Ocupação Dias Gomes

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"O Odorico e o Zeca Diabo, por exemplo, têm vida própria. São incontroláveis. Eu apenas transcrevo o que eles me mandam fazer, mais nada [...]"

"O Odorico e o Zeca Diabo, por exemplo, têm vida própria. São incontro láveis. Eu apenas transcrevo o que eles me mandam fazer, mais nada. Eles têm uma absoluta autonomia, são per sonagens que, devido justamente às grandes interpretações dos atores, têm vida própria. Não só esses dois, como outros também, Dirceu Borboleta, as irmãs Cajazeiras [...]. Durante tantos anos no ar, fazendo parte praticamente de uma população, eles já são criaturas humanas reais."

Dias Gomes em entrevista à TV Cultura, 1983

São Paulo, outubro de 2022

SUMÁRIO

Editorial

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Para além do autor: Dias Gomes e seus personagens, por Aline Monteiro de Carvalho Silva

14 Zé do Burro, herói trágico

Branca Dias dos novos tempos

O bem-amado Odorico Paraguaçu

A redenção de Dulcineia Cajazeira

Viúva Porcina: aquela que "foi sem nunca ter sido"

Mistérios do Professor Astromar Junqueira

Ficha técnica

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Coordenação editorial

Produção e edição de textos

Conselho editorial

Projeto gráfico Produção editorial Produção gráfica Supervisão de revisão Revisão Ilustrações

Atores e atrizes convidados

..... Carlos Costa ..... Juliana Ribeiro William Nunes ..... Ana de Fátima Sousa Camila Fink Carlos Gomes Duanne Ribeiro Galiana Brasil Julia Sottili Kety Fernandes Nassar Regina Medeiros Tiago Ferraz ..... Guilherme Ferreira ..... Bruna Guerreiro Mylena Santos (estagiária) Pamela Camargo ..... Lilia Góes (terceirizada) ..... Polyana Lima ..... Rachel Reis (terceirizada) ..... Gustavo Inafuku/Girafa Não Fala (terceirizada)

..... Cácia Goulart Carlos Ataíde Lena Roque Lilian de Lima Ney Piacentini Rodrigo Mercadante

Dias Gomes, década de 1950 Acervo Dias Gomes

EXPEDIENTE ***

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EDITORIAL

Quando perguntado sobre Branca Dias, da peça "O Santo Inqué rito" (1964), ser baseada em fatos históricos ou em mitos, Dias Gomes (1922-1999) foi claro em sua resposta: "A mim o que inte ressa não é a verdade histórica, é a verdade humana". Inventor de personagens e vocabulários — quem não se lembra dos "pratras mente" e "prafrentemente" de Odorico Paraguaçu? —, criou tipos que estão no imaginário popular do espectador: o político dema gogo e inescrupuloso, a viúva polêmica, o poderoso fazendeiro, o bicheiro malandro, o homem que voava, o assassino arrependido, a mulher que explodia, o professor lobisomem, as irmãs inseparáveis, o herói ingênuo e vencido.

Sua obra colocou em cena estereótipos da realidade brasileira: personagens exagerados em traços regionais, costumes populares e questões sociais que são intrínsecas aos agrados e às mazelas dos homens. O autor sabia que criações como Odorico e Zeca Diabo tinham vida própria. Eram reflexos de criaturas humanas reais. Prova disso é um pedido feito pelo jornal "O Estado de S. Paulo", que, em 1982, solicitou ao autor uma entrevista com o prefeito da fictícia cidade de Sucupira, protagonista da telenovela "O bem -amado" (1973). "Achamos que esse personagem não deve mais ficar restrito ao setor de variedades dos jornais; deve, também, entrar no espaço da política", dizia o documento.

Esta publicação parte do desejo em comum de trazer alguns desses personagens para a realidade e inseri-los na sociedade atual. Nas próximas páginas você lerá entrevistas com Zé do Burro, Viúva Porcina, Dulcineia Cajazeira, Professor Astromar Junqueira e os já citados Odorico Paraguaçu e Branca Dias, abordando questões

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como política e corrupção, religião e crença, machismo e feminismo, desigualdade social e ganância.

Para tal, atores e atrizes desta geração foram convidados a per sonificar essas criações em suas próprias versões. O resultado são diálogos fantasiosos cujo conteúdo não reflete, obviamente, a opinião dos organizadores desta exposição e pode até parecer ver dade, mas é mera ficção. Convidamos você, leitor, a questionar: por que paradoxos e absurdos como os trazidos por esses personagens se naturalizam na nossa sociedade? Como a arte e a cultura podem continuar contribuindo para o debate social?

O programa "Ocupação Itaú Cultural" homenageia artistas e intelectuais brasileiros, estimulando o diálogo com novas gera ções por meio do espaço expositivo e de ações on-line, como o site itaucultural.org.br/ocupacao. Nesta 57ª edição, no ano do centenário de Dias Gomes, celebra-se um autor que, sobretudo, tinha uma visão crítica — para alguns, subversiva. Fez do teatro e da televisão lugares para debater o político e o popular, a crença e o fantástico, o herói trágico e o humano.

ITAÚ CULTURAL

Páginas iniciais da peça "Odorico" com observações à mão do autor, em que estuda possibilidades para o título e nomes dos personagens | Acervo Dias Gomes Próxima página: Dias Gomes, década de 1950, no Rio de Janeiro | Acervo Dias Gomes

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PARA ALÉM DO AUTOR: DIAS GOMES E SEUS PERSONAGENS

Dias Gomes foi um dos mais celebrados autores de ficção brasileira do século passado, tendo escrito para o rádio, o teatro, o cinema e a televisão. Falar sobre o dramaturgo é também referir-se a suas obras icônicas e a um retrato, por vezes cômico, por vezes trágico, do Brasil. As produções culturais não podem ser dissocia das do contexto em que são criadas, pois são reflexo dessa reali dade. Nas obras de Dias Gomes, as questões político-sociais e a realidade vivida aparecem de forma latente, numa mistura entre ficção e realidade.

O ápice de sua produção ocorreu entre as décadas de 1950 e 1990. Nesse período, seus textos chegaram aos palcos e às telas do país, colecionando sucessos e mantendo o seu olhar crítico sobre o seu tempo e os rumos da nação, o que servia de combustível para suas criações. Nas décadas de 1950 e 1960, despontou como autor de

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teatro, levando ao público obras como "O pagador de promessas" (1959), "A invasão" (1960), "Odorico, o bem-amado ou os mistérios do amor e da morte" (1962) e "O Santo In quérito" (1964). Em 1969, Dias Gomes fez sua transição de re conhecido autor de teatro para célebre novelista. Na Rede Globo, criou obras que marcaram a história da televisão, como "Bandeira 2" (1971/1972), "O bem-amado" (1973), "Saramandaia" (1976) e "Roque Santeiro" (1985/1986). Enquanto as telecomunicações expandiam, aumentando o número de televisores nos lares brasileiros, suas produções também alcançavam um público cada vez maior e suas personagens ganharam projeção nacional.

E como falar de Dias Gomes sem dar destaque aos seus personagens? Nas próximas páginas, alguns deles ganharão novamente voz, sendo apenas parte dos que marcaram a carreira do autor com seu gestual, seus bordões, suas falas e vestimentas, perpassando pela memória de quem os viu e sendo representativos para a história da ficção nacional. Como Zé do Burro, protagonista da peça "O pagador de promessas", criada em 1959 e responsável por projetar o nome do autor no teatro nacional. Em 1962, a obra foi adaptada para o cinema, recebendo fama internacional ao ganhar diversos prêmios e ser laureada com a Palma de Ouro do "Festi val de Cannes". Em 1988, foi a vez de chegar às telas da tevê, como minissérie da Rede Globo.

A produção conta a história da promessa feita por Zé do Burro em prol da saúde de seu animal e todo o seu esforço para cumpri-la. O voto foi feito em um terreiro de sua cidade natal para Iansã, orixá ligada à natureza e aos fenômenos climáticos, que no sincretismo religioso está relacionada a Santa Barbara, a quem a promessa era dedicada. Se seu burro se recuperasse, sairia de lá carregando uma cruz de madeira para a igreja da santa em Salvador. Ao chegar, ele encontra a resistência do clérigo do local, que o proíbe de cumprir a promessa, dando-se aí o conflito da obra.

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Zé do Burro é personagem representativo das classes populares, mais especificamente dos trabalhadores rurais. Suas falas mos tram sua fé, a importância que seu burro Nicolau tinha como parte de sua lida e auxílio em seu sustento, valendo todo o esforço para a realização da promessa. O protagonista e a obra nos trazem um reflexo do que ocorria no interior do país nos anos 1950, de suas necessidades, das diferenças em relação à capital do estado. Abor da, de maneira direta, a intolerância religiosa através das negativas do padre em deixar que Zé do Burro cumpra seu voto, de forma que a história se torna trágica, distanciando padre e pagador de pro messa, por meio do olhar hostil sobre a realidade do outro.

Outro exemplo é Branca Dias, personagem principal da peça "O Santo Inquérito", escrita em 1966, já durante os primeiros anos da ditadura militar. Baseado em uma história conhecida da Região Nordeste do país, Dias Gomes contou a saga da protagonis ta, que teve sua vida transformada após salvar da morte por afogamento o novo padre de sua vila. Depois do resgate, ao conviver com o clérigo, que começa a vê-la como uma ameaça, é acusada de ser pecadora ao partilhar seus pensamentos e sua forma de ver a vida. Branca foi condenada por heresias e pecados que não cometeu, falsas acusações sustentadas pela imagem criada pelos que a julgaram.

A história da protagonista debateu, através de metáforas, o contexto em que o país vivia sob o regime de exceção. Era uma crítica política do dramaturgo ao governo, ao assemelhar a Inquisição e seus processos à ditadura militar e a seu modo de agir; ao abordar a violência policial e a perseguição a inocentes, por meio de prisões injustas, invasões a residências e processos judiciais, além da comparação com o anticomunismo latente no país e no mundo naquele período.

Conhecido principalmente pela novela "O bem-amado", de 1973, Odorico Paraguaçu era o personagem principal da peça que leva seu nome, escrita em 1962. O enredo também se tornou série entre

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1980 e 1984, que contava o que aconteceu após o final da telenovela. O texto da obra mostra a trajetória do protagonista, prefeito de Sucupira, que se parecia com tantas outras cidades do interior do país. O mote inicial de sua campanha era a construção de um cemi tério na cidade. Eleito, ele passa o mandato tentando inaugurar a obra com o primeiro morador do campo-santo.

Odorico é o retrato da velha política do país. Através do recurso do realismo fantástico, Dias Gomes usou o personagem e sua história para mostrar a manutenção das práticas, principalmente no interior da nação, do coronelismo, ou seja, da existência de políticos que usavam o povo para conseguir benesses para si. Tratava de cor rupção, desvio de verbas, da pobreza que assolava as classes mais pobres. Trazia para o horário nobre, de forma cômica e fantasiosa, a realidade brasileira que era camuflada pela propaganda política, pela censura e pelo “milagre econômico” da década de 1970.

Seus personagens retratavam o país e seu povo, eram uma crítica social e política que esteve presente em seus textos. Eram inspira dos no que o dramaturgo via e percebia da sociedade, compondo um retrato do Brasil que era mostrado ao seu público, usando na ficção a realidade. Suas obras, escritas há 40, 50, 60 anos, conti nuam incomodamente atuais. Convivemos ainda com intolerância religiosa, como quando vemos terreiros sendo destruídos cotidianamente em várias partes do país, mesmo com uma Constituição laica. Vemos e vivemos a violência policial, principalmente nas comunidades, contra negros e pobres. O discurso anticomunista continua presente entre camadas da população e seus representantes na política. Escutamos todos os dias incontáveis denúncias de corrupção e mau uso do bem público em prol de interesses pessoais. Talvez Dias Gomes nunca tenha estado tão atual. Talvez pouco tenha mudado desde então.

O dramaturgo disse em uma entrevista que quem não é subversivo é acomodado, passa diante da vida sem viver. Seus textos não eram acomodados diante do contexto em que vivia. Se "quem não veio

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ao mundo para incomodar não deveria ter nascido", Dias Gomes cumpriu seu papel da melhor maneira possível. ***

Aline Monteiro de Carvalho Silva é graduada e mestra em história pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e doutora pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Seus estudos no período foram dedicados à análise das obras ficcionais de Dias Gomes e de sua autobiografia. Foi bolsista do Museu de Astronomia e Ciências Afins (Mast) e leciona para turmas do Ensino Médio.

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Camargo

Dias Brilhantina Dirceu Borboleta Dona Redonda Doroteia Cajazeira Dulcineia Cajazeira

Gibão Judiceia Cajazeira Lauro Fontana Lazinha Chave de Cadeia Mirandão

Odorico Paraguaçu Padre Olavo

Astromar Junqueira

Santeiro

Simpatia

Malta

Porcina

do Burro

Diabo

Aristóbulo
Bonitão Branca
João
Mocinha
Professor
Roque
Rosa
Sinhozinho
Tucão Vargas Viúva
Zeca
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ZÉ DO BURRO, HERÓI TRÁGICO

Há quem diga que Zé do Burro é um homem ingênuo, que fez uma promessa para salvar seu burro e dessa promessa, por teimosia, não saiu vivo. A tragédia de Zé do Burro começou com o adoeci mento do burro Nicolau, salvo por Iansã/Santa Bárbara. Foi então que o herói trágico carregou uma cruz nas costas por 7 léguas até a Igreja de Santa Bárbara em Salvador, na Bahia.

A simplicidade do homem do sertão se choca, principalmente, com o dogmatismo da Igreja e do Padre Olavo, mas também com outros tipos da grande cidade — o repórter sensacionalista, o malandro Bonitão, os comerciantes — e, até mesmo, com Rosa, sua esposa. A saga do herói, que se torna mito, só se conclui com ele carregado na cruz, pelo povo, Igreja adentro.

Se naquela época Zé repetia "Ninguém ainda me entendeu...", desta vez ele diz com a voz mansa, mas claramente: vocês não entenderam nada.

ZÉ, ANTES DE TUDO, COMO VAI A SAÚDE DO SEU BURRO NICOLAU? ESTÁ CURADO DEPOIS DA SUA PROMESSA?

Bom... O Nicolau se salvou de uma hora pra outra. Nicolau se salvou. E foi meio que intercessão de Santa Bárbara, acho que o senhor

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sabe disso. Nicolau também é nome de santo. São Nicolau protege as mãe das criança, São Nicolau manda as criança pra escola. Esse é o santo. Manda as criança lá pra aprender nos livro das letra. Pra isso que serve São Nicolau, manda pra escola para estudar, buscar conhecimento de livro.

Tem o povo também que não lê, feito eu, que não conheço o mapa das letra. Eu sou justamente o que o povo chama de burro, feito Nicolau. Nicolau, burro. Mas não foi arriba dum povo que Jesus Cristo mais Virgem Maria andaram e viajaram por aí. Que diz que até aquela manchinha que tem em cima da cacunda do jumento foi o menino Jesus que mijou em cima e deixou aquela marca. Foi Luiz Gonzaga que contou essa história para nós, o rei do baião.

Agora... Quando eu contei pro padre a promessa que tinha sido feita prum burro, ele virou e disse que burro não era gente, que não era pra colocar nome de santo em bicho. Pois hoje, quando eu passo lá pelas estrada indo pro sertão, pro agreste, e viajando na quelas cobra de cimento da estrada, o que mais nós vê é burro nas beira. No mais você só vê motocicleta, ninguém mais anda em cima de burro não. Eles vão e deixam os burro pelas lateral das estrada. E aí eu fico pensando que o padre não entendeu foi nada, porque esses burro somo nós. Esses burro lá da beira da estrada somo nós: o povo que não tem trabalho, o povo que não tem terra. Tamo lá jogado na beira das estrada. Mas Nicolau tá bem, do mesmo jeito que eu tô bem na beira das estrada.

Esse povo só quer consumir. Só quer consumir a carne da gen te, só quer beber o sangue da gente. E a gente não é Jesus Cristo. Mas eles querem tudo, tudo que eles puder pegar e consumir eles

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VOCÊ É UM CARA SIMPLES E DO POVO, QUE NÃO QUIS SABER DE CONFUSÃO NEM DE ESPETÁCULO DIANTE DE SUA PROMESSA PARA SALVAR SEU BURRO. O QUE VOCÊ ACHA DE TODA A ESPETACULARIZAÇÃO QUE SE CRIA HOJE EM DIA EM QUEM SÓ PENSA EM SE PROMOVER DIANTE DE QUALQUER COISA?

consomem. Feito peixe grande. Um peixe grande que pra matar a fome precisa comer um monte de peixe pequeno. Porque, se fosse ao contrário, ainda tava de bom tamanho, né? Se fosse um monte pequeno comendo um peixe grande só, era menos motivo de horror. Mas não é assim, não.

Todo esse povo... Vê todo esse povo que anda pela rua, pelas cal çada, subindo e descendo, entrando e saindo de loja, tudo isso é esse povo achando como e onde comer. Comer um ao outro. É isso. Você vê aí na televisão, vê aí no jornal, vê aí nessas rede social que o povo usa agora. Morre um, quanta gente vai comer o pobre coitado que morreu? E é jornalista que come, é programa de TV que come o pobre coitado, e é o advogado que come, e é o policial que come o pobre coitado. É o pobre do homem que vai vender o caixão. Todo mundo comendo.

Agora, ia ser menos esquisito se esse povo ainda só comesse quem tá morto, o povo come quem tá vivo também. Come a gente todo dia, come a gente vivo, pedaço por pedaço. É isso que acontece. E pior: o que são mais comido somo nós, somo pobre. E a gente é comido todo dia por eles. É comido na televisão, é comido na rede social... E o povo vai se alimentando desse espetáculo de comilança. Mas isso aqui não é meu, não. Isso aqui é de Padre Antônio Vieira.

ZÉ, DEPOIS DE TODA AQUELA CONFUSÃO COM O PADRE OLAVO, DA IGREJA DE SANTA BÁRBARA EM SALVADOR, VOCÊ AINDA É UMA PESSOA RELIGIOSA? UM HOMEM PODE ABALAR SUA FÉ EM DEUS?

Rapaz... O padre morre igual eu. E a fé fica. Como é que a gente vai viver sem fé? Até eu, pra escutar a sua frase até o fim, preciso ter fé de que ela vai fazer algum sentido, significar alguma coisa pra mim. Sem fé a gente não vive. Fé não é uma coisa grande, que você precisa ter pra conseguir um milagre. Fé é coisa de todo dia, é co mida de todo dia.

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Fé é o pão que você tá fazendo e você tem fé que ele vai crescer, e que você vai poder se alimentar dele. Fé é mandar seu filho pra es cola tendo fé que alguma coisa melhor vai acontecer na vida dele. Fé não é grande, fé é coisa pequenininha. Milagre também é coisa pequena. A gente pede é coisa pequena. Pede é pro burro. Pede força pra escorraçar uma pessoa que tá fazendo raiva em você. A gente pede é essas coisa, coisa de todo dia.

Então o padre vai embora. Agora, se eu quiser ficar, tem que ter fé. Em Jesus Cristo, porque eu sou beato. Jesus Cristo primeiramente, Nossa Senhora, Deus Pai Eterno. E depois os santos, que tão mais perto da gente.

TODA A CONFUSÃO COM O PADRE OLAVO FOI PORQUE ELE NÃO ACEITOU SUA PROMESSA A IANSÃ. MAS QUEM É SEU DEUS? É UM, É OUTRO? O QUE IMPORTA É A RELIGIÃO OU A FÉ QUE SE TEM?

Eu sou beato. A religião é importante pra mim. O que seria de um morto sem alguém que pusesse a vela dele depois de morrer? Se gurando a mão dele com a vela acesa quando ele morrer? Religião é importante. Acho uma coisa bonita esses santos aí, esses santos na parede.

Uma vez veio um irmão aqui em casa, um irmão que queria me convencer a ir pra religião dele. E aí começou a pedir pra tirar todas as imagem de santo da minha casa, disse que aquilo tinha tudo dia bo ali dentro. Achou diabo em tudo que é lugar, debaixo da cama, atrás da porta, dentro da geladeira. Aí eu tirei as imagem toda... Achei aquela parede branca tão feia. Falei: pode ter fé na feiura?

Eu gosto de fé nas coisa bonita e acho uma beleza as imagem dos santos. Sou beato, eu gosto da religião. Eu preciso da imagem do meu santo para ajoelhar em frente.

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Rapaz, quem fez a terra? Foi Deus. Então, se a terra foi Deus quem fez, se é obra da criação, precisa de cada um ter seu pedaço de chão. Isso também não é meu, não, é de um poeta chamado Patativa do Assaré. Que essa terra é desmedida e é comum, o que só precisa é ser dividida um pouquinho pra cada um. Que faz pena ver sobre a terra o sangue humano correr, que é o grande que provoca a guerra pro pequeno morrer.

Aí fica desse jeito, assim: o mundo sempre em guerra, ambicioso, sanhudo. Todo mundo brigando por terra e a terra lá comendo tudo. Tem que dividir a terra se terra foi Deus quem fez. É coisa de Deus, sou eu que tô falando não.

POR FIM, ZÉ, O QUE VOCÊ TEM A DIZER PARA AS PESSOAS QUE AINDA PRATICAM ESSA INTOLERÂNCIA RELIGIOSA? QUE TÊM MEDO DE UMA RELIGIÃO SÓ POR SER DIFERENTE DA SUA.

Esse povo não entendeu é nada da terra que eles tão vivendo. O que eu tenho de dizer é isso: vocês não entenderam nada. Quando eu falei pro Padre Olavo que Iansã era Santa Bárbara, todo mundo tava ali junto comigo. Iansã é Santa Bárbara, sim. Vai ter gente também — não é só padre — que não vai achar muito bom esse negócio de juntar. Vão falar que Iansã é uma coisa, Santa Bárbara é outra. Não é só padre que acha isso, não, tem muita gente que acha.

Aí vão falar que um povo inteiro tá errado e que quem tá certo é os professor de academia, os professor das filosofia, das sociologia. Quem fala se tá tudo igual é quem tá rezando, quem tá fazendo, quem tá frequentando. O padre e as teologia não entenderam nada, não entenderam nada do país que eles tão. Não entenderam nada

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VOCÊ TAMBÉM CUMPRIU A PROMESSA DE DIVIDIR SUA TERRA LÁ NO INTERIOR DA BAHIA COM O POVO MAIS POBRE. HOJE AINDA VEMOS MUITOS TRABALHADORES SEM DIREITO A UM PEDAÇO JUSTO DE TERRA. O QUE VOCÊ ACHA QUE DEVE SER FEITO PARA DAR TERRA A QUEM A TERRA PERTENCE?

da fé que eles tão. Não entenderam nada de mim, da minha mãe, da minha vó.

Vai falar que tá todo mundo errado? Vai querer ensinar as fé dos outros? Porque tem gente que tá querendo ensinar, tem gente que gosta de ensinar. Nesse tempo de vocês, todo mundo tem alguma coisa pra ensinar. Ensina a cozinhar, a lavar, ensina como ser fe liz, ensina como não ser feliz, ensina como criar os filho dos outro, como chamar os filho dos outro. O mundo devia tá uma beleza com tanto professor. O padre tava querendo ensinar pro povo o que é, mas o povo já disse o que é. O resto são as filosofia.

Personagem: Zé do Burro

Aparece na obra: "O pagador de promessas" (teatro, 1959; cinema, 1962) ***

Rodrigo Mercadante interpretou Zé do Burro para esta entrevista. É músico, ator e diretor de teatro, formado pela Escola de Arte Dramática, ligada à Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (EAD/ECA/USP). É um dos fundadores da Cia. do Tijolo, coletivo de artistas com o qual desenvolve suas pesquisas há 12 anos. Integrou, durante 15 anos, o elenco do Teatro Ventoforte.

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BRANCA DIAS DOS NOVOS TEMPOS

Herege, subversiva, desobediente, uma ameaça às normas de con duta... É dessa forma que Branca Dias era vista pelos inquisidores no passado. Descendente de judeus convertidos, a jovem teve a vida virada do avesso numa época em que fazer as próprias escolhas não era permitido. Hoje, Branca é uma mulher forte que tem consciência de tudo o que representa no mundo, principalmente no que diz respeito aos direitos das mulheres.

Com uma voz firme, mas sem perder a doçura que sempre lhe foi característica, ela relembrou as perseguições sofridas por sua fa mília, falou sobre o que sentiu ao ser condenada à morte na fogueira e destacou situações atuais que se assemelham àquelas vividas por ela — e que prefere esquecer.

Dias chegou para esta entrevista sem amarras e fez questão de deixar clara a sua indignação com as desigualdades e com o sistema, que ainda oprime e exclui. Inclusive, ela destacou a importância da educa ção, afirmando que ler é um ato político e que o conhecimento liberta e "tira as amarras da ignorância, do preconceito e da injustiça" .

Em diversos momentos, ela pausou suas falas e direcionou o olhar para o alto, tentando engolir o choro, como se relembrasse algo muito doloroso. Com a voz embargada, falou das muitas Brancas

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Dias que vivem atualmente na luta por liberdade e para ter o mínimo para seguir dignamente. Ali, durante o bate-papo, foi possível ver uma mulher que carregava a dor de ter tido suas intenções deturpadas, mas que, mesmo à beira da fogueira, seguiu questio nando e defendendo os seus ideais. Confira a entrevista na íntegra.

Era muito difícil, principalmente para o meu pai e o meu avô, que so freram na carne toda essa questão da exclusão. Então, lidar com isso é difícil, vem vindo de gerações passadas até chegar às novas, que estão vivenciando a mesma coisa. Muda o formato, mas o conteúdo é o mesmo, as mesmas perseguições, as mesmas limitações que são impostas. Então, tem sido muito difícil ao longo dos anos, porque vai passando de geração em geração aquele viés de sofrimento.

VOCÊ ACABOU SENDO ACUSADA DE PRATICAR "CRIME DE JU DAÍSMO" E HERESIA, SENDO DENUNCIADA AO TRIBUNAL DA INQUISIÇÃO E RECEBENDO A PENA MÁXIMA: A MORTE NA FOGUEIRA. O QUE SENTIU AO SABER DESSA CONDENAÇÃO?

Morri já antes. Foi um processo de morte lenta, não no ato, não no momento. No momento da sentença final eu já estava morta, porque foi um processo longo, um processo que eu posso dizer até de humilhação. Então, quando ouvi a sentença, já estava morta, por que já haviam matado os meus sonhos, as minhas esperanças, toda a projeção que eu tinha de um futuro de casamento, de filhos, de constituir uma família, de manter a minha fé.

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PARA COMEÇAR, VAMOS FALAR UM POUCO SOBRE SUA ORIGEM. SABEMOS QUE, NAQUELA ÉPOCA, OS INQUISIDORES ALARDEAVAM QUE PRATICAR O JUDAÍSMO ÀS ESCONDIDAS E SIMULAR O CATOLICISMO ERA INACEITÁVEL, O QUE GEROU MUITAS PERSEGUIÇÕES. COMO VOCÊ E A SUA FAMÍLIA, QUE ERAM DE ORIGEM JUDAICA, LIDAVAM COM ISSO?

Extremamente atual. Ao longo de todos os séculos de que a gente tem notícia, a mulher tem sido jogada de lado, menosprezada, e os assédios sempre aconteceram. Agora a gente fala mais sobre eles, mas antigamente passávamos por situações de constrangimento, de assédio moral e sexual, e nem tínhamos noção do que era isso. Ao longo do tempo, foram sendo expostos vários e vários casos, e aí você para e pensa: "Nossa, naquele momento foi um assédio mo ral" , "Foi um assédio sexual e eu nem me dei conta". Muitas vezes, a gente leva uma culpa dentro da gente, sabe? "Será que fiz alguma coisa errada?" , "Será que fiz alguma coisa que não deveria fazer?" .

Então, no caso do padre, após eu ter feito um ato até heroico, de ter arriscado a minha vida para salvá-lo, ele se aproveitou do quê? Da minha posição de mulher, da minha ingenuidade, do poder que ele tinha — porque tinha uma posição de destaque na sociedade —, porque era um padre. E eu era o quê? "Apenas" mais uma mulher. Então, os casos de assédio são recorrentes e são diários em qualquer ambiente. Na família acontece isso, no ambiente profissional acontece isso, em todas as esferas da sociedade.

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VOCÊ SALVOU O PADRE BERNARDO DA MORTE POR AFOGAMENTO, MAS ESSE MESMO HOMEM FOI O RESPONSÁVEL PELA SUA CON DENAÇÃO. ELE A ASSEDIOU DE FORMA VELADA, APROVEITOU -SE DE SUA AMIZADE E PUREZA, ALÉM DE DISTORCER SUAS PALAVRAS. ESSE TIPO DE SITUAÇÃO AINDA PARECE ATUAL PARA VOCÊ?
O SANTO OFÍCIO PUNIA AQUELES QUE, PARA ELES, APRESENTAVAM "DESVIOS NAS NORMAS DE CONDUTA" E JUSTIFICAVAM QUE TAL ATO ERA UMA FORMA DE DEFENDER A FÉ CRISTÃ. NÃO SE TINHA LIBERDADE DE, POR EXEMPLO, ES COLHER QUAL RELIGIÃO SEGUIR E FALAR ABERTAMENTE SOBRE ELA. HOJE, VOCÊ SE CONSIDERA TOTALMENTE LIVRE OU AINDA EXISTEM QUESTÕES QUE A INCOMODAM?

Eu penso que, na sociedade em que a gente vive hoje, ninguém é livre. Existe uma propaganda, um slogan de liberdade, mas não so mos livres se não temos condições de moradia, de comer, de acesso ao estudo, à saúde. A gente não é livre! A pessoa livre tem liber dade de ir e vir, ela tem possibilidade de escolher o que ela quer. A religião também aprisiona, muitas aprisionam os seus fiéis em dogmas, em preconceitos, em reprodução de preconceito que vem de épocas muito antigas, quando não se atualizam as narrativas das religiões. Algumas delas são mais marginalizadas que outras, assim como o judaísmo e seus crentes, que vêm de longa data sendo mar ginalizados, e outras religiões também.

Posso dizer, ainda, que as religiões de matriz africana são sistematicamente jogadas de lado e ao preconceito, e muitas das pessoas que professam esse tipo de fé são marginalizadas. Então, juntam -se vários preconceitos: o econômico, o racial e o religioso, e vai se somando. O que sinto hoje? Questiono a liberdade. O dinheiro traz liberdade, mas quem tem o dinheiro?

Isso acontece todos os dias. Aconteceu comigo, antes de mim já ha via acontecido com outras pessoas, principalmente com mulheres, queimadas na fogueira, julgadas como bruxas, como isso e como aquilo. Então, ao longo dos séculos, as pessoas vêm sendo desrespeitadas, os direitos humanos parecem uma teoria, mas quem tem esses direitos humanos? Quem é que julga? E a partir de que mentalidade acontecem os julgamentos? Atualmente, todos os dias, digo e repito, todos os dias os direitos humanos são desrespeitados mundo afora na sociedade em que a gente vive, aqui e agora, em todo o mundo.

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MESMO SENDO INOCENTE, VOCÊ TEVE SEU FIM DECRETADO, FOI CONDENADA E JULGADA DE FORMA TERRÍVEL. ESTAMOS EM 2022 E, MESMO EM ÉPOCAS TÃO DISTINTAS, VOCÊ AINDA SE DEPARA COM SITUAÇÕES DE INJUSTIÇA QUE LEMBRAM O QUE VIVEU NO PASSADO?

Nós temos notícias de mortes de pessoas diariamente na China, na Europa, no Ocidente, no Oriente, na África, nas Américas — isso acontece sistematicamente. Num país como o Brasil, temos vários casos de várias mulheres, e a gente continua dizendo "Eu estou presente", mas as pessoas têm sido mortas. A Constituição rege que todo mundo tem os mesmos direitos perante a lei. Será que tem? Eu digo que não, eu atesto que não, comigo aconteceu isso in justamente, e com outras pessoas a gente vê acontecendo também. É só você sair em defesa dos povos indígenas, dos quilombolas, dos moradores em situação de rua, das pessoas que moram em favelas, você vai ser atacada.

VOCÊ SEMPRE FOI ADEPTA DA LEITURA, NÃO É? INCLUSIVE ISSO CONTRIBUIU PARA QUE VOCÊ ROMPESSE BARREIRAS E QUESTIONASSE O SISTEMA, TENDO O PODER DE ARGUMENTAR COM OS INQUISIDORES. POR QUE É IMPORTANTE TER CONHECIMENTO E POR QUE ESSE ACESSO AO SABER ERA TÃO CONDENADO NO PASSADO, PRINCIPALMENTE QUANDO SE TRATAVA DE MULHERES?

O conhecimento liberta. Ele tira de você as amarras da ignorância, do preconceito, da injustiça. Ler é um ato político, pois através da leitura eu posso refletir, ter fluição estética, conseguir entender o que o sistema está armando para a gente. Porque o sistema, seja ele capitalista ou não, quer coordenar, quer controlar as pessoas. Hoje a gente vive globalmente, e mesmo os países que dizem não ser capitalistas regem pela cartilha do capitalismo, do liberal, que faz com que eu seja prisioneira da minha ignorância.

Se promoverem a educação e o conhecimento, darão liberdade para as pessoas refletirem, e isso não é prioridade para eles. A educação não é prioridade nos países, não é! A leitura não é tão alardeada como outras coisas — a música, a dança e o futebol, por exemplo. Fala-se 24 horas desses assuntos, propaga-se o desconhecimento, dancinhas e um monte de postagens que não levam a nada! Mas não se propaga em larga escala que a leitura, que o conhecimento

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pode libertar você dos seus próprios preconceitos, pode abrir o seu campo de visão, pode expandir. Isso não é dito.

Então, a leitura fez comigo o quê? Me fez ver mais longe, me fez olhar as pessoas, me fez entender as pessoas, tentar respeitar toda e qualquer pessoa à revelia de posição política, de questão econô mica, à revelia disso. Então, eu repito: o conhecimento salva!

POR FIM, QUEM É A BRANCA DIAS NA ATUALIDADE?

Ela é as muitas mulheres deste país que lutam todos os dias para educar os filhos, que estão sozinhas, que são mãe solo, que têm que levantar de manhã e ir atrás de um prato de comida para os filhos, que não têm imunidade social, que estão sendo exploradas pelo sistema capitalista. Ela é, principalmente, as mulheres ne gras, que não são respeitadas como deveriam. A maioria delas sem possibilidade de ter um emprego melhor, vendo os filhos ser assassinados pelo Estado diariamente, tão somente porque são pretos. É uma necropolítica que quer exterminar os corpos negros que não têm utilidade para o sistema capitalista, que fazem das prisões novas senzalas. Só que alguém está ganhando dinheiro com a miséria, porque no sistema capitalista as coisas só acontecem porque geram lucro. Então, a Branca Dias de hoje é a mulher negra!

Personagem: Branca Dias

Aparece na obra: "O Santo Inquérito" (1966)

Lena Roque interpretou Branca Dias para esta entrevista. Formada em artes cênicas pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP), é atriz, diretora teatral, dramaturga e roteirista. Atuou por dez anos em "Louca de amor", com tex to e codireção de sua autoria. Como atriz, também participou de

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produções no cinema, na televisão e no teatro, onde atuou em 22 espetáculos. Produz e apresenta o "Almerindas podcast", sobre literatura feminina negra. Dirigiu "Bonita Lampião", contempla do na 10ª Edição do Prêmio Zé Renato. É atriz da série "Sentença", do Amazon Prime.

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O BEM-AMADO ODORICO PARAGUAÇU

Odorico Paraguaçu está recluso há algum tempo. Sua última apari ção pública foi em 2010, quando surgiu de um jeito um pouco dife rente daquele que conhecemos nos anos 1970, é verdade, mas ainda assim uma figura inconfundível. O político, que ficou nacionalmente conhecido por suas confusões como prefeito da pequena cidade de Sucupira, no litoral baiano, aceitou conceder esta entrevista exclu siva para falar sobre o seu passado e também dar suas polêmicas declarações sobre muito do que está acontecendo hoje em dia.

De terno e camisa branca, com seu chapéu na cabeça, Odorico chegou no horário marcado. Fez questão de mostrar a bandeira do Brasil e seu santo protetor, o Santo Antônio, que estavam ao seu lado. "Para o povo brasileiro de verdade, é impossível pensar — inimaginável pensar! — em pisar essa bandeira, que isso fique bem claro. E meu santo, minha devoção aos nossos santos, ao nosso senhor Jesus Cristo. Deus que está acima de todos", disse antes mesmo da primeira pergunta.

Com seu jeito impetuoso — tom de voz alterado e gestos brandos —, o ex-prefeito usou de todo o seu linguajar político e bordões para naturalizar absurdos. Passe o tempo que for, o bem-amado Odorico Paraguaçu continua chocando todo o mundo.

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Bom, bom... Vamos dizer o seguinte, minha gente: bom governante é aquele que governa com o pé no presente e o olho no futuro. O que sucedeu para atrasmente ficou para atrasmente. Porém é necessário esclarecer essa situação deverasmente embaraçante para mim, um político temente a Deus, a favor sempre da vida do meu povo, sem nunquinha — nunquinha! — duvidar da minha responsa bilidade com a saúde e a educação dos meus cidadãos, sendo estas as minhas principais plataformas de governo. Sempre servindo ao meu povo e cuidando zelosamente de sua saúde e da educação. É com o povo vivo e educado que a gente pode ter um governo do povo, pelo povo e para o povo!

Deixando de lado os entretantos e partindo para o finalmente, essa história pregressa foi calunice potoquista de uma imprensa mar ronzista, badernista e comunista! Querendo destruir a imagem do único político que presentemente, hoje, pensa em servir o seu povo e que é um servidor cristão de Deus todo poderoso. Quero deixar claríssimo: eu nunca cheguei a proibir a distribuição da vacina — nunca, nunquinha! Só estava em defesa dos meus munícipes.

Primeiramente porque aquela pressa para a distribuição das vacinas não se justifica. Você mexe com a vida do nosso povo. Segundamente porque o nosso povo não pode ser cobaia de ninguém! Terceiramente eu defendo — defendo permanentemente! — o trata mento precoce. Quartamente porque toda vacina é perigosa, causa morte, invalidez, anomalia, doenças. Isso ninguém comunica ao povo. Quintamente, o nosso povo brasileiro é forte, já tem anticorpos que ajudam a não proliferar isso daí e quaisquer outras coisas mais que venham.

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ODORICO, NOS ANOS EM QUE VOCÊ FOI PREFEITO DE SUCUPIRA, CHEGOU A PROIBIR A DISTRIBUIÇÃO DE VACINA CONTRA A DOENÇA DE TIFO PARA A POPULAÇÃO. E, AGORA, VOCÊ É CONTRA OU A FAVOR DA VACINA CONTRA A COVID-19? ALIÁS, VOCÊ JÁ TOMOU A SUA DOSE DA VACINA?

Ó, mas as vacinas estão aí, não é? Defendo ardorosamente que ninguém — ninguém! — pode obrigar alguém a tomar vacina nenhuma. Nunca! Nunquinha! Tá lá na Carta Magnânima: vacina obrigatória só pros bichinhos. Desses sou um defensor juramentado. Sou defen sor das vivas almas caninas e gatinas.

Agora, eu não posso falar como cidadão uma coisa e como prefeito outra. Não sei se você me entende, mas, como eu nunca fugi da ver dade, vou lhe responder: eu não tomei nem vou tomar essa vacina. E pronto! Se alguém acha que a minha vida tá em risco, o problema é todo meu. Não me vacinei até hoje, tô aqui vivo e ponto-final.

E tenho dito, sem mais delongas, deixo aqui juramentado: se alguém quiser tomar a vacina, que vá. E, de repente, se você virar o Super-Homem — para não dizer outra coisa —, se nascer barba em alguma mulher, se o homem começar a falar fino, o Estado não tem nada a ver com isso. Que fique isso dito e claro.

Isso é outra calunice! Outra situação dessa imprensa marronzista. Todos sabem do meu provisionamento pagatista. Não obstantemente, essa imprensa que lava e se enxágua no calunismo — essa imprensa demagogista, esses badernistas! — quase conseguiu botar o meu povo contra mim. Essa foi outra situação deverasmente embaraçante.

Mas Deus está no comando. E o homem de bem, homem de família cristã temente a Deus como eu, que só pensa em servir aos seus conterrâneos... Esse calunismo nunca foi comprovado! Não existe! Não existe um documentinho, um documento escrito ou qualquer registro imagístico que atestamente me envolva com o crime orga nizado. Isso é calunice!

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HÁ TAMBÉM MUITOS INDÍCIOS DE QUE VOCÊ CONTRATOU UM ASSASSINO EM SUCUPIRA, O TAL DO ZECA DIABO, SÓ PARA INAUGURAR O RECÉM-CONSTRUÍDO CEMITÉRIO DA CIDADE. QUE MORALIDADE TEM UM POLÍTICO QUE MANTÉM RELAÇÃO COM O CRIME ORGANIZADO?

Aliás, eu combato terminantemente — que isso fique claro — e proeminentemente o crime organizado, a corrupção e a violência, que é uma violência esquerdista. Essa sempre foi uma das principais plataformas de minha gestão à frente da prefeitura. Fora com essa esquerda comunista, patifeita e corrupta!

E vou lhe dizer: em relação a esse Zeca Diabo, eu como prefeito não poderia admitir que um cidadão de nossa terra fosse proibido de voltar a morar em sua terra natal. E digo mais: um homem de Cristo perdoa. E eu, como um cristão, sei perdoar. E, ademais, que eu seja julgado por Deus, e não pelos homens de má vontade. E vou lhe dizer, como diz o ditado popular: fica o dito pelo não dito... e viva São Benedito.

SEU SLOGAN DE CAMPANHA FOI "VOTE NUM HOMEM SÉRIO E GANHE UM CEMITÉRIO". MAS EU LHE PERGUNTO, ODORICO: VALE QUALQUER PROMESSA RASA PARA SE MANTER NO PODER?

Olhe, eu lembro que tive um problema sério quando prometi criar o nosso cemitério. E, quando as pessoas não querem pensar que o cidadão tem direito a ser enterrado em sua terra natal, fico sempre me perguntando: dar guarida a quem ama a tua terra e deseja no seio dela descansar o sono eterno seria uma promessa rasa? Dar a última morada a quem nasceu, trabalhou, procriou e terminou seus dias na sua cidade natal é uma promessa rasa? Ou é uma dignidade e caridade cristã? E tem mais, não é dever do prefeito cuidar da vida e da morte de seus munícipes? Isso é promessa rasa?

E outra, pergunto mais: instituir uma renda mínima é promessa rasa? Acabar com a reeleição em todos os níveis e diminuir o núme ro de vereadores é promessa rasa? Criar um plano municipal para pessoas com deficiência é também promessa rasa? Criar um novo plano de trabalho para os homens é promessa rasa? Não aumentar imposto de natureza nenhuma é promessa rasa? Impedir a aprova ção automática nas escolas municipais – que é o que estamos vendo aí a torto e a direito — é promessa rasa? Me diga!

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Não me importa se ainda não consegui implantar em sua concretude esses ardorosos desejos pela sagração do povo que me elegeu. O que importa são as boas intenções que estarão sempre comigo. Mas, olha, eu já tô muito acostumado com as ingratitudes e as desaforices desse povo! Eu entrego nas mãos de Deus. Deus acima de todos!

ODORICO, VOCÊ AINDA SE CONSIDERA UM SUJEITO BEM-AMA DO PELO POVO DEPOIS DE TANTA CORRUPÇÃO?

Estou cansado, mas não me entrego. Não me entrego jamais pela luta do meu povo. Mas vamos botar de lado os abstratos e partir para o concretismo: corrupção eu condeno e contra-ataco. No meu governo nunca houve corrupção! E não haverá jamais enquanto eu e os meus estiverem no poder. E, aqui entre nós, eu também sou meio de socialismo — não da ponta esquerda, mas do meio de campo cain do para a direita —, que fique bem claro, claro como todo branco.

Vamos esquecer os anteontem e pensar no depois de amanhã? Vim, estou pronto e descansado para salvar meu povo da fome, do de semprego, do analfabetismo, das enchentes, das pragas, dos feitiços e dos maus-olhados. Isso é apenasmente verdade, nada mais importa. Afinal, eu já recebi uma mensagem indicando que fui o escolhido por Deus para comandar a minha cidade — e, quiçá, o meu país.

E parafraseando Dom Pedro I: se é para o bem de todos e felicidade da nação, eu digo ao povo que fico. E para ser recebido de braços abertos. Eu, Odorico Paraguaçu, sou seu humilde servidor bem-amado. Então, muitíssimo e agradecíssimo obrigado. Fiquem com Deus — e comigo no próximo escrutínio eleitoral, que espero ardorosamente que ocorra dentro da legalidade escrita e que se jam eleições limpas, democráticas e sinceras. Deus está no coman do, amém!

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Personagem: Odorico Paraguaçu Aparece nas obras: "Odorico, o bem-amado ou os mistérios do amor e da morte" (teatro, 1962) e "O bem-amado" (teleno vela, 1973; cinema, 2010)

Carlos Ataíde interpretou Odorico Paraguaçu para esta entrevis ta. Natural de Recife (PE), é estudante de antropologia (2020) na Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Mestre em artes cênicas (2013) pela Universidade Estadual Paulista (Unesp). Bacharel em comunicação das artes do corpo — habilitação em teatro e perfor mance (2007) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). É membro fundador do grupo de teatro Os Fofos Ence nam (2001), sob coordenação artística de Newton Moreno e Fer nando Neves.

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A REDENÇÃO DE DULCINEIA CAJAZEIRA

Já faz algum tempo que Dulcineia Cajazeira está vivendo no Purga tório das Personagens Feministas e Femininas. Afinal, todos nós sabemos que ela morreu depois de uma trágica confusão na cidade de Sucupira que envolveu seu marido, Dirceu Borboleta, o jornalista Neco Pereira e o ex-prefeito Odorico Paraguaçu.

É verdade que as irmãs Cajazeiras — Dulcineia, Doroteia e Judiceia — apoiaram Odorico Paraguaçu durante sua campanha e mandato, não contribuindo muito contra todas as atrocidades do político demagogo. Mas é verdade também que as três irmãs viveram sob vários estigmas sociais, entre eles os de solteironas e beatas.

Agora, em uma nova dimensão, convivendo com outras persona gens femininas da dramaturgia brasileira e mundial, Dulcineia quer aproveitar o espaço para falar sobre importantes pautas para a sociedade.

DULCINEIA, ONDE VOCÊ ESTÁ AGORA? E O QUE ANDA FAZEN DO DEPOIS QUE MORREU EM SUCUPIRA?

Eu estou no Purgatório das Personagens Feministas e Femininas e, embora se chame purgatório, é um lugar muito bom. Um lugar para a gente evoluir, porque o nosso objetivo é ir para o Céu das Per-

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sonagens Feministas e Femininas — pouquíssimas estão lá, e uma delas é a Nossa Senhora do Auto da Compadecida.

Aqui no purgatório são muitas personagens, a gente se dá muito bem. Julieta ["Romeu e Julieta"] acabou de passar por aqui, a Nora [Helmer] de "Uma casa de bonecas" está aqui, Macabéa ["A hora da estrela"], além de Doroteia e Judiceia, minhas irmãs. Todas estamos aqui e tentando evoluir juntas. A gente criou o Fórum Feminista das Personagens Femininas (Fofepefe) quando percebeu que a minha realidade — tudo o que eu tinha passado em Sucupira em 1962, depois em 1973, e a cada montagem posterior — era muito diferente da realidade da Nora, por exemplo, no começo do século XX, que por sua vez também era diferente da história da Ophelia ["Hamlet"] na Dinamarca — aquela história horrorosa e abusiva, ela está lidando com isso até hoje.

Então, por serem realidades muito diferentes, começamos a perceber que poderíamos ajudar umas às outras. Estamos lendo autoras contemporâneas, como Angela Davis, bell hooks, Simone de Beau voir, Djamila Ribeiro — até algumas mais polêmicas, como Judith Butler —, enfim, para poder discutir e evoluir nessas questões atuais.

Hoje a gente sabe o que é machismo estrutural e esse legado do patriarcado, mas em 1962 ninguém sabia. Nesta semana falei com a Bernarda Alba ["A casa de Bernarda Alba"] no Fofepefe, para darmos uma olhada nas questões de "O bem-amado". Eu li o livro e descobri muitas coisas das quais eu não sabia, até falei com Alfre do [Dias Gomes]: eu morro? Como assim eu morro? Ele veio com aquele papo de autor de que precisa de conflito e et cetera.

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VOCÊ E SUAS IRMÃS, DOROTEIA E JUDICEIA, FORAM APOIA DORAS INCONDICIONAIS DO EX-PREFEITO DE SUCUPIRA ODORICO PARAGUAÇU, QUE DEPOIS FOI JUSTAMENTE ACUSADO DE CORRUPÇÃO. O QUE VOCÊ QUE SEMPRE SE COLOCOU COMO DEFENSORA DA BOA MORAL E DOS BONS COSTUMES TEM A DIZER SOBRE CORRUPÇÃO?

O que posso dizer é que, se eu soubesse o que sei hoje... Porque a realidade é essa, estávamos vivendo em Sucupira e carregando o estigma das solteironas — embora eu fosse casada com o Dir ceu Borboleta —, de que a mulher só é feliz sendo casada com um homem e tendo filhos. E tem também o desejo feminino, que até hoje é um tabu, imagina em 1962. Então, muito do que aconteceu naquele tempo foi por esse amor — se é que a gente pode chamar de amor — e esse tesão — por que não dizer, já que eu era casada com o Dirceu e ele fez um voto de castidade. O Odorico, embora não fosse exatamente bonito, tinha um certo magnetismo — tanto é que, lendo o livro "O bem-amado", fiquei sabendo que eu e minhas irmãs tivemos um relacionamento com ele.

Mas sinto que muita coisa eu não via porque estava cega des se amor, dessa paixão, desse tesão. E, por que não dizer, eu não queria ver. Era evidente que havia episódios de corrupção, desvio de verbas na água, na luz, as escolas fechadas. A Doroteia até hoje defende o Odorico, ela faz questão de não participar do Fofepefe... Essa coisa do machismo é difícil, a Doroteia não aceita.

Por causa dessa manipulação que Odorico fazia com nós três, não só com as três, mas com todo mundo ao redor dele em Sucupira — talvez com exceção do Neco Pereira, que de alguma forma ti nha uma certa consciência —, muito do que a gente não via, ou não queria ver, era por causa dessa violência psicológica que ele exercia sobre mim, sobre nós.

Outra coisa que fiquei sabendo pelo livro foi a troca de votos pelo pagamento das despesas fúnebres; Odorico chega a dizer que, se a pessoa admite o voto nele, ganha a cova de graça.

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OLHANDO PARA O PASSADO, DESCOBRINDO QUE AS TRÊS IRMÃS CAJAZEIRAS SE RELACIONARAM COM ODORICO, VOCÊ CONSIDERA ESTE UM RELACIONAMENTO ABUSIVO?

Eu considero, sim, inclusive nós conversamos. Doroteia ainda muito reticente, ela não consegue admitir. A Juju é um pouco mais aber ta. Claro que hoje a gente, lendo essas novas autoras, conhecendo um pouco mais sobre relação aberta, poliamor e anarquia relacio nal, não sei se eu faria, mas é tão bonita a anarquia relacional. Se eu soubesse disso em 1962, penso que poderíamos ter vivido uma anarquia relacional, por que não? Judiceia continuaria com o seu namorado, Ernesto, eu continuaria com o Dirceu Borboleta, pode ríamos ter vivido assim, mas as partes precisam saber. Então, sem dúvida foi um relacionamento abusivo que eu vivi com o Odorico.

A FAMÍLIA CAJAZEIRA SEMPRE TEVE ENORME INFLUÊNCIA EM SUCUPIRA. VOCÊ NÃO ACHA IMPORTANTE QUE SOCIALITES E INFLUENCIADORES, COMO VOCÊS JÁ FORAM CONSIDERADAS MAIS RECENTEMENTE, TENHAM MAIS RESPONSABILIDADES AO EMITIR SUAS OPINIÕES PÚBLICAS?

Sim! Inclusive temos as redes sociais do Fofepefe. Certamente, hoje, eu teria feito tudo diferente. Não só essas questões de me colocar contra a corrupção, mas também questões políticas, sobre sexualidade e gênero, tudo isso. Eu sou vítima da heterossexualidade compulsória, fiquei sabendo disso só agora. Mas, se eu soubesse antes, tanta coisa eu iria me recolocar.

Tem uma questão que é muito importante: eu não sabia dos meus privilégios de ser de uma família rica, de uma família com algum esclarecimento intelectual, de ter tido uma formação diferente naquela pequena cidade. O que eu poderia ter feito para aquela cidade? Aqueles pescadores vivendo na miséria... Será que eu não poderia ter criado algum tipo de organização para auxiliar essas pessoas?

A obsessão megalomaníaca do Odorico por aquele cemitério... Quanto a gente poderia ter feito? Eu e minhas irmãs. Doroteia tinha uma ligação com a escola. O quanto a gente poderia ter ampliado se tivesse um pouco mais de consciência dos nossos privilégios?

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DULCINEIA, VOCÊ HOJE SE CONSIDERA UMA MULHER LIVRE DE AMARRAS SOCIAIS?

É difícil falar em liberdade quando a gente vive com tantas ques tões a nossa volta. O que é liberdade? Precisaria de algumas horas para falar sobre. O que eu sinto é que evoluí muito, não sozinha, mas com outras companheiras, outras mulheres. Acho que isso é uma coisa muito importante de pensarmos. Durante muito tempo havia essa coisa de concorrer com outras mulheres, muitas vezes por um homem.

Tenho evoluído com os passos que minhas pernas podem dar, tentando respeitar as pernas das outras mulheres também — como citei, Doroteia, minha irmã, ainda precisa de muita conversa. Temos a eternidade para continuar evoluindo; afinal de contas, nós, perso nagens, somos eternos. Então, posso dizer que sim, estou livre de muitas amarras. Mas ainda temos um caminho longo nessa trajetória da mulher e da humanidade. Vamos seguir.

Agora, eu queria te perguntar uma coisa. Eu conversei com o Alfredo — ele está lá no Purgatório dos Autores Masculinos —, porque eu terminei "O bem-amado" sem saber quem mandou as cartas anônimas para o Dirceu. O Alfredo não quis me falar. Eu tenho duas teorias: uma é que foi o Neco, afinal, ele tinha uma queda por mim, poderia tentar destruir o meu casamento com o Dirceu; mas fiquei pensando se eu mesma não teria escrito aquelas cartas. Será? Não sei, não lembro. Qualquer coisa que eu souber, eu volto para te contar.

Personagem: Dulcineia Cajazeira

Aparece na obra: "Odorico, o bem-amado ou os mistérios do amor e da morte" (teatro, 1962) e "O bem-amado" (telenovela, 1973; cinema, 2010)

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Lilian de Lima interpretou Dulcineia Cajazeira para esta entrevista. É atriz, cantora, dramaturga, diretora e preparadora vocal. Atual mente é artista orientadora de teatro no Programa Vocacional da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo. Fundadora do grupo teatral Núcleo Toada, também participa dos grupos Cia. do Tijolo, As Meninas do Conto e Teatro Ventoforte, além de outros coletivos. Atuou em produções de cinema e televisão. É formada em interpre tação pela Escola de Arte Dramática da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (EAD/ECA/USP) e em expressão vocal/canto pelo Studio Voz em Movimento.

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VIÚVA PORCINA: AQUELA QUE “FOI SEM NUNCA TER SIDO”

Ela ainda chama atenção por onde passa, seja pelo estilo extravagan te e colorido, seja pelo jeito, digamos, um tanto marcante e bastante polêmico. Apesar da passagem dos anos, Porcina, a viúva que "foi sem nunca ter sido", parece que pouco mudou em alguns aspectos.

No passado, ela se tornou um ícone na cidade de Asa Branca, e o grande responsável por isso foi Roque Santeiro. O artesão, para quem não se lembra, virou lenda na cidade e ficou com fama de milagreiro após sua falsa morte. Na época, várias personalidades locais — incluindo Viúva Porcina, como gosta de ser chamada — se aproveitaram da história em benefício próprio.

Aliás, nesta entrevista exclusiva, a ricaça afirmou não achar nada de errado na atitude daqueles que se aproveitam de mentiras para tirar vantagens, como aconteceu naquela época em Asa Branca. Ela, inclusive, disse adorar um mito.

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A vida amorosa de Porcina também vai de vento em popa. Mas, para a surpresa de muitos, ela e Sinhozinho Malta ainda não se casa ram. Porcina explicou que só agora ficou noiva do coronel e, como é bastante religiosa, descartou qualquer intimidade na relação antes do tão esperando "sim" no altar. "Eu resolvi esperar. Quero dar o exemplo", garantiu.

Em diversos momentos do bate-papo, ela se mostrou bastante con servadora e não se intimidou ao disparar comentários bem polêmicos — e carregados de preconceito — sobre raça, aborto, feminismo e sexualidade. Confira a entrevista na íntegra.

PARA COMEÇAR, VOCÊ SE DIZIA VIÚVA DE ROQUE SANTEIRO, QUE ERA TIDO COMO HERÓI ANTES DE APARECER MAIS VIVO DO QUE NUNCA. SÓ QUE, NA VERDADE, VOCÊ NUNCA

CHEGOU A SE CASAR COM ELE. PODERIA EXPLICAR MELHOR ESSA HISTÓRIA E COMO ESSA FARSA INFLUENCIOU SUA VIDA DEPOIS?

Como influenciou minha vida? Eu ganhei um nome, minha filha! Eu me tornei um ícone! O que mais eu poderia querer? Eu sou a que foi sem nunca ter sido! E, para ser a que foi sem nunca ter sido, eu lá poderia ser mesmo isso que eu não era? Não se espante se a última frase é um tanto confusa, mas é que é assim mesmo: são os "poréns" que levam aos "etcéteras" .

O POVO DE ASA BRANCA ACREDITAVA QUE ROQUE ERA UM SANTO MILAGREIRO E ESSE MITO SE ESPALHOU PELA REGIÃO, FAZENDO CRESCER A GANÂNCIA DE MUITOS QUE APROVEITARAM PARA TIRAR PROVEITO DA HISTÓRIA FALSA. VOCÊ VÊ NISSO ALGUMA SEMELHANÇA COM A ATUALIDADE?

Mas é claro! Eu adoro um mito! E mito, você sabe: quando o povo embarca, todo mundo lucra, desde uma fábrica de medalhas até a proliferação de clubes de tiro. Naquela época, um mito medalhava o Brasil inteiro. E hoje, graças a Deus, que está acima de todos, como

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acima de tudo está o Brasil, o país está mais medalhado do que nunca, condecorado e fazendo jus ao herói que pariu.

COM A VOLTA DE ROQUE SANTEIRO, VOCÊ ACABOU VIVENDO UM TRIÂNGULO AMOROSO COM ELE E SINHOZINHO MALTA. NO FINAL, PRECISOU FAZER UMA ESCOLHA. O QUE A MOTIVOU A FICAR AO LADO DO CORONEL?

Ah, eu gosto muito de gado. O meu deleite é deixar a boiada passar, sabe? Acho que foi isso... E gado de raça, viu! Ah, eu gosto muito de bicho... E Sinhozinho ficava de quatro por mim, uivava, me baba va todinha... [Gargalhadas.] Se eu ficasse com Roque, como é que eu ia ser a que nunca tinha sido? [Mais risos.]

VOCÊS AINDA ESTÃO JUNTOS E CONTINUAM VIVENDO EM ASA BRANCA? COMO É SUA ROTINA?

Asa Branca era pequena para mim! Gentinha cheia de fonfança e eu ali, roendo beira de penico... Sinhozinho só agora se noivou comigo, e eu, que era tão namoradeira, agora sou a mais nova noiva do Bra sil. Sexo? Só depois do casamento. Eu resolvi esperar, que nem na "Bíblia". Quero dar o exemplo! É o primeiro passo para um Brasil sem aborto ou gayzismo¹. Eu sou pela liberdade: é preciso acabar com essa cristofobia², essa mamação de piroquinha nas tetês dos brasileirinhos.

VOCÊ É DONA DE UM ESTILO PRÓPRIO E COSTUMA USAR LOOKS MAIS EXTRAVAGANTES. COMO É SUA RELAÇÃO COM A MODA HOJE?

Eu sou uma pessoa de exuberância sem limites, né? Tendência é mesmo comigo! Aliás, sou uma ditadora de tendências, digamos assim. Para você ver o caso dos turbantes: era extravagância até virar modinha, né, querida? Se hoje essas moças escurinhas³ se orgu lham de ostentar essa coroa, como elas dizem, isso tudo é devido a mim! Eu abri o caminho para elas, fui precursora. Como diz aquele

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bordão africano ubuntu: Eu sou porque nós somos, elas são porque eu fui. Justo eu, a que foi sem nunca ter sido [gargalhadas].

VOCÊ SEMPRE FOI UMA MULHER COM A AUTOESTIMA LÁ EM CIMA E QUE NÃO COSTUMAVA VIVER MUITO PRESA ÀS REGRAS. HOJE, QUE CONSELHO DARIA PARA AS MULHERES QUE AINDA VIVEM PREOCUPADAS COM OS JULGAMENTOS DA SOCIEDADE?

Hoje estamos vendo neste país uma ditadura do feminismo. Hoje você não pode mais se depilar, não pode mais exercer seu instinto mater no, seu dom de servir o marido. As mulheres, hoje em dia, não po dem nem receber uma caixa de bombom ou flores no dia delas. Não tenham medo como um dia eu tive. Tô certa ou tô errada? Tô certa. ¹ ² ³ Nota do editor: O uso de expressões homofóbicas, racistas e de intolerância religiosa é crime. ***

Personagem: Viúva Porcina Aparece nas obras: "O berço do herói" (1963) e "Roque Santeiro" (versões de 1975 e 1985) *** Cácia Goulart interpretou a Viúva Porcina para esta entrevista. É atriz, diretora, produtora cultural e representante do Núcleo Cai xa Preta. Três vezes indicada ao Prêmio Shell na categoria Melhor Atriz, pelos espetáculos "Navalha na carne" (2003), "Bartleby" (2008) e "A morte de Ivan Ilitch" (2013). Duas vezes indica da ao Prêmio Aplauso Brasil — Melhor Direção, pelo espetáculo "De volta a Reims" (2019), e Melhor Atriz e Melhor Trabalho de Grupo pelo espetáculo "Hilda" (2018). Seu último trabalho como atriz e diretora foi a peça teatral "A idade da peste", que estreou em junho de 2022 em São Paulo (SP).

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MISTÉRIOS DO PROFESSOR ASTROMAR JUNQUEIRA

O povo de Asa Branca tinha razão: o Professor Astromar Junqueira é, de fato, um homem cheio de mistérios. Após passar muitos anos recluso, o antigo morador da terra natal de Roque Santeiro, agora aposentado e vivendo em meio à natureza, "voltou à cena" nesta entrevista exclusiva e abriu o jogo sobre os boatos que sempre rondaram sua figura. Hoje, muitos ainda têm curiosidade sobre a vida desse antigo orador de cerimônias, que era completamente apaixonado pela doce Mocinha. Aliás, por falar em romance, Junqueira nunca se casou e tampouco se envolveu amorosamente com alguém durante todos esses anos. Ele contou que, na verdade, tem tendência a ficar só e prefere se dedicar aos estudos, apesar de se considerar um homem romântico.

Neste bate-papo, o professor mostrou que pouco mudou ao surgir usando um sobretudo preto — sua cor preferida — com a gola levantada até a altura das orelhas. Com um olhar cerrado e a voz firme, mas um tanto rouca, ele respondeu às perguntas de maneira gentil, por vezes até poética, como se declamasse as palavras.

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Amante declarado de literatura e música clássica, Astromar surpreendeu ao revelar ser adepto das novas tecnologias, tendo até criado perfis fakes nas redes sociais para encontrar, quem sabe, pessoas com as mesmas características que ele. Afinal, não se acha facilmente um lobisomem em qualquer esquina, não é? Confira a entrevista na íntegra.

SABEMOS QUE VOCÊ FOI UMA FIGURA NOTÓRIA NA CIDADE DE ASA BRANCA. CONHECIDO POR SER UMA PESSOA CULTA, ACABOU SE TORNANDO ORADOR DAS CERIMÔNIAS LOCAIS E ATÉ PRESIDENTE DO CENTRO CÍVICO DA CIDADE NA ÉPO CA EM QUE FLORINDO ABELHA ERA PREFEITO. NO ENTANTO, VOCÊ TAMBÉM TINHA FAMA DE SER BASTANTE MISTERIOSO, E MUITOS ATÉ DESCONFIAVAM DE SEU COMPORTAMENTO, O QUE GEROU BOATOS PELA CIDADE. COMO FOI LIDAR COM ISSO?

Na verdade, tudo isso era um comportamento introspectivo da minha parte, não sou um sujeito tão aberto à sociedade como alguns imaginavam. Sempre fui um indivíduo discreto, reservado, e, por isso, talvez as pessoas interpretassem como algo misterioso ou in descritível, mas era apenas um comportamento, uma maneira de me posicionar na vida de forma menos aberta, por assim dizer. Mas não há nenhum preconceito de minha parte em relação às pessoas, à so ciedade e às instituições, tanto que eu faço parte de algumas delas.

ANTIGAMENTE, VOCÊ ERA APAIXONADO POR MOCINHA, QUE NÃO CORRESPONDIA AOS SEUS SENTIMENTOS. ESSA REJEIÇÃO O FEZ DESISTIR DE ENCONTRAR UM NOVO AMOR OU VOCÊ SE CASOU, FORMOU FAMÍLIA?

Esse é um assunto sentimental um tanto delicado e que toca na nossa intimidade, por assim dizer. Sim, tive uma paixão por ela, esperava dela uma correspondência, algo que poderíamos dividir juntos, e isso aconteceu durante um tempo. De um ponto de vista, deu certo, mas por um curto período. De outro, houve um distan ciamento entre nós, por assim dizer, e eu não sou um sujeito de

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procurar muito pelos outros, tenho essa característica de esperar que os outros me procurem, e nesse período não posso afirmar que alguém tenha vindo até mim com pretensões amorosas ou afetivas.

Como tenho essa tendência a ficar só, a ser uma figura introspectiva, a me dedicar muito à leitura, aos estudos e à escrita, esse aspecto, digamos assim, de troca entre um ser humano do sexo masculino e um ser humano do sexo feminino não chegou a acon tecer novamente, pelo que de certa forma eu sinto muito, porque, na verdade, eu sou romântico, gosto da literatura que fala do amor, das epifanias sentimentais, da troca das almas. Do contato físico também, não posso esconder, afinal sou um ser humano, mas diga mos que eu não tenho uma pendência nem expectativa das maiores em relação a isso. Então, me dedico às atividades que alguns conhecem, que há uma certa fama minha e por causa disso é dito algo. É verdade.

Bem... Eu sofro de insônia, costumo dormir durante o dia e à noite fico na vigília. Então, aconteceu de eu começar a passear durante a noite, noites não tão calorosas, e, às vezes, eu colocava alguma roupa que me protegia um pouco mais do vento e de algum friozi nho que me batia, porque sou uma pessoa friorenta. Esse tipo de roupa começou a gerar rumores de que havia alguém misterioso andando pelas ruas da cidade.

Também aconteceu um fato banal, que foi por eu deixar crescer os pelos do corpo e, coincidentemente, eles cresceram um pouco mais do que a média, sem meu controle. Alguma coisa na minha arcada dentária também mudou um pouco a minha feição. Então, tudo isso gerou a imagem de um homem que, talvez, tivesse alguma carac-

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INDO DIRETO AO PONTO, O POVO DE ASA BRANCA COMENTA VA QUE VOCÊ SE TRANSFORMAVA EM LOBISOMEM NAS NOITES DE LUA CHEIA, O QUE HOJE SABEMOS QUE É FATO. PODERIA NOS CONTAR COMO E QUANDO ISSO COMEÇOU A ACONTECER COM VOCÊ?

terística animal. A mistura de, por exemplo, um cão de tamanho exagerado, que as pessoas poderiam ver como um lobo — a mistura do lobo com um homem daria a palavra "lobisomem" .

Mas, de fato, com esses acontecimentos eu passei a me comportar como tal e adquiri certos hábitos inesperados. É como se eu pas sasse a assumir a minha aparência introspectivamente e, assim, aconteceu de eu praticar algumas coisas que não vêm ao caso aqui e que justificam, sim, essa mitologia a meu respeito. E não posso confessar os atos que pratiquei durante essa fase, mas aconteceu.

VOCÊ JÁ PESQUISOU SE EXISTEM CASOS COMO O SEU NA FAMÍLIA, SE PODE SER ALGO HEREDITÁRIO?

Dizem que havia um indivíduo na nossa família, meu bisavô, que tinha lá seus hábitos estranhos também, e que possivelmente eu tenha herdado dele esse comportamento inusitado, mas eu especialmente não fui atrás dessas informações, porque elas não iriam me acrescentar muito. E, como para mim basta viver assim, a soli dão também faz que nos afastemos das nossas raízes, dos nossos parentes, que são os primeiros a questionar a nossa postura diante do viver noturno, recolhido. Deixei meu avô para lá, deixei a minha família de lado e passei a viver só.

HOJE EM DIA, A MAIORIA DAS PESSOAS SÃO CÉTICAS QUANTO À EXISTÊNCIA DE LOBISOMENS NO BRASIL, APESAR DE EXISTIREM MUITOS RELATOS SOBRE ISSO, PRINCIPALMENTE NAS CIDADES DO INTERIOR. VOCÊ AINDA É ALVO DE PRECONCEITO PELA SUA CONDIÇÃO OU CONSEGUE LEVAR UMA VIDA "NORMAL"? COMO É SUA ROTINA ATUALMENTE?

Digamos que me tornei mais ameno em relação a isso, tenho evitado gestos, atos e provocações que reforcem essa minha herança pessoal. Sendo assim, passei a circular um pouco mais durante o dia, com vestimentas mais aceitáveis pela sociedade, diminuindo um pouco essas opiniões tortas sobre a minha pessoa, que não

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eram as mais retas. Mas, sem dúvida, ao passar pelos cidadãos sempre há algum tipo de comentário em tom baixo, uma espécie de fofoca, de gozação, por assim dizer, apesar de que essas duas palavras não me caem bem, pois são muito popularescas.

NUMA ÉPOCA EM QUE A CIÊNCIA É TÃO AVANÇADA, VOCÊ CHEGOU A PROCURAR UM ESPECIALISTA OU TENTOU ALGUM TRATAMENTO PARA AMENIZAR ESSA SUA CONDIÇÃO?

Olha, nunca vi o meu modo de viver como algo doentio. Exótico talvez, ou inesperado, ou estranho, isso sim! Mas não cheguei a me incomodar a ponto de tentar mudar essas características. Na verdade, me apraz viver com elas, desde que eu não cause males maiores aos meus semelhantes e que eu também não seja prejudi cado por isso. Creio ser desnecessário consultar algum especialista em transformações humanas, que creio ainda não ser uma área do conhecimento humano explorada.

Eu tenho curiosidade para saber quem seria parecido comigo, quem seriam os meus, não parentes genéticos, mas os meus iguais em termos de atração por certas coisas de que nós não falamos em pú blico. No entanto, devo dizer que criei um falso perfil com caracte rísticas muito distintas da minha e, com isso, tenho acesso àqueles que dão a cara ao mundo eletrônico contemporâneo, como curiosidade, como uma espécie de busca de companhia — para usar uma palavra atual — virtual. Mas não que eu me exponha publicamente, isso não é do meu feitio e vou deixar o meu legado de outra forma.

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POR FIM, DIFERENTEMENTE DOS TEMPOS EM QUE OS BOATOS ERAM SÓ NO "BOCA A BOCA" EM ASA BRANCA, HOJE EM DIA FICAMOS SABENDO DE TODOS OS ACONTECIMENTOS DO MUNDO FALSOS E VERDADEIROS POR MEIO DAS REDES SOCIAIS. POR ACASO VOCÊ É ADEPTO DAS NOVAS TECNOLOGIAS? SE SIM, JÁ PENSOU EM CRIAR UM PERFIL PARA CONTAR SUA HISTÓRIA OU TEM MEDO DE UM POSSÍVEL "CANCELAMENTO" OU PERSEGUIÇÃO?

Personagem: Professor Astromar Junqueira Aparece na obra: "Roque Santeiro" (versões de 1975 e 1985) ***

Ney Piacentini interpretou o Professor Astromar Junqueira para esta entrevista. É pós-doutorando pela Universidade Estadual Paulista (Unesp). Mestre e doutor em pedagogia teatral pela Univer sidade de São Paulo (USP). Foi orientador pelo Programa de Pós -Graduação em Direção e Atuação no Célia Helena Centro de Artes e Educação, além de professor do Instituto de Artes (IA) da Unesp e da Faculdade Paulista de Artes. Com 40 anos de ofício, é integrante da Companhia do Latão desde sua fundação, em 1997. Em 2014 re cebeu o Prêmio Cooperativa Paulista de Teatro por sua contribuição ao teatro paulista.

Páginas iniciais da peça "Odorico" com observações à mão do autor, em que estuda possibilidades para o título e nomes dos personagens | Acervo Dias Gomes

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Dias Gomes, década de 1940

Acervo Dias Gomes

Dias Gomes, s.d. Acervo Dias Gomes

Dias Gomes, década de 1960, no Rio de Janeiro Acervo Dias Gomes

Carta de Jorge Amado para Dias Gomes, s.d. | Acervo Dias Gomes

Carta de Dias Gomes para Jorge Amado, datada de 23 de julho de 1980 | Acervo Dias Gomes

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Dias Gomes, década de 1980, em São Paulo | Acervo Dias Gomes

Texto sobre "O pagador de promessas" com anotações do autor, s.d. | Acervo Dias Gomes

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Dias Gomes, década de 1980

Acervo Dias Gomes

Dias Gomes proferindo o discurso de posse na Academia Brasileira de Letras, 1991

Foto: Manchete | Acervo Dias Gomes

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FICHA TÉCNICA

OCUPAÇÃO DIAS GOMES

Pesquisa, concepção, curadoria e realização Parceria de conteúdo Projeto expográfico

Produção local (RJ)

Projeto de acessibilidade

ITAÚ CULTURAL

Presidente

Diretor Gerência

NÚCLEO DE ARTES CÊNICAS

Coordenação

Produção-executiva Gerência Coordenação

NÚCLEO DE AUDIOVISUAL

Produção-executiva e produção audiovisual

Edição de vídeo Captação de imagens

Captação de imagens remotas Captação de som Motion design Transcrição Interpretação em Libras

Audiodescrição

..... Itaú Cultural ..... Globo ..... Thereza Faria ..... Gustavo Nunes ..... Itaú Cultural ..... Alfredo Setubal ..... Eduardo Saron ..... Galiana Brasil ..... Carlos Gomes ..... Regina Medeiros Tiago Ferraz ..... André Furtado ..... Kety Fernandes Nassar ..... Camila Fink Julia Sottili ..... Richner Allan ..... André Seiti Richner Allan ..... WT1 (terceirizada) ..... Pamela Monteiro Tomás Franco (terceirizados) ..... João Zanetti (terceirizado) ..... Nelson Visconti (terceirizado) ..... FFomin Acessibilidade e Libras (terceirizada) ..... Iguale Comunicação de Acessibilidade (terceirizada)

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NÚCLEO DE COMUNICAÇÃO E RELACIONAMENTO Gerência Coordenação

Edição e produção de conteúdo Supervisão de revisão Revisão de texto Identidade e comunicação visual Ilustrações

Produção editorial

Edição de fotografia

Redes sociais Gerência

NÚCLEO DE EDUCAÇÃO E RELACIONAMENTO

Coordenação de atendimento ao público Equipe de atendimento

..... Ana de Fátima Sousa ..... Carlos Costa Renato Corch ..... Duanne Ribeiro Juliana Ribeiro William Nunes ..... Polyana Lima ..... Rachel Reis (terceirizada) ..... Guilherme Ferreira ..... Gustavo Inafuku/Girafa Não Fala (terceirizada) ..... Bruna Guerreiro Mylena Santos (estagiária) Pamela Camargo ..... André Seiti Matheus Castro (estagiário) ..... Jullyanna Salles Victoria Pimentel ..... Valéria Toloi ..... Tayná Menezes ..... Matheus Paz

Coordenação de formação

Equipe

Natasha Bernardo Marcondes Victor Soriano Vinícius Magnum ..... Samara Ferreira ..... Alessandra Silva Constantini (estagiária)

Edinho dos Santos Edson Bismark Elissa Sanitá Joelson Oliveira Lucas Batista

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NÚCLEO DE INFRAESTRUTURA E PRODUÇÃO

Gerência

Coordenação de exposições Produção

CONSULTORIA JURÍDICA

Gerência

Coordenação

Equipe Gerência Equipe

NÚCLEO DE MEMÓRIA E PESQUISA

Mayra Reis Rocha Mônica Abreu Silva Silas Barbosa (estagiário) Victória de Oliveira Vítor Luz Vitor Narumi ..... Gilberto Labor ..... Vinícius Ramos ..... Carmen Fajardo Érica Pedrosa Fernanda Tang Wanderley Bispo ..... Anna Paula Montini ..... Daniel Lourenço ..... Rafael Del Piero ..... Tatiana Prado ..... Ana Luisa Constantino Fernando Galante Laerte Fernandes Talita Yokoyama

AGRADECIMENTOS

Abril Comunicações S/A, Academia Brasileira de Letras, Acervo Funarte/Centro de Documentação e Pesquisa, Acervo TV Cultura, Alfredo Emmer Dias Gomes, Antonio Henrique Lago, Antonio Mercado, Aura Edições Musicais, Bernadete Dias Gomes, Cacá Diegues, Carlos Cambraia, Celeste Ferreira, Centro Cultural São Paulo, Cinedistri Produção e Distribuição Audiovisual, Claudia Ahimsa, Claudiney Ferreira, Copyrights Consultoria Ltda., Daisy Poli,

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Denise Emmer Dias Gomes, Graça Maria Lago, Guilherme Emmer Dias Gomes, Instituto Ziraldo, João Jorge Amado, José Dias, Karina Maluf, Karla Abinader, Lima Duarte, Luana Dias Gomes, Luciana Ferreira, Maria Amélia Mello, Maria João Cestino Amado, Mario Lago Filho, Mayra Dias Gomes, Museu da TV, Rádio & Cinema, Museu Lasar Segall, Nathalia Timberg, Nélida Piñon, NSC/Jornal de Santa Catarina, O Estado de S. Paulo, Paulo Gracindo Junior, Paulo Leite, Regina Duarte, Rui Rezende, Ruth Toledo Altschuler, Sergio Miletto, Sergio Zlotnic, Sony Music Brasil, Stenio Garcia, Stephanie Genesini e Tanah Correa ***

O Itaú Cultural (IC) e a curadoria agradecem a todos os fotógrafos que cederam imagens e a todos os artistas, sucessores e colecionadores que autorizaram a exibição e emprestaram suas obras para a exposição.

A organização realizou todos os esforços para encontrar os detentores dos direitos autorais incidentes sobre as imagens/obras aqui expostas e publicadas, além das pessoas fotografadas. Caso alguém se reconheça ou identifique algum registro de sua autoria, solicitamos o contato pelo e-mail atendimento@itaucultural.org.br.

O IC integra a Fundação Itaú para Educação e Cultura. Saiba mais em fundacaoitau.org.br. ***

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OCUPAÇÃO DIAS GOMES

abertura 19 de outubro de 2022 visitação até 15 de janeiro de 2023 terça a sábado 11h às 20h domingo e feriados 11h às 19h

ITAÚ CULTURAL

Av. Paulista, 149, São Paulo piso 2

ENTRADA GRATUITA

livre para todos os públicos

Memória e Pesquisa | Itaú Cultural

Ocupação Dias Gomes / Organização Itaú Cultural ; ilustrações : Gustavo Inafuko e Girafa Não Fala. – São Paulo : Itaú Cultural, 2022. il ; PDF : 654KB

ISBN: 978-65-88878-53-8

1. Dramaturgia. 2. Novela. 3. Teatro. 4. Televisão.

5. Dias Gomes I. Itaú Cultural. II. Título. CDD 791.481

Bibliotecária Ana Luisa Constantino dos Santos CRB-8/10076

Fontes Bull-5 e TheW Clan Outubro de 2022

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