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Kalango #25 - Ano 10 - Dezembro de 2019

El Condor (re)passa

As cores de Salvador • Delta9 • A travessia do trenzinho

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Boa viagem!

Revista Kalango. Edição #25. ANO 10. Dezembro de 2019. Editor: Osni Tadeu Dias MTb21.511. A Kalango é uma publicação independente, não tem vínculos políticos, econômicos, nem religiosos. A Kalango está no ar desde 2010. Sua equipe é formada por professores, poetas, artistas plásticos, fotógrafos, jornalistas profissionais, ilustradores, publicitários, filósofos, escritores e um extraterrestre. Quer nos apoiar? Ajude uma mídia independente. Anuncie. Quer ser colaborador? Escreva para osni.dias.faat@gmail.com. Edição concluída em dezembro de 2019. Estamos no Face e revistakalango.wordpress.com

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GPS (( LOCALIZE-SE ))

Qual o transe proibido? Kwame Yonatan - Página 9

Luis Pires Página 30

A alma não cabe na caixa. Mauricio Andrade Página 26

Por que escrevo? Érica França Página 8

Pax vobis (2011)

Sérgio Monteiro de Almeida

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Editorial

Salvador

D

NESTOR LAMPROS

epois de um longo e tenebroso ano, a Revista Kalango está de volta. Reunimos aqui um seleto grupo que representa a história desse ano 10 da revista, já que lançamos a ideia e a primeira edição em 2010 (como o tempo passa). Voltar foi necessário, pois este talvez tenha sido um difícil parab todos nós. Precisamos abrir espaço para a palavra, para a imagem, para a arte e para a cultura. Decidimos então falar sobre o Brasil e a América Latina, dos nossos sentimentos em relação ao que acontece aqui pelos trópicos. Devo dizer que a maioria dos textos publicados nesta edição eu gostaria de ter escrito, pois expressam o que trago dentro de mim. São textos primorosos e que refletem um dos mais mais nobres sentimentos humanos, o de solidariedade. Gente que ama – o jornalismo e a vida –, pessoas que têm um profundo respeito pelo Outro e uma capacidade de empatia incomum – além do talento incrível com as palavras. Reunir um time tão seleto foi importante para dizer que estamos juntos, que é preciso força, coragem e não se pode soltar a mão de ninguém, por nada. Dizer que é preciso transformar. Reafirmar nosso compromisso com a verdade, ir à luta. Ser feliz. Ser rebelde sem perder a ternura. Ser humano, demasiado humano o suficiente para dizer “eu te amo”. Voltamos para dizer que é possível um mundo melhor e mais fraterno. Queremos que você saboreie cada pedaço deta edição e, se posível, mande para alguém que você gosta e também acredite na força do coletivo. Um ótimo final de ano! Osni Dias Kalango#25 • 2019

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LETRA

A fortaleza vem do coletivo Elaine Tavares* Esse é um tempo de solidão, de desespero, de nojo. E isso não é um problema pessoal, que atinge um ou outro. É um drama social. Li outro dia o belo trabalho do nosso companheiro, agora jornalista, Pedro Cruz, seu texto de final do curso de Jornalismo. Nele, Pedro narra a dor psicológica de alguns estudantes nos seus dramas aparentemente singulares. Cada história vai descortinando sofrimentos psicológicos, mentais e espirituais que não são exclusivos da vida pessoal. Eles se forjam no embate com o público, com a vida na sua concretude, nas relações desconstruídas, sem tecimento, provocadas por essa maneira absurda de organizar a vida que nos é imposta pelo capitalismo. Daí o sofrimento de uma juventude de classe baixa ou média sem horizontes, sem objetivos de longo prazo, sem ilusões, sem propostas. A vida se lhes aparece como uma sucessão de dias que são cumpridos automaticamente, no torvelinho das redes sociais, dos relacionamentos

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sem estofo, do emprego precário ou da tragédia diária vivida nas comunidades empobrecidas, de miséria e morte.

aí que aparecem as igrejas oportunistas, puxando esses tristes seres do vazio, dando-lhes comunidade, pertencimento, mas ao mesmo tempo fortalecendo Esse é um tempo de solidão, ainda mais o cerco do no qual as pessoas deixam capital, na medida em que de falar umas com as outras: oferecem a promessa dos mandam mensagens por bens materiais como isca. uatizape, mensagens que Isso não é por acaso. não permitem interação. Não há afeto, abraços, Ontem eu perdi um amigo. beijinhos, afagos. Não há Ele se recusou a responder as horas de completo ócio, mensagens, os telefonemas, com as pernas pra cima, os correios. Ele estava longe. pensando na revolução. As Ele estava só. Acuado na sua pessoas esqueceram que a dor. Ele foi embora pensando revolução é possível. Estão que os problemas dele eram domesticadas num sistema só dele. Não eram. Eram que lhes mente o tempo meus, eram nossos, eram de todo sobre felicidades vãs, todos os brasileiros fodidos, inalcançáveis. de todos os seres humanos submetidos à moenda do E a solidão vai ficando tão sistema capitalista que tudo grande que as pessoas já destrói. não acreditam mais na força da amizade, do amor. Não se É preciso que nos recusemos permitem se deixar acolher, a isso. O sofrimento de um abraçar, ficar. Pensam que dos nossos companheiros é seus dramas são pessoais e o sofrimento de todos. E só que só a elas cabe resolver. tem um jeito de mudar esse Esse círculo louco vai mundo sombrio: transformáfazendo com que o que sofre lo. É tempo de revolucionar, fique sozinho, e os demais mudar, revolver, virar patas não se importem com a arriba. O mundo precisa dor do outro. O circuito ser solidário, amoroso, da solidão existencial. E é cooperativo. Só que isso não

vai acontecer no privado, no particular, no nosso movimento particularista, ou apenas no nosso grupo de amigos. Precisa ser geral, para a classe trabalhadora, para os oprimidos. E para isso, só a revolução mesmo. A revolução brasileira. A mudança total das coisas. Um mundo no qual as pessoas possam viver sem medo, amparadas socialmente, criando belezas. O mundo do comum. Não quero prantear corpos vencidos pelo sofrimento. Quero a alegria compartilhada. E te convido. Quando esse sistema for destruído, as coisas vão mudar. Para todas as pessoas. Temos que decidir por isso. Basta! * Elaine Tavares é Jornalista. Humana, demasiado humana. Filha de Abya Yala, domadora de palavras, construtora de mundos, irmã do vento, da lua, do sol, das flores. Educadora, aprendiz, maga. Esperando o dia em que o condor e a águia voarão juntos,inaugurando o esperado pachakuti. Kalango#25 • 2019

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Por que escrevo? Érica Cristina França*

Escrevo porque é o que sei fazer. Talvez não saiba fazer muito bem. Talvez nem saiba fazer. Pode ser que sequer tenha a menor ideia do que estou fazendo. Mas é o que me cabe. É o que cabe. É o que cabe em um momento em que nada mais cabe. Escrevo para que pare de sangrar. Não para. Talvez este não seja um propósito válido para o ato de escrever. Mas ler não é mais possível. Crianças mortas por balas perdidas. Adolescentes mortos por balas policiais. Árvores centenárias mortas para virar cercas. Animais mortos pelo fogo irresponsável. Mortos pelo irresponsável. Escrevo para que a esperança renasça. Mas ela parece estar apagada, sem vida, sem vontade. Parece ter sido consumida pelas chamas que seguem dilacerando a Amazônia, o Pantanal, animais, plantas, sonhos, beleza, riquezas. Escrevo para não ouvir. Não ouvir o barulho. Não ouvir os gritos deste silêncio aterrador. Não é possível não ouvir. Ninguém grita, nem esbraveja, não há passeatas, manifestações, nem ao menos míseras panelas. Latinhas, marmitas? Nada. De nada adianta escrever, sigo com este silêncio martelando em minha mente de forma ensurdecedora. Escrevo para não não enxergar. Ou para ver de uma forma diferente, sob um novo viés, um novo ponto de vista. Mas nenhum ponto de vista parece ser bom independentemente de que palavra é usada. Quem luta está cansado, quem briga joga a toalha, quem acolhe não é acolhido. E segue-se uma multidão de lutadores com dores, sem forças para

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chorar, se arrastando. Se arrastam. Como zumbis em terra arrasada. Na verdade, sei porque escrevo. Escrevo para ver. Enquanto escrevo, vejo melhor. Enxergo estas pessoas que brigam, lutam, acolhem, choram, se arrastam. Enxergoas se arrastando tristes, cabisbaixas, com dores indizíveis. Caminham. Cada uma vem de um lugar, de um lugar de dor, de violação, violência, preconceito, desesperança. Vêm de uma viela, de uma cidade, de uma favela. Uma a uma, chegam. Chegam ao limite. Um limite físico, emocional, espiritual. Um limite íntimo, individual. Um limite compartilhado, coletivo. Neste lugar, se veem. Olham pro lado, enxergam a dor do outro, que é sua. A desesperança do outro, que dói em si. A raiva, incredulidade, rebeldia do outro. Esta raiva também é sua, da qual nem se lembrava mais. A raiva tem a cor das chamas. Consome, mas também aquece e queima. É pura energia. Um a um lutadores que esmoreciam vão se energizando. Se dão as mãos e seus corpos pálidos, corpos flácidos e rostos sem expressão se tornam brilhantes, iluminados, com viço e vida recuperados. Não vão esmorecer. Nunca o fizeram sozinhos. Imagina juntos. Juntos não há desesperança, nem a dor é permanente. Juntos é possível sonhar e voltar a lutar. Juntos todos podem ver, ouvir, sentir. Podem enxergar. E, mais importante, podem modificar tudo o que quiserem. Porque ninguém larga a mão de ninguém. Acho que é por isso que escrevo. É a forma que posso segurar na sua mão. E pedir a você que segure na minha.” * Jornalista, assessora de comunicação, dirige a I can speak English.

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Kwame Yonatan*

PSIQUE

Qual o transe proibido? Todo corpo é trans. Podemos lutar e chorar mas sentiremos o turbilhão do tempo na nossa pele. As cirurgias, entre outros placebos, não adiam o inevitável e criam uma ilusão de que não estamos em trânsito, porém no fundo sabemos: todo corpo é trans, transita para continuar vivendo. Então, por que o transitar do gênero é impedido, censurado, barrado e, muitas vezes, morto? O que ameaça? Afinal, o que desestabiliza o CIStema?! Não, nem todo corpo é trans. O transe é um processo avaliativo dos movimentos da vida, para transitar é preciso uma bússola que aponte um sentido, que não seja o moral, mas o ético. Dirão os naturalistas, envelhe-ser é um processo natural da vida, entretanto eles acreditam na binaridade natureza x tecnologia. Porém, existe natureza na tecnologia e vice-versa; as divisões binários escondem relações de poder, desse modo, no caso das transidentidades é preciso entender como as diferenças, de maneira geral, transformam-se em desigualdades. É por isso que a ideia de que somos apenas movimentos identitários é equivocada, somos reexistência, militância é luta para existir, todo dia. Portanto, transitar para fora do modelo colonial-escravocrata que nos rege não é fácil, causa angústia, mal estar, mas esta afecção é constitutiva, é ética, ela que co-move o desejo

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a pensar e agir para que recobrar o equilíbrio, implicando uma nova invenção. No entanto, para interpretar essa afecção é preciso experienciar a subjetividade fora da sua redução ao sujeito, ou seja, se estamos reduzidos ao ego, projetamos fantasmas, ficamos preso à cena e não entramos em transe, assim, proibiu-se a própria vida de passar.

Kwame Yonatan é psicólogo clínico, graduado na Unesp-Assis. Doutorando do Programa de Psicologia Clínica da PUC-SP Kalango#25 • 2019

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BRISA

LETRA

Ora, direis, a ver o quê? Delta9* Eu gostaria de escrever num muro: “hoje é o passado do futuro”! Seria um furo? Talvez um rombo: Hoje é o futuro do pretérito. Em época de bolso raso e sonoro hiato, o silêncio seria ouro? Ou seria tolo? Querem deixar o Cariri num último arara’s pole?? Pole position... Se recordar é viver, recordemos que os recordes marcados são recorrentes. São acordos dissonantes, recortados. Zamba de uma nota só: o dólar. Por um punhado a mais, ou a menos, resta a bolsa. Ou a vida. Vida louca, vida. A vida intensa. Mesmo não tesa. Útil, fútil ou inútil à espera de um projétil que lhe encontre de surpresa, com medo, em violenta emoção. Ilicitude. Amoralidade. Laicidade. Lascívia. Balbúrdia. Com fusão. Acima de tudo. Mas nunca a cima de todos. Só embaixo. Pois o de cima sobe e o de baixo desce. Então é Natal. De novo. No estábulo há profusão de animais. E a estrela a suportar-se nas reisadas, em desgraças. E, ao longe, aproxima-se a sombra que, com dor, passa. Repassa. A rosa com cirrose. Sem cor. Sem perfume. Que não acredita na cor assim. Precisando ser, assim, bem passado. Sem futuro. * Delta Enea Theoclessius, de uma estrela distante

Foda-se Paulo Salvador* Virou febre livros trazerem o fodase no título. Da flexão do verbo foder, aquela coisa gostosa de fazer, o foda-se ganhou outros significados, virou geleia geral, vale qualquer coisa. O primeiro a fazer sucesso foi o A Sutil Arte de Ligar o F*da-se. Pra lá de engraçado é que a editora usou o asterisco no F*da-se, que soa como falsa moral. Do mesmo autor, vem o F*deu Geral – olhe o asterisco aí de novo. É de se perguntar, o que o verbo foder tem a ver com isso tudo? Ninguém é fodido por acaso, o fodido aqui é o popular você está estropiado Seja Foda, no significado de fodão. Traduza você mesmo daqui para frente: Liberdade, felicidade e f*da-se, Desfoda-se, Coach do foda-se, Foda-se o estresse, Coragem e foda-se o resto, Foda-se, Que se foda, te amo, Pílulas do foda-se,. A vida é foda, então fodase, Foda-se a universidad, Ligue o foda-se e seja feliz, Foda-se o cupido, Enfodere-se. Se você entrou neste artigo pelo título, então o Foda-se funciona.

s w a m i n i t hya n a n d a sadashivoham man ifestan d o o templo de shaktis maturei adheenam

* Paulo Salvador é jornalista.

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LETRA

A travessia do trenzinho

El Condor pasa Luciano Delarth*

Marino Maradei* 1928. No apartamento da Praça SaintMichel, 13, em pleno Quartier Latin, o escritor franco-cubano Alejo Carpentier (1904-1980) assistia a um sarau promovido por Heitor Villa-Lobos (1887-1957), quando não se conteve: “Estou ouvindo a mais profunda voz brasileira e da América”. Ao piano, o virtuose espanhol Tomás Terán (1896-1964) interpretava uma das dezesseis “Cirandas” de Villa – que estreou em Paris em 1923 e foi logo avisando: “Não cheguei para ser discípulo; vim para ensinar Brasil”. De fato, “ensinou Brasil” em 2000 obras; entre elas, as nove “Bachianas”. Na segunda (1930), a Toccata final é o famoso “O Trenzinho do Caipira”.

Cadeira da ABL, banido de nossa vida cultural pela ditadura de 1964, Gullar – militante do PCB, “bacharel em subversão” como dizia, repetia nos derradeiros anos de vida: “Pra que querer ter sempre razão? Não quero ter razão. Quero ser feliz”. O trenzinho segue? Ante a questão, se vivo o jornalista Ivan Lessa (1935-2012) talvez repetisse o que escrevera: “A cada quinze anos, o Brasil esquece os últimos quinze anos”. * Jornalista, professor e um dos mais respeitados profissionais do rádio e da imprensa paulista.

El condor pasa onde mora el cantador semeando liberdade onde tombou Guevara teu sonho não acabou de paz, amor e justiça a flor da igualdade é jara violeta é criolla, bugre e preta é mestiça Taiguara De um mapuche resistente à dor de um kaiowá América uma tua gente que o império insanamente não cansa de explorar. Sou mapuche, kaiowá tupi, ticuna, aimará aimoré, guarani, chiripa mapoteco, chiquitano e shuar

De volta ao Rio, dirigiu em 1932 a Superintendência da Educação Musical e Artística, órgão da Era Vargas para “inserir” o civismo nas escolas. 1975. Exilado na Argentina, Ferreira Gullar (1930-2016) escreveu o “Poema Sujo”, que virou letra oficial do “Trenzinho”: “E lá vem o trem com o menino/Lá vai a vida a rolar/Lá vai ciranda e destino (...)”. Cabeça do concretismo, 37ª

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Sou jêje, nagô, ioruba chamba, quissi, hauçá bamana, mandinga, Calabar Sou guajajara, baré chula, fula, sabe pataxó, ianomâmi, Tremembé rebolo, benguela, ewé evoé Neruda e Zumbí saúda Sepé e Martí. Salve, salve Galeano e como disse Caetano América, soy loco por ti. * Luciano Delarth é professor, compositor, cantautor.

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PALAVRA

Como conheci Zygmunt Bauman Houve um tempo, que nas minhas horas livres, assim, como a grande maioria das pessoas que se aventurava na magia desse “nebuloso” e atrativo território, o chamado mundo da Internet, eu percorria uma rota de descobertas fantásticas. Mas em um determinado dia, em um artigo, deparei-me com uma foto: a de Zygmunt Bauman. Na foto, aquele senhor idoso olhava-me fixamente, causando-me um misto de saudade e empatia. Bauman tinha uma fisionomia idêntica a de meu falecido avô materno, com quem eu cresci e de quem herdei os elementos que compuseram minha idiossincrasia. Em princípio, fui acometida por uma grande paixão pela imagem daquele ancião polêmico, que ficava cada vez mais conhecido por ser um grande sociólogo, cujo pensamento era intenso e revelador. Cada vez mais, eu procurava tudo que se relacionasse a ele, sobretudo nos canais do Youtube. Palestras, entrevistas, tudo

que me trouxesse a imagem de meu avô. Paranoia total! Semelhança física enorme, fala mansa e complacente de quem sabia sobre a vida e das muitas injunções segredadas. Minha interação com aquela mágica figura era, seguramente, mais visual. Encantava-me vê-lo mais que ouvi-lo, mas absorvia alguns conceitos através das mídias disponíveis. Só posteriormente, adquiri um primeiro livro dele: O malestar da pós-modernidade,

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Bauman nos alertou para o surgimento de uma nova lógica que, sorrateiramente, continua sendo implantada e recriada, produzindo seus efeitos em nossas sociedades.

existencial, que tem nos assolado a toda velocidade, apresentando-se diante de nossos olhos o imponderável e o inexorável. História sobre um tempo, este no qual estamos, descrito como “líquido”, porque tudo que queremos tocar, escorre entre os nossos dedos, sem que possamos reter. Bauman nos alertou para o surgimento de uma nova lógica que, sorrateiramente, continua sendo implantada e recriada, produzindo seus efeitos em nossas sociedades. Esta, ao globalizar-se, tornou tudo “líquido”, veloz e volátil”. Demonstrou, também, a terrível face de um novo irracionalismo, graças ao qual, às consequências trazidas pelas mudanças radicais, assumidas pelas gestões políticas e econômicas mundiais, destruíram tudo de estável, tudo de sólido e muito de nossas esperanças de um destino melhor. Um colapso devastador, pautado no fetiche da mercadoria e na venalidade de tudo, minaria todas as bases sobre as quais a Modernidade havia sido edificada. Bauman percebeu que a instabilidade era o novo fenômeno que se

Yara Martins Milan*

lido quase todo, em uma só noite. Depois, outros e mais outros. Uma descrição lúcida e assustadora. Um choque, um golpe no meu estômago, uma tomada de consciência de algo que eu já intuía, mas não conseguia reverberar com tanta consistência. Bauman falava do tempo, do nosso tempo, da história vivida desta geração, marcada pela experiência de um vazio

Bauman percebeu que a instabilidade era o novo fenômeno que se implantava na Pos-Modernidade, que ainda paira sobre todos nós sobre o imaginário coletivo

implantava na Pós-Modernidade, que ainda paira sobre todos nós, sobre o imaginário coletivo, em meio ao qual absorvemos nossa identidade, mas também nossos novos receios. Afastou-se, assim, qualquer vislumbre imediato de um futuro melhor para a convivência humana. Ah, Bauman, muitas vezes, gostaria de não tê-lo visto na fotografia, de permanecer ignorando sua versão sobre este tempo, tão pontual e dolorosa. Gostaria de colocar minha cabeça embaixo do cobertor, como eu fazia quando as histórias contadas pelo meu avô me assustavam, mas eu queria ouvi-las, reiteradamente, sempre as mesmas, porque me faziam sentir uma sensação de arrepio gostoso. E, meu avô estava sempre ali, para me salvar e abrandar meu medo - O Saci, a Mula sem cabeça, a Cuca. No meu íntimo, eu também sabia que eram fantasias imaginárias, que não me intimidariam para sempre, como a história que eu agora conheço! Meu avô estava sempre ali! Mas para você, Bauman, farei minha libação póstuma. Grata, muito grata por me colocar, com toda consciência, dentro da história do meu tempo presente. *Yara Milan é advogada, filósofa e professora universitária. Kalango#25 • 2019

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PALAVRA

Estopim Brasil Gilberto Sant”Anna

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e assemelhados. As televisões acessórias e seguem a ideologia principal. As redes sociais idem. Nesse caso recomenda-se a procura do outro lado da moeda, para uma carga rápida de informações contrapostas. Existem infinitas publicações independentes. Só assim será possível uma análise crítica, ampla e equilibrada da realidade. A propósito, faz poucas semanas, deparei-me com uma matéria jornalística protagonizada pelo bilionário Ray Dalio, co-presidente da Bridwater As-

Um quadro surrealista, não resta dúvida. A grande maioria das populações viverá à minga em tempos de barbárie.

Sem dúvida há alguma coisa errada no planeta e no Brasil. Por que? Os homens mais ricos do mundo temem amargar a pobreza. Quem diria! Até parece piada de mau gosto não se constatasse que os megainvestidores têm perdido bilhões de dólares no jogo financeiro. A coisa tá preta. As projeções para o futuro assustam. (O nosso país é exceção. Aqui os rentistas obtêm lucros astronômicos mercê dos juros altos sobre a dívida pública herança da ditadura de 1964). Economistas, sociológicos e cientistas políticos de ocasião estudam táticas de sobrevivência na selva dos negócios. Chegou-se a um consenso: o capitalismo hoje não tem fôlego para atender mais que 10% (dez por cento) dos habitantes da Terra. O excedente de 90% (noventa por cento), que, para sobreviver, depende do Estado gestor da educação, saúde, habitação, emprego, salário digno, seguro previdenciário, segurança e demais itens da qualidade de vida, não tem chance e será inexoravelmente abandonado. Aos que não acreditam em nadinha disso imagina-se sejam leitores dos diários oficiais da República, alinhados com o Estadão, Folha, Globo, publicações do falso evangelismo

sociates. O ianque publicou no Linkedin um texto sobre a realidade mundial, sob o título “O mundo ficou louco e o sistema está quebrado”. Entenda-se: “...o sistema de fazer o capitalismo trabalhar bem para a maioria das pessoas está quebrado...”. Afirmou ainda Dalio que os desiquilíbrios sociais também são alimentados pelos avanços tecnológicos que permitem a

substituição dos trabalhadores pelas máquinas. Terrível. Porém, a revolução tecnológica não para nunca. A implantação da “inteligência artificial” nas empresas vai atingir em cheio a classe média baixa, média e alta. Habitaremos um planeta de “vagabundos”. Nessa toada poucos se salvarão. Repito. Não haverá condições de sobrevivência para quem não dispor de bilhões de dólares líquidos. Um quadro surrealista, não resta dúvida. A grande maioria das populações viverá à minga em tempos de barbárie. Apenas os “zilhardários” (reacionários riquíssimos), se salvarão em nome de uma nova ordem mundial denominada neoliberalismo. Nunca lhes faltou o apoio das máfias e das quadrilhas igualmente poderosas e opulentas. Antes se confundem. A propósito, antecipando os passos deste artigo, no Brasil, os servidores dos três poderes, com altos salários e aposentadorias, inclusive as filhas solteiras dos militares, também vão entrar na dança da contingência (do bolso vazio) porque o Estado não terá recursos para manter esses privilégios, nem esses nem de outros. Aguardem novas reformas. O Estado de Direito encontra-se no leito de morte. Não

se admite a vitória dos adversários. Frauda-se. Tudo começou com a disputa entre Bush filho(republicano) e Al Gore (democrata). Contestou-se os resultados decisivos da Flórida. A catástrofe das Torres Gêmeas impediu a apuração dos fatos. Na América Latina tornou-se comum o afastamento de presidentes por forças obscurantistas, retrógradas e antidemocráticas. No Cone Sul se deu com o afastamento do presidente Fernando Lugo, do Paraguai. Lembram-se dele? E agora surge a figura sinistra de Steve Bannon. O ódio plantado no Whatsapp contra os candidatos populares. O caso mais recente nos remete ao presidente boliviano Evo Morales, escorraçado do poder por uma senadora obscurantista, tudo aprovado numa sessão legislativa vazia. Leiam o depoimento do presidente deposto. Analisem se os fatos com isenção e espírito crítico. Transcrevo parte de uma matéria produzida por Notícias ONU: “El mundo está siendo controlado por una oligarquía global. Sólo un puñado de multimillonarios define el destino político y económico de la humanidad. Veintiséis personas tienen la misma riqueza que 3800 millones de personas, eso

es un insulto, es inmoral y es inadmisible”, dijo el presidente de Bolivia durante el debate de alto nivel de la Assemblea General “. Evo Morales afirmó que la razón de fondo de tan pronunciadas desigualdades es el modelo de producción y consumo, la propiedad de los recursos naturales y la distribución inequitativa de la riqueza. “Digámoslo con mucha claridad: la raíz del problema está en el sistema capitalista”, fustigó. (Assembleia Geral da ONU em 24-09-2019).” A persistência dessa política elitista é suicida. A espécie humana entrará em processo de extinção. A natureza será dizimada. As micro, pequenas, médias e grandes empresas restarão sepultadas nos Bancos. Ricos perecerão abraçados aos pobres. Assistiremos o tempo da necropolítica, isto é, quem não tiver condições de pagar impostos e juros não tem razão para viver. O que fazer? Atente-se para a movimentação popular em Portugal, Espanha, Itália, Dinamarca, Hungria, Grécia, México, Colômbia, Argentina, Chile, Honduras,

Haiti, Bolívia, Estados Unidos da América entre outros países. A luz no fim do túnel é real nesses países. Resiste-se bravamente ao neoliberalismo. Para o geógrafo britânico David Harvey “É preciso reduzir drasticamente a influência do mercado na sociedade”. O Papa Francisco pretende tomar a dianteira do processo de rediscussão dos rumos da economia mundial. O pontífice máximo vai presidir em 2020 um encontro com jovens economistas destinado a pensar um outro mundo, pautado no combate à pobreza e à desigualdade, na preservação ambiental e na dignidade humana. (Diálogos do Sul). O deus dinheiro quer implodir o planeta. O Brasil se propõe a estopim. A resistência será o bastião da humanidade. * Gilberto Sant’Anna é advogado, professor universitário, escritor e exprefeito de Atibaia (SP).

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LETRA

Escrevo de um ponto da América do Sul, a cidade de Atibaia! Aqui fui concebido no Morro Azul do Rio Acima, infância de cavalhadas e romarias, cresci entre a Rosário e a Matriz. Minha vida, meu amor, meus filhos, sou professor e peço a benção no Santo Cruzeiro.

O desejo dos pássaros é por vencer a resistência do ar – equilíbrio e liberdade – voar! Somos uma revoada, dentre muitas a fazer o sonho latino-americano, um solo afinal, um continente – uma grande massa. Fluxo de massa igual a poder! Viva Atibaia da América!

Encontro vocês, minhas amigas e meus amigos, em movimento. Somos fluxo – rio Atibaia segue seu curso. Estamos prontos a navegar: temos uma missão, um plano, uma bússola, a caminho! Não queremos guerra por um punhado de terra. Nós é que pertencemos à Ela.

Paulo Malvasi Mestre em Antropologia Social (USP-2004) e doutor em Saúde Pública (USP-2012). Professor e pesquisador do Departamento de Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo

Ana Procopiak*

Paulo Artur Malvasi*

Naquele dia saiu rota

A sina e a mira da revoada de Atibaia

VIAGEM

Naquele dia saiu rota. Olha-se no espelho arruma as vestes um tanto rotas, desbotadas...mas alguma coisa seguia em desalinho... Não importa vou assim mesmo, pensou. Já com os pés na calçada pronta para seguir, ouve seu nome, era o porteiro avisando sobre algo sem importância com seu eterno olhar de reprovação. Caminha com certo ar de inadequação. Não importa vou assim mesmo, repetiu. Segue cambaleando pelas pedras irregulares quando num desvão quebra o salto do sapato.

Deambula claudicante por alguns minutos até tirar os sapatos. Descalça com as pedras a machucar os pés, repete: não importa vou assim mesmo. Apressa o passo chega ao parque. Folhas macias começam a roçar seus pés. Cócegas saltitantes percorrem seu corpo. Sobe faceira se esgueirando por entre tronco e galhos. Recupera pouco a pouco a brilhante pelagem furta-cor entoando trinados com sabiás. Nada mais importa...nada mais importa...nada mais importa...

*Ana Procopiak é artista plástica persistente, designer insistente e professora aprendiz. Partiu em busca de belezuras numa especialização em História da Arte e num mestrado em Comunicação e Linguagens. Acredita que uma das melhores coisas da vida é uma boa conversa a partilhar travessias.

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PALAVRA

Mensagem pra você Dan Djacque* Ei você. Sim, você mesmo! Que transforma símbolos em ideias, converte sons em sentidos, que pode, com facilidade, ouvir estas palavras dentro da sua cabeça.

se um pecado e foi trocada pela moeda, houve resistência: você estava lá. No pleno direito de lutar por nossas vidas. E hoje estamos aqui.

Você, que possui a curiosidade suficiente para entrar aqui, buscando um suspiro de rebeldia e esperança. Você é importante para que tudo possa fazer sentido. Estas palavras são inúteis sem você. E assim é o mundo sem você: sem sentido.

Olhe à sua volta: os muros da cidade tornaram-se pequenos demais. A ferida inflamou, não há como escondê-la. Você sabe: não se pode virar o rosto, deixar pra depois. Eles estão logo ali, eles estão no poder. Sempre estiveram. Mas você… você sempre esteve ao meu lado na luta.

Faz tempo que ouço falar das histórias de revolução e você está em todas elas. Se lembra?

Só vamos conseguir a revolução popular e socialista, se estivermos juntos.

Estávamos buscando liberdade, um novo horizonte para podermos crescer em toda a nossa plenitude humana, nosso direito essencial, dado pela natureza: coexistir. Quando a plena existência tornou-

Dan é ativista e gerencia as páginas Alterando a Consciência - Coletivo Antiproibicionista, Marcha da Maconha de Atibaia e Danificando o Padrão.

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LETRA

A crise 1953-54 e a atual: coincidências? Luis Brandino

O Brasil assiste atônito a uma das maiores crises institucionais de sua história – ou pelo menos de sua história recente. Desde a eleição em 2014, partidos localizados no espectro político no centro-direita ou na direita têm tentado inviabilizar o governo de Dilma Rousseff. O Senado aprovou no dia 12 de maio, por 55 votos pró e 22 contra, a abertura do processo de impeachment contra a presidenta, baseado em denúncias de “pedaladas fiscais” que caracterizariam crime de responsabilidades. A aprovação do processo de impeachment, que afasta a presidenta por 180 dias, foi entendida por muitos juristas como um golpe articulado pela oposição, por entenderem que a chefe do executivo não cometera nenhum crime de responsabilidade. Em dois outros momentos históricos – 1953-1954 e 1964 – o País passou por crises semelhantes. Deposto em 1945, depois de 15 anos no poder como ditador (período que ficou conhecido como Estado Novo), Getúlio Vargas foi eleito, meses depois, senador da república. Em 1950, voltou à presidência, vencendo nas urnas Cristiano Machado, da UDN. Um dos maiores oposicionistas de Vargas, o jornalista Carlos Lacerda publicara um virulento artigo contra a candidatura do ex-ditador em junho de 1950 em seu jornal, “Tribuna da Imprensa”: “O senhor Getúlio

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não se cala

UMA MULHER Neide Almeida*

Vargas, senador, não deve ser candidato à Presidência. Candidato, não deve ser eleito. Eleito, não deve tomar posse. Empossado, devemos recorrer à revolução para impedi-lo de governar.” Lacerda cumpriu sua promessa à risca. O Congresso abrira uma CPI para apurar possíveis irregularidades num empréstimo do Banco do Brasil ao jornalista Samuel Wainer, dono do jornal “Última Hora”, o único a alinhar-se ao governo. A CPI visava, contudo, atingir Getúlio Vargas. Lacerda iniciara seus ataques pelas páginas da “Tribuna da Imprensa”, mas ganhou espaço na então recém-fundada emissora TV Tupi (pioneira no Brasil), do magnata da comunicação Assis Chateaubriand, e nos microfones da rádio Globo, de Roberto Marinho. A imprensa atacava também o jovem ministro do Trabalho, João Goulart (Jango), acusando-o de “comunista”. A crise se aprofundou no ano seguinte, quando os deputados aprovam o impeachment de Vargas por crime de responsabilidade por má execução orçamentária e improbidade administrativa. Estes fatos são narrados com detalhes pelo escritor cearense Lira Neto no terceiro volume da biografia de Getúlio Vargas, que lançou pela Companhia das Letras.

Não se cala uma mulher com máscaras - nem de ferro, nem de flandres. Sua verdade é lâmina afiada, rompe todas as mordaças.

Luis Brandino é jornalista.

(do livro Nós: 20 poemas e uma Oferenda, Ciclo Contínuo Editorial, São Paulo, 2018).

Não se cala uma mulher com açoites, chicotes. Sua indignação é veneno contra o feitor bálsamo na carne dilacerada. Não se cala uma mulher com mãos e gritos de homens prepotentes. Sua palavra é lei, constituição que denuncia e há de punir. Não se cala uma mulher com golpes de botas, pau de arara ou palmatória. Sua letra é fogo, se inscreve na memória de todas nós. Não se cala uma mulher com a faca fria da indiferença. Sua presença é fortaleza reinventada a cada geração. Não se cala uma mulher Com voz de mando em ilegítimos tribunais. Somos muitas, e de cabeça erguida, permaneceremos em desafio. Não se cala uma mulher com balas- nem de chumbo, nem de prata. Seu silêncio verte-se em fúria, ventania converte-se em poderosas tempestades. Não se cala, uma mulher!

* Escritora, poeta, educadora, pesquisadora, produtora e gestora cultural. Atualmente pela Fio.de.Contas Produções promove cursos, oficinas, ações e eventos. Integra o Conselho Consultivo do Instituto Ruth Guimarães. Kalango#25 • 2019

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VIAGEM

A alma

NÃO CABE NA CAIXA Maurício Andrade* “Psyche”, do grego, corresponde a “alma ou consciência”, com o tempo a transformação para a palavra “psique”, que denota os processos psíquicos do ser humano, embasaram a ideia de que a consciência está contida nos processos químicos de nosso cérebro, que está contido dentro de nossa caixa craniana. A alma, sim, a protagonista da luta entre Deus e o diabo, a mesma que Fausto vendeu, e que ensinamos para as crianças, que é aquele pedaço mais bonito da gente, que vai para o céu. Essência, substância, ânima, sopro que neste mundo encarna uma existência, a de cada um de nós. São muitas formas de definir nossa identidade, e a ideia aqui é realmente sobre a soberania de nossa identidade. Explicamos melhor; ao longo dos séculos, temos sido convencidos sobre a versão oficial das coisas, contrariados, os que não aceitam tal versão, surgem revolucionários, vem as batalhas, as guerras, mudam-se as coisas e surge outra versão de como devemos pensar, como nossa alma deve encaixar-se, exatamente, adequar-se a uma nova caixa. Tal esforço, cria, silenciosamente a insatisfação, mas na ausência dos recursos que mostrem que tal caixa é muito pequena, mutilamos sonhos e deformamos a parte que fica dentro dela, porém, a alma, não cabe dentro da caixa.

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Surgem versões o tempo todo, no mundo cibernético, versões da verdade política, social, religiosa, sobre o estado do planeta e de seu meio ambiente, e de como as coisas são “politicamente corretas” mas a alma, essa substância imensurável, que realmente somos, já não consegue se adequar e pula de caixa em caixa, mas não dá, não cabe. E sim, imensurável, absoluta, bela, transcendental, uma substância que está além do tempo e espaço, onde aquilo que se cria com um simples impulso, se chama vontade. Como sementes que não podem se conter ao serem jogadas na terra, a alma, geminará, não importa em quantas caixas queiram colocá-la, e a questão, é que quanto mais almas se unem, mais fica claro, não podemos ser definidos por nenhum tipo de “versão”. Somos indefiníveis, acredite, você é indefinível, essa é a beleza da alma. Temos a forma que damos a nossa vontade, e a vontade, essa, precisa imperar junto com um pouco mais de sabedoria, sabedoria dos tempos, ao olharmos um pouco para trás, aprender com as lições do passado, olhar para fora da caixa e perceber que o mundo é cheio de infinitas formas, e a que se adapta a nós a cada momento, é a que escolhemos por termos livre arbítrio, inclusive saber que errar, não é errado, pois somente com novos erros, há novos aprendizados.

Uma coisa é certa, sem discernimento, a alma não consegue reconhecer a verdade, e tal discernimento só se obtém com o fim do sofrimento, onde não há mais ignorância, nem medo, nem versões, nem caixa. Alma, ânima, é movimento, é o que você faz, e o que faz de você, quem é. Assim ela é o que você cria, por isso o que fazemos tem alma, e é a que imprime a digital da essência, é aquela que manifesta a vontade, a beleza e a centelha ignorada da vida, essa que somos, que evolui pelo amor, ou continua em alguma caixa pela dor. Esse é o tempo da alma e de todas as suas

cores, de todo seu imensurável valor, que jamais, jamais poderá ser encaixotado. Alma livre é pensamento realizado, é o concretizar do que realmente é perene, pois quem acredita que não somos eternos, é porque não percebe que o amor do qual a alma é constituída, não perece, apenas está esquecido em alguma caixa. Com amor e bênçãos, Maurício. Mauricio Andrade coordena a AldheyaTerra - Consultoria de Relações Humanas e Projetos Humanitários

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Portais Nestor Lampros* I Desprega as malhas que te aprisionam. No socorro de um, ou mais, na honra devida. Branco de vida de opções em teu corpo, - Olha o céu - estrelou ainda a pouco a vida! Refulge na santidade da semente. Correndo como o gamo; luta como o urso. O leão atravessará tuas cercas, não temas, O rosto da fera está coberto de musgo. Sitia a vida, ela está nas tuas mãos duras, São geladas e prontas estão para a luta? A batalha se fará em delírios e gritos, Ao ressoar dos tambores sem rumores santos. Nestor Lampros, in Portais - 2004. * Nestor Isejima Lampros é arte-educador, escritor, artista gráfico, quadrinista e artista plástico. Autor do livro de poemas Roupagem Leve, é membrofundador da Academia Literária Atibaiense (ALA), fundada em 1999. Tem pós-graduação em fArteEducação pela UNIFAAT

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Salvador, terra de cores e sabores Primeira capital do Brasil colônia, Salvador é um encanto para os sentidos. Colorida, pulsante, a cidade que ferve no maior carnaval do mundo é também admirada pela beleza de sua arquitetura colonial portuguesa, suas igrejas (dizem que existem uma para cada dia do ano), pela riqueza de sua cultura afrobrasileira e pela imensidão de suas belas praias.

Por Luis Pires

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Tenho uma ligação muito forte com Salvador: em tempos em que era quase impossível para pessoas de classe média baixa viajarem de avião, aos 18 anos saí pela primeira vez do Estado de São Paulo e encarei uma viagem de 36 horas de ônibus para conhecer o carnaval soteropolitano, no que considero minha despedida de solteiro. Me encantei tanto com o lugar que menos de um ano depois, já casado, voltei acompanhado de minha esposa – em minha primeira viagem aérea - para mostrar a ela aquilo que tanto me encantou.

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Passados alguns anos, voltei ao carnaval baiano para desfilar pelo bloco de afoxé “Filhos de Gandhy”, uma das experiências mais incríveis de minha existência. Sempre que pude retornei a Salvador e durante muito tempo acalantei o sonho de lá me estabelecer definitivamente. O que obviamente não aconteceu (até o momento!).

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Fazia nove anos que não pisava naquele solo pulsante, o que voltou a acontecer no mês passado, infelizmente duas semanas depois das praias da cidade serem invadidas pela enorme mancha de óleo, até hoje não explicada pelas autoridades. Este fato, porém, não tirou o encanto da cidade mais negra do país (ver box abaixo), que uma vez mais me surpreendeu: reurbanizada, a cidade ficou ainda mais bonita, mais viva, mais vibrante.

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A cidade mais negra do Brasil Segundo dados divulgados pelo IBGE em 2010 para a região metropolitana de Salvador, 51,7% da população é de cor parda, 27,8% negra, 18,9% branca, 1,3% amarela e 0,3% indígena). Salvador é a cidade com o maior número de descendentes de africanos no mundo, seguida pela Cidade de Nova Iorque, majoritariamente de origem iorubá, vindos da Nigéria, Togo, Benim e Gana.

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As duas administrações (municipal e estadual) estão entre as mais bem avaliadas do país e o fato de serem de partidos opostos (municipal do DEM, estadual do PT) fez com que a “briga” entre os grupos opostos gerasse uma cidade mais moderna, mais limpa, mais urbanizada, num raro exemplo de como uma briga política pode ser benéfica para a população. Obviamente, os problemas estruturais persistem, principalmente nas regiões periféricas. Mas inegavelmente a cidade se tornou ainda mais acolhedora. Deixemos que as fotos comprovem isso por si só.

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Alline Nakamura

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Samuel Sirianni

Em tempos de festa as cidades ficam mais iluminadas. Em Bragança Paulista, interior de São Paulo, o clima de Natal já está nas ruas, celebrando a paz. 48 • Kalango#25 • 2019

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Jean Takada

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