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JORNALISMO - FAAT FACULDADES - JUNHO 2014 • Matéria Prima

Matéria-Prima Jornal-laboratório do Curso de Jornalismo da FAAT Faculdades • Atibaia • Junho 2014 • nº 18

ATIBAIA

Espaços, pessoas, expressões, o velho e o novo nessa jovem senhora que completa

349 ANOS

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JUNHO 2014 • Matéria Prima - JORNALISMO - FAAT FACULDADES

EDITORIAL

Olhares sobre a cidade Acadêmicos de Jornalismo da FAAT lançaram um olhar diferente sobre Atibaia. Passaram pela antiga ferrovia, sondaram o patrimônio arquitetônico, apreciaram suas várias manifestações culturais, bem como buscaram as pessoas que a moldam(ram). Esse esforço coletivo contou com o apoio de três cursos da FAAT que ajudaram a delinear as pautas e contribuíram para a formulação desse trabalho integrado. Nessa tarefa, 50 futuros jornalistas buscaram compreender o espírito dos tempos jogando uma luz no passado e vislum-

brando o que a cidade hoje nos apresenta. Uma caminhada pelas ruas do centro, por exemplo, permite contemplar casarões, ou mesmo o passado em meio ao presente, exposto em cada “detalhe de suas austeras, curvilíneas, remaquiadas e despojadas arquiteturas”. Uma visita ao Observatório do Itapetinga nos faz imaginar o tamanho do Universo. Outro passeio nos ajuda a testemunhar a fé, no Santuário da Mãe Rainha, assim como impressiona a beleza do Parque Edmundo Zanoni. Ouviram-se histórias das Con-

gadas, do Bon Odori, assim como a força da tradição japonesa nas festas, e da portuguesa, no traçado dos tapetes arraiolos. Ouviu-se sobre a fase áurea dos saborosos morangos, ao som de boleros e valsas na companhia do incansável maestro Massoni e sua Banda 24 de Outubro. Da mesma forma, testemunharam-se sonhos e paixões despertados pelo Jornal Tentativa, uma iniciativa corajosa para a cultura da década de 40, e que hoje ganha tons e ares expressivos na liberdade criadora da Incuba-

dora de Artistas. A cidade foi revisitada e recriada nos olhares, pensamentos e sentimentos guardados por muitos enquanto um patrimônio, material e imaterial, deste lugar. Os estudantes, de uma certa forma, também assumem o papel de autores, na medida em que a universidade também registra 15 anos de vida. Aniversário e aniversariantes se misturam nesse cenário reunindo o que acreditam ter valor. E isso só alcançará o outro (leitor) se as pessoas perceberem o sentido que dão à vida e o que a vida lhes devolve com o tempo.

Mais em jornalismofaat.wordpress.com

Estação Atibaia

UMA HISTÓRIA A SER LEMBRADA Ferrovia atendeu desejo de crescimento e deslocamento de pessoas e trazia um certo glamour em seu trajeto turístico

Trem da época mostra o status deste transporte na qualidade de seus aposentos

Gabriela Araújo Jose Pinheiro

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tibaia, século XIX: uma cidade com cerca de três mil habitantes, cenário com ambiente tímido e pouco desenvolvido. Um olhar panorâmico permite ver cerca de 560 prédios —entre casas e estabelecimentos— dentre eles cinco padarias, uma farmácia e um departamento de modas. Nela, em meio à Primeira Guerra Mundial e à concorrência comercial entre os países europeus, é inaugurada a nova parada da Estrada de Ferro Bragantina. Com a chegada da Estação, em 1914, a vida mudou. Na época, a mescla entre produção e comércio não impedia os passeios agradáveis nessa linha. A região, importante produtora de café (principal item na exportação), permitia ver paisagens exuberantes nas viagens de Atibaia rumo a Campo Limpo. Até os ricos apreciavam os passeios, notadamente em vagões especiais com restaurantes altamente luxuosos. Renato Zanoni relembra fa-

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O impacto da ferrovia no Interior de São Paulo foi rapidamente suplantado pelas rodovias

tos que marcaram a história da Estação do bairro do Caetetuba: em 1939, uma mulher corre para a Estação visando embarcar com seu amante, mas, ao subir no trem, recebe um tiro do marido traído. Outro dá-se durante a Revolução de 1932, quando voluntários negros são preconceituosamente embarcados em vagões separados para não se “misturarem” com as demais etnias. A Estrada de Ferro trouxe benefícios visíveis para a região, por exemplo o aumento do número de empregos para as moças, recém-formadas em magistério. Mesmo assim, a Estação funcionou em regime deficitário até 1966, e após anos de prejuízo para o governo, as

rodovias assumiram o papel dos trilhos. A decadência acentuou-se, tendo circulado seu último trem em 1966. Na ocasião, lembra Zanoni, em 1966, um amigo faz foto da última passagem que comprou na Estação e, inscrevendo-a num concurso fotográfico em Londres, ganha prêmio com a imagem intitulada “passagem perdida”. Em 5 de janeiro de 1967, a Estação Atibaia foi desativada e os trilhos retirados posteriormente. O que restou da Estação —2 locomotivas e 10 vagões— hoje compõe o cenário do Centro de Eventos, ambiente procurado para casamentos, feiras e exposições.

Espaço de exposição permite reflexão sobre época dos trilhos

Ano 9, nº 18 – Junho de 2014 • Impresso em agosto de 2014.

Jornal-laboratório do Curso de Comunicação Social, habilitação em Jornalismo, da FAAT – Faculdades, produzido pelos alunos do Segundo, Terceiro e Quarto anos de Jornalismo. Os textos publicados são de responsabilidade dos autores, que os assinam, não refletindo a opinião da Instituição. FACULDADES ATIBAIA – FAAT: Diretores da Mantenedora: Profa. Marilisa Pinheiro de Souza; Prof. Hercules Brasil Vernalha; Prof. João Carlos da Silva; Prof. Júlio César Ribeiro. Corpo Administrativo: Prof. Saulo Brasil Vernalha (Diretor Geral de Administração); Profa. Maria Gorette Lourenço (Diretora Administrativo-Financeira); Vinícius Costa (Diretor de Manutenção, TI e Projetos Prediais); Prof. Gilvan Elias Pereira (Diretor Acadêmico). ­Diretor de Comunicação: Professor Angel de Souza; Coordenador de Captação de Alunos e Pesquisa e Extensão: Orivaldo Leme Biagi; Coordenadora Geral da Pós-Graduação: Hilda Maria Cordeiro Barroso Braga. Professores-orientadores: Texto Osni Tadeu Dias (MTb 21.511) e William Araújo MTb 20.015. Imagem: Marta Alvim. Coordenador do Curso de Jornalismo: Prof. Ms. Osni Tadeu Dias


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Atibaia Engracia segundo

UMA VOLTA PELO CENTRO Hugo Moura e Yuri Felipe

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a rua, a primeira essência a pairar é a curiosidade: pessoas passam por você olhando, buscando, tentando encontrar algum sentido naquela pessoa a tirar fotos daquela mesma rua que passamos todos os dias, sem nenhum motivo aparente. José Bim, José Inácio e Benedito Almeida Bueno são familiares aos cidadãos que transitam pelo centro da cidade. Alguém reflete “como fora aquele local há 60 anos?”. Como era a Praça Guilherme Gonçalves, cuja torre da Igreja do Rosário desponta no céu azul da acrópole climática assentada em meio às montanhas remanescentes do sul de Minas Gerais, circunscritas em território paulista. Histórias reverberaram no interior paulistano. Aquela cidadezinha, da Pedra Grande, dos Montecchios e Capuletos - à nossa maneira - fundada pelos desbravadores de terras, os Bandeirantes, geralmente usada como parada para descanso, por aqueles que mais tarde fundariam a cidadela de uma única igreja. Jerônimo de Camargo, fugido da Vila de São Paulo, em virtude da rixa com a família Pires, fixou-se por estas bandas. Anos mais tarde, além da Igreja principal, foi construída outra: a do Rosário. Imediatamente defronte à Matriz - frequentada exclusivamente por fiéis brancos. A igreja do Rosário, em contrapartida, era frequentada somente por negros: nosso próprio apartheid. O resto, por mais fascinante que seja, é história. Esta, nem sempre conhecida por seus habitantes. Das ruas, resgataram-se relatos de senhores e senhoras daquele tempo. Desses, um resultado incrível: um retrato fiel das casinhas uniformes, quadradas, de janela azul e al-

Hoje se destacam lojas e prédios, quase que numa luta constante com a memória das ruas, das vestimentas e pessoas de um passado não tão distante venaria cor de gelo que se esmaeceram junto às areias do tempo. Hoje se destacam lojas e prédios, quase que numa luta constante com a memória das ruas vazias, muitas ainda de terra, das vestimentas e pessoas de um passado não tão distante. À frente do município estava o prefeito Walter Engracia de Oliveira, indicado pelo

Governador do Estado, Lucas Nogueira Garcez. O chefe do executivo atibaiano, natural de Ribeirão Preto, fora um engenheiro nato. Formado pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, Engracia foi competente, bem como um sonhador e visionário: durante sua administração (19511954), trouxe infraestrutura à cidade interiorana. Você, leitor, conhece o Museu Municipal ou a Biblioteca Pública? Sim? Os locais são parte da obra de Engracia. O Paço Municipal, Parque Edmundo Zanoni e Fórum da Cidadania são nomes que se destacam dentre os feitos do ex-prefeito, perpetuado como o melhor prefeito que Atibaia – ou, do tupi, Tybaia- já teve. As pautas incumbiram-nos de realizar as tarefas mais deli-

Um passeio na cidade poderia ser um retrato vivo, se cada um pudesse contar como foi sua própria historia

Walter Engracia de Oliveira recebe Prêmio Professor Azevedo Netto, por suas ações em defesa do meio ambiente e do saneamento, em 1996

ciosas de todas: entrevistar os conhecedores da cidade e da Belle Époque atibaiana; e reproduzir aquelas fotos antigas de coloração enferrujada, coladas desniveladamente sobre as páginas, tiradas nos anos de 1953 e 1954. Desta forma, a comparação presente/passado torna-se tangível. Meticulosamente preparadas - longe de um retrato fiel das originais, porém - as fotos registram o que a cidade por si só conta. As entrevistas contam o que só quem viu pode contar.

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Centro histórico O PASSADO EM FORMA DE PRESENTE, EM CADA DETALHE Paulo Silva e Letícia Reis

A “Valorizar o patrimônio é fundamental para que as pessoas que moram na cidade se empenhem no seu cuidado”. Marco Milani

Fachadas da Rua José Lucas demonstram abandono e demora na preservação

tibaia, em todo o seu esplendor, é de fato uma cidade histórica. Através das fachadas e casarões tombados, vislumbra-se o passado em forma de presente em cada detalhe de suas austeras, curvilíneas, remaquiadas e despojadas arquiteturas. A Pousada Alfonsi, localizada na Rua Lourenço Franco, centro, não foge à regra. Ao andar pelos corredores amplos e silenciosos, o que prende a atenção é a decoração: fotografias da cidade, da velha Atibaia, imagens que Dona Ana, mulher do Senhor Ricardo, herdou da família. Ali estão eternizados os mais famosos pontos históricos de Atibaia, como o Museu, a Igreja Matriz, o prédio do Colégio Major. Memórias monocromáticas. De acordo com o Conselho Municipal de Cultura, entre os bens tombados do centro histórico de Atibaia, estão as duas igrejas – Matriz e Rosário –, o casarão Júlia Ferraz e duas fachadas na Rua José Lucas.

O Casarão, localizado na 7064, de 16 de agosto de 2013. José Lucas, nº 11, teve sua base Outro recurso é o tombaconstruída no século XVIII, o se- mento, que consiste em regundo andar em 1834 e a sacada conhecer o valor histórico e com platibanda neoclássica foi cultural de um bem, transforintroduzida em 1903, após uma mando-o num patrimônio mureforma. Foi tombado como pa- nicipal, estadual ou nacional, de trimônio estadual em 1975 pelo acordo com o valor social e culCondephaat. Atualmente agoni- tural atribuído a ele. Essa avaza escorado em esteios de madei- liação é feita por especialistas ra e com as fundações compro- que mensuram a importância metidas, aguardando restauro. histórica, arquitetônica, assim Caminhando pela José Lu- como a preservação do bem a cas, adiante, nota-se uma casa ser tombado. laranja. De acordo com Lilian De acordo com o historiaVoguel, coordenadora do Mu- dor Marco Milani, membro do seu Municipal de Atibaia, foi Conselho Municipal de Culmoradia de João Batista Conti e, tura, o valor simbólico, social posteriormente, Sarau. A coor- e cultural dos bens tombados denadora ressalta deve ser evidenIsentar o IPTU foi ainda que o poeta ciado. Ele aponta Mário de Andra- uma das estratégias para a necessidapreservar o de de a população de frequentemen- para te vinha à cidade patrimônio do centro olhar com mais e hospedava-se carinho o entorde Atibaia ali a fim de pesno e conhecer as quisar as festas e congadas re- riquezas históricas que as cergionais. O Conselho Municipal cam, procurando preservá-las. de Cultura quis tombar a casa “Valorizar o patrimônio, a hiscompleta, mas só a fachada foi tória da cidade é fundamental beneficiada. para que as pessoas que moram Alguns prédios do centro são nela compreendam como parte isentos de IPTU, mesmo não de sua comunidade e se empesendo tombados como patri- nhem no seu cuidado. Isso tem mônio municipal. O acordo foi um efeito mais imediato, que é consequência de longos perío- a possibilidade de retorno fidos de negociação entre o Con- nanceiro com o turismo, mas, selho Municipal de Cultura com acima de tudo, tem um efeito a Prefeitura de Atibaia. Isentá- a longo prazo que é a consoli-los foi a medida tomada pelo dação da cidadania. Efeito este Executivo a fim de preservá-los, que não pode ser medido em assegurando-os pelo decreto valores monetários”, pontua.

Pousada Luz da Aurora e o Museu receberam a devida atenção e hoje servem para compor o cartão postal da cidade

Cores fortes e nuances em pastel ajudam a destacar os detalhes do patrimônio de Atibaia


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Capela da Mãe Rainha, no Santuário de Atibaia, localizado no quilômetro 78 da Rodovia Dom Pedro I

Santuário da Mãe Rainha O MAIOR DO BRASIL EM FLUXO DE VISITANTES

Lucas Rangel

Q Acima, à esquerda, Imagem da Mãe Rainha; do lado oposto, busto do fundador do Movimento de Schoenstatt

Com área de 220 mil m², local oferece atrações religiosas e recebe mais de 20 mil peregrinos por mês

nho, Taboão da Serra, Salto e Itu. Cerca de 400 ônibus estacionam por mês no local, que tem capacidade de 175 por dia, o que equivale a aproximadamente nove mil pessoas. São mais de 20 mil peregrinos por mês, semelhantes às romarias, índice que coloca o Santuário como o maior entre os 22 brasileiros no quesito fluxo de pessoas. A estrutura conta com 100 funcionários, além das 60 irmãs que moram no local.

uando a dona Maria Elizabeth da Silva, de 67 anos, moradora de Capivari, interior de São Paulo, veio pela primeira vez ao “Santuário da Mãe Rainha e Vencedora três vezes admirável de Shoenstatt”, em Atibaia, em 1985, assistiu apenas a uma missa e foi embora. Agora, quando vem ao local, participa de romarias e passa o dia inteiro. “Nossas excursões trazem mais de 100 pessoas a este lugar maravilhoso, que consideramos como um pedaço do Movimento Católico céu. Amamos a mãe rainha e de Shoenstatt viemos agradeO Santuário Romarias são cer todas as bênde Atibaia, funorganizadas pelas çãos”, acentua. dado em 18 de igrejas, sem custo. Outubro de 1972 Além de dona Peregrinos gastam só com por várias irmãs Maria e o pessoal alimentação. Estrutura que pertenciam de Capivari, mi- funciona com doações ao movimento, lhares de pessoas fica no Km 78 de todo o Brasil passam pelo da Rodovia Dom Pedro I. Ele Santuário, hoje em uma área de pertence ao Movimento Cató220 mil metros quadrados. A lico Internacional de Shoensreportagem do Matéria Pri- tatt, fundado na Alemanha, em ma deparou-se com turistas 1914, pelo Padre Joseph Kentede São Simão/GO, Camaçari/ nich. Diariamente, peregrinos BA, Cianorte/PR, Cambuí/ do mundo inteiro vão ao SanMG, bem como de Sertãozi- tuário Original. Por meio da

Campanha da Mãe Peregrina, unem-se atualmente a Schoenstatt, em 220 santuários pelo mundo, milhões de pessoas de aproximadamente 90 países. Peregrinação O casal Victor Aureliano de Souza, 42 anos, e Jesuína Maria Siqueira, 41, moradores de Salto (região de Itu), voltaram ao Santuário após dois anos. “É um lugar fantástico onde podemos rezar em meio à paisagem verde”, conta Victor. Já para a família de Norberto Santana Costa, 50 anos — da Paróquia São Benedito (Taboão da Serra-SP)— esta é a primeira vez. “Entramos aqui de um jeito e saímos de outro, mais leves, felizes e confiantes de que Nossa Senhora vai continuar nos abençoando”. As romarias são organizadas pelas próprias igrejas, que contatam o Santuário. Sem custos, os peregrinos gastam apenas com alimentação, doações espontâneas e compra de materiais religiosos vendidos. “Assim conseguimos manter essa estrutura, que não recebe verbas externas”, conclui a irmã Ana Paula.

Atrações do Santuário de Atibaia • Santuário • Capela de Nossa Senhora Aparecida • Tenda de Peregrinos com capacidade para 5500 pessoas • Casa de Retiros (Pousada) para 150 hóspedes • Casa Provincial para 60 irmãs • Casa de Formação de Irmãs • Casa da Juventude • 2 Praças de Alimentação • Igreja com capacidade para 500 pessoas

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Edmundo Zanoni PARQUE ASSEMELHA-SE A UMA PINTURA E CARREGA HISTÓRIAS

Quem vê o parque se impressiona com sua beleza. O sonho de Zanoni cresceu, e hoje a área de 38.700m2 é um dos cartões postais de Atibaia

Maisa Clemente Bianca Stapani

Política é um imprevisto”. São essas as palavras de um exímio contador de histórias. Um poeta de 81 anos e filho do agrimensor e ex-prefeito de Atibaia, Edmundo Zanoni. Mesmo após dois AVCs, Renato lembra claramente os fatos que fizeram do Parque Edmundo Zanoni uma das grandes atrações turísticas desta cidade, considerada a Estância das Flores e dos Morangos. Segundo Zanoni, turismo deve ser feito por várias pessoas, para que todas possam desfrutar da mesma alegria ao contemplar o belo e o que emociona. É preciso ter com quem compartilhar. Por isso o

parque conta com uma área de 38.700 m2, pedalinhos, flores, lanchonete, museu de história natural e um vasto gramado. Além disso, uma paisagem que, para muitos, se assemelha a uma pintura clássica. Atibaia soube reconhecer a contribuição de Edmundo Zanoni, pois quando alcançou seu sonho em ser prefeito, em 10 de agosto de 1956, deixou de ser agrimensor, assumindo um compromisso com a cidade. A justa homenagem materializou-se quando o povo concedeu seu nome ao parque. Naquela época, o parque era considerado um clube de campo, cujas terras pertenciam à Câmara Municipal. A ele foi incorporado um lago, arrendado pela Prefeitura. No ano de 1938, o clube foi inaugurado com um colossal piquenique. A cidade possuía 12.000 habitantes. Percebendo a responsabilidade, Renato ainda criança, questiona o pai: “É fácil administrar a cidade?”. Nota um sorriso e ouve atentamente: “Muito fácil. É só ser Parque abriga ONG que monitora a vegetação das praças, a vida do lago e os modos de uso e visitação

vigilante. O prefeito que mandar fazer as coisas e não vigiar está perdido”. Essas palavras, hoje, o menino de cabelos grisalhos, guarda para toda a vida. Zanoni era vice na prefeitura, quando os militares impuseram o AI-5. Assumiu a Prefeitura e ficou até morrer. Seu carinho por Atibaia trouxe o músico português Ricardo Assis Sabóia de Aragão, que inseriu as construções em pedra. E não sai da cabeça do filho as vezes que o pai saía de sua cadeira na prefeitura para descansar embaixo das árvores. Ali estão as memórias do garoto de 81 anos, que embalado em suas lembranças, afirma: “velho não sara, velho vive”.

Zanoni filho lembra quando o pai ia ao Parque para descansar e ter ideias para governar. Ao lado, construções em pedras no estilo português


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Vinicius Souza Dias

Observatório de Itapetinga

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observatório foi inaugurado na década de 70, mais precisamente em 1973 pela universidade Mackenzie. Localizado no bairro do Itapetinga, em Atibaia, é um local muito tranquilo e um ambiente ideal para fazer pesquisas e relaxar. Seguindo pela estrada que leva até o centro de pesquisa, você vai perceber que o local transmite uma tranquilidade muito grande, um lugar rodeado de árvores e animais silvestres que podem ser vistos a olho nu. A “bola branca”, como é conhecido o centro de pesquisa, é um espaço enorme com belas árvores e um gramado maravilhoso, um ambiente calmo onde os pássaros são ouvidos e você consegue entrar em contato com a paz, saindo totalmente da rotina da cidade. O espaço pode ser usado para ler, pensar e fazer um programa familiar, pois o ambiente tranquilo é totalmente favorável. A extensão do observatório pode ser completamente explorada pelos visitantes, desde que não causem nenhum dano às antenas. A inauguração deu-se em 20 de outubro de 1973 pelo Presidente do BNDE (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico), Dr. Marcos Pereira Vianna, juntamente com o reitor da universidade Mackenzie, Professor João Pedro de Carvalho Neto e o Diretor do CRAAM, Professor Pierre Kaufmann.

Instrumentos são procurados para estudos, dissertações e teses

EXCELENTE OPÇÃO PARA AMANTES DA ASTRONOMIA Local permite leitura e descanso no contato com a natureza

Observatório, conhecido como “Bola Branca”, financiado pelo MICT, permite captar o som das galáxias O centro de pesquisa não é um observatório onde se pode ver a galáxia, na verdade o observatório capta sons da galáxia, por isso o nome de Rádio Observatório. A antena é coberta por um plástico especial, uma lona importada dos EUA, assim como todo o seu material. Conversando com Armando Hadano, que trabalha no instituto desde a década de 80 e faz parte de sua área técnica, ele disse que o centro de pesquisa é muito importante, pois alunos das universidades Mackenzie e USP, entre outras, vêm para o observatório para fazer pesquisas de mestrado e outros estudos. O equipamento do observatório foi totalmente renovado, somente a antena permanece a mesma desde a inauguração. A instituição é financiada pelo governo federal, através do MCTI (Ministério da Ciência Tecnologia e Inovação), em convênio com a universidade Mackenzie. A visita ao observatório deve ser agendada, o funcionamento é em horário comercial, de segunda a sexta-feira, das 8h às 16h. Para visitas no final de semana, é necessário agendar.

Congada manifesta religiosidade folcórica dos negros

Rogério Vincenzi

A Congada é uma tradição afro-religiosa que sobrevive em Atibaia. Isso, graças aos negros corajosos que valorizam seu passado e o sofrimento pelo qual passaram. A revivescência dessa memória conta com pessoas como Marcio Mariano, de 56 anos, funcionário público municipal e mestre na congada Rosa de Atibaia. Descendente de família de congadeiros, foi iniciado aos sete anos juntamente

com o irmão Lindomar Mendes Mariano. Ambos sempre foram incentivados pelo pai, Gonçalo Mariano, violeiro respeitado e conhecido como uns dos primeiros reis do congo da região. Tal como Mariano, que recebeu do pai a relíquia deste Congo —a espada que pertenceu a Dom Pedro II, na Segunda Guerra mundial— os demais grupos também valorizam muito essa festividade. Segundo a Comissão Paulista de Folclore, filiada à Unesco, Ati-

baia é a única cidade do Estado a manter grupos tradicionais há mais de 200 anos. Atualmente são quatro os ternos de Congos em atividade em Atibaia: Terno Verde (Centro da cidade), Terno Rosa (Bairro do Alvinópolis), Terno Azul (Morro Grande) e Terno Vermelho (Bairro do Portão). Por meio de um bailado guerreiro, de caráter religioso, que representa a luta entre o bem e o mal (cristãos e infiéis), a Congada constitui-se de cortejos com danças coletivas, que

representam ou não um auto. Cada grupo de Congada denomina-se “Terno” e é caracterizado pela cor da farda. Segundo a responsável pela direção do Museu Municipal João Batista Conti de Atibaia, Lilian Vogel, os cinco ternos que constituem o Congo somam mais de 200 pessoas. A festa acontece no aniversário da cidade, 24 de junho, bem como em dezembro e em janeiro, com apresentações em frente à Igreja da Matriz, Igreja Nossa Senhora do Rosário e no Santo Cruzeiro.

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Marcio Mariano, mestre na congada Rosa de Atibaia


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Santo Cruzeiro SÍMBOLO DO SINCRETISMO RELIGIOSO

No aniversário de 349 anos de Atibaia, o Santo Cruzeiro ganhou a proteção com o tombamento. A solenidade está registrada no Livro de Tombos do Conselho de Patrimônio

* Patíbulo: estrutura, tipicamente de madeira, usada para a execução por enforcamento

Dárcie Visan

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m 7 de setembro de 1922, era inaugurada a praça do Santo Cruzeiro, em Atibaia. Sua história material se mistura com mitos, profecias, lembranças e pessoas reais que confiaram naquela cruz seus amores, dores e sonhos. A poucos metros da praça, em uma casa simples, na tradicional rua que liga as primeiras igrejas da cidade, está debruçado, no muro baixo, o senhor Renato Zanoni, agrimensor no passado e advogado até os dias de hoje. Ele nos conta que a história do Santo Cruzeiro tem início antes de sua inauguração. Na Vila de Santa Cruz, também chamada de Largo da Forca, atualmente Praça da Santa Casa de Misericórdia, havia em cima do patíbulo* uma enorme cruz pintada de preto. Ali deveriam ser depositadas as últimas preces dos condenados à forca em meados do século XIX. Com a abolição da pena de morte no

Brasil, o patíbulo foi retirado, mas a cruz ficou como objeto de veneração e devoção e ali os religiosos continuaram pedindo intercessão aos céus pelos anseios do coração. Em 1922 o poder constituído decide construir um outro lugar para veneração, inaugura o novo Cruzeiro em frente ao Cemitério São João Batista, lugar que abrigaria, mais tarde, os prédios dos três poderes: a Prefeitura, a Câmara e o Fórum. Na nova praça, foi erguida uma outra cruz e a antiga, que lembrava os enforcados do Largo da Forca, foi transferida para a capela do Asilo São Vicente. Na mesma época, a cidade foi atingida pela gripe espanhola, responsável pela morte de dezenas de atibaianos. A população ligou os fatos e entendeu a tal desgraça como castigo divino pela mudança de local. A nova cruz então traz consigo, além da lembrança do martírio de Cristo com as ferramentas da crucificação, a res-

ponsabilidade de uma maldição que recaiu sobre o povo. Para Daiane Mavian, guia de turismo de Atibaia, o galo no seu topo representa o arrependimento de São Pedro e exemplifica a passagem bíblica em que Jesus diz ao discípulo: “Tu me negarás três vezes antes que o galo cante”. Já os mais antigos anunciam que o dia em que aquele galo cantar, então virá o fim do mundo.

antigos instrumentos de sopro usados pela banda, mistura-se às fotos que contam a história de gerações da 24 de Outubro. Bem humorado, o simpático maestro contou várias histórias sobre os bastidores do grupo, revelando os instrumentos que ele já tocou, hoje expostos no Museu Municipal. No ensaio da banda, a leveza do maestro conduz os músicos, marcando o tempo nas

batidas dos pés, como se cada nota adentrasse em seu corpo. No auge dos seus 80 anos, saboreia os sons de boleros e valsas, amalgamadas no ritmo de clássicos como “Emoções”, de Roberto Carlos. Exigente, Massoni percebe até mesmo um mísero ruído fora do compasso, parando a cada música para, em seguida, recomeçar a cada falha, com palavras elegantes e mui-

História ao pé da cruz - Zanoni não se atém apenas à história alheia, mas testifica com a própria vida a experiência com a cruz. “Eu precisava operar catarata e tinha medo”. A cirurgia foi marcada por duas vezes, mas o medo inviabilizava a intervenção. Ao voltar para casa, passou pelo Cruzeiro e afirmou em alta voz: “O santo que estiver inteiro, eu levo para casa e ele vai me guiar”. “Encontrei a Nossa Senhora da Guia intacta e ela me levou para a cirurgia. Em dezoito minutos estava tudo pronto”, conta emocionado.

Um maestro incansável

Juliana Dorigo Vanessa Ribeiro

Massoni: exigência e inteligência

Em junho, José Massoni recebeu, no galpão de ensaios da Banda 24 de Outubro, a reportagem do Matéria Prima. Com vestes simples, incrementadas com um boné escondendo os cabelos brancos e com sorriso no rosto, o maestro, orgulhoso, apresentou seu projeto. A casa de ensaios, decorada com

Zanoni: “eu precisava operar catarata e tinha medo”

Para muitos (ou muitas pessoas), o dia em que o galo cantar virá o fim do mundo

to bom humor. Na despedida, deixamos sua “casa” em meio à chuva. O maestro se despede, no portão, convidando todos para uma nova visita, deixando a sensação de que ali estava e ficava um amigo, contador de grandes histórias, um senhor carismático de sábias palavras e com experiências da vida, feliz por mostrar a sua arte.


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Cultura japonesa

A IMPORTÂNCIA

DE UM COLETIVO

NA HISTÓRIA Jaqueline Mikondo

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ma expressiva parcela da população da cidade de Atibaia é constituída de descendentes japoneses. Boa parte veio para o Brasil visando guardar dinheiro para voltar para sua terra natal, mas com o envolvimento do Japão na Segunda Guerra Mundial, esse sonho foi substituído pelo novo lar. Muitos imigrantes vieram para trabalhar Os japoneses são nas lavouras das um exemplo de fazendas de café. união na região de Os trabalhadoAtibaia; nas festas res guardavam o arrecadam dinheiro dinheiro e buspara fins conjuntos cavam terras férteis para plantar e criar seus filhos, motivo pelo qual muitos imigrantes vieram à Atibaia, integraram-se à sociedade e introduziram sua cultura na região. Mioko Matsumoto, de face serena e, ao mesmo tempo, de porte altivo, no começo da sua terceira idade, faz parte da terceira geração de descendentes japoneses. Seus avós foram uns dos primeiros imigrantes. Mioko nasceu no estado do Paraná e veio para Atibaia. Hoje ela faz parte da colônia japonesa de

Atibaia, e além de participar, também coordena o grupo de mães voluntárias do beisebol de Atibaia. A colônia japonesa é um exemplo de união na região. Eles se reúnem de forma organizada para fazer eventos de grande e pequeno porte, como por exemplo, a tradicional Festa das Flores e Morango de Atibaia, que em doze dias chega a receber cerca de cem mil visitantes. O grupo também faz, todo ano, a “Festa do Chopp”, que é produzida pelo grupo do Beisebol e do Softbol que a senhora Matsumoto tem orgulho de ajudar a organizar: “Outras cidades tentaram reproduzir, porém sempre saem brigas e prejuízos. Já em Atibaia a Festa do Chopp é realizada há mais de 10 anos e nela não tem

Colônia trabalha com eventos para fins conjuntos fortalecer a união de todos pensando nos filhos e netos

brigas e nem falta de respeito”, diz Mioko, orgulhosa pela união da colônia e pelo respeito que ela sugere aos participantes e visitantes. Nessas festas, a colônia tem como objetivo arrecadar dinheiro para fins conjuntos: “Temos a convicção que a colônia é uma só. Fazemos pensando em nossos filhos e netos para que a cultura japonesa de Atibaia seja preservada, bem como pela Associação Cultural Japonesa e pela sua manutenção”, conclui Mioko.

Tradição cultivada pelas novas gerações Débora Souza

Vamos resgatar a tradição do Bon Odori

Há quem pense que, hoje em dia, a juventude se importe mais em se divertir e pouco com responsabilidade. Essa visão muda quando se veem os integrantes do Bon Odori de Atibaia. Mesmo sendo um domingo de manhã, todos estão animados, e, quando outro companheiro chega, cumprimentam-se alegremente. Esse espírito é notável em todos os momentos de ensaio. O Bon Odori faz parte do Grupo de Jovens (Seinembu) da Associação Recreativa Fukushima Kenjin de Atibaia,

fundada em 1966 por imigrantes japoneses da província que leva o mesmo nome. Nele, os membros têm entre 15 e 30 anos. Giuliano Pieve, auxiliado por Marco Suzuki, comanda o Bon Odori, uma tradição do avô, com quem aprendeu a tocar os instrumentos: kotaikô, oodaikô e a flauta yokobue.

Apresentações começam em junho e se estendem até janeiro por várias cidades do Interior do Estado

A festa tem 63 anos, e após as apresentações de junho, estende-se em Jarinu, Campo dos Aleixos, Campos do Jordão, na Festa das Flores e do Morango, em Atibaia, retornando em Campos, no Festival das Hortências. Pieve destaca que 2014 é um ano de recomeço para o Bon Odori de Atibaia. “Nos confundiram com outros grupos, como o Taikô. O Bon Odori vai além dos instrumentos, pois sua dança interage com o público. Isso foi perdido com o passar dos anos e agora queremos colocar o nosso nome novamente na sociedade”, explica.

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10 JUNHO 2014 • Matéria Prima - JORNALISMO - FAAT FACULDADES

FRUTA GANHOU EXPRESSÃO NOS ANOS 40

Morangos

Morangos de Atibaia sempre foram os preferidos no mercado

Sérgio Fagundes

responsável Associação Cultural de Atibaia (ACA). Em 1976, década de 1980 marcou a feira teve sua segunda edição, o momento do reco- em 1982 um evento comemonhecimento de Atibaia rou 30 anos da ACA, quando na exportação de morangos passou a ser consecutivo. para todos os estados do Brasil. O espaço ficou pequeno Foi nesse período que a fruta ga- para as exposições. O Ginásio nhou maior expressão e passou do Elefantinho passou a abria ser vista como um símbolo gar a feira das flores, enquanto representante da cidade, impor- o Ginásio Elefantão ficava com tante para o consumo, e tam- a agricultura. Oswaldo Maziero, bém para a cultura da região. O há 10 anos na presidência da processo histórico do morango Associação de produtores horem Atibaia deu-se de 1940 a tifrúti de Atibaia e Jarinu, recor1945, durante a da-se que, há 31 Na década de 60, flores Segunda Guerra anos, a exportae morangos passaram Mundial, quando ção dos morana cidade abrigou a ter feiras em ginásios gos era muito um grande nú- específicos. A região era forte não só no mero de famílias estado de São uma referência orientais. Paulo, mas tamCom a agricultura, que era a bém para outros estados como principal fonte de renda, a tra- Distrito federal, Paraná, Santa dicional colônia japonesa con- Catarina, além de países como tribuiu para o desenvolvimento Argentina e Uruguai. “Eu ainda cultural, econômico e social do era uma criança quando meu município. O crescimento do pai cultivava e quando os venmorango na região fortaleceu- dedores pediam morango, mas se em 1965, quando ocorreu a que estes fossem os de Atibaia”. primeira feira agrícola, organiNos anos 90 a exportação zada pela colônia ja- do morango foi caindo, pois os ponesa e a entidade produtores de outras cidades e estados, e até mesmo outros países, já estavam auto suficientes, ou seja, já tinham aprendido a cultivar e produzir seu produto sem ajuda nenhuma. Outro que se lembra muito bem é o senhor Bertoldo Nishi hoje com seus 67 anos, que trabalhava em uma tranportadora e diz que ele mesmo fazia o serviço de levar os morangos.

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Tentativa Literária Thyago Domingues

O ano é 1949 e, próximo à Estação Atibaia, em meio ao apito do trem, alguém gritava.“Extra, Extra: será criada a República Federativa da Alemanha”. Era manchete da Folha Manhã do dia 9 de abril de 1949. No folhetim, o recurso dadaísta sugere o nome “Tentativa”, que por C$ 4,00, trazia na capa assinatura de Aldemir Martins. Esse tesouro literário era uma ideia iniciada após várias publicações de textos de André Carneiro, César Mêmolo Junior e de outros autores no Caderno de Leitura do Jornal Atibaiense. “Tentativa” foi criado num cenário pós 2ª guerra Mundial, no mundo, e pós Estado Novo, no Brasil. O jornal foi considerado isento das polêmicas modernistas por abrir espaço a várias tendências dos escritores das gerações 20, 30 e 45 e poetas em fase de ascensão. Ele não era para o grande público, logo não cabia às pessoas conservadoras de Atibaia. O Tentativa ia direto para os intelectuais, livrarias das grandes cidades e para outros países como Portugal, Argentina e França. “Daí que veio o sucesso”, rassaltou César Mêmolo. Alberto Dines, 82, escritor e jornalista, conheceu o Tentativa numa livraria do Rio de Janeiro. Enviou colaborações e, em resposta, André Carneiro dizia: “Falta ao seu poema qualidade para publicação. Mas a crônica tem nível.”(sic). Dines entrou na vida de Atibaia com seus textos. André Carneiro ressalta que o jornal foi um grande sonho realizado. Sonho levado pela ingenuidade e paixão literária que abriu muitas portas. Exemplo? O Tentativa publicou, na edição nº 4, em outubro de 1949, a entrevista com Graciliano Ramos, falando sobre os textos e poetas da época. O escritor nunca deu nenhuma declaração à imprensa: “A entrevista deu muita repercussão”. – conta Carneiro. Mas também pelas ações ligadas à literatura, ao cinema e aos debates gerados.

Sucesso do jornal foi resultado da distribuição direta para os intelectuais e livrarias das grandes cidades e de outros países


JORNALISMO - FAAT FACULDADES - JUNHO 2014 • Matéria Prima

Tapetes arraiolos são utilizados em cenários televisivos e comprados por pessoas famosas

Tapetes Arraiolos MANTENDO VIVA A TRADIÇÃO PORTUGUESA A cultura e a arte de fazer tapetes de ponto arraiolos dura mais de 300 anos

Vanessa Beraldo

Laila Maciel Fernanda Ambrósio

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tradição portuguesa escolheu o bairro do Portão para entrar e ficar em Atibaia. Isso não seria possível sem a persistência da avó da pedagoga e administradora Hilda Cruz Leite, fundadora, sócia e presidente da Arpa (Artesãos do Portão Associados). Essa arte e técnica Hilda aprendeu enquanto menina, e resolveu transformar isso em negócio lucrativo. A estratégia para isso — além de sua formação— foi a aliança feita com moradores de origem europeia. Essa força, somada ao domínio da técnica e à tradição lusa do comércio de tapetes, foi a receita ideal. Atualmente 1.600 artesãos descendentes de europeus são membros da Arpa e confeccionam os tapetes em suas próprias casas. A manutenção da qualidade

reside no permanente preparo dos tecelões, que recebem treinamento específico para a confecção dos arraiolos. Existem dois lugares no mundo onde são produzidos esses tapetes: Brasil e Portugal. A sede nacional tem mais de trinta anos e superou várias fiscalizações e intervenções políticas. Os tapetes são todos feitos a mão e bordados a ponto cruzado oblíquo. Cada tapete possui temas que são únicos e variados com diferentes formas: redondo, retangular, oval e quadrado. São influências muçulmana, árabe, asteca, entre outras, desde o ponto eslavo ao cruzado hispânico, o que os tornam semelhantes aos tapetes turco e persa, considerando as diferenças no processo de produção. O primeiro e mais antigo tapete, com mais de 300 anos,

se encontra em Londres, a lã é cardada (pronta para ser transformada em fios), do século XVII. A ARPA produz esse tipo de lã, que é tingida levando em conta a qualidade e a preservação da cor por muitos anos. O valor das peças é histórico e os preços variam de R$ 60,00 a R$ 13.000,00. Há tapetes com mais de 500 mil pontos, sem arremates no lado avesso. Os consumidores desse produto geralmente são pessoas com alto poder aquisitivo, artistas famosos, turistas, simpatizantes da arte europeia e empresários que buscam arte personalizada para cenários televisivos e gravação de novelas.

Incubadora de Artistas

O segundo andar do nº 78, ao lado da Igreja da Matriz, nunca mais foi o mesmo. Desde 2013 seus aposentos têm sido utilizados por diversos artistas que transformaram o espaço com expressão e arte. Lá está a Incubadora de Artistas, um projeto idealizado por Igor Spacek e Vitor Carvalho. A inspiração para o nome vem do modelo de Incubadora de Empresas. O objetivo é dar apoio ao artista que extravasa sua emoção e transforma isso em ideias e projetos. Nesse laboratório já passa-

ram diversos artistas: músicos internacionais, fotógrafos e grafiteiros. Para cada artista, o ambiente muda, se transforma. Sua arte comandada pela imaginação vai além das paredes que limitam os espaços. Prova disso é a exposição de Driin Pedro, de Florianópolis. O artista morou na Incubadora visando sentir o local e ter ideias. Nesse tempo, produziu quase todas as obras de “Desvio à Informação”. Quem esteve lá na inauguração, depois de subir as escadas que levam ao segundo andar, encontrou um ambiente com música, quadros e grafites em tela, dis-

tribuídos por quatro salas. No chão, velas, molduras, blocos de concreto e abajures. A iniciativa, “que está dando muito certo”, recicla os ares do Centro de Atibaia, amplia visões, diz Vitor Carvalho, acentuando que, para isso, basta o artista se cadastrar. Lá os projetos são avaliados e, na medida que se encaixem na proposta da Incubadora, recebem uma verba e o artista, em acordo com os idealizadores, pode fazer uma contrapartida. São vários os modelos de parceria e de materialização das propostas, bem como a forma como o artista pode colaborar com o projeto.

Projeto aposta na criatividade aberta e possível de ser materializada de várias formas

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12 JUNHO 2014 • Matéria Prima - JORNALISMO - FAAT FACULDADES

Dona Eunice Massoni Katarina Brandi

“No final da rua havia uma fonte, onde hoje está o Hotel Vila Verde. Os escravos moravam ali”

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heiro de planta, iluminação aconchegante e casa de avó, foram as primeiras impressões que tivemos quando na casa de Dona Eunice Massoni. Com 80 anos, bem humorada, nos recebe para um café com bolo de laranja. Na casa, um piano, violão, dizeres religiosos, estátuas antigas e sofás rústicos completam o cenário da sala. O cheiro faz lembrar as manhãs de domingo. Dona Eunice, professora formada em língua portuguesa, escreve poesia e frequenta a missa. Moradora de Atibaia desde que nasceu, sente saudades da vida calma desta cidade do Interior. Suas primeiras palavras acerca das mudanças de Atibaia foram sobre as flores. “Jasmineiros”, disse fixando-se em nossos olhos. “Sinto falta dos jasmineiros, que deixavam o bairro inteiro cheiroso. Eram lindos e ficavam na esquina da rua”, lembra. Dona Eunice mora na Treze de Maio desde a adolescência. Quando criança morou “na rua das duas igrejas”. Várias histórias podem ser contadas nesta reportagem, mas o olhar distante de Dona Eunice começa quando perguntamos do que mais sente saudades. Com visível alegria nos olhos, diz: “do cheiro da terra batida, das belezas naturais e das pessoas, claro!”. Os vizinhos que brincavam com ela quando eram crianças, famílias antigas, como os Ferraz, donos do casarão que até hoje está tentando

Eunice: naquele morro as bromélias azuis cobriam toda a Pedra Grande

sobreviver em Atibaia, e dos Barretos, donos de uma alfaiataria na rua de cima. A senhora Massoni mostra a Pedra Grande e conta como era naquela época. “Era cheio de flores, a rocha não aparecia, e era uma floresta só! Tudo era lindo, era tudo mato”, acentua. Ela lembra nitidamente que mudou-se para o endereço atual quando houve a separação dos escravos dos brancos. “No final da rua havia uma fonte, onde hoje está o Hotel Vila Verde. Os escravos moravam ali.” Segundo ela, a igreja do Rosário foi construída para os negros e a primeira missa foi realizada pelo Padre Matheus, homenageado com seu nome numa escola no Bairro de Caetetuba. Eunice agita-se na cadeira quando pensa no passado. Comenta com carinho sobre o trem que saía da cidade

de Bragança Paulista e parava ali perto do centro. Nessa época a cidade só tinha quatro ruas: a dela, a das igrejas, a rua onde hoje é o calçadão, e a do mercadão. Quando formada, percebeu que Atibaia tinha crescido junto com ela. Conta também que trabalhou na escola onde hoje é a FAAT. Ela não lembra do nome, mas em meio a risadas comenta que chamavam a escola de “Jonjoca”. Era chamada assim porque o nome do dono era João. Por conta disso, ela e outras professoras faziam piada. Além disso, diz, não existem mais charretes nas ruas, nem mulheres usando belos vestidos. Com os olhos nesse tempo, mesclando sorriso e tristeza por algo que não volta mais, divaga num pensamento...“Atibaia foi indo, crescendo, e a gente também…”

Uma vida dedicada à fé Carla Fagundes

Dona Lourdes: fé e dedicação ao próximo

Gravurista premiado Diego Lopes

Kraus Von Secca estudou gravura com artistas renomeados e é conhecido por expor suas obras em grandes eventos. Participou de inúmeras mostras e conquistou vários prêmios, que “jamais sairão de sua memória”. Tudo o que sabe e fez agradece aos mestres como Evandro Carlos Jardim, conhecido no mundo da arte. Uma lembrança importante é a Bienal da Gravura, na Itália, além das exposições na Europa e prêmios como o 1º Yolando Malozzi de Artes Plásticas e as participações na terceira Bienal Nacional de Gravura Olho Latino, em Atibaia-SP, mostras com destaque e representatividade internacional.

Nascida em 26 de junho de 1918, viu o pequeno vilarejo de Atibaia dar os primeiros passos rumo ao progresso. Aos 18 já era catequista, A casa no fim de uma ladeira, logo atrás da igreencaminhando crianças para a primeira comuja matriz, é o cenário da personagem de nossa hisnhão. Ela abraçou a religião católica e por meio tória. Pelo vidro entreaberto da porta nota-se uma dela tem dedicado boa parte de sua vida ao prósenhora de cabelos brancos, que, do sofá, obserximo. Sua história com a cidade e com a Igreja va a rua. Lourdes Scapin, 95, tem vitalidade de 50. Matriz São João Batista é antiga. Nela Sua idade real só aparece ao levantar para abrir a porta. A sala é pequena, “Você tem fé, tendo foi batizada, fez sua primeira comupoucos móveis, porém tudo está cui- fé a gente tem Deus, nhão e casou-se. Ali ajudou quem e tendo Deus a tinha fome, educou por meio da fé e dadosamente no lugar: fotos, imagens de santos e vasos de flores. gente tem tudo” levou uma palavra de afeto aos que precisaram. Dona Lourdes, como é conhecida Em 1983 recebe o mandato de Ministra da em Atibaia, está de preto há exatos 38 anos, quando o esposo, único amor de sua vida, a deixou, víEucaristia, dando início à tarefa de “encomendadora de almas”, ritual cujo intuito é levar a paz ao tima de um infarto. Saudosa, leva as mãos ao peito e diz: “aqui ele foi o único. E até hoje, mesmo com falecido. “Naquele tempo Atibaia não tinha médico e a medicina não era tão desenvolvida. Na a minha idade eu ainda o amo. É um amor eterdespedida, questionada sobre pensar na morte e no”, diz. Ele era o chefe da família, enquanto Dona se duvida da sua fé, diz sorrindo: “Às vezes eu Lourdes ficava em casa cuidando dos filhos e dos afazeres domésticos. “Eu fiquei como uma pena penso na morte sim, mas todo mundo um dia no ar, não sabia onde cair”. Sem ele, “eu rezei. E morre, né? Eu nunca duvidei de minha fé! E sempre digo aos que ajudo: aquele que tem fé, respondi a mim mesma: Você tem fé, tendo fé a gente tem Deus, e tendo Deus a gente tem tudo”. está com Deus. E se está com Deus, ele tem tudo.


JORNALISMO - FAAT FACULDADES - JUNHO 2014 • Matéria Prima

As profissões de Dona Ana

Gentil: nascido para ser barbeiro Emily Caroline

Milca Oliveira

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ntre os diversos retalhos e o barulho da máquina de costurar, Dona Ana, de olhar meigo e sorriso no rosto, espia pela janela e rapidamente abre as portas de sua casa para nos receber. Sozinha, ela vem com um pão quentinho feito por ela e nos conquista com o sabor inigualável de um café, preparado por ela mesma e incluindo nisso a torragem e a moenda dos grãos. Aos poucos as memórias e lembranças vão tomando conta da conversa. Em vias de completar 90 anos, Dona Ana mostra-se uma mulher forte, de fé, trabalhadora, com grande sabedoria e conhecimento de mundo. Vinda de uma família pequena do interior de Minas Gerais, casou-se aos 16 anos, teve 11 filhos, “os quais criei com grande amor”. Dona de casa por vocação e paixão, possui muitos talentos. Faz de tudo um pouco. Desde crochê, tapetes de retalhos, costuras, biscoitos caseiros de polvilho, e broas de milho. Tudo isso ela aprendeu ao longo de sua infância, quando ainda morava no sítio. Era ela quem cuidava do gado e da lavoura: seu trabalho era na roça. “No capinar”. Foi também no sítio que Dona Ana aprendeu sobre er-

Vida dedicada aos animais

Xavier: Animais sofrem acidentes e são abandonados na região

Dona Ana lembra de todas as ervas e para o que cada uma delas serve

vas medicinais. São centenas de nomes. E ela se lembra de todos e para o que cada um deles serve. Enquanto caminhamos no quintal, ela aponta para plantas. Eucalipto de cheiro, caroço de abacate, gengibre, cânfora, arnica, folha de dália, bálsamo, óleo de girassol, marcelinha, pariparoba, hortelã, poejo, boldo, conta do rosário etc. Tem remédio para tudo.“Para dor de cabeça, alergia, gripe e até para rachadura no pé”, acentua. Não à toa muitas pessoas a procuram em busca das “garrafadas” de remédios para as doenças. Entretanto, diferentemente de qualquer outra pessoa que acredita somente no “poGustavo Douglas Os animais de Atibaia podem ficar tranquilos, pois se depender de atenção e cuidados certamente vão receber do conhecido médico veterinário William Xavier, que além de salvar vidas de animais domésticos, contribui com a reabilitação de animais silvestres que são deixados em seu consultório. Em suas palavras, “faz o que ama”, e eliminar o sofrimento é sua lida diária. Sua visão humanitária apurada, assim como o respeito pela vida animal podem ser percebidos nas certezas que tem quando recebe um animal doméstico ou silvestre, estes muitas vezes desacordados. Uma convicção de seu caráter traduz isso ao ponto de ele afirmar em alto e bom som:

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der” das ervas, ela confia, mesmo, que o poder vem de Deus. E que ela é apenas usada para transmitir seu conhecimento aos outros. Em meio às conversas, Dona Ana ensina diversas receitas e relembra os “causos” de antigamente. Faz questão de mostrar todo seu trabalho. Aliás, ela não se cansa. A todo o momento está atarefada fazendo as coisas da casa. A conversa dura a manhã inteira. Cada momento é um aprendizado. Aos poucos, vamos nos despedindo, com muito carinho, desta mulher tão humilde e alegre, levando na bagagem um pouco de conhecimento e de experiências da vida. “não pratico a eutanásia, mesmo que o argumento seja para amenizar a dor”. Diz isso, pois prefere encontrar saídas mais razoáveis. Natural do Rio de Janeiro, o jovem veterinário diz estar completamente adaptado à cidade de Atibaia, a qual elogia pela qualidade de vida que oferece a seus visitantes, mas também pelo fato de ter encontrado aqui condições, afinidade e reconhecimento pelo seu trabalho. Incansável na luta pela sobrevivência dos animais feridos nas ruas e estradas da região, Xavier também participa de movimentos e ações que deem mais chances para os bichos sobreviverem, como por exemplo o da Associação Ajude Ajudar, quando colaborou na campanha de castração de animais de rua.

Numa segunda-feira de junho, às 10h, o sol brilhava no céu e um vento gelado castigava os pedestres de Atibaia. Curiosamente, a barbearia era o único estabelecimento fechado no centro comercial. Motivo: o dono, Gentil de Lima Mauro, estava almoçando. É que, para ele, o dia começa ao nascer do sol. Por volta de 11h, seu Fusca azul se aproxima: hora de entrevistá-lo. Lugar pequeno e aconchegante: um grande espelho em uma das paredes e, na prateleira, produtos e instrumentos como tesoura e navalha, e duas cadeiras para os clientes indicando atuação de dois cabeleireiros. Além disso, dois aparelhos telefônicos completam o cenário. “Eu não sei nada, somente cortar cabelo e fazer barba”, foi logo explicando. Em seguida, apontou a poltrona à sua frente e, já sem receios, relaxou e sorriu: “pode se sentar”. Gentil Mauro tem 85 anos, dos quais 75 enquanto barbeiro. Começou a cortar cabelo e barba ainda criança, no Bairro do Caetetuba, e assim foi por sete anos. Na adolescência abriu a Barbearia Aparecida, na Rua José Alvim, centro da cidade.“Seu Gentil” seguiu os pas“Cortar cabelo e sos do pai, Francisco de barba há 70 anos Lima. Cinco anos depois, em Atibaia é uma honra para mim” seu irmão, conhecido por Tito, também começou a cortar barbas e cabelos. Por mais de meio século, estiveram juntos e se tornaram conhecidos em Atibaia. Em 2008, a Câmara de Vereadores prestou uma homenagem aos dois, indicação do então vereador Takao Ono, que cortou cabelo com Tito por 60 anos. Além da barbearia, eles ajudaram a desenvolver o judô em Atibaia. O esporte era um hobby da família e isso os incentivou a abrir uma escola, na qual os filhos de ambos iniciaram a vida como judocas e obtiveram êxito em campeonatos internacionais. No começo de 2009, “seu Tito” veio a falecer, mas o trabalho e a placa com o nome de ambos prosseguiram. Com três filhos médicos, Gentil diz que a freguesia diminuiu, mas “cortar cabelo e barba ali é uma honra”, acentua e confirma: “enquanto estiver vivo, será barbeiro com orgulho”.


14 JUNHO 2014 • Matéria Prima - JORNALISMO - FAAT FACULDADES

A arte inspiradora de

Yasmin Godoy Sabrina Porfírio

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a realidade à abstração, do arquitetônico ao social e ao humano, sem limites de tempo e espaço: assim são as obras de Glenn Hamilton, 58, fotógrafo por formação e artista plástico por amor. Sua trajetória se deu com a fotografia, em jornais e revistas de São Paulo. Ele, que sempre pintou por hobby, viu sua arte evoluir e a primeira exposição individual ocorreu em 1989. Em 1996 mudou-se para Atibaia, onde possui seu próprio ateliê e desenvolve esculturas, pinturas e projetos especiais. Com pesquisas ligadas a causas ambientais, o artesão utiliza técnicas alternativas e materiais sustentáveis na realização de seus trabalhos, caracterizados por estruturas complexas, formas geométricas e texturas variadas. Para ele, é preciso investir na arte e na cultura: “Se as prefeituras tivessem um serviço de apoio, aprovassem projetos nas leis de incentivo e fizessem a ponte entre artistas e empresas da região, a arte daria um salto quântico e as empresas conheceriam uma forma de atuar junto ao seu público sem custos, já que o valor é deduzido do imposto de renda”, justifica. Um de seus projetos mais aclamados e reconhecidos foram os monumentos Union Africaine e Expansion Africaine, produzidos para o Festival Mundial de Artes Negras, no

Glenn Hamilton Entre a disciplina e a liberdade, obras de artista atibaiense ganham destaque internacional Senegal, em 2010. Esculturas assinadas por ele já integraram cenários de novelas da Globo, como “Caras & Bocas”, “Tititi”, “Passione”, “Tempos Modernos” e, mais recentemente, “Geração Brasil”. Apesar dos diversos trabalhos premiados, Glen acredita que o reconhecimento é apenas consequência. “O que mais me interessa é o público, como ele interage com meu trabalho e a energia trocada nestes contatos. Quando o trabalho tem vida própria e toca as pessoas, me sinto realizado”, argumenta. Sobre suas inspirações, o artista afirma que as informações estão em todos os lugares e cabe ao artista simplesmente observar: “Quando trabalhamos com arte, passamos a perceber melhor as informações e detalhes. Devemos analisar o que nos rodeia e as propriedades do material, aceitando suas limitações e explorando suas possibilidades.

Gosto dos meus projetos: são fiéis aos momentos que vivia quando os criei

A criação vem por consequência, e não por objetivo”, relata. Glenn Hamilton acredita no sucesso como êxito de trabalhos feitos com dedicação e verdade: “O fato de você ter um trabalho aqui e outro ali não o faz conhecido. Não existe trabalho mais ou menos importante. Gosto de todos os meus projetos, porque eles são sempre fiéis aos momentos que vivia quando os criei. Existem artistas fabulosos em todos os lugares. Hoje, o mundo é um grande quintal cheio de gente legal”, finaliza.

Haroldo Reimer: cidadão honorário de Atibaia André Oliveira

Cabelos brancos, voz rouca e simpatia singular são alguns dos atributos marcantes de Senhor Haroldo, como é chamado o cidadão honorário de Atibaia. Nascido em 27 de abril de 1926, na cidade de Mountain Lake, Minnesota, Estados Unidos, John Harold Reimer é o sexto filho dos camponeses John J. Reimer e Anna Reimer. Apesar da simplicidade de onde passou sua infância, foi educado de forma muito tradicional e seus pais sempre lhe ensinavam os valores cristãos para a vida. Quando jovem, algo que ninguém esperava aconteceu: a Segunda Guerra Mundial começou. Em 1944, estava em pleno mar do Pacífico lutando contra o Japão, “vivendo a ex-

Reimer: um cristão no Brasil

periência horrível e estúpida, da guerra”. Anos mais tarde, sentiu no coração o desejo de vir para o Brasil. Isso ficou mais claro após participar do acampamento Word of Life, em Nova Iorque. Em 1952, chega ao país com o objetivo de trazer valores cristãos e testemunhar o Cristo em que acreditava. Nos primeiros meses, estu-

dou português em Campinas, dos Unidos e, novamente, no onde conheceu outros cristãos. acampamento Word of Life, No Brasil, o ex-militar ameri- foi aconselhado a voltar ao cano conheceu e se casou com Brasil e criar um acampamena mineira de Jacutinga, Débo- to. Em 1957, retornou para o ra Reimer. Com o itinerário Brasil onde encontrou a terra traçado, logo se instalou em perfeita para seus planos: um Mato Grosso, onde traba- acampamento para investir na lhou como missionário por vida de jovens e adolescentes. aproximadamente quatro Através desse acampamento, o investimento na anos entre os ínSobreviveu à dios Xavantes e guerra e resolveu vida de milhares outras tribos da de jovens foi sendo dedicar a vida à concretizado e foi região. Ele conta que palavra de Jesus sendo estruturada a num primeiro encontro os Organização Palavra da Vida. Com o passar dos anos, índios o odiavam e queriam matá-lo, mas com o tempo outros ministérios foram tornaram-se seus amigos. O criados e John Reimer recejovem missionário sabia que beria, em 2013, o título de Ciera incapaz de fazer um tra- dadão Honorário de Atibaia. balho de expansão do Evan- Pensando em tudo o que fez, gelho sozinho, ainda mais ele percebeu com o tempo o sem dominar a língua portu- valor de tudo que viu, fez e guesa. Voltou para os Esta- aprendeu.


JORNALISMO - FAAT FACULDADES - JUNHO 2014 • Matéria Prima

Livia Magrini

E

Luz. Câmera. Emoção:

ra um domingo preguiçoso. E a chuva estava presente quando chegamos à casa de Titte Zambelli. Ao apertar a campainha, duas senhoras, da janela, indicaram o caminho e autorizaram o acesso. Foi aí que vimos Titte Zambelli pela primeira vez. Os olhos azuis bem claros chamaram a atenção de imediato. A expressividade de seu olhar pode ser melhor entendida quando conversamos. No momento em que entramos naquele pequeno porão de três cômodos, a reação foi de muita surpresa. Impossível não soltar uma exclamação: “Meu Deus!”, duas palavras repetidas várias vezes. Na expectação ficamos parados olhando todas as cenas e imagens para termos certeza de que tudo aquilo era de verdade. A conversa com Zambelli começou com sua história no cinema. Aos 17 anos trabalhava de lanterninha no Cine Itá. Nas horas vagas, durante Rolleiflex, Wagoflex, Exakta. o dia, saía para entregar, em Um universo fascinante nalugares próximos, pequenos quela sala. folhetos anunciando o filme Titte ganhou sua primeida semana. Depois de algum ra câmera aos 15 anos e, mais tempo, foi para a cabine, onde tarde, quando já trabalhava no aprendeu a enrolar os filmes. Cine Itá, começou a fotografar Mas sua maior vontade era casamentos, festas e eventos da um dia poder projetá-los. cidade para ganhar um pouco Todos diziam mais. Com o diPara melhorar sua que era melhor nheiro que consecondição, desistir da ideia, guia, comprava oupois não teria temTitte fotografou tras câmeras, lentes po para mais nada e filmes. Era sua casamentos, aos finais de semaverdadeira paixão. festas e eventos na, mas ele conseNeste salão enguiu e lá ficou por dez anos. xerga-se um cenário: um quaPercebemos que algo mais dro bem grande pintado de fazia brilhar os olhos daquele azul com algumas nuvens no homem, mais do que o cine- fundo. Um urso de pelúcia um ma: suas máquinas fotográ- pouco velho com uma espada ficas Agfa, Yashica, Polaroid, ao lado ajuda a compor o am-

Titte Zambelli

Um apaixonado pelo Sport Club Atibaia Eduardo Bonholo

biente. Lá, conta Zambelli, ele já fez muitas fotos de crianças. “Elas iam todas arrumadas, com seus melhores vestidos para serem fotografadas”, relembra. Em meio a tantas imagens, as máquinas e aquilo que conhece de cada uma delas. Mais incrível ainda, saber manuseá-las perfeitamente com pleno conhecimento da técnica necessária. Zambelli não deixou de ser fotógrafo, apesar das armadilhas do tempo. Na realidade, percebe-se nitidamente que em suas fotos há alma e amor. Nos olhos daquele homem foi possível perceber um desejo: o de que os jovens pudessem conhecer seu tesouro, em outras palavras, sua própria vida.

O Barão que protegeu Atibaia Bianca Fernandes Matheus Clayton Gravina Ao longo de sua vida, Moacir Hübner passou por diversas situações de risco. Hoje, uma pessoa que vive tranquilamente chama a atenção pelo seu modo simples de viver: personalidade forte, carisma e disposição para ajudar. Hübner nasceu em Minas Gerais e aos dez anos mudou-se para Atibaia, onde recebeu o apelido de Barão, pelo modo como tratava as pessoas. Em 1984, com apenas 18 anos, serviu ao Exército e, um ano depois, entrou para a carreira militar, inspirado em seu pai. Estudou em Sorocaba, quando ficou longe da família. De volta a São Paulo, ingressou no Batalhão de

Depois de enrolar os filmes no Cine Itá, o sonho de Zambelli era poder projetá-los

Elite Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (ROTA). Aos poucos, ele mostra ser um homem exemplar. Em meio a dificuldades, graças à sua dedicação e esforço, foi recompensado. De volta à PM de Atibaia, foi eleito o policial do mês, ocasião em que recebeu, na Câmara Municipal, homenagem pelos serviços prestados. Os atos heróicos dessa homenagem estão todos recortados e guardados: salvamento de crianças em enchente, prisão de integrantes de quadrilha, entre outros. Hoje, aposentado, diz ter se preocupado com a família e a formação dos filhos, ao lado da esposa Débora. Para ele, “depois de estar no ambiente militar, nunca mais volta ser [sic] o mesmo” .

Em 12 de dezembro de 2005, nascia um clube de futebol profissional na cidade de Atibaia (SP). O município teve times de tradição em décadas anteriores, como o São João Futebol Clube (atualmente um clube social), o Boa Vista Futebol Clube (extinto) e o Grêmio Esportivo Atibaiense (licenciado desde 1990) e buscava a volta aos tempos de glória no futebol paulista. Dois anos após sua criação, o Sport Club Atibaia quase conseguiu seu primeiro trunfo: o acesso para a série A3 do Campeonato Paulista escorreu entre os dedos. O elenco contava na época com o então jovem atacante Hernane, que anos depois tornou-se o famoso “Brocador” no ataque do Flamengo. Foi nessa época que a história do jovem paulistano Mário Gonçalves começou a se cruzar com a equipe. “Eu sou de São Paulo e sempre fui apaixonado por futebol. Vim para Atibaia em 2008, com 13 anos, e já sabia que havia um clube profissional na cidade”. Mário começou a seguir o clube e isso lhe rendeu uma função inusitada. “Em 2009 e 2010, eu acompanhava alguns jogos aqui no Estádio Salvador Russani. Em 2011, comecei a reparar que ninguém fazia fotos para o clube. Comecei a tirar as fotos como um hobby. O clube gostou muito da iniciativa e com isso me tornei administrador da página oficial do clube. Tenho todos os jogos da história do clube, súmulas e boletins, tudo arquivado no computador. Atualmente, a fanpage do time no Facebook é administrada também por Bruno Sabadini, torcedor apaixonado e um dos líderes da torcida organizada “Guerreiros do Falcão”. Outro ponto que torna famoso o fotógrafo da equipe atibaiense é sua coleção de camisas de clubes de futebol do mundo todo — todas oficiais e usadas em jogos. As camisas do Atibaia são as preferidas de sua coleção: “Do Sport Club Atibaia tenho a camisa 11 da campanha de 2007, usada pelo jogador Hernane na época que o clube quase subiu para a série A3 do Campeonato Paulista”. O jovem conta ainda o que o time representa em sua vida: “Pra mim o Sport Club Atibaia é um clube que me alegra em todos os finais de semana, clube que me abraçou e que deu apoio e oportunidade”.

Sabadini levou o Sport Clube de Atibaia para o Facebook

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16 JUNHO 2014 • Matéria Prima - JORNALISMO - FAAT FACULDADES

Voar sem medo

EM UM DOS PONTOS MAIS CONHECIDOS DA CIDADE Roberta Damiani

A Conhecida pela sua beleza e pela prática de esportes radicais, a Pedra Grande é um dos principais pontos turísticos de Atibaia

Pedra Grande de Atibaia, ou maciço da Pedra Grande, fica localizada na Serra do Itapetinga com sua face virada para a cidade de Atibaia. No local existem práticas de esportes como ciclismo, caminhada e o mais desejado: o voo livre. No topo da Pedra, é possível observar as cidades de Bom Jesus dos Perdões, Atibaia, Nazaré Paulista e mais quatro cidades próximas.

Tombado em 1983 pelo CONDEPHAAT (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico), o maciço da Pedra Grande passou a ser protegido contra atividades humanas irregulares, como a construção de moradias. Além disso, é também uma das quatro novas unidades de conservação criadas em março de 2010 pelo governo do estado de São Paulo. A busca do local para esportes radicais virou uma tradição, principalmente o voo livre com parapente e asa delta. Por isso, quando as condições atmosféricas estão perfeitas, “é possível ver até 50 ‘objetos alados’, entre

parapentes e asa delta”, fenômeno denominado de “farofa”, acentua Wilson Simonato, presidente do Clube Atibaiense de Voo Livre (CAVL).

também é um ótimo local.

Considerada uma das melhores cidades para a prática desse esporte, Atibaia virou berço de esportistas dessa modalidade. “Aliás, berço de muitos campeões brasileiros e mundiais”, destaca o instrutor Mauro Vilela. Contribui para isso outra qualidade da Pedra: seu potencial de rampa, também considerada a melhor do país. A única limitação é que, para um bom voo, é necessário que o vento venha do lado oeste, pois a pista de pouso é nessa direção.

Vilela e Simonato são exigentes no quesito segurança, o que colabora muito para o status, a procura e a beleza dos saltos realizados na Pedra Grande. Para que o voo traga segurança, são necessários alguns equipamentos. “Para o piloto, exige-se o uso de um capacete homologado, ou seja, tecnicamente certificado para a prática do voo livre. E um calçado adequado, que pode ser tênis ou bota, preferencialmente que tenha proteção para o tornozelo”, frisa Simonato, recomendando também o uso de óculos, luvas, macacão de mangas longas e rádio de comunicação.

O voo, além de ser muito bonito, é também muito emocionante, elogia Vilela, que pratica o parapente. A seu ver, é como assistir televisão sentado numa poltrona, em casa. Ele nunca sofreu acidentes, pois respeita a si mesmo e a natureza. “Quem tiver a oportunidade deveria conhecer a Pedra Grande e praticar algum esporte”, convida o instrutor, acentuando que o “local tem uma beleza incrível, e a vista para as cidades é belíssima”. Subir a pé é melhor que de carro, pois aprecia-se melhor a beleza do lugar. Para relaxar,

Além da segurança para o piloto, os equipamentos usados têm que ser todos desenvolvidos de acordo com as normas internacionais de segurança e confiabilidade. Tudo tem que ser devidamente inspecionado e homologado pelas agências europeias de certificação de segurança. E se o piloto não cumprir essas normas, ele sofrerá sanções que podem chegar a uma suspensão da sua habilitação para a prática do voo livre. De acordo com Simonato, o CAVL já flagrou alguns acidentes, a maioria por imprudência do piloto.


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