém divertida com os maior, os bragantinos possuem colegas de trabalho, cansativa, uma alimentamas você aprenção do estilo de de muito e com A esperança são as vida americano. isso ganha excrianças, que devem Já Socorro, liga- aprender o que ingerem periência para da à área rural o futuro”. Sobre pois, futuramente, suas (é a maior cio consumo, ele escolhas serão as escolhas dade com área completa que as de outras gerações rural do estado pessoas comem de São Paulo) é o suficiente. dotada desse novo modelo de Segundo a nutricionista plantio. Thaís Emanuelli Souza VichinPara saber mais sobre essa ni , “o problema da má alimenquestão, a reportagem analisou tação pode ser resolvido com a todos os fast-food de Bragan- educação das crianças. Na esça. O Habib’s e a Subway não aparentavam ter muita gente. Já o Burger King e o McDonalds, estavam cheios. Segundo a ABRASEL - Associação Brasileira de Bares e Restaurantes, “28% dos brasileiros fazem refeições em restaurantes fast-food mais de uma vez por semana; 27% uma vez por semana; 20% uma vez a cada quinzena; 13% uma vez ao mês; 10% menos de uma vez por mês; e 2% nunca consomem alimentos em redes fast-food. Essa realidade não é observada somente em grandes centros, como comenta Jonathan Schiffer, atendente comercial do McDonalds de Bragança. Ele explica sobre a rotina do res-

cola em que trabalho, muitos alunos mudaram suas escolhas e influenciaram seus familiares, levando informações sobre alimentos que fazem mal à saúde, e como alguns deles são fabricados”. É importante ressaltar que para a solução da má alimentação, a esperança são as crianças, que devem aprender, desde pequenas, o que ingerem, pois futuramente, suas escolhas serão as escolhas de outras gerações. Thaís aponta também que outras crianças disseram que em suas casas não havia outras opções saudáveis para escolher e seus pais não queriam mu-

LAILA FARIA

Faça o seu pedido Profissionais que atuam em redes de fast-food tem grande chance de serem estressados no trabalho Monise Montanher Em tempos modernos, muitas profissões se tornam estressantes por suas rotinas diárias, entre elas, colaboradores de redes de fast-food, onde a luta contra o tempo é primordial na produção de alimentos rápidos e práticos. Normalmente, uma rede de fast-food conta com várias seções. O trabalho é separado por estações, dividindo os funcionários em equipes para cuidarem de cada uma das preparações, como uma linha de montagem. Originárias nos Estados Unidos, as companhias de fast-food se espalharam pelo mundo por meio das franquias que sustentam um sistema de produção

em série. No Brasil, as redes se adequaram à necessidade cotidiana. Para grandes metrópoles, onde a distância e tempo impedem que as pessoas façam suas refeições em casa, as lanchonetes são os ambientes mais próximos e que atraem pela agilidade e menor preço. Segundo a nutricionista e excolaboradora de rede fast-food, Adryane Rodriguês, as rotinas de trabalhos eram intensas, com três turnos, sendo que o último terminava às 4 horas da manhã. “As condições de trabalho seriam boas se os funcionários respeitassem as normas estabelecidas”, afirma. As comidas chegavam aos estabelecimentos prontas. Já nas cozinhas, o sistema de produ-

dar, tornando impossível melhorar a alimentação. Comer em fast-foods não é expressamente proibido, no entanto é necessário que se tenha bom senso ao frequentá-los, pois não deve tornar-se uma rotina, nem substituir a alimentação básica”. Caroline Oliveira afirma que “segundo a SBH (Sociedade Brasileira de Hipertensão), o significativo aumento da obesidade ocorrido nas três últimas décadas está longe de acabar, a previsão é de que o quadro se amplie ainda mais nos próximos anos, expondo cada vez mais pessoas ao risco de doenças como hipertensão arterial, diabetes, doenças cardiovasculares, apneia do sono, osteoartrite e até mesmo câncer. Para a nutricionista, trata-se, portanto, de um dos principais desafios da saúde pública e da medicina no século 21. Pelo lado dos consumidores, Cristina Moraes, de 29 anos, frequenta pouco fastfood. “Acredito que não deva fazer mal. Mesmo sabendo que faz, eu como devido ao sabor que, querendo ou não, é muito bom”. Para Felipe Staboli, “exconsumidor”, que atualmente é agricultor orgânico, “penso que o fast-food é um mecanismo de segregação do homem com suas relações na alimentação. O homem sempre teve uma relação direta com as atividades que resultavam no preparo e obtenção do alimento”, conclui.

O círculo vicioso: preparar comida rápida sugere consumo idêntico, que libera espaço para repetição sistêmica

ção é rígido e altamente disciplinado. Apesar dos equipamentos que agilizam o serviço, os colaboradores não escapam de acidentes. “Como precisávamos ser rápidos, já aconteceram tombos no chão molhado. Uns se machucavam feio, como uma menina que chegou a deslocar um ombro e outro rapaz, que queimou a mão ao tentar pegar o frango que caiu no óleo quente”, diz Adryane. Trabalhar num fast-food é exaustivo, principalmente nos períodos de movimento como Natal e feriados. Há dias em que funcionários entram no seu expediente e irão se alimentar apenas na hora de ir

embora, outros não podem sair do caixa para ir ao banheiro ou tomar água. Mesmo com o ritmo de vida considerado mais calmo, as cidades interioranas têm atraído franquias. A gerente de atendimento do McDonald’s Atibaia, Mariana Bertini, explica que a missão da rede é proporcionar uma experiência única de qualidade e que o atendimento é o diferencial. “Atibaia estava evoluindo e ainda não tinha nenhum fast food aqui. Fomos os primeiros. A procura é grande, temos muitos clientes”, afirma, animada. A franquia é aberta todos os dias da semana, sendo que o

dia de maior movimento é o sábado, das 21 às 2 horas. A velocidade é que comanda a produção dos combos, e, em horário de pico, é comum ocorrer reclamações devido aos atrasos na produção dos lanches. Uma regra é que não se pode sair da lanchonete vestindo o uniforme, e a alimentação do funcionário é de acordo com a carga horária trabalhada. Cada um recebe uma LV (Lista de Verificação), que contém os procedimentos corretos para atuar em determinada área. Por haver rodízios de funcionários nos setores, a inexperiência e a falta de agilidade podem acarretar a insatisfação do cliente.


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Pós-modernidade impossibilita humanos de serem humanos Em face da globalização econômica, cultural e tecnológica, quem realmente somos nós? Paulo Henrique da Silva Imagine se tivéssemos a oportunidade de reviver o mesmo dia várias vezes, assim como o personagem de Bill Murray no filme Feitiço do Tempo, lançado em 1993. Poderíamos, então, quem sabe, refletir sobre os produtos que compramos, os alimentos que consumimos, os medicamentos que ingerimos, através da automedicação, e até mesmo repensar os estilos de vidas e modismos que adotamos com base na propaganda televisiva. Mas em tempos em que as horas voam e desacelerar é inviável, sobra-nos apenas o bom senso para compreendermos as lições contidas no metafórico “Dia da Marmota” e aplicá-las ao nosso cotidiano. Vivemos a modernidade líquida, segundo o sociólogo polonês Zygmunt Bauman, especialista em pós-modernidade. Iniciada na década de 60, ela representa a superação das velhas técnicas do século XIX, por meio da popularização da TV, dos avanços tecnológicos, da invenção dos computadores, mas, sobretudo, pelo início do processo de globalização. Para Bauman, essa era é marcada pela efemeridade e pelo imediatismo nas relações humanas, que acrescidos ao atual ritmo acelerado e ininterrupto que condiciona os homens — tal como descrito por Jonathan Crary em seu recente livro 24/7, Capitalismo Tardio e os Fins do Sono — privou os sujeitos do direito de serem humanos, impossibilitando-os, inclusive, de fixarem uma identidade permanente, com base na reflexão. Mas a discussão vai além. O teórico marxista Fredric Jameson, evocando Jacques Lacan, afirma que o homem contemporâneo está condenado a viver eternamente o presente, num

estado semelhante à esquizo- nos familiares suas referências frenia, em virtude da ausência para compreender o outro e a de vínculos firmes com a linea- si mesma, na era pós-moderna ridade temporal, responsáveis a coisa acontece de outra forpor conferir as noções de pas- ma. As identidades de nossas sado, presente e memória do eu. crianças formam-se com base Em outras palavras, realidade e na cibercultura e em estereótiidentidade apresentam-se, nos pos televisivos. As celebridades dias atuais, em percepções frag- de redes sociais, os mocinhos mentadas, sobretudo descentra- daquela série sobre vampiros, lizadas, como também obser- as várias personagens figuradas vou o sociólogo Stuart Hall, em pela boneca Barbie e os superA identidade cultural na pós- -heróis da Marvel são exemplos modernidade. clássicos desse nosso tempo. De acordo Assim, anacom Juracy Arlisa Juracy, “se Fato é que a pósmando Mariano modernidade trouxe por um lado de Almeida, doutemos o indivíconsigo o abalo das tor em Psicologia duo que transita certezas estabelecidas, Social e membro entre múltiplas a dessacralização da esferas de ação do Núcleo de Estudos e Pesquie entre distintos autoridade sas em Identidauniversos de sigde-Metamorfose (NEPIM), na nificados, então temos também PUC-SP, essa descentralização uma identidade que integra acarretou drásticas mudanças múltiplos personagens, compleao identitário contemporâneo. mentares ou contraditórios, em “Gerou, entre outras coisas, a constante metamorfose”. perda de sentido da vida, desPersonagens que apreencompromisso com entidades dem as inúmeras identidades e instituições e, contraditoria- ofertadas pela cultura ligada ao mente, a procura de elementos merchandising, estando elas já apaziguadores ou de defesa. Os embutidas em mercadorias e movimentos fundamentalistas serviços. Nesse esquema de sige o apego a religiões carismáti- nificações latentes, o pré-requicas seriam faces dessa procura. sito para “ser” é “ter”, de modo Temos ainda as contestações so- que a identidade social é dada ciais e políticas, além da procura aos bons consumidores. Desede novos caminhos por parte da josas por serem alguém, as pesjuventude. Acrescente também soas aderem e compram. Tanto, as revoltas sociais e terá instala- que acolhem o consumismo e do um quadro de incertezas. fazem dele um estilo de vida, asTudo isso junto promove um sim como escreveu Bauman em sentimento de anomia e a difi- Vida para Consumo. Ademais, culdade de controle sobre as in- é fato apurado — precisamendividualidades”, analisa. te pela World Wide Fund for Fato é que a pós-moderni- Nature (WWF) — que já condade trouxe consigo o abalo sumimos além do que a Terra é das certezas estabelecidas, a capaz de repor, o que configura dessacralização da autoridade, dizer que essa demanda globasobretudo a emergência do ho- lizada de consumidores, desejomem multifacetado. Se na psi- sos a terem uma identidade socologia lacaniana a identidade é cial, está diretamente vinculada formada por meio da metáfora à degradação ambiental. do espelho, iniciada ainda na Por outro lado, o padrão infância – quando a criança tem alimentar ocidental também

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Segundo Bauman, uma época de incertezas: “vivemos tempos líquidos, nada é para durar”

sofreu transformações signi- tese, a livre manifestação das ficativas nos últimos 50 anos, individualidades, a circulação em decorrência da globaliza- de ideias, assim como o maior ção dos costumes norte-ame- acesso à informação. Contudo, ricanos. O imediatismo pós- as interações podem ser envolmoderno atingiu os alimentos, vidas em teias de manipulações. consolidando o hambúrguer Não devemos esquecer o quane a Coca-Cola como símbo- to os poderes sociais procuram los identitários da cultura jo- estabelecer controles e o quanvem. Chamados também de to a cibercultura também é um fast-food — termo criado pe- meio de circulação de ideias los irmãos Richard e Maurrice consumistas, hedonistas, autoMcDonald — expandiram-se ritárias, fundamentalistas, que mundialmente substituindo os promovem determinados tipos cereais, fiéis representantes da de identidades que nada têm de alimentação provinciana. Livre libertárias”, alerta Juracy. de ritos e feita para ser ingerida “Vivemos muito sós. Hoje a às pressas, a comida contem- mais poderosa instituição que porânea tornou-se conceitual, nos referencia é o consumo. símbolo de status, ingresso para Paralelamente a ele, a vida é ascender socialmente, como se virtualmente tornada pública. comê-la fosse revelar-se para o Vida que é pautada pela internet mundo, ou para as vanguardas e pelas redes sociais, nas quais se sociais – as quais se deseja per- anulam privacidades, singularitencer. Desse modo, é consumi- dades e diferenças. Somos cada da para suprir as necessidades vez mais uma massa disforme biológicas e sociais dos homens de pessoas solitárias, carentes pós-modernos, sendo também de visualizações e ‘curtidas’ no “culturalmente comestível”, se- Facebook”, complementa Ana gundo o antropólogo Claude Maria Melo e Souza, psicóloga, Levi Strauss. Se na pós-moder- jornalista e também membronidade consumimos para ser- pesquisadora do NEPIM. mos alguém, — Para ela, essa então comemos vida pós-moder“Vivemos muito para pertencer. na individualista sós. Hoje a mais Todavia, não e ensimesmada poderosa instituição foi apenas o conrepresenta um ceito de comida que nos referencia é o empecilho às consumo.” que mundialirelações plurais. zamos. Cultura, “Acredito que Ana Melo economia e tecleve ao enfranologia também foram glo- quecimento das capacidades de balizadas, sendo essa última articulações entre as pessoas, responsável por criar um novo pois é nas relações grupais, nos paradigma de tempo e espaço, encontros e nas interações cocom novas percepções e sem munitárias que os indivíduos barreiras geográficas. Vivemos são capazes de se apropriarem o processo de migração do criticamente de suas próprias átomo para bit, de acordo com histórias e tradições, num proNicholas Negroponte, autor de cesso de inovação emancipatóVida Digital. Esta tornou-se na- rio”, afirma. tural a todos, parte inseparável Alinhados ou não ao prodo identitário contemporâneo, cessamento eletrônico, sermos obtido pela conexão em rede. pós-modernos significa estarMas há ressalvas a serem feitas. mos em constante movimento “A cibercultura permite, em nas redes e nas ruas, “como eter-


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nos nômades”, diria Bauman em O mal estar na modernidade. Vivemos apressados. A mobilidade, tipicamente urbana, do homem atual, exige que ele movimente-se para fora de seus centros de origem, movido por necessidades sociais e relacionais mais amplas, culturalmente globalizadas. Do mesmo modo, o espaço público contemporâneo é também caracteristicamente urbano, sobretudo virtual. Nesse sentido, praças e parques perderam suas finalidades socializadoras, ao passo que as cibercidades tornaramse locais de socialização e interação. A isso, o filósofo francês Pierre Lévy chamou de Cibercultura. Talvez, integração seja o “Santo Graal” da pós-modernidade, o qual buscamos incessantemente. Seja comprando para ser, comendo para pertencer, ou cultuando a imagem de si e de outros. Na sociedade do espetáculo a não-identificação tem um custo alto. Inúmeras são as psicopatologias que afligem o homem pós-moderno, advindas dos novos paradigmas sociais e dos falsos valores e necessidades. Escreveu Freud que a sociedade adoecia por ter adquirido um “mal-estar”, que resultou em síndromes, fobias e depressões, levando pessoas a se automedicarem. Michael Foucault denominou medicalização do social esse uso inadequado e abusivo de psicofármacos. Fato é que nunca estivemos em um tempo tão caótico. Talvez em nenhuma outra época o ser humano tenha se perguntado tanto sobre si mesmo, ou teve tantas dúvidas sobre quem é, ou o que não é. Assim, se sobra-nos algo, são questionamentos, ao passo que nos faltam respostas, e certamente tempo para obtê-las.

Crise macroeconômica chega a Atibaia Entre finanças pessoais e preocupações econômicas, munícipe paga o preço com a qualidade de vida

Hugo Moura Com um IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) de 0,819 – bastante elevado se comparado aos indicativos da Organização das Nações Unidas (ONU) –, estima-se que, desde 2013, mais de 134 mil pessoas moram em Atibaia. Nela, a expectativa de vida beira os 73 anos de idade, 92% da população é alfabetizada, possui cerca de 40 mil empregados formais, segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED), motivos pelos quais Atibaia é considerada um diamante bruto e raro incrustado no estado de São Paulo. Com localização estratégica, entre duas importantes autoestradas do país — rodovias Dom Pedro I (SP-065) e Fernão Dias (BR-381) —, o município pode transformar-se no próximo polo industrial e tecnológico do estado, reportando apenas para São Paulo e Campinas. Nos âmbitos estadual e nacional, segundo o Índice Firjan de Desenvolvimento Municipal (IFDM), Atibaia ocupa a 11ª posição, considerando os números ligados à qualidade da educação, saúde, bem como quantidade de emprego e distribuição de renda. A cidade, uma das mais antigas do país, completou 350 anos em julho e ainda conta com os projetos “Município Sustentável”, “Atibaia Vende Mais”, “Projeto de Desenvolvimento Econômico com Foco em Inovação Tecnológica”, “Easy City”, “Programa de Capacitação e

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Qualificação Profissional”, “Fomento ao Empreendedorismo”, “Fórum de Desenvolvimento Econômico”. Idealizados pela Prefeitura, objetivam conquistar os grandes investidores. Brazilian Business Park, por exemplo, são condomínios empresariais que já atraem dinheiro da capital, verbas federais, gerando emprego no município. Problema: quem assume as vagas são pessoas mais qualificadas, de outras cidades, onde o dinheiro vai girar. Por possuir o 2º melhor clima do mundo, em 2014 Atibaia atraiu turistas do exterior, por conta da Copa do Mundo. Na condição de cidade dormitório parece estar afastada da compressão do tempo e da velocidade constante das grandes metrópoles. Fenômenos macroestuturais como a recessão e em breve a estagflação, no entanto, não poupam ninguém, tampouco Atibaia.

Os Guarani Kaiowás e a Pós-modernidade A psicóloga Ana Maria Melo e Souza falou ao Matéria-Prima sobre a pesquisa que vem realizando com comunidades indígenas da etnia Guarani Kaiowá, alocadas no Mato Grosso do Sul. Explicou como se dá o contato entre as culturas indígena e pós-moderna, e nesse sentido, como são formadas as identidades dos jovens kaiowás. “Eu verifico, por exemplo, em meus estudos sobre as identidades de jovens indígenas guarani kaiowás, que, na contemporaneidade, essas sociedades chamadas por nós de “tradicionais” são con-

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frontadas com outras lógicas e representações culturais na convivência com a sociedade envolvente, levando à ocorrência de outras identidades possíveis e não mais somente sua identidade étnica. Desta forma, o indivíduo pode agir de determinado modo em um ambiente social e de modo diferente em outro ambiente. Isso não ocorre por inautenticidade, mas porque somos um e somos muitos. O jovem kaiowá é integrante de uma comunidade, seu grupo, sua aldeia, mas também é estudante, trabalhador, internauta, telespectador, futebolis-

ta, consumidor, etc. Assim, representa vários personagens ao mesmo tempo. São as identidades múltiplas que marcam a atualidade. Este processo de articulação de múltiplas identidades que marca o nosso tempo, a pós-modernidade, é bastante complexo e nos dá essa sensação de um momento caótico. Esse estado confuso, a permanente sensação de confusão, de “não ser”, de ser tudo e não ser nada. Vive-se, portanto, um estado de choque de identidades em nível interno, na esfera pessoal”, pontua. (PHdS)

Para a contadora e advogada Taís Regina Pereira Reimer, pós-graduada em Gestão e Desenvolvimento de Pessoas, “observa-se uma elevação na inadimplência de nossos clientes em 50%, se comparado ao mesmo período em 2014.” Ela, no entanto, aposta na crise enquanto oportunidade. Reticente quanto à estagnação, assevera: “Não dá para ficar parado”. Por isso, atendendo mais de 150 empresas da cidade e região, observa que “muitos clientes conseguem se desenvolver e caminhar, mesmo durante a crise”, complementa. Considerando a estimativa de a inflação aumentar três pontos percentuais ainda em 2015, bem como o teto da meta estipulada pelo Banco Central atingir 9,46%, ou mesmo contração de 2,8% do PIB, pode-se dizer que a “marolinha” da crise imobiliária de 2008 nos EUA chegou com tudo no Brasil. A resposta do Governo Federal, elevando a taxa SELIC, levou o comércio de imóveis no município às moscas. Para Celso Silva Moura, ex-operador da Bolsa de Valores — 12 anos na corretora Headging-Griffo — a tecnologia é a grande responsável pela alteração e aceleração desse cenário, porque “faz com que a informação — ao seu ver o produto mais valioso do mercado— chegue mais rápido, gira a economia e altera vida de todos”. Por isso esse reflexo já é percebido na cidade: quedas no setor do varejo. Em 2014, por exemplo, 449 lojas fecharam. Efeito desse fenômeno na região é explicado pelo advogado e corretor de imóveis Douglas Gamez, para quem “as muta-

ções do mercado imobiliário, provocaram um engodo, tanto para os investidores imediatos como para aqueles que necessitam de moradia. A facilidade no financiamento habitacional até meados de junho deste ano fez com que houvesse uma crescente e considerável compra de imóveis, culminando em uma bolha imobiliária”. Nela, as regras foram mudadas: o sinal para garantia da compra do imóvel, de 10% do valor total, passou para 50%, restringindo o acesso ao financiamento habitacional. Com isso, estima o corretor, “os preços começam a cair, regularizando o cenário de dificuldades vigente no comércio atibaiano”. O desemprego também chegou à região: de acordo com o CAGED, de janeiro a setembro deste ano cerca de 19 mil pessoas foram desligadas de empregos formais no munícipio. Procurado para elucidar a situação e averiguar medidas de fomento ao consumo para Atibaia driblar essa crise econômica, o Secretário de Desenvolvimento Econômico, Lívio Giosa, preferiu não se pronunciar. Para Tais Reimer, “a Prefeitura tem incentivado bastante, com foco no empreendedorismo,” sugerindo que a mãode-obra do atibaiano busque qualificação. Chama a atenção a segregação social geograficamente dada pela Rodovia Fernão Dias, que separa o Centro comercial e seus bairros nobres, onde prevalece o frenesi dos carros, trânsito, pressa, compressão do tempo, uma vida aparentemente agradável, perpassada pela velocidade em que se vive. Nessa cena atual, bares, festas, glamour, lojas fechadas, preocupações variadas, pessoas com seus celulares, o computador que substitui o escritório e a velocidade que substitui a calma. Do outro lado, nos bairros afastados, prevalecem as dificuldades do subúrbio: ônibus, carroças, plantação rural, cavalos, flores, morangos e as dificuldades do trabalho pesado. O tempo desacelerado permite mais contatos e encontros. A vida pacata se instala e o tempo é outro. A vida não para, mas desacelera.


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Estresse e pressão diária assolam profissionais da área de telemarketing Para atingir metas, operadores são submetidos a dinâmicas de esgotamento no trabalho Gislaine Januário

Certamente você já ouviu essa frase durante uma ligação para o SAC (Serviço de Atendimento ao Consumidor) de uma determinada empresa: “Aguarde na linha até que sua ligação seja transferida para um de nossos atendentes” ou “um minuto senhor(a), irei verificar, aguarde na linha”. Muitas pessoas se estressam ao ligar para as empresas, mas já se perguntaram sobre a pressão a que esses atendentes estão submetidos? Atualmente tecnologia é indispensável para esta área, que aposentou o telefone tradicional por aplicativos como VoIP (Voice over Internet Protocol), que fazem ligações a partir do IP do computador. Esse tipo de aparato oferece praticidade e reduz a quantidade de utensílios para desempenho da profissão. Leandro Nazareth, gerente de produto da Algar Tech, diz que “sem dúvidas a tecnologia avançou muito nos últimos anos.” Segundo ele, “atualmente os contact centers trabalham com um aparato tecnológico fortíssimo visando trazer melhores resultados para seus clientes e

comodidade para os operadores e gestores”. O telefone foi o marco inicial na área de telemarketing, um órgão vital para os call centers espalhados pelo mundo. Mesmo com tantas mudanças, a essência do período inicial se mantém, ou seja, ainda consiste em efetuar ou receber ligações – uma junção de marketing com telefonemas – importante para vendas ativas e de suporte para reclamações com empresas. Geralmente as pessoas que atuam nessa profissão são as mulheres. Levantamento sobre o perfil profissional da área, realizado pela Algra Tech, em 2013, dá conta que 63% são mulheres e 37% são homens, com idades variadas, além de 2500 colaboradores serem universitários. A carga horária estipulada para esses profissionais é de seis horas diárias, com duas pausas de 10 minutos para descanso e 20 minutos para alimentação. Há ainda horas extras e uma série de cobranças de metas exigidas pelas empresas. Porém, muitas reclamações chegam ao SINTETEL (Sindicato do Trabalhador de Telemarketing), principalmente sobre assédio moral e doenças adquiridas no trabalho.

GISLAINE JANUÁRIO

Mulheres são maioria em Call Center, segundo levantamento da Algar Tech

“A realidade e o cenário do setor de teleatendimento, tanto na capital quanto no interior, é a mesma e os problemas também. O assédio moral é uma realidade, pois a pressão pelo cumprimento de metas é grande. Já o assédio sexual ocorre em uma escala menor. Com relação às doenças, registra-se o estresse e as DORT – Doenças Ocupacionais Relacionadas ao Trabalho – alvo de muitas reclamações que recebemos”, relata Marco Tirelli, do setor de comunicação da SINTETEL. Segundo Nazareth, na Algar Tech existem iniciativas para

melhoria do clima organizacional e bem estar dos colaboradores, seguindo as regras da NR-17. A Norma Regulamentadora- 17 (NR-17), aprovada pela Portaria SIT nº 09/2007, tem cláusula dizendo que “devem ser garantidas pausas no trabalho imediatamente após operação onde haja ocorrido ameaças, abuso verbal, agressões ou que tenha sido especialmente desgastante, que permitam ao operador recuperar-se e socializar conflitos e dificuldades com colegas, supervisores ou profissionais de saúde ocupacional especialmente capacitados

para tal acolhimento”. Segundo o ex-operador de telemarketing João Pedro Blasi, isso não acontecia quando trabalhou na empresa “Atento”, em São Paulo, durante 7 meses do ano de 2011. Segundo diz, o estresse surgia por situações pequenas. “Uma vez vi duas mulheres – uma inclusive estava grávida – brigarem por uma cadeira, pois a PA (mesa de operações) de uma delas estava desprovida. Nessa mesma época comecei a fumar para relaxar.” Na visão do psicólogo Diogo Imbriosi, o trabalho pode ser considerado culpado por doenças psicológicas, porque as pessoas “buscam atividades que trazem realizações, tornando-se também responsável por episódios de depressão e ansiedade”. Em seu consultório, no Rio de Janeiro, a maior causa de depressão em seus pacientes está relacionada ao trabalho. “Em alguns casos, o profissional se submete ao stress e à pressão subumana. Acredito que deve haver um equilíbrio. Comprovadamente exercícios físicos ajudam, entre outros fatores, no equilíbrio neuroquímico do cérebro. O planejamento profissional é a chave.”

Brasileiros buscam conciliar rotina e bons hábitos Carolina Bonassa Com o destaque dado pela mídia aos altos níveis de doenças como obesidade e hipertensão, o brasileiro começa a se preocupar mais com o seu modo de vida – visando a prevenir-se a partir da alimentação e hábitos saudáveis. O primeiro obstáculo que ele encontra, porém, é a vida acelerada, que acaba servindo como desculpa para o consumo de alimentos rápidos e pouco nutritivos. Segundo o IBGE, 10,5 milhões de brasileiros com idade acima de 20 anos apresentam quadro de obesidade. Entre as crianças e adolescentes, o número é ainda maior: são mais de 15 milhões de casos de obesidade, segundo a Associação Brasileira de Estudos Sobre a Obesidade (ABESO). Para Carlos Cardinalli, nutricionis-

ta esportivo em Atibaia, a ampla divulgação desses números funciona como um alerta e encoraja as pessoas a procurarem ajuda de um profissional. “As pessoas acabam optando por aqueles alimentos dispostos na gôndola do mercado, que são mais rápidos de obter, acabam comendo apenas por comer, sem pensar no valor nutricional daquilo”, diz Cardinalli. Lu Fernandes, diretora comercial da Blessing, empresa de alimentos orgânicos, há oito anos no mercado, afirma que a procura por seus produtos só aumentou. Segundo ela, a preocupação não é apenas pessoal, mas também com o meio ambiente. “As pessoas estão adquirindo consciência de que o lixo produzido pelo atual sistema industrial não pode ser descartado. O planeta é um só, tudo que é dispensado conti-

CAROLINA BONASSA

nua dentro dele e vai para a água que tomamos e o alimento que consumimos”, aponta. Para conseguir ultrapassar esse obstáculo, que é a falta de tempo, o nutricionista estuda toda a rotina do paciente: da hora que acorda até a que vai dormir, e adequa as necessidades nutricionais dele ao seu

dia a dia e transforma o ato de “viver para comer” em “comer para viver” – pensando no que o alimento traz de bom para o organismo. Para isso, o profissional de nutrição, a partir da análise do comportamento do paciente, elabora estratégias com ajuda da tecnologia da área, que

Compras devem valorizar as possibilidades saudáveis dos alimentos

inclui shakes proteicos e vitaminas, ganhando tempo e facilitando a vida de quem se vê preso a um dia a dia turbulento. Parte da população já começa a se conscientizar sobre a necessidade de cuidar da alimentação e do bem-estar, o que explica a alta demanda nos consultórios e academias em busca de uma melhor qualidade de vida. Isso antevê a possibilidade de, num futuro não tão distante, o Brasil conseguir superar suas dificuldades e, enfim, diminuir os níveis de doenças crônicas que atualmente afligem a população.


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Professores encaram mudanças nas escolas Rotina acelerada e exaustiva exige mais dos professores e inibe renovação da categoria SAMANTHA WUNSCH

Samantha Wunsch

vestibulares V8, em Bragança Paulista, Hilário Xavier. “Nem Entre as rotinas estressan- sempre é tão fácil acompanhar tes, dificuldades no trabalho em razão da quantidade e da e o esforço para manter uma velocidade da informação”, diz vida pessoal, os professores o educador. Ele explica que os estão sendo afetados pela ve- alunos cobram do professor a locidade e o estilo de vida que atualização em assuntos recenestão se tornando hábito no tes, bem como pedem comencotidiano e na realidade de tários sobre questões levantatrabalho de diversas profis- das pela mídia no dia da aula, sões. Em virtude de a profissão resultando em sobrecarga na exigir um contato direto com atuação do professor. A rotina do profissional elevado número de pessoas, A rotina do profissional da educação é um dos maio- da educação é exaustiva, exaustiva, já que envolve maratonas de envolve marares conflitos tonas de aulas, desta categoaulas, muitas vezes ria é manterem diferentes cidades, muitas vezes em diferentes se atualizado correção de provas e cidades, correpara acompatrabalhos ção de provas e nhar o ritmo dos alunos. “Se o professor trabalhos de dezenas de alunão se adapta, ele está fadado a nos bem como todo o material falhar”, explica o professor Ro- pedagógico a ser apresentado drigo Mendes Rodrigues, que em aula, ações que têm esgotajá leciona em escolas estaduais, do seu tempo para a vida pesparticulares e faculdades há soal. Professores revelam que mais de 20 anos. Essa questão essa é uma profissão que detambém é relatada pelo pro- manda dedicação 24 horas por fessor de história e proprietá- dia, atividades que continuam rio do curso preparatório para realizando em suas casas. O

Ana: professores trabalham 24 horas e ainda perdem vida pessoal

professor Hilário Xavier, além de lecionar 55 aulas por semana, em três cidades diferentes, possui um canal do Youtube com mais de 1.800 inscritos, chegando a 32 mil visualizações. “Ou seja: sou professor 24 horas por dia”, conta. A professora Ana Carolina Fagundes explica que isso é perfeitamente compreensível, não só pelas tecnologias que permitem isso, mas também em razão da falta de profes-

sores. Atualmente verifica-se uma escassez de professores, o que também leva um professor a assumir mais aulas. Outro fator é a diminuição de estudantes de Licenciatura a cada ano. Por isso, a maioria dos professores sintomaticamente revelam haver uma desvalorização da profissão. Com essa carência de profissionais, a probabilidade de a educação se tornar mais eletrônica cresce ainda mais. O que preocupa é o en-

sino em escolas que hoje ainda nem possuem energia elétrica e quem vai ser responsável pela educação desses jovens. Segundo uma pesquisa realizada pelo Tribunal de Contas da União, em 2014 registrouse a falta de pelo menos 32 mil professores de matérias obrigatórias no currículo escolar. Outro estudo aponta que 52% não possuem licenciatura, ou seja, uma formação específica para lecionar uma matéria. Outra pesquisa realizada pelo CNTE (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação) revela que o país corre perigo de ficar sem professores para escolas de ensino médio, ainda nesta década.

Professores revelam que essa é uma profissão que demanda dedicação 24 horas por dia, não deixando de ser professores quando chegam em suas casas

Era digital transforma o mercado da prostituição JULIO CESAR JACOB

Julio Cesar Jacob Muitas garotas de programa perceberam o potencial da internet (redes sociais, blogs, aplicativos, entre outros) e mergulharam de cabeça nesse ambiente. Abandonaram as esquinas, boates, casas de prostituição e investiram pesado no marketing virtual. Fotos atraentes, vídeos bem produzidos e textos “apimentados” são alguns ingredientes para seduzir a clientela. Basta olhar ao seu redor para notar indivíduos de todos os tipos com o celular em punho, conectados, vivendo em um mundo paralelo. Esta é a era digital. Sudhir Venkatesh, um sociólogo americano da universidade Columbia (EUA), estudou durante 10 anos as prostitutas de Nova York. De acordo com os dados de sua pesquisa, no ano de 2003, 83% das garotas analisadas encontravam seus clientes de maneira tradicional, em boates, ruas, clubes de striptease ou por meio de agências de prostituição gerenciadas por cafetões. Em 2008 esse número caiu

Apesar da Internet ser rápida (foto), algumas garotas agenciam sexo presencialmente

para 57%, devido à popularização da internet . O sociólogo calcula que hoje em dia 83% das profissionais angariam seus clientes pelo facebook e prevê que a rede social pode se tornar o maior serviço de prostituição online do mundo. Partindo desse pressuposto, quem quiser ser notado tem que estar na web. Foi o que fez a acompanhante Juju Safadinha, loira de 24 anos, moradora de Atibaia, e no ramo há quatro anos. Usuária ativa das redes sociais, a moça expõe suas fotos em blogs e sites especializados. Na opinião dela

a tecnologia só trouxe pontos positivos para a rotina de trabalho. “Tenho amigas que continuam trabalhando na rua, não tenho nada contra, mas hoje faço tudo pelo meu celular, aliás, quase tudo. No blog está bem explicado sobre meu trabalho, o que facilita muito na negociação”, acentua. Sobre o retorno financeiro, ela explica: “além de ser muito mais vantajoso financeiramente, não preciso dar meu dinheiro para cafetão nenhum. Não me vejo mais trabalhando na rua, afinal também temos o direito de evoluir. Todas as outras

profissões evoluíram, por que a gente não?”, indaga. Embora a internet seja uma grande vitrine de exposição, a maioria opta por esconder o rosto nas fotos publicadas, exibem apenas o corpo ou usam máscaras, seja pelo receio de suas famílias descobrirem, por questões de segurança ou até por almejarem ter outra profissão futuramente. Assim, não querem ter sua imagem atrelada a essa vida para sempre. Paula, 30 anos, residente em Bragança Paulista e estudante de Odontologia, trabalha como garota de programa para pagar sua faculdade e ter sua independência. Divulga frequentemente seu WhatsApp nos jornais do município e, através do aplicativo, articula toda a clientela: “Hoje em dia ninguém liga para ninguém, a comunicação é só pelo ‘zapzap’, só ligam se for muito importante. Quando mando fotos para os interessados, ou nudes (foto nua ou seminua) como todo mundo fala, não mostro o rosto. Prefiro assim, minha família nem imagina que eu faço isso e, na faculdade, pro-

curo ser discreta”, confesssa. Paula concluiu dizendo que nunca trabalhou em casas de prostituição, tampouco “fez ponto” na rua e, assim que terminar a faculdade, pretende encerrar a carreira nessa atividade. Enquanto umas se renderam à praticidade e comodidade das ferramentas digitais, outras continuam trabalhando da maneira tradicional, pois não se sentem à vontade com a exposição. Jady, 28 anos, trabalha numa conhecida boate em Atibaia, atua há três anos e meio como prostituta e, desde então, nunca fez uso de blogs, redes sociais ou aplicativos para divulgar seus atributos. Não gosto de misturar as coisas. Tenho redes sociais, mas não utilizo pra isso. Acredito que para muitas profissionais do sexo essa tecnologia atrapalha, pois ainda existem muitas casas noturnas abertas”. Ela acentua, ainda, que prefere pagar para a boate em que trabalha a se encontrar com um estranho da internet e estar vulnerável a todo tipo de violência.


10 DEZEMBRO 2015 • Matéria-Prima

Demandas aceleram linhas de produção Operários trabalham “sem parar” para atender ao consumo instantâneo exigido pelo mercado

Monika Shulz A sociedade vive em constantes avanços em períodos curtos. Com o objetivo de “otimizar” o tempo e buscar atender às demandas do mercado consumidor, as indústrias aplicam em seus estabelecimentos as linhas de produção, processo que intensifica a fabricação, fortalece o consumo e contribui com o crescimento dos serviços 24 horas. “O consumismo exige a produção de maiores quantias de produtos fabricados em menores tempos de entrega e sem perder a qualidade. Assim, as empresas consolidadas no mercado adaptaram-se ao novo modelo, produzindo cada vez mais para enfrentar a concorrência”, afirma o diretor do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Alimentação de Bragança Paulista e Região, Roberto Cardoso. Em busca do lucro, a maioria dos empresários sobrecarregaram esteiras, maquinários e operários. Por isso, no mundo, somente duas mil empresas faturam o total de 39 trilhões de dólares. Distribuídas em 61 países, 579 delas estão nos Estados Unidos, 232 na China e 218 no Japão. Segundo o SEBRAE-SP, o Brasil tem 6,4 milhões de estabelecimentos. Destes, 99%

IMAGEM: MUNDO DO TRABALHO PREVIDENCIÁRIO

Operários trabalham freneticamente visando às demandas de produção

são micro e pequenas empresas, responsáveis por 52% dos empregos com carteira assinada no setor privado. Atualmente, a região bragantina conta com cerca de 4 mil operários registrados em 150 empresas que possuem linhas de produção. Essa disponibilidade dos serviços “sem parar” no mundo levou ao fenômeno “sociedade 24 horas”, que surgiu com a globalização, cuja aceleração transformou o padrão biológico e cultural e possibilitou qualquer pessoa a atender seus desejos, sem depender dos horários de funcionamento. “A produção em turnos ininterruptos ocorre por dois motivos: devido à necessidade de ajustes da capacidade da fábrica à demanda e por causa de uma questão técnica. Algumas

atividades fabris não têm como serem interrompidas, exigindo que os turnos e mão de obra façam revezamento para manter a operação”, explica Fernando Andrian, professor de Estrutura e Economia do Varejo da FAAT – Faculdades. Quando a linha de produção passa por determinadas adaptações, como o aumento da demanda de forma sobrecarregada incorreta, os operários começam a apresentar problemas de saúde ocupacional. As maiores incidências são as Lesões por Esforço Repetitivo (LER), níveis intensos de estresse e os acidentes com máquinas, por ausência de EPIS ou pela falta de atenção provocada pelo cansaço. A ex-operária Gilma de Jesus conta que sua rotina começava

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Ritmo acelerado impacta os analistas de sistemas Letícia Dias

O analista de sistemas é um profissional ainda muito recente no mercado de trabalho, mas está por trás do desenvolvimento de aplicativos para celulares, paginas de web e até softwares para empresas agrícolas. A profissão surgiu com os avanços da tecnologia e esse é um ramo que vem exigindo cada vez mais dos profissionais. Essa é uma área que necessita de muita atenção e cuidado, cujo cargo sobrecarrega física e cognitivamente os funcionários, trazendo uma baixa qualidade de vida. A função do Analista é realizar estu-

dos de processos computacionais para encontrar o melhor e mais racional caminho para que a informação virtual possa ser processada. Com os novos avanços da computação abriuse um leque na área, e entre as principais profissões estão as de projetista, engenheiro de software, administrador de banco de dados, consultor de tecnologias (hardware, software ou de processos informatizados), gerente da área/empresa tecnológica, entre outras. A sobrecarga física se deve às jornadas de trabalho exaustivas. Os analistas de sistema utilizam apenas computado-

às 3 horas da manhã para es- lizar o preparo de 4 a 7 coxas de perar o ônibus rumo à indús- frango em 1 minuto. Essa ação tria alimentícia do segmento exige de 70 a 120 movimentos de aves, onde trabalhava das por minuto, quando o limite 6h20 às 14h. Para atender à de- seguro estipulado para a saúde manda, várias vezes precisou é de no máximo 35. O mesmo fazer horas extras até as 17h40. ocorre na indústria automotiNo período que antecedia o va. A fabricação de um carro almoço, ela trabalhava no setor modelo, incluindo todas as etade embalagem de aves e, após pa, é realizado em menos de 20 a refeição, assumia uma estei- horas, incluindo 3.000 pontos ra para separar as carnes das de solda e 6.500 peças de encaicarcaças e dos ossos, perto de xe. Para acelerar a fabricação, uma máquina moedora. “Mi- as empresas instalaram máquinha rotina era puxada! Realiza- nas que produzem 900 tonelava movimentos repetitivos por das de peças moldadas por dia, muito tempo, e causavam mui- que levam em média de 11 a 16 ta dor. Além disso, transitava minutos por unidade prensada. por setores com Estudiosos pret e mp e r at u r a s veem a intensifiFato é que a pósdiferentes, gemodernidade trouxe cação do fenômerando mal estar.” no denominado consigo o abalo das Tudo isso, diz, “mão de obra certezas estabelecidas, “resultou em um bimodal” no ama dessacralização da derrame arterial biente indutrial. autoridade no pulso direiIsso significa que to. Perdi parte as ocupações de dos movimentos da mão e tive “nível médio” tendem a ser mique fazer cirurgia.” Hoje seus nimizadas, ou desaparecer, em movimentos voltaram parcial- benefício das máquinas. Já as mente, por isso tem um pro- atividades que exigem imagicesso em andamento contra a nação, planejamento, estratégia empresa em que trabalhava. ou as tarefas “brutas”, muitas As indústrias alimentícias fa- vezes penosas, árduas e difíbricam os seus produtos de for- ceis de serem automatizadas, ma frenética, principalmente as continuarão sendo executadas que manipulam carnes de aves, pelos homens”, contou Hersuínas e bovinas. Os trabalha- cules Brasil Vernalha, coordores que são locados no setor denador dos cursos de Engede desossa são obrigados a rea- nharia da FAAT – Faculdades.

res e por isso estão sujeitos a distúrbios mísculo-esqueléticos, casos de LER/DORT e doenças crônicas. Segundo Bruno Santos, 32, engenheiro de computação, há mais de 10 anos na área, ele já tem problemas físicos, como hipertensão e diabetes. Isso ocorre por conta da pressão, dos prazos curtos e do grau de responsabilidade. “A pior parte é a pressão de datas de entrega, que são sempre

altas e estressantes, isso afeta o meu trabalho, pois qualquer erro compromete todo o desenvolvimento”, diz Wagner Gomes, 20, analista de sistemas há pouco tempo na área. Também está na lista de transtornos dessa atividade a “doença da pressa”, descoberta pelo cardiologista americano Meyer Friedman em 1959, a partir dos sintomas alta ansiedade, dificuldade para relaxar, bem como problemas de saúde

e relacionamento. Bruno Santos diz ter apresentado alguns desses problemas, com alguns resquícios psicológicos. Ele diz que na área “esses problemas ainda são tabus, pois pouco comentados, e são poucos os que reconhecem e tratam os quadros de depressão.” A procura por esse setor é grande: no ano de 2013 foram contratadas cerca de 159 mil pessoas no país, segundo dados da consultoria IDC Brasil. Isso representa cerca de 14,3% de todos os empregos gerados no período, segundo o Ministério do Trabalho e Emprego. Ainda segundo a pesquisa, a procura é tão grande que existe um déficit de profissionais no mercado. No Brasil, essa profissão só tende a continuar crescendo, segundo o ranking desenvolvido pela Deloitte, em 2014. As 250 maiores empresas de TI brasileiras tiveram a soma de suas receitas líquidas na ordem de R$ 36,9 bilhões.


DEZEMBRO 2015 • Matéria-Prima

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Profissão tida como “privilegiada” pode estar com os dias contados pela automação Uso de atendimento virtual pode acabar com atividade bancária convencional, em agências Lucas Borges A constante pressão que exige do bancário o cumprimento de metas, bem como uma rotina de 6 horas diárias e um quase incessante atendimento às filas (há apenas um intervalo de 15 minutos para o almoço) são alguns dos dilemas enfrentados pelos bancários, que estão expostos ao estresse durante todo o expediente. Já há alguns anos, os avanços tecnológicos surgem como aliados e inimigos ao mesmo tempo. Por um lado, auxiliam nas mais diversas tarefas, e por outro, ameaçam a existência da profissão que tende, cada vez mais, a ser substituída pelos serviços de atendimento online. Os cerca de 500 mil bancários do país seguem a filosofia dos bancos – “crescer” a qualquer custo – em que os banqueiros não se preocupam com

a qualidade do atendimento, mas com o número de vendas concretizadas, fato que reduz os bancários a meros números, como define Marcelo Assis, 44 anos e há 24 como bancário. “Quando eu entrei no banco, funcionário bom era aquele que fazia a fila andar, mas hoje a pressão é por vendas, mudaram o foco”. E quando se fala em mudança de foco, evidencia-se a questão da diminuição constante de profissionais em cada agência bancária, como afirma Luis Carlos de Andrade, 51 anos, e que há 2 deixou a superintendência do Banco do Brasil. Ele compara a atual situação com a de outros países. “Do jeito que as coisas vão, estamos acelerando o processo dos bancos em mudar tudo para o ambiente virtual, mantendo um número mínimo de 2 a 3 funcionários por agência, como na Europa e nos Es-

LUCAS BORGES

Filas já fazem parte da rotina em agências bancárias e casas lotéricas

tados Unidos”. Enquanto não há a migração total dos clientes para o atendimento online, as novas ferramentas podem ajudar os bancários, como as máquinas que contam automaticamente o dinheiro, verificam as notas falsas e ainda determinam o troco a ser devolvido – caso seja neces-

sário. Ainda segundo Andrade, “não podemos frear a tecnologia, o progresso está vindo independente de aceitação ou não, e nós temos que nos adaptar”. Entre as adaptações, está a questão de o cliente se auto atender, pois é isso que os serviços online têm a oferecer, uma independência no atendimento.

Para Assis, as greves também impulsionam a aceitação das pessoas pelo atendimento virtual, pois “nas greves você não tem outro caminho, e às vezes nesse caminho surge a adesão pelo novo método”. Assis também conclui que “nesse aspecto, as greves são interessantes para os banqueiros, que querem forçar essa migração para o autoatendimento.” Independente do aumento ou não de atendimentos online, as agências bancárias são sempre sinônimo de ambientes lotados, o que fomenta a fortuna dos grandes bancos. Segundo comparação feita recentemente com dados do Fundo Monetário Internacional (FMI), os lucros de bancos Itaú, Bradesco, Santander e Banco do Brasil somam um valor superior ao PIB de 83 países, sendo estes em sua maioria da África, Ásia e Oceania.

Bombeiros sofrem estresse no trabalho ANA PAULA MEDEIROS

Ana Paula Medeiros O acidente ocorrido em abril de 2015, nos tanques de combustível na cidade de Santos, litoral de São Paulo, deu a dimensão do perigo, do estresse e do risco de morte pelos quais os bombeiros passam periodicamente na atuação visando à segurança da sociedade. Nessa ocasião, esses profissionais foram ágeis para combater as chamas que levaram quatro dias para serem controladas. A fumaça pôde ser avistada de diversas cidades da Baixada Santista. Equipes do Corpo de Bombeiros de vários lugares foram enviadas para o local. Outro acidente que repercutiu na mídia foi em 2013, na Boate Kiss em Santa Maria, Rio Grande do Sul, tragédia que matou 243 pessoas. A atividade bombeiro militar é considerada uma das mais perigosas, levando em consideração a complexidade das operações, as quais exigem do militar a máxima atenção e ação rápida e eficaz. O estresse é considerado um dos males do século. Com

A rotina é intensa devido à adrenalina conta das ocorrências que atendem

aumento da carga horária de trabalho uma pessoa pode desenvolver muitas vezes quadros ansiosos e depressivos mais significativos. Diante disso, cabe observar não só a quantidade de fatores desencadeantes de estresse, mas também os aspectos individuais, a maneira com que cada um reage às pressões cotidianas, bem como os aspectos sociais aos quais as pessoas estão submetidas. Em situações de sinistros, um erro pode ser fatal. Nesse sentido, o envolvimento do profissional que combate es-

sas ocorrências amplia a tensão psicológica, pela tensão e responsabilidade da ocasião. A rotina de atividade é intensa devido à adrenalina que sofrem por conta das ocorrências que atendem – muitas vezes, quase de hora em hora – explica Simões, Subtenente de Assuntos Institucionais da Escola Superior de Bombeiros de Franco da Rocha, em São Paulo. Os profissionais dessa área confirman isso, associado ao alto grau de comprometimento físico e mental durante a atividade operacional

faz com que a pessoa transfira toda a sua energia vital em prol do bem estar do próximo. E, na menor possibilidade de erro, têm consciência de que vidas estão em risco, tanto do bombeiro quanto da vítima. No decorrer dos anos, observa-se uma grande e cons-

tante modificação nas atividades, na forma e na estrutura de trabalho, em razão dos avanços tecnológicos, dos novos paradigmas do trabalho e, recentemente, da globalização, que veio para destruir barreiras de raça, cultura e comunicação, encurtando a distância entre os povos. Prova disso está na viatura ABTS, cujas inovações tecnológicas oferecem modelo de compartimentação para a guarda e transporte de equipamentos para vários tipos de ocorrências, incluindo uma bomba de alta pressão que aumenta a eficiência nos combates a incêndios, com capacidade de 4000 litros de água. Ela é destinada ao combate de incêndios urbanos e florestais, e ocorrências diversas de busca e salvamento — incluindo retirada de pessoas presas às ferragens de um veículo. Com o avanço tecnológico amplia a rapidez e a eficácia no salvamento de pessoas. Além disso, esse aparato realiza economia significativa de água utilizada para combater incêndios.


12 DEZEMBRO 2015 • Matéria-Prima

Onde estão as brincadeiras de criança?

Rolfe Kolbe - flickr.com/photos/rolfek/6885273501/in/photostream/

Velocidade no mundo contemporâneo afetou o modo de brincar das crianças modernas Matheus Godoy

pedagoga Marissol Salema, da Escola Santo Agostinho e do “Brincadeira de criança, Projeto Transformando Vidas, como é bom, como é bom. de Bragança Paulista, as noGuardo ainda na lembrança, vas tecnologias têm impedido como é bom, como é bom”. As muitas atividades recreativas brincadeiras infantis possuem, das crianças, uma vez que elas em sua essência, a finalidade não vivenciam mais as antigas de desenvolver a imaginação, brincadeiras e jogos. “Ao longo a criatividade e a maturidade do tempo, as velhas práticas infísica e psicológica da criança, fantis vão se perdendo. Cabe a a fim de que ela adquira co- nós, educadores, oportunizarnhecimento de si mesma e do mos essas práticas resgatando mundo. Há, poas brincadeiras rém, um grande antigas e não Fato é que a pósproblema na somodernidade trouxe considerando ciedade moderna. os novos recurconsigo o abalo das A velocidade sos tecnológicom que as pes- certezas estabelecidas, cos” concluiu. a dessacralização da soas desempeA diminuição autoridade nham suas atividos espaços púdades – em funblicos é outro ção da falta de tempo e espaço agravante para os problemas – tem impactado, de maneira da infância. Temor da violênmuito acelerada, o modo de cia, crescimento urbano e auvida e as relações humanas, mento do trânsito, inclusive inclusive na infância. Hoje, as nas cidades do interior, reforcrianças interagem cada vez çam o isolamento social das mais com as novas tecnologias crianças e inibem as famosas e o resultado disso reflete dire- brincadeiras infantis, outrora tamente no modo de brincar. praticadas, majoritariamente, Bonecas, bolas e as brincadeiras de rua foram substituídas por aparelhos modernos, jogos eletrônicos, ambientes virtuais e controles remotos. Sabe-se que o uso das tecnologias digitais é inevitável nos diversos ambientes, inclusive, escolares. Porém, é importante refletir até que ponto o uso dessas novas tecnologias prejudica o contato das crianças com as brincadeiras lúdicas e apropriadas à faixa etária delas. De acordo com a psico-

nas ruas. Pular corda, pega-pega, esconde-esconde, bolinhas de gude, pipa, mãe de rua, pula pauzinho, 5 Marias. A lista de brincadeiras deixadas para trás, em um curto período de tempo, é bem grande. Restam a nostalgia e as lembranças. Para a pedagoga Vânia Vaz, educadora no Colégio Vivendo e Aprendendo, de Bragança Paulista, as brincadeiras lúdicas não perduraram por falta de incentivo dos pais e também de professores dispostos a seguir em frente com a cultura, passada de geração em geração. “A televisão e a internet também são grandes aliadas que influenciam na quebra do valor de brincar. Isso porque os pais são muito permissivos e transferem reprodução

o tempo que poderiam dedicar às brincadeiras com os filhos, para deixá-los em contato com a TV e outros meios de comunicação”, finalizou. Em Atibaia, as escolas Waldorf trabalham com uma rara pedagogia que utiliza os princípios básicos da antroposofia no ensino infantil, segundo os quais a liberdade é a maior riqueza dos alunos, o ensino deve ser livre e munido de emoções e sensações, além do respeito com o amadurecimento sadio das crianças. Nelas, a transmissão dos conteúdos se dá de acordo com a fase de desenvolvimento em que o aluno se encontra, de modo que ele reconheça dentro de si as experiências para as quais está apto a viver. As crianças são estimuladas pela curiosidade e mantêm contato direto com brinquedos lúdicos e brincadeiras que estimulam a imaginação. Por fim, as brincadeiras e jogos oferecidos às crianças modernas, inseridas em uma sociedade pautada pelo conceito 24/7, alertam para a necessidade urgente de se preservar os valores infantis e as antigas práticas daqueles que, hoje, crescidos, sentem saudade da boa e velha infância na rua.


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