Revista cibernética edição 15 de fevereiro de 2017

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ANO 05 – EDIÇÃO 13 – 15 FEVEREIRO 2017

HERMAN CANGA Conheça o primeiro angolano a cantar na orquestra nacional namibiana, notabilizando-se na música clássica

João Lourenço

A NOVA ERA?

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W W W. I S S U U . C O M / R E V I S TA C I B E R N E T I C A


PAÍS

EM

REVISÃO

2016

DEZEMBRO 2016


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Juntos Teclando para a MUDANÇA! www.issuu.com/revistacibernetica


Adeus presidente José Eduardo dos Santos

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PEDROWSKI TECA Director Geral E-mail: revistacibernetica@gmail.com

A REVISTA CIBERNÉTICA é uma publicação electrónica de distribuição e acesso grátis, lançada na internet aos 15 de Janeiro de 2012 a partir da capital da República da Namíbia, Windhoek. Ela surge como contributo na diversificação de plataformas cibernéticas de informações, debates, educação e entretenimento no seio da comunidade de expressão da língua portuguesa com interesses em assuntos concernentes a Angola. É uma revista mensal, publicada ocasionalmente nos dias 15. COLABORADORES: Maurilio Luiele Al Félix Mbanza Hamza David Lau PAGINAÇÃO & DESIGN: Revista Cibernética DIRECTOR DE DISTRIBUIÇÃO & MARKETING: Vicente Paxtomás (Pretoria, República da África do Sul) CONTACTOS: revistacibernetica@gmail.com © COPYRIGHT 2017 Revista Cibernética PROPRIEDADE: Drowski Corporation Encontre todas as edições em: http://issuu.com/revistacibernetica AS OPINIÕES EXPRESSAS PELOS COLABORADORES, ENTREVISTADOS E COLUNISTAS NESTA PUBLICAÇÃO NÃO ENGAJAM A REVISTA CIBERNÉTICA.

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uando eu nasci, a 3 de Setembro de 1986, e quando todos os jovens da minha geração dos anos 80 nasceram e milhares morreram, José Eduardo dos Santos já estava no poder desde 21 de Setembro de 1979. Ele foi nomeado pelo seu partido, aos seus 37 anos de idade, como presidente do MPLA e da República Popular de Angola, substituindo “impossível” mas necessariamente o primeiro-presidente de Angola, António Agostinho Neto, que alegadamente faleceu, aos 57 anos de idade, vítima de doença, quando completava 4 anos na presidência da República. Tendo herdado uma vergonhosa guerra civil entre angolanos, que começou no ano da Independência Nacional, 1975 e durou 27 anos, terminando em 2002, é agora oficial, embora tardio, a decisão de que aos 75 anos de idade, 38 dos quais no poder, José Eduardo dos Santos abandonará a Presidência da República de Angola. O dia 3 de Fevereiro de 2017, ficou marcado na história de Angola como o momento em que, na II sessão ordinária do Comité Central do partido MPLA, o ministro da Defesa Nacional e vice-presidente do MPLA, João Manuel Gonçalves Lourenço, foi indicado por José Eduardo dos Santos, como cabeça de lista daquele partido às Eleições Gerais, sendo assim o candidato à Presidência da República. Do mesmo modo, o ministro da Administração e do Território, Bornito de Sousa Baltazar Diogo, indicado como o número dois da lista partidária e candidato à vice-presidência da República. Tal como até hoje, os angolanos não sabem concretamente sobre as reais causas da morte de António Agostinho Neto, que oficialmente diz-se simplesmente, sem especificar, que faleceu por doença, correndo boatos de que tivera sido envenenado, José Eduardo dos Santos abandona o poder, sem explicações plausíveis, deixando margens de dúvidas, onde florescem sérias especulações de que padece de câncer da próstata, que supostamente o forçou a executar uma sucessão que nesta altura também aparentava ser “impossível mas necessária”. O cidadão esclarecido, sabe, sem paixões, que sob a liderança de João Lourenço, ou de qualquer outro candidato que vencer as Eleições Gerais de 2017, Angola terá de enfrentar e atravessar a crise de transição político-administrativa, económico-social e cultural pós José Eduardo dos Santos. Dos Santos sai da Presidência da República, embora permanecendo como presidente do MPLA, e tudo indica que não sentiremos saudades dele, pois deixa o país mergulhado na crise económica e financeira, na corrupção endémica, no nepotismo, no partidarismo, enquanto a vasta maioria dos angolanos encontra-se arrasada pela miséria imposta sistematicamente. Ontem, quando éramos crianças, José Eduardo dos Santos dizia-nos que seríamos o futuro do amanhã. Quando foi o amanhã se os mais velhos eternizaram-se no poder, sem passarem-nos o testemunho? Hoje, a minha geração de 80, já está aos meados dos 30 anos de idade, mutiladamente educada a não pensar, muito menos questionar. “Xé miúdo, não fala política”, assim fomos endoutrinados pelo regime de José Eduardo dos Santos, condenados ao conformismo em torno de vãs promessas que nos roubaram a juventude. Adeus José Eduardo dos Santos, pois muitos da minha geração, morreram conhecendo um único Presidente da República (Popular) de Angola, e eu sinto-me orgulhoso por ter lutado contra isso, podendo agora ter a certeza de que os meus filhos terão outros presidentes, outras visões, e os ensinarei e motivarei a pensarem com as próprias cabeças, e a questionarem e desafiarem o mundo e seus ensinamentos, inclusive a básica educação em que eu lhes transmitirei.


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ÍNDICE|CIBERNÉTICA

Actualidade

Entrevista

Especial Análise

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“Oposição não tem hipótese” de vencer eleições em Angola

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Entrevista exclusiva com Herman Canga

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Afirmou Makuta Nkondo, jornalista e ex-deputado independente pela bancada parlamentar da UNITA, acrescendo que é nula a possibilidade de a oposição ganhar esta corrida contra o MPLA.

Neste mês do amor e dos namorados, a Revista Cibernética entrevistou Herman Canga, o primeiro angolano a cantar com a orquestra nacional namibiana, e que tem se notabilizado na música clássica.

Achando relevante e com interesse público, a Revista Cibernética tomou a liberdade de publica em “Especial Análise” o texto a seguir, com o tema: “Terra queima”, escrito pelo veterano jornalista angolano Gustavo Costa e publicado pelo órgão de comunicação social português, o Expresso.

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A trajectoria de José Eduardo dos Santos e o destino de Angola


|ÍNDICE

Tecnologia

Tecnologia

Cinema

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Lembra-se do Nokia 3310? O telemóvel está de volta!

Nova plataforma para monitorar eleições em Angola

Especialista em crise

O aparelho lembrado pela sua longa bat-

Chama-se “Zwela”, que significa “fala” em

Sendo 2017, um ano eleitoral em Angola,

eria, resistência e até pelo famoso jogo da

kimbundo, e serve para observar as eleições

esta edição da Revista Cibernética trás

“snake” vai voltar ao mercado. Já há quem

gerais de 2017 em Angola, mas também

como sugestão de filme o drama/comédia:

esteja à espera para voltar a ter um exemplar.

para denunciar casos de corrupção e viola-

“Especialista em crise”, que retrata os segre-

ção de direitos humanos. A aplicação já está

dos de consultora em campanhas político-

disponível.

eleitorais.

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ACTUALIDADE |CIBERNÉTICA

Promessa de mil paragens trava a greve dos taxistas A Nova Aliança dos Taxistas de Angola decidiu cancelar a greve que estava prevista para segunda-feira depois de chegar a um consenso com a Casa Civil da Presidência da República. Segundo o presidente da organização, Geraldo Wanga, no encontro realizado ontem, os operadores de táxi receberam a garantia de que passarão a ter mil paragens e não as 320 que o governo de Luanda havia prometido em Dezembro. “Chegamos a um acordo. São mil 08

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paragens,e valeu apenas o esforço da nossa parte. Esperávamos 320 paragens mas acabamos de ganhar mil. Não vai haver mais paralisação na segunda-feira’ O presidente da Nova Aliança diz que a própria associação vai sugerir os locais onde serão instalados as paragens. Se o problema não for resolvido, Geraldo Wanga disse que os taxistas vão paralisar as suas actividades sem aviso prévio. “Esperamos que haja responsabilidade

por parte das autoridades em cumprir as promessas. Se não cumprirem as promessas, vamos tomar outras medidas porque já sabemos seremos cobrados pelos nossos associados. As medidas serão repentinas, e sem qualquer aviso”. Enquanto os candongueiros esperam a conclusão da sinalização das paragens de táxi, a polícia de rádio cumprir com as exigências dos taxistas e não interpelar sem necessidades os motoristas. Com R.A


|ACTUALIDADE

Inflação no país Ministro do In- Trabalhadores dodesceu em terior justifica mésticos já podem Janeiro para 39,6 encerramento inscrever-se na por cento de colégio turco Segurança Social

A taxa de inflação em Angola, a 12 meses, desceu em Janeiro para 39,6 por cento, segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE). De acordo com o relatório mensal do INE sobre o comportamento da inflação, os preços subiram de Dezembro para Janeiro mais 2,25 por cento, em termos nacionais (e 2,29 por cento em Luanda), na linha dos meses anteriores, mas abaixo dos quase 4 por cento de Julho. Entre Janeiro e Dezembro de 2016 os preços no país subiram praticamente 42 por cento, segundo os relatórios anteriores do INE com o Índice de Preços no Consumidor Nacional (IPCN). Agora, no relatório relativo a Janeiro, o IPCN identifica uma inflação acumulada nacional, a um ano, de 39,66 por cento, influenciada essencialmente pelo sector da educação, face ao início do novo ano escolar (Fevereiro), neste caso com aumentos de mais de 15 por cento.

O ministro do Interior de Angola, Ângelo da Veiga Tavares, justificou o encerramento do colégio turco Esperança Internacional com actos de “bastante gravidade” e recusou qualquer pressão sobre o Governo, numa clara alusão à postura do Executivo da Turquia que tem pedido o encerramento das escolas ligadas ao clérigo exilado nos Estados Unidos, Fethullah Gülen, a quem o Presidente Recyip Erdogan acusa de ser o autor intelectual da tentativa fracassada do golpe de Estado do ano passado. Ângelo da Veiga Tavares não deu qualquer detalhe sobre esses actos em virtude de existirem outros envolvidos. “A questão que fez com que o Governo tomasse a decisão do encerramento do colégio é uma questão de bastante gravidade, não tem nada a ver com quaisquer pressões que o Governo angolano vem sofrendo de qualquer país, mas por questões de natureza factual em que nós não vamos pormenorizar, porquanto existem outras estruturas que estão também a dar tratamento a esta questão”, adiantou o governante em conferência de imprensa.

Começou a 14 de Fevereiro em Angola, o processo de inscrição obrigatória dos trabalhadores domésticos no Instituto de Segurança Social, visando garantir a sua aposentação, depois da entrada em vigor, pela primeira vez, da lei que assegura a protecção social daquela classe laboral. O director nacional da Segurança Social, Jesus Maiato, disse que a inscrição e a venda de cadernetas deverá ser concluído em cerca de seis meses e vai envolver perto de 180 técnicos distribuídos por até 80 postos de atendimento em todo o país. Maiato revelou existirem perto 300 mil trabalhadores domésticos no país, cujos empregadores passam a ter a obrigação de fazer os depósitos requeridos para a segurança social. O sindicalista Manuel Viagem, secretário-geral da principal central sindical angolana, UNTA, pede aos empregadores o cumprimento integral da lei por considerar que “terminou a escravatura moderna”.

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ACTUALIDADE |CIBERNÉTICA

“Oposição não Fraude milionária Ausência do tem hipótese” de leva Namíbia a presidente do PRS vencer eleições bloquear telefone- atrasa realização mas para Angola em Angola de congresso A pouco menos de oito meses para as eleições em Angola, aumentam as expetativas e reflexões em torno do processo. Foi com este espírito que o Centro de Integridade Pública (CIP – Angola) realizou, na quarta-feira, 15 de Fevereiro, uma palestra sob o tema “Surgimento de Novos Partidos Políticos e Perspectivas para Eleições de Agosto Próximo”. Em entrevista à DW África, à margem do evento, Makuta Nkondo, jornalista e antigo deputado independente pela bancada parlamentar da UNITA, afirmou que é nula a possibilidade de a oposição ganhar esta corrida contra o MPLA. “A oposição não tem hipótese porque tudo está nas mãos do MPLA. Tudo está a ser cozinhado à maneira deles”, afirmou. Makuta Nkondo afirmou também que”nunca poderá haver equilíbrio no Parlamento. Nunca haverá novidades. Novidades é quando se incorpora figuras neutras, independentes, figuras civicas nas listas”. 10

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A Telecom Namibia bloqueou temporariamente as chamadas telefónicas para 17 países, Angola incluída, por causa de uma fraude com chamadas internacionais que, só este mês, já custou 750 mil dólares às empresas namibianas. As chamadas internacionais tornaram-se há muito um alvo de fraudes expressivas na Namíbia, que decidiu travar as burlas eliminando o motivo do crime: os telefonemas. Em causa está o ataque às redes das empresas que utilizam o sistema PABX - recurso que permite acesso remoto à linha do escritório -, para realização de chamadas internacionais. O esquema tem permitido aos criminosos piratear várias linhas e assim gerir uma espécie de operadora informal de telecomunicações. Esses contactos paralelos permitiram às autoridades namibianas identificar 17 países como destinos preferenciais da fraude e, por isso, as chamadas para os mesmos estão bloqueadas desde o início desta semana.

A ausência do presidente do Partido de Renovação Social (PRS), alegadamente por motivos de saúde há mais de cinco meses, está a pôr em causa a realização do congresso ordinário daquela formação politica, inicialmente marcado para o mês de Março para a eleição dos candidatos às eleições gerais previstas para o mês da Agosto. Enquanto o secretário-geral Benedito Daniel considera que a convocação do congresso é da responsabilidade exclusiva do presidente Eduardo Kwangana, o também candidato à liderança, Sapalo António, afirma que os estatutos do partido atribuem as mesmas competências ao secretário-geral em caso de ausência ou impedimento do líder do partido. Sapalo diz que, neste sentido, Benedito Daniel pode convocar o congresso e que a justificação do seu colega é uma manobra dilatória para Eduardo Kwangana se perpetuar na liderança do partido, que dirige há mais de 26 anos.


|ACTUALIDADE

OMS declara Angola livre da febre amarela A directora regional da Organização Mundial da Saúde (OMS) para África revelou que Angola e a República Democrática do Congo estão livres da epidemia de febre amarela que num ano provocou pelo menos 392 mortos nos dois países. Matshidiso Moeti destacou a resposta “forte e coordenada” das autoridades nacionais, dos trabalhadores locais de saúde e dos parceiros para atingir o objectivo. Os dois países confirmaram 965 casos, enquanto outros milhares foram considerados suspeitos. Angola registou um total de 4.306 pacientes suspeitos e 376 óbitos. O último caso em Angola foi registado a 23 de Dezembro, enquanto há seis meses que não se regista qualquer caso na República Democrática do Congo.

Angola tem apenas 2.700 médicos em funções Angola tem em funções apenas 2.700 médicos dos 5.000 inscritos na ordem daqueles profissionais, 700 dos quais espalhados pelos 165 municípios do país e um rácio de 0,3 médicos por dez mil habitantes. Os dados foram ontem avançados pelo ministro da Saúde, Luís Gomes Sambo, num encontro que manteve com médicos, para abordar a admissão, este ano, de 482 médicos e outros 900 em 2017. Luís Gomes Sambo disse que as estimativas apontam para a existência de entre 1.500 a 2.000 médicos à espera de admissão. Acrescentou que uma decisão recente do Presidente da República, José Eduardo dos Santos, permitirá admitir cerca de 1.500 médicos até ao próximo ano, estando a prioridade virada para os municípios. “Dos 165 municípios do país, 46 por cento não tem médicos nacionais. Neste momento temos cerca de 700 médicos nacionais a trabalharem nos municípios, mas o rácio ainda é muito baixo. Temos cerca de 0,3 médicos por cada 10 mil habitantes a trabalhar por município e há províncias como o Bié e o Cuando Cubango, onde a situação está abaixo do indicador mencionado”, disse Luís Gomes Sambo.

Caso Supostos Golpistas terá alegações finais no dia 23 A equipa de juízes da 14ª Secção de Crimes Comuns do Tribunal Provincial de Luanda, encabeçada por João António Eduardo Agostinho, marcou para a próxima Quinta-feira, 23, as alegações finais do Caso dos 37 cidadãos acusados de atentarem contra a vida do Presidente da República, José Eduardo dos Santos, entre outros crimes. O advogado Sebastião Assureira declarou que os depoimentos dos declarantes só confirmaram que os seus constituintes pretendiam apenas realizar uma manifestação pacífica para exigir a sua inclusão na Caixa de Segurança Social das Forças Armadas Angolana (CSSFAA), na qualidade de ex-militares. João Agostinho fez esse anúncio, Segunda-feira, 13, após a conclusão do interrogatório do último dos dez declarantes arrolados ao processo, de modo a que os membros das instâncias de defesa e do Ministério Público(MP) se preparassem atempadamente para o “confronto final”.

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João Lourenço

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|DESTAQUE

Para todo cidadão esclarecido, que encara realisticamente a conjuntura política de Angola, já é um ponto assente que o general João Manuel Gonçalves Lourenço será o próximo presidente da República de Angola, a menos que aconteça um milagre e a oposição nos surpreenda. Portanto, também é óbvio que se dependesse unicamente de José Eduardo dos Santos, essa retirada da Presidência do país não surgiria tão cedo, mas é notável que a decisão está a ser impulsionada por razões muito fortes e fora

do alcance do septuagenário estadista angolano. “Não é uma substituição fácil, nem tão pouco me parece uma substituição possível. É apenas uma substituição necessária”, essas foram as palavras proferidas por José Eduardo dos Santos, a 21 de Setembro de 1979, aquando da sua tomada de posse na Presidência do MPLA e da República, e por irónico que pareça, a mesma carapuça serve para João Lourenço.

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DESTAQUE|CIBERNÉTICA

Texto de Pedrowski Teca

A questão em destaque nesta edição da Revista Cibernética é pertinente: Será que João Lourenço será sinónimo de uma nova era? É sucessão/alternância ou é mudança? A ser uma nova era, como será? João Lourenço, a nova era? A metamorfose que o MPLA está a viver desde 3 de Fevereiro, aquando do anúncio oficial de João Lourenço como cabeça de lista do MPLA às Eleições Gerais e candidato à Presidência da República, é uma transformação que peca por ter surgido tarde. Somente na região da África Austral 14

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(SADC), os partidos no poder, como a Swapo da Namíbia, a Frelimo de Moçambique, e a ANC da África do Sul, há muito que tinham efectuado este exercício de renovação interna, mudando, inclusive a liderança partidária. Na África do Sul, após o derrube do Apartheid, o partido ANC continua no poder e já contando com a terceira sucessão. A República da Namíbia também tem um terceiro presidente e todos provenientes da Swapo. Em Moçambique, idem com a Frelimo. Estes três exemplos demonstram a falta de inovação no “fenómeno” que está


|DESTAQUE

a ocorrer no MPLA. É, no entanto, um exercício normal. A indicação de João Lourenço a cabeça de lista do MPLA é claramente o prelúdio de uma nova era na continuidade das políticas do MPLA. Não está a ocorrer uma mudança, mas sim uma sucessão de acordo a vontade José Eduardo dos Santos, cuja funcionalidade dependerá do mesmo modo da vontade do ainda presidente do MPLA. Esta é uma nova onde a maior crise que havemos de enfrentar será da transição. Isto é, teremos de nos desapegar dos 38 anos de José Eduardo dos Santos, adequando-nos na nova conjuntura político-administrativa. De certeza que, herdando um país amordaçado em todos os seus quadrantes (político, económico, social e cultural), o maior desafio de João Lourenço ou quem venha a ganhar as Eleições Gerais, será a correcção daquilo que está mal. O futuro presidente da República entrará em choque com José Eduardo dos Santos, ao tentar endireitar o país. Como por exemplo: Combater o nepotismo, começando pela exoneração da

Isabel dos Santos na liderança da Sonangol, do Zenú dos Santos do Fundo Soberano de Angola, ou da retirada da TPA 2 da tutela de Tchizé e Coréu Dú, entre outras conflitualidades que andam desavergonhadamente visíveis ao olho nu. Infelizmente, José Eduardo dos Santos estará na retaguarda, sendo o chefe de João Lourenço, querendo dizer que nos primeiros anos, o cabeça de lista esforçar-se-á para agradar o chefe, não tomando qualquer decisão crucial sem a prévia consulta. João Lourenço precisará, primeiramente, conhecer os corredores da Cidade Alta e se estabilizar, aprendendo a andar com os seus próprios pés e correndo riscos, posteriormente nos poderá surpreender com decisões próprias. A política é cheia de surpresas. As previsões falham e com o tempo, a realidade chega a ser sempre a melhor professora. Que venha o futuro, pois os angolanos estão ávidos de viverem dias melhores, na certeza de uma direcção diferente daquele em que aturamos por cerca de 38 anos.

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ENTREVISTA|CIBERNÉTICA

Cantar é a minha razão de viver. Para mim, é expontâneo. É a forma máxima de expressão corporal, sendo o cúmulo de todas as emoções.

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|ENTREVISTA

rman Canga O angolano que canta e encanta na orquestra nacional da Namíbia Texto de Pedrowski Teca

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Neste mês do amor e dos namorados, a Revista Cibernética entrevistou o jovem Herman Canga, o primeiro angolano a cantar com a orquestra nacional namibiana, e que tem se notabilizado na música clássica. Herman descreve-se como “um ser de alma jovem, humilde e repleto de arte”. Acrescenta que é um músico angolano com sonhos que o levam para além dos quatro cantos do nosso belo país, Angola. É membro da orquestra nacional da República da Namíbia e do coro nacional sinfônico daquele país vizinho. Na comunidade Angolana, Herman faz parte do Grupo Mieres. Na Namíbia, Herman Canga formouse em Engenharia de Telecomunicações na instituição superior, Triumphant College, em Windhoek. Mas de antes ter partido para a República da Namíbia, onde também fez o ensino secundário, o talentoso jovem angolano tivera concluido o ensino de base no Colégio Graceland, localizado no Morro Bento II, em Luanda, capital de Angola. Em 2014, ingressou na Escola Nacional de Artes da República da Namibia, onde fez o curso de música, especificamente no que toca ao “canto e regência coral”. Em entrevista a Revista Cibernética, Herman Canga falou-nos mais sobre a sua vida e paixão na música clássica. Confira algumas das perguntas e respostas: Revista Cibernética (R.C): O que significa cantar, para si? Onde e como nasceu essa paixão ou talento? Herman Canga (H.C): Cantar é a minha razão de viver. Para mim, é expontâneo. É a forma máxima de expressão corporal, sendo o cúmulo de todas as emoções. Em 2012 sofri uma cirurgia na garganta, e o meu maior medo, an-

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tes e após a cirurgia, foi de nunca mais poder cantar. Eu canto a todo momento, seja no serviço, em casa, escola, os meus colegas e amigos aprenderam a lhe dar com este meu vício. Comecei a cantar na igreja, aos 5 anos. Fui membro do grupo coral que regia a minha mãe. Fiz parte de outros grupos, o que ajudou-me bastante no desenvolvimento vocal. Com o passar do tempo, o incentivo das pessoas que me rodeavam, com um pouco mais de esforço, fui evoluindo como cantor e hoje graças à Deus estou aqui. R.C: Como tens encarado a profissão musical à nível nacional? H.C: Tem sido muito difícil por causa da pouca aderência ao estilo Opera. Alguns empresários e empresas produtoras temem investir no estilo porque receiam e antecipam fracasso. Portanto, de momento em Angola, simplesmente canto em casamentos, aniversários e outros eventos, sempre que sou solicitado. R.C: O que significa ser o primeiro angolano a cantar com a orquestra nacional namibiana desde 2014 até a data presente? H.C: É uma honra. É uma honra imensurável elevar o nome do nosso país e mostrar que Angola é um país rico em termos culturais. Na altura do ingresso à orquestra nacional da Namíbia, a posição foi disputada por 128 concorrentes. Lembro-me de ter pensado em desistir, pois havia concorrentes com idades mais avançadas e mais experientes em música clássica do que eu, mas graças à Deus, eu tenho uma grande instrutora musical, Hermien Coeteez, que deu-me muita força e hoje estou onde estou. Quando recebi a ligação da Escola Nacional de Artes da Namíbia, confir-

|ENTREVISTA

mando a minha apuração no concurso público para a orquestra, não acreditei. Larguei tudo, saí de casa e fui pessoalmente confirmar. Agradeço à Deus, pois Ele tem sido fiel na minha vida. R.C: Quais os maiores concertos musicais em que já participaste à nível nacional e internacional? H.C: Os maiores concertos musicais em que já participei à nível nacional e internacional são: De todos os concertos participados o “Concerto Festival” foi o que teve mais impacto na minha vida pois foi o primeiro concerto com a orquestra completa, e o mesmo foi regido pelo maestro Alexander Fokkens, considerado um dos grandes maestros e director musical do coral sinfônico de Cape Town, director artístico da orquestra sinfônica de Free State & Maestro residente da orquestra sinfônica da universidade de Cape Town, tudo isso na África do Sul. A “Picnic Concert Under Stars” foi um concerto que até hoje posso dizer que foi um dos maiores desafios, pois foi realizado num estádio de futebol e o lugar era muito vasto. A audiência foi 5 vezes maior que a do concerto anterior e quando fomos fazer o “sound check”, eu perguntei a mim mesmo se a minha voz seria capaz de preencher aquele espaço todo, mas graças à Deus,

tudo correu maravilhosamente. Cantei 3 obras clássicas, nomeadamente: “O isis und osiris”, o “Caro mio ben” e o “Chi mi frena in’tal momento”. Tenho de mencionar também o “Baroque Festival”, que é um concerto organizado anualmente pela Escola Nacional de Artes e a Orquestra da Namíbia. Em setembro de 2016, participei no “Mozart Concert” como convidado de honra pela escola nacional de artes da República da Namibia, onde interpretei as músicas: “O isis und osiris”, o “Caro mio ben”. Posteriormente em Novembro, fui novamente convidado a participar no “Mozart Christmas Concert” realizado no KN kerk Eros, onde interpretei a música “Chris fount of joy unfailing”. Neste momento, estou trabalhando arduamente para a realização do meu primeiro concerto em Angola, agendado para o segundo semestre do ano em curso. R.C: Já contas com algum prêmio ou reconhecimento? H.C: Sim! Em 2015, fui reconhecido pela Escola Nacional de Artes da Namíbia e a mesma foi enviada a Embaixada de Angola na Namíbia, onde fui recebido pelo corpo diplomático que muito me tem apoiado. Em 2016, recebi o certificado de mérito no nível 4 de música, passado pela Trinity Inglaterra. R.C: Quais têm sido os maiores desafios nesta área? H.C: Como disse no começo, a aceitação do estilo Opera em Angola ainda é um dos maiores desafios. Acho que é necessário a realização de trabalho de expansão e divulgação, principalmente pelas orquestras locais, que devem dar mais visibilidade aos trabalhos que

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ENTREVISTA|CIBERNÉTICA fazem, sem esquecer os músicos que fazem parte das mesmas. Um outro desafio é que tenho recebido muitos convites para cantar fora de Angola mas que por vezes tem sido difícil atender por causa do serviço. R.C: Como te vês daqui há 5 anos? H.C: Vejo-me como referência na música clássica no âmbito internacional. Vejo-me como um dos contribuintes da expansão da música clássica no nosso país, elevando ainda mais o nome de Angola. R.C: Como encaras o presente e o que prevês para o futuro da música clássica em Angola? H.C: Ainda há muito por se fazer visto que é um estilo que ainda não ganhou espaço no país. Nós, os músicos clássicos, devemos redobrar esforços e com profissionalismo, fazer com que as pessoas apreciem mais o género, e procurarmos interagir mais com os músicos locais. Por exemplo, há em carteira uma música feita por mim, que pretendo cantar com um músico do estilo Rap. Será uma mistura de ópera e Rap e tenho a certeza que o público vai receber com muito amor. R.C: Quê mensagem deixas aos jovens angolanos? H.C: Em tempos de luta, a atitude é essencial. Só nós podemos transformar os nossos problemas em oportunidades. Devemos ser persistentes naquilo que acreditamos e queremos, sempre colocando Deus em primeiro lugar, porque Ele é a chave para o sucesso. É importante que, qualquer coisa feita por nós, deve sempre ser feita com toda a força e dedicação que há em nós, de modos a garantirmos este mesmo sucesso. 20

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|ESPECIAL ANÁLISE

A trajectoria de José Eduardo dos Santos e o destino de Angola Achando relevante e com interesse público, a Revista Cibernética tomou a liberdade de publica em “Especial Análise” o texto a seguir, com o tema: “Terra queima”, escrito pelo veterano jornalista angolano Gustavo Costa e publicado pelo órgão de comunicação social português, o Expresso. Neste momento importante da história de Angola, caracterizamos o referido texto como relíquia e um fiel resumo da trajectória do presidente José Eduardo dos Santos. Aos proprietários do artigo, a nossa merecida vênia e reconhecimento.

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Terra queimada José Eduardo dos Santos tinha trinta e sete anos quando chegou ao poder. Trinta e sete anos depois, anunciou que não vai ser candidato às próximas eleições presidenciais. O futuro de Angola é uma grande incógnita Antes de ter franqueado as portas do Futungo de Belas — o antigo Palácio Presidencial em Angola —, a 21 de setembro de 1979, na sequência da morte de Agostinho Neto, nunca fora reconhecido como fazendo parte de “A Gloriosa Família”. Mas que família é esta, afinal? É “A Gloriosa Família” que, ficcionada pelo escritor Artur Pestana Pepetela numa das suas obras de maior fôlego literário, descreve a chegada a Angola, no século XVII, de um Van Dum e as peripécias que, a partir de uma escravaria detida no Bengo pelo flamengo Baltasar Van Dum — um dos mercadores mais ricos de Luanda —, haveriam de dar lugar ao nascimento e à multiplicação dos novos descendentes indígenas de origem holandesa. Regressado a Luanda em 1975, após 14 anos de luta armada anticolonial, nem mesmo depois de ter sido acolhido em casa por Aristides Pereira dos Santos Van Dunem — antigo preso político e seu primo — José Eduardo dos Santos seria reconhecido e integrado naquele clã. “Era pobre, não nascera no asfalto nem convivera com os portugueses da baixa e, por isso, sem interesses que não fosse a amizade, só a malta do bairro lidava com a sua família”, conta um amigo de infância. Tudo, porém, se alterou no dia da morte do seu pai, Avelino Eduardo dos Santos — um calceteiro da antiga Câmara Municipal de Luanda —, quando se ficou a saber que o seu avó paterno, Avelino Francisco Pereira dos Santos Van Dunem, afinal, também fazia parte 24

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de uma das mais emblemáticas e, ao mesmo tempo, controversas famílias de Angola. “Pensavam que eu não tivesse família? Eu também sou Van Dunem!” — desabafaria, semanas depois, a um dos colaboradores mais íntimos, José Eduardo dos Santos, uma das raras crianças negras que, na década de 50, frequentara o famoso Liceu Salvador Correia. Seria, aliás, neste ambiente de aparente marginalização familiar que o avó pa-

terno, em defesa da sua dignidade, terá recusado dar ao filho — o pai do atual Presidente angolano — o apelido Van Dunem. Um apelido que distingue uma das famílias que se no passado colonial fazia questão de ser portadora de uma cultura híbrida e de possuir o estatuto de “assimilada”, no presente, rapidamente se impôs como “historicamente das mais proeminentes e sobrerrepresentadas nas estruturas superiores do partido”, como assinala o investigador da Universidade de Oxford, Ricardo Soares de Oliveira, na sua obra “ Magnífica e Miserável — Angola desde a Guerra Civil”. “Na nossa família sempre tivemos de tudo: intelectuais, altos funcionários públicos, analfabetos, colaboradores da PIDE e até putas”, confessava, em 1958, o velho José Manuel dos Santos Torres, à chegada a Lisboa, do seu sobrinho, Ruy Alberto Vieira Dias Mingas, autor da música do hino de Angola e cuja família materna — Vieira Dias — se entrelaça também com os Van Dunens. No Sambizanga, um musseque como tantos outros, sem água e sem luz, as agruras e a discriminação impostas pelo sistema colonial faziam da humildade, da modéstia e da vontade de lutar e de vencer a arma de afirmação de homens simples como José Eduardo dos Santos. O homem que, sem nunca ter sonhado que um dia poderia vir a ser Presidente de Angola, após a independência, palmilha as ruas de Luanda de sandálias e meias ou faz-se conduzir, sem guarda-costas, num Renault 18. “Como ministro era, muitas vezes, o primeiro a chegar à sede do Ministério das Relações Exteriores”, recorda Telmo de Almeida, antigo embaixador


|ESPECIAL ANÁLISE de Angola em Itália. A inesperada morte de Agostinho Neto, a 10 de setembro de 1979, apanha-o desprevenido e mergulha o MPLA num processo de difícil sucessão em que a primeira escolha nem sequer recai na sua figura. Catapultado para o centro do poder, José Eduardo dos Santos é visto por alguns quadros afetos ao MPLA como Rogério Silva, como “o homem que, desde o princípio, soube manter a estabilidade institucional e governativa e, anos mais tarde, soube priorizar as soluções políticas em detrimento das opções militaristas, evitando, em 2002, a mortandade da cúpula da UNITA”. Um ano antes de Eduardo dos Santos ter ascendido à Presidência, Lopo do Nascimento, o único civil oriundo do interior que integrava o bureau político do MPLA, acusado de ser “pró-cubano”, vítima de intriga fomentada pela DISA — a então polícia secreta do regime de Luanda —, é exonerado do cargo de primeiro-ministro. “Os maquisards, com esta jogada, afastavam a hipótese de alguém do interior poder vir a substituir Agostinho Neto”, recorda um antigo dirigente do MPLA. “Fomos aconselhados pelos argelinos e também pelo Presidente Marien N’Gouabi, do Congo-Brazzaville, a não escolher nem um militar nem um mestiço”, acrescenta outro veterano da guerra anticolonial. Conhecedores profundos da deterioração irreversível do estado de saúde de Agostinho Neto, os cubanos, que haviam destacado para Luanda um médico para o assistir, em tempo oportuno, advertem o MPLA para a necessidade de irem preparando a sua sucessão. Luanda ignora os avisos de Cuba e, em reação, Fidel e Raúl Castro, primaram pela ausência no funeral de Agostinho Neto, enviando um homem da segunda linha — o comandante (mestiço) Juan de Almeida.

Apercebendo-se da delicadeza da situação, apôs ter tomado posse como novo Presidente de Angola, José Eduardo dos Santos, numa das suas primeiras decisões, envia uma delegação do MPLA de alto nível a Havana chefiada por Lúcio Lara para desfazer o equívoco junto do Governo cubano. “Apesar disso, nem sequer fomos recebidos por Fidel Castro”, lembra Lopo do Nascimento, que integrava a delegação. Com o advento de uma nova era, Eduardo dos Santos, aos 37 anos, inicia a construção do seu poder, mantendo-se, numa primeira fase, aparentemente fiel ao legado de Agostinho Neto. Com “paciência de chinês”, soube suportar a pressão daqueles que lhe exigem que “não desviasse uma vírgula sequer” do pensamento político do finado líder. Na linha da frente desta pressão figuram antigos enfermeiros e alguns combatentes originários de Catete — a terra natal do primeiro Presidente de Angola. Com pinças, investe-se de “poderes especiais”, impõe lentamente a sua autoridade e verga, aos seus pés, a máquina do MPLA. “Eduardo dos Santos soube desembaraçar-se de mansinho de uma herança que era adversa à sua estratégia”, diz o jornalista Victor Aleixo. Reservado e subestimado por aqueles que detinham uma poderosa influência no reinado de Agostinho Neto, este engenheiro de petróleos, licenciado na capital do Azerbaijão, Baku, e casado com a ucraniana Tatiana Kukanova, mãe da filha mais velha, Isabel dos Santos, aos poucos acabou por fazer o seu próprio percurso. “A sua afirmação e o ‘eduardismo’ que se lhe seguiu, só foi possível graças a uma purga, que substituiu as lealdades a Agostinho Neto por lealdades em torno da sua figura”, escreve o comentador político e professor universitário, Ismael Mateus. Antes de morrer, Agostinho Neto

desdobra-se em diversas iniciativas diplomáticas para pôr fim à guerra. Contra a vontade da direção do MPLA vai a Kinshasa e convence Mobutu Sese Seko a cessar o apoio que então prestava, a norte, à FNLA, liderada por Holden Roberto. Em simultâneo — ao propor a criação de uma zona-tampão na fronteira com o antigo território do Sudoeste africano —, lança as bases para um entendimento com o regime do apartheid, cujas tropas haviam invadido o sul de Angola, passando a constituir a principal base de apoio logístico à guerrilha da UNITA de Jonas Savimbi. A partir de 1984 — reconhece na época Lopo do Nascimento, então ministro do Comércio Externo e do Plano — “com a invasão sul-africana de 1981 e a generalização de ataques e sabotagens a objetivos económicos, a deterioração dos termos de troca, a falta de quadros, nomeadamente ao nível da gestão e da execução, a situação económica e financeira piorava de ano para ano”. Era um tempo em que, sublinha Ricardo Soares de Oliveira na sua investigação, “o Estado manteve-se ausente da vida de muitos angolanos” e “grande parte da administração pública era incapaz de executar tarefas elementares e a cobertura do território fora das cidades era praticamente nula”. Era o tempo em que a inocência de uma caricatura, glosando a figura de Eduardo dos Santos, transformara o “caso do quadro” num verdadeiro “furacão” político. Um caso provocado por uma intriga fomentada pelo oportunismo dos “esqueletos saídos do armário” de

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ESPECIAL ANÁLISE|CIBERNÉTICA Agostinho Neto, que pretendiam estender a onda de vassalagem ao novo líder e, desta forma, manter a aura de influência sobre os destinos do país. O tiro, porém, sai-lhes pela culatra. Conseguem o afastamento e, até, a detenção, em 1982, de alguns dirigentes e responsáveis do MPLA, que se afirmavam então como defensores de ideais da esquerda. Ambrósio Lukoki, secretário da esfera ideológica do MPLA, hoje opositor de Eduardo dos Santos, Ruth Lara, mulher de Lúcio Lara e, à época, diretora dos quadros, Luzia Sebastião, atual juíza do Tribunal Constitucional, e Nene Pizarro, hoje advogado e antigo membro do departamento de educação política, foram então afastados. Pior sorte tiveram Raul Araújo, hoje juiz do Tribunal Constitucional, Costa Andrade “N’Dunduma”, antigo diretor do “Jornal de Angola”, e Rui Galhanas, autor da famosa caricatura cujo destino foram os calabouços da polícia secreta do regime. O caso acabaria por servir de pretexto para o Presidente angolano limpar o caminho, isolar-se, resolver alguns problemas pendentes com o passado de Neto e impor o seu poder com um autoritarismo refinado mas implacável. “Nunca mais ninguém o segurou!”, diz um antigo quadro da sede do MPLA, o epicentro da pequena purga política e ideológica, levada a cabo em algumas das suas estruturas. Remetido a “Cem Anos de Solidão”, no seu bunker, no Futungo de Belas, o Presidente angolano enfrentaria, em simultâneo, um país agonizado por uma guerra que, envolvendo sofisticados meios aéreos e terrestres, assumia contornos apocalípticos. “Não lhe era fácil conduzir uma guerra que lhe fugia aos pés perante a aparente superioridade do exército invasor da África do Sul”, recorda um antigo oficial angolano da 26

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área do reconhecimento militar. A intervenção das forças cubanas ao lado das FAPLA — o antigo exército do MPLA — mudaria o curso da história ao ter permitido infligir, na célebre batalha do Cuito Cuanavale, uma pesada derrota às tropas do regime do apartheid. Foi essa batalha que acabaria por abrir as portas para a assinatura dos Acordos Tripartidos de Nova Iorque, ao determinar, a partir de 1989, a retirada de Angola do exército sul-africano e o regresso a Havana das tropas cubanas, criando ao mesmo tempo as condições para a proclamação, em 1990, da independência da Namíbia. Nascia aqui uma nova esperança para os angolanos verem cicatrizadas as feridas que começaram a gangrenar o país ainda em janeiro de 1975, durante a primeira tentativa de formação de um governo de transição, que começou a mergulhar Angola no caos e numa guerra civil que só 15 anos depois teria um curto intervalo, entre 1990 e 1992. “Sonhávamos a partir daqui com a paz definitiva mas, no fundo, pela forma precipitada como aquela estava a ser imposta de fora passámos a estar muito céticos”, recorda um oficial na reserva da Força Aérea Angolana que esteve em Bicesse. Este ceticismo ficou, desde logo, expresso no aperto de mão “frouxo e hesitante” trocado, em maio de 1991, pelo Presidente angolano e pelo líder da UNITA, Jonas Savimbi, na cerimónia de assinatura dos acordos de paz subscritos em Lisboa sob os auspícios dos Estados Unidos e da União Soviética e da mediação de Portugal. “Os portugueses queriam e conseguiram descalçar, à pressa, um sapato que lhes estava a apertar o pé”, diz um diplomata angolano. Com o fim da guerra, José Eduardo dos Santos é obrigado a “engolir” algumas exigências da UNITA e a ceder

à pressão internacional, aceitando submeter-se, pela primeira vez na história do MPLA, ao escrutínio eleitoral e a estar sob o “guarda-chuva” de um regime multipartidário. O MPLA, com uma governação desgastada, que já então sucumbia às delícias do poder da corrupção, teme o pior. Savimbi, “no auge do seu prestígio internacional” julga que a vitória é “uma mera formalidade”. Ao abrir as portas ao capitalismo e ao ‘recauchutar’ a sua imagem com uma operação de cosmética magistralmente conduzida por especialistas brasileiros de marketing, José Eduardo dos Santos ‘pisca’ o olho ao Ocidente e acaba mais tarde por tirar partido dessa aproximação. “Ainda antes da abertura política, inspirados na experiência húngara, já tínhamos começado a ensaiar os primeiros passos conducentes à abertura económica, apostando no SEF — programa de Saneamento EconómicoFinanceiro”, disse ao Expresso Júlio Bessa, antigo ministro das Finanças que fez parte da equipa coordenadora daquele programa. Mas pôr em prática este programa em 1987 tornou-se uma empreitada quase impossível. “O SEF não tinha ‘pernas para andar’, porque assentava em flagrantes contradições. Foi elaborado para introduzir uma lógica de funcionamento de uma economia de mercado quando os dirigentes ainda tinham o cérebro virado para a economia centralizada. Por outro lado, nunca aceitariam uma abertura económica se não fossem os principais beneficiários”, disse ao Expresso Justino Pinto de Andrade, líder do Bloco Democrático. Incapaz de se desmilitarizar e de se adaptar à vivência democrática e pluralista, como antevira Joaquim Pinto de Andrade, antigo dirigente histórico do MPLA que se opunha ao poder absoluto de Agostinho Neto, a UNITA


|ESPECIAL ANÁLISE acabaria por desperdiçar uma oportunidade de ouro para, pela primeira vez, ser poder em Angola. “Savimbi perdeu a cabeça e ao enveredar pelo regresso à guerra, revelou não saber conviver com os valores democráticos”, lembrou Jacques dos Santos, escritor e antigo deputado do MPLA. O Presidente angolano, neste novo cenário, é obrigado a tomar a iniciativa do jogo para fazer face à ocupação pelos rebeldes da UNITA de 80% do território nacional, incluindo as zonas diamantíferas das Lundas. A “guerra pela paz”, proclamada em dezembro de 1998, acabaria por ser a ordem de comando dada por Eduardo dos Santos às forças governamentais para se libertarem do aniquilamento então imposto pelas tropas de Jonas Savimbi, depois de estas terem sido armadas por mercenários ucranianos. Seriam necessários, porém, mais quatro anos para que as Forças Armadas Angolanas (FAA) conseguissem destruir por completo a máquina militar da UNITA, numa operação que tendo recebido o apoio dos serviços de

informações israelitas, culminaria, a 22 de fevereiro de 2002, com a morte do seu líder, Jonas Savimbi. Como contrapartida, os israelitas foram recompensados com o seu envolvimento em empreendimentos agrícolas de ruinoso desfecho para o Estado, que só no projeto “Aldeia Nova” na antiga Vila da Cela desperdiçou mais de 150 milhões de dólares. Melhor sorte tiveram os traficantes de armas e negociantes de diamantes, como Arcadi Gaydamak e Lev Leviev que, ao terem trazido para Angola agentes dos serviços secretos de Israel — a Mossad —, aos poucos se transformaram nos novos e decisivos aliados de Eduardo dos Santos na guerra contra a UNITA. Arquitetando negócios de dimensão estratosférica, acabaram por se converter no sinónimo do próprio poder presidencial. Ao terem montado um intricado esquema monopolista de venda de pedras preciosas com a criação da Ascorp, transformaram Isabel dos Santos, na nova “princesa de Angola”. Tudo graças “à mais destrutiva de todas

as guerras em termos humanos e materiais, que Angola conheceu no último meio século” — como reconheceu então o chefe do Estado-maior das FAA, general João de Matos. Afastado destas funções antes do eclipse total de Jonas Savimbi, este homem, tido como o estratego militar que quebrou “a espinha dorsal” da UNITA, mantém hoje “uma relação cinicamente cordial” com José Eduardo dos Santos. Com a rendição dos rebeldes e o advento da paz a 2 de abril de 2002, o Presidente angolano herda um país de rastos. Com o fim da guerra, é idolatrado como o “arquiteto da paz” e imprime uma velocidade estonteante a um impressionante programa de reconstrução nacional. Moldando o país à sua imagem, José Eduardo dos Santos ganha a guerra mas revela um notável espírito de moderação e de reconciliação ao recusar enveredar por “uma paz vingativa” contra a vontade dos ‘falcões’ do regime, sendo, por isso, elogiado pela comunidade internacional. Este gesto permite salvaguardar e conferir digni-

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dade à família de Savimbi e assegurar a integração dos quadros da UNITA na vida pública angolana. Luanda deixa aos poucos de ser uma cidade-Estado em tempo de guerra e passa a ser o centro do poder de onde irradiam “a moda, a cultura juvenil e novos hábitos de consumo”. Depois de o Ocidente lhe ter virado as costas, Angola recorreu à China e, graças à disponibilização de uma bilionária linha de crédito, começa a reerguer-se das cinzas. Sedenta de grandeza, com uma pujança económica espetacular, atrai o interesse de investidores de várias partes do mundo. Luanda passa a estar pulverizada com construções modernas e arranha-céus que misturam a arquitetura ocidental com a asiática. A capital angolana tenta, em vão, converter-se num novo Dubai onde “ a maioria dos habitantes do interior aspira instalar-se”. O deslumbramento desta fantasia que se confunde com a terra prometida, perdura até ao momento em que a brutal baixa do preço do petróleo começa a destapar as fragilidades de uma econo28

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mia assente em alicerces de barro. A megalomania provocada pelo consumo da morfina petrolífera precipitaria loucuras como esta: a instalação de uma central térmica na Lunda-Sul, que gasta 300 mil litros de gasóleo por dia e cujo valor do custo, estimado em 40 milhões de dólares, dava para recuperar a barragem de Luachimo e ainda sobrava dinheiro! Mas não é tudo. Nas novas centralidades urbanas de 18 a 22 andares, os elevadores já não funcionam e um pouco por todo o país foram construídos novos aeroportos que nunca receberam um avião enquanto que o cumprimento do horário dos comboios, que se movem ao passo de camaleão, “depende da boa ou má disposição do maquinista”... Com o fim da abundância de outros tempos e com a ruína da Sonangol, o barco da prosperidade e do enriquecimento gratuito, foi-se afundando. Isabel dos Santos, a nova timoneira da petrolífera angolana, vai ao fundo do poço, vasculha as contas e não hesita em proceder, em praça pública, ao julgamento e condenação da gestão de Manuel Vicente.

Acusada em vários círculos de estar “a cuspir no prato que lhe deu de comer”, não falta quem, agora, vá lembrando que “nada foi feito pelos anteriores presidentes do conselho de administração da Sonangol sem o consentimento do pai”. E há quem não esqueça de avisar que “Isabel dos Santos pode estar lá, também para apagar os vestígios que estão na origem da constituição da sua própria fortuna”. Como um baralho de cartas a desmoronar-se, a Sonangol foi durante muito tempo, um dos principais instrumentos da estratégia de poder paralelo montada e controlada, há anos, com mão de ferro, por Eduardo dos Santos. Mas o paralelismo do poder ‘eduardista’ não se concentrou apenas na petrolífera angolana. Ao ter reconhecido publicamente que “ninguém vive do salário”, o Presidente deu luz verde ao recurso a expedientes paralelos para os funcionários do Estado puderem sobreviver e, em alguns casos, até florescer. Sem nunca abrir mão do seu poder discricionário, continua a aperfeiçoar, com


|ESPECIAL ANÁLISE métodos cada vez mais sofisticados, um regime de repressão cinicamente suavizada. Subvertendo a natureza do Estado democrático e de direito que Angola diz ser, através de um acórdão do Tribunal Constitucional, não se esquece de mandar suspender o exercício da função nuclear do parlamento: fiscalizar os atos do governo...“E não nos esqueçamos também que açambarcou o poder da Procuradoria-Geral da República, que está sob a sua tutela direta”, diz um juiz do Ministério Público, que pediu anonimato. Transformando a Sonangol num Estado paralelo dentro de outro Estado, o Presidente angolano, como descreve na sua obra o académico Ricardo Soares Oliveira, “enfraqueceu o funcionamento das instituições formais e facilitou a apropriação indevida de recursos públicos a uma dimensão épica”. Ao distribuir benesses a toda a gente, colocou sob a sua dependência governantes, generais, deputados, juízes, empresários, banqueiros, jornalistas e até políticos da oposição. “Comeu-nos a todos ao matabicho”, confessou ao Expresso, Paulo Lukamba “Gato”, alto dirigente da UNITA e um dos mais fervorosos opositores do regime de Luanda. Trinta e sete anos depois de assumir o poder, José Eduardo dos Santos resolve agora passar o testemunho a uma geração que poderá vir a ser liderada por João Lourenço, o novo vice-presidente do MPLA, que promete vir a participar numa “corrida de estafeta 4x200”. Ao fazê-lo só agora, num contexto de acentuado desgaste da sua imagem, o Presidente, segundo alguns analistas, pode ter esticado em demasia a corda e, ao sair pela porta dos fundos, arriscase a não ser lembrado pelas melhores razões. “Deveria ter saído pouco tempo depois de ter sido alcançada a paz, pois, nessa altura tinha o maior capital político de sempre”, disse ao Expresso,

Fernando Pacheco, coordenador do Observatório Político-Social de Angola (OPSA).“Quanto mais um dia se passa, menos um dia tem”, diz Carlos Frederico, um católico praticante. Mas, como Pacheco e Frederico, muita gente deve ter ignorado que Eduardo dos Santos, à época, debatia-se com um dilema. Nunca, até então, havia sido eleito e não queria abandonar o poder sem provar o sabor da legitimidade sufragada pelas urnas. Quando tudo se encaminhava para que fosse aprovado um projeto de constituição de cariz semipresidencialista que até era favorável à UNITA, a oposição abandonou o debate.“Esse abandono foi-lhe fatal”, diz João Melo, escritor e deputado do MPLA. Ao ter sofrido, em 2008, uma humilhante derrota nas urnas, a UNITA foi obrigada a aceitar que o mandato de Eduardo dos Santos, como Presidente constitucional, se pro-

longasse até 2010. Este acabaria por ser, aliás, o ano em que, aprovada uma nova Constituição (à medida de Eduardo dos Santos) com a maioria de votos do MPLA, o líder angolano transformar-se-ia, a partir de 2012, em dono e senhor absoluto do poder em Angola. Agora, a decisão está tomada. Saída do seio da família, contra a vontade de algumas vozes, Ana Paula dos Santos, a mulher com quem, há 25 anos, José Eduardo dos Santos celebrou matrimónio em parte também para satisfazer a Igreja Católica, foi perentória: “É hora de ele se dedicar à família.” Decisão problemática para aqueles que, tendo vivido ao longo de anos sob a sombra do poder presidencial, temem agora pela perda das sobras do banquete. Não espanta, assim, que muitos governadores provinciais, novos ativistas políticos, alguns brancos e mestiços

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revelem orfandade ante a recusa de Eduardo dos Santos voltar a candidatarse às próximas eleições. Em resposta, o “chefe”, como é venerado, não poderia ter sido mais claro na última reunião do comité central do MPLA: “O homem nasce, cresce e morre. A mesma capacidade que eu tinha para reunir durante seis a sete horas seguidas, chegou ao fim...” A desilusão foi total mas tendo Eduardo dos Santos reconhecido ter atingido os limites das suas capacidades, agora já não pode recuar na sua decisão. “Os partidos que não se renovam, não só do ponto de vista geracional, mas do ponto de vista das ideias, desaparecem”, adverte Lopo do Nascimento, que, na década de 90, chegou a ser conselheiro especial do Presidente angolano. A transição, depois do anúncio, ainda que envergonhado, da sua retirada da vida política ativa, ao ter provocado uma “descompressão geral” em muitos círculos da sociedade, passou agora a ocupar um lugar cimeiro na agenda

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política angolana. “Queremos uma transição transparente, ordenada e pacífica”, defende Alcides Sakala, dirigente da UNITA. “Com uma estratégia pessoalizada, a saída em cena de Eduardo dos Santos apanha agora a oposição completamente descalça”, disse ao Expresso, o ativista Rafael Marques. Estando a transição a ser gerida com prudência, Lopo do Nascimento não tem dúvida de que “se as reformas não forem feitas dentro do MPLA, podem vir a ser feitas contra o MPLA”. E Ismael Mateus adverte: “Nenhuma transição poderá ser credível se não existirem sinais de mudança de paradigma, acabando com os crescentes esquemas de partidarização e de familiarização das redes de acumulação de capital e ocupação generalizada de posições de poder.” Podendo vir a deter no futuro as rédeas do poder, o que se poderá esperar de João Lourenço, o eterno ‘delfim’ de José Eduardo dos Santos? Ao ter ‘empurrado com a barriga’ alguns temas fraturantes

da vida política angolana, o Presidente vai colocar em cima da mesa do antigo comissário político das FAPLA, a resolução definitiva de dossiês como o ‘27 de Maio’ ou a corrupção. Consegui-lo-á? Justino Pinto de Andrade não acredita que se João Lourenço vier a ser Presidente faça o regime “abrir-se à democracia”. “Isso não está no ADN dos seus dirigentes. Trata-se de uma mudança geracional que não se traduzirá em mudança de cultura política”, afirma. Já Fernando Pacheco, mesmo admitindo que poderemos estar diante de “uma evolução na continuidade”, acha que “pode ser muito importante para uma transição adequada e sem turbulência” mas, sem grandes esperanças, adverte que “só uma liderança posterior à de João Lourenço, poderá vir a provocar ruturas”.Até lá, José Eduardo dos Santos, continuará a ditar as regras dos jogos florais em que, por entre enigmas e mistérios, continua envolvida a rasura democrática que é Angola.


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Lembra-se do Nokia 3310? O telemóvel está de volta!

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O aparelho lembrado pela sua longa bateria, resistência e até pelo famoso jogo da “snake” vai voltar ao mercado. Já há quem esteja à espera para voltar a ter um exemplar Regresso ao passado. A finlandesa Nokia vai relançar o modelo 3310 que tem mais de 17 anos. Este continua a ser um dos telemóveis com maior registo de vendas, mesmo numa época tecnológica cada vez mais evoluída. De acordo com o site Venture Beat, o modelo será lançado já no final deste mês, no Mobile World Congress - o evento mundial de telecomunicações que se realiza em Barcelona, a partir do dia 27 de fevereiro, - e será uma versão melhorada, colocada à venda pela quantia de 59 euros. Evan Blass foi o responsável por anunciar o lançamento e não se ficou por esta novidade. Além do modelo 3310, Blass publicou no Twitter que a HMD Global, atual proprietária dos direitos sobre a Nokia, vai também lançar o Nokia 3, 5 e 6. Mas estes smartphones não parecem trazer tanto entusiasmo aos consumidores, como o modelo 3310 que ficou na memória de muitos. O regresso deste dispositivo vai deixar várias pessoas satisfeitas, principalmente aquelas que se lembram deste telemóvel pela sua resistência e longa bateria. Para quem se lembra, trata-se de um telemóvel com vantagens que ficaram na memória como inegáveis, em comparação com os muitos modelos de última geração. Alguns utilizadores já se manifestaram quanto à notícia, até por razões e nostalgia. O Nokia 3310 vai ser relançado e sim. Estou definitivamente a ponderar na compra de um. Foi o meu primeiro telemóvel”, lê-se numa publicação no Instagram. Fonte: FG


|TECNOLOGIA

Metro de superfície em Luanda:

Consórcio internacional garante financiamento de USD10 mil milhões

O ambicionado metro de superfície, apontado como a solução para o crónico engarrafamento que entope as vias de Luanda, poderá começar a ser construído em 2018, graças ao financiamento de um consórcio internacional, que disponibiliza 10 mil milhões de dólares a Angola. Viajar de metro em Luanda pode estar à distância de um investimento de 10 mil milhões de dólares. Este é o valor quer o consórcio internacional “Royal Crown”, composto por europeus, asiáticos e americanos, está disposto a disponibilizar para que o metro de superfície se torne uma realidade em Angola. A novidade foi avançada no final de uma reunião que juntou responsáveis do Governo Provincial de Luanda

(GPL) e do consórcio, que, planeia trazer para o Angola não apenas o seu know-how na construção e gestão de infra-estruturas de transportes, mas também de habitação e energia eléctrica - esta última imprescindível para garantir o funcionamento do metro. “Queremos financiar 10 mil milhões de dólares em infra-estruturas e energia eléctrica”, revelou a directorageral do consórcio, Grace Yaba, no final do encontro que decorreu ontem na sede do GPL, com o vice-governador para a área económica, José Cerqueira, e com o presidente da empresa angolana Katukal, Alberto Afonso. De acordo com Grace Yaba, citada pela Angop, o financiamento disponibilizado depende agora de acor-

dos com parceiros nacionais, para que possa ser operacionalizado. Já o vice-governador José Cerqueira lembrou que o Plano de Desenvolvimento Metropolitano de Luanda prevê a extensão do metro de superfície até ao Dande (Bengo) e ao futuro aeroporto internacional de Luanda. O responsável acredita que o projecto pode começar a sair do papel em 2018, estimando um período de execução entre cinco e 10 anos. Recorde-se que o Orçamento Geral do Estado de 2016, contemplava, numa primeira versão, um investimento aproximado de 42 milhões dólares em estudos para reestruturação dos sistemas de transporte em Luanda, incluindo a construção de um metro de superfície. Fonte: Novo Jornal

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Nova plataforma para monitorar eleições em Angola Chama-se “Zwela”, que significa “fala” em kimbundo, e serve para observar as eleições gerais de 2017 em Angola, mas também para denunciar casos de corrupção e violação de direitos humanos. A aplicação já está disponível. A questão da transparência nas eleições gerais em Angola, previstas para agosto deste ano, tem sido posta em causa pela oposição e pela sociedade civil. Precisamente para monitorar o processo, a Friends of Angola, uma organização não-governamental sedeada nos Estados Unidos da América (EUA), lançou esta sexta-feira (10.02), em Luanda, uma aplicação inédita no país. A plataforma chama-se “Zwela”, que significa “fala” na língua nacional kimbundo. E é para isso mesmo que serve: para falar sobre eleições e política, mas também para denunciar episódios de corrupção, violência e violação dos direitos humanos. Para tal, os cidadãos terão de dispor de smartphones, telefones android ou ipads. O primeiro passo é instalar no telemóvel a aplicação, que já está disponível na internet - tal como fazem, por exemplo, com o skype no computador, explica o ativista e professor universitário Domingos da Cruz, que integra este projeto de cidadania. O segundo passo é a criação de 34

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uma conta que vai permitir ao cidadão enviar vídeos, sons e fotografias para a nova plataforma contra a corrupção. Depois, basta seguir os passos indicados. “É bastante simples”, garante Domingos da Cruz. Tendo em conta o momento que o país vive, será dada prioridade às informações relacionadas com as eleições gerais previstas para agosto de 2017. O Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), partido que governa Angola desde 1975, já apresentou a lista dos seus candidatos à Assembleia Nacional, encabeçada pelo atual vice-presidente do partido e ministro da Defesa, João Lourenço. Durante o lançamento da plataforma levantaram-se dúvidas sobre a credibilidade das informações que serão enviadas pelos cidadãos. Domingos da Cruz reconhece que há riscos, mas diz que a plataforma está preparada para filtrar determinados dados - como imagens pornográficas, por exemplo. Por enquanto, os cidadãos não poderão ver as informações enviadas, que posteriormente serão compiladas num relatório. Alcino Kuvalela, secretário nacional para mobilização urbana do principal partido da oposição angolana, a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), o único partido presente no lançamento, mostrou-se preocupado com esta questão. O ativista Domingos da Cruz prometeu ter em consideração a preocupação. Fonte: DW


|TECNOLOGIA

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TECNOLOGIA|CIBERNÉTICA

O jornalismo selfie pode virar as redações de cabeça para baixo Olhe a foto acima. Sim, é um pau de selfie com um microfone que já vem acoplado a ele. O acessório, que já está à venda no mercado americano, é um entre muitos que devem pintar neste e nos próximos anos para acompanhar um movimento crescente no jornalismo mundial (em particular, na Índia. Ela, de novo): o jornalismo selfie. Apps como o Snap e o Periscope já estão botando as redações em polvorosa. Ok, todo mundo quer manter-se informado, mas numa era em que se pode acompanhar, ao vivo e em cores, de festas na firma a policiais americanos sendo pegos no flagra descendo o cacete em um negro, quem se contenta em apenas ler a notícia? Bem, talvez meus 36

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pais. Ou meus avós. Mas não corro o risco de afirmar isso categoricamente. Não é mais possível relatar os fatos sem estar onde eles estão, sem também ser testemunha deles, sem ser mais um na multidão. O jornalismo selfie é isso, é virar o smartphone na sua direção e contar uma história, dali, de onde ela acontece e na hora em que ela acontece. Os jornalistas não podem mais ficar presos a seus telefones de mesa. Eles terão de sair das redações e somar-se à massa que hoje já sabe, porque foi empoderada pela tecnologia, que ela também pode ser produtora de notícia. O jornalismo selfie permite narrar uma história de um modo mais íntimo, aproxima a audiência do even-

to, nos faz nos sentirmos ali, ao lado do repórter. Ou de quem quer que seja que esteja segurando o celular. Essa é a grande sacada. Com Facebook e Youtube liberando vídeos 360 graus, o jornalismo selfie tem tudo para florescer rapidamente. Aguardemos os próximos capítulos. Adicionalmente, o canal suíço Léman Bleu decidiu deixar as câmeras de lado para investir em um modo alternativo na produção de suas reportagens. Os jornalistas receberam um kit que contém o aparelho da Apple — iPhone —, um microfone e um pau de selfie para que possam registrar ou transmitir ao vivo as matérias que fazem em campo. Via: Vanessa de Sá


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CINEMA|CIBERNÉTICA

Especialista Em Crise Por Pedrowski Teca

Sendo 2017, um ano eleitoral em Angola, esta edição da Revista Cibernética trás como sugestão de filme o drama/comédia: “Especialista em crise”, cujo título original na língua inglesa é “Our Brand Is Crisis”. A longametragem é protagonizada pela conceituada actriz Sandra Bullock, que desempenha o papel de uma consultora de campanhas político-eleitorais. O filme, que dura 1 hora e 48 minutos, foi produzido em 2014 e lançado em Maio de 2016. No drama, a consultora política, Jane Bodine (Sandra Bullock), é especialista em conseguir contornar situações complicadas de campanhas políticoeleitorais. Apesar de estar aposentada, ela decide trabalhar para o candido a presidência Pedro Castillo (Joaquim De 38

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Almeida) pelo simples motivo de querer ganhar do seu antigo rival, Pat Candy (Billy Bob Thornton). Para conseguir o que deseja, Jane precisou manipular os pontos de vista e tornar Castillo o homem certo para a população, mesmo sabendo que ele irá trair todos no momento em que assumir o cargo. Na realdiade, este filme é um retrato daquilo que em muitos casos acontece em campanhas políticas eleitorais, onde marketistas políticos, como a Jane, criam a imagem pública dos seus clientes, os candidatos, chegando a manipular a opinião pública de modos a garantir a victória dos mesmos. Segundo a internauta Soy Sofia Maror, que assistiu ao filme, “é um bom drama político que irá mostrar-lhe os prós e contras de uma campanha eleitoral através de um personagem irônico e muito escuro que vai ser tudo para o filme”. “Our Brand is Crisis, diverte, mas acaba por fazer passar a mensagem de como tácticas imorais e o jogo político pode ter consequências graves quando se leva como um jogo em que só se preocupam com ganhar e aplica-se sem pensar em lugares onde a política é mais do que um espetáculo puro, onde se brinca com o pão de cada dia das pessoas e a sobrevivência de suas famílias”, escreveu. Em suma, enquanto que os povos lutam por boas políticas que melhore o seu modo de vida, o filme revela que em política “tudo vale” e que o poder, não o bem estar dos governados, é a meta final a atingir. Desta feita, a Revista Cibernética recomenda os seus leitores a assistirem a este filme, afim de alargarem os seus conhecimentos sobre as manipulações de marketing de campanhas político-eleitorais.

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