5 minute read

sido"

VIÚVA PORCINA: AQUELA QUE “FOI SEM NUNCA TER SIDO”

Ela ainda chama atenção por onde passa, seja pelo estilo extravagante e colorido, seja pelo jeito, digamos, um tanto marcante e bastante polêmico. Apesar da passagem dos anos, Porcina, a viúva que "foi sem nunca ter sido", parece que pouco mudou em alguns aspectos.

No passado, ela se tornou um ícone na cidade de Asa Branca, e o grande responsável por isso foi Roque Santeiro. O artesão, para quem não se lembra, virou lenda na cidade e ficou com fama de milagreiro após sua falsa morte. Na época, várias personalidades locais — incluindo Viúva Porcina, como gosta de ser chamada — se aproveitaram da história em benefício próprio.

Aliás, nesta entrevista exclusiva, a ricaça afirmou não achar nada de errado na atitude daqueles que se aproveitam de mentiras para tirar vantagens, como aconteceu naquela época em Asa Branca. Ela, inclusive, disse adorar um mito.

A vida amorosa de Porcina também vai de vento em popa. Mas, para a surpresa de muitos, ela e Sinhozinho Malta ainda não se casaram. Porcina explicou que só agora ficou noiva do coronel e, como é bastante religiosa, descartou qualquer intimidade na relação antes do tão esperando "sim" no altar. "Eu resolvi esperar. Quero dar o exemplo", garantiu.

Em diversos momentos do bate-papo, ela se mostrou bastante conservadora e não se intimidou ao disparar comentários bem polêmicos — e carregados de preconceito — sobre raça, aborto, feminismo e sexualidade. Confira a entrevista na íntegra.

PARA COMEÇAR, VOCÊ SE DIZIA VIÚVA DE ROQUE SANTEIRO, QUE ERA TIDO COMO HERÓI ANTES DE APARECER MAIS VIVO DO QUE NUNCA. SÓ QUE, NA VERDADE, VOCÊ NUNCA CHEGOU A SE CASAR COM ELE. PODERIA EXPLICAR MELHOR ESSA HISTÓRIA E COMO ESSA FARSA INFLUENCIOU SUA VIDA DEPOIS?

Como influenciou minha vida? Eu ganhei um nome, minha filha! Eu me tornei um ícone! O que mais eu poderia querer? Eu sou a que foi sem nunca ter sido! E, para ser a que foi sem nunca ter sido, eu lá poderia ser mesmo isso que eu não era? Não se espante se a última frase é um tanto confusa, mas é que é assim mesmo: são os "poréns" que levam aos "etcéteras" .

O POVO DE ASA BRANCA ACREDITAVA QUE ROQUE ERA UM SANTO MILAGREIRO E ESSE MITO SE ESPALHOU PELA REGIÃO, FAZENDO CRESCER A GANÂNCIA DE MUITOS QUE APROVEITARAM PARA TIRAR PROVEITO DA HISTÓRIA FALSA. VOCÊ VÊ NISSO ALGUMA SEMELHANÇA COM A ATUALIDADE?

Mas é claro! Eu adoro um mito! E mito, você sabe: quando o povo embarca, todo mundo lucra, desde uma fábrica de medalhas até a proliferação de clubes de tiro. Naquela época, um mito medalhava o Brasil inteiro. E hoje, graças a Deus, que está acima de todos, como

acima de tudo está o Brasil, o país está mais medalhado do que nunca, condecorado e fazendo jus ao herói que pariu.

COM A VOLTA DE ROQUE SANTEIRO, VOCÊ ACABOU VIVENDO UM TRIÂNGULO AMOROSO COM ELE E SINHOZINHO MALTA. NO FINAL, PRECISOU FAZER UMA ESCOLHA. O QUE A MOTIVOU A FICAR AO LADO DO CORONEL?

Ah, eu gosto muito de gado. O meu deleite é deixar a boiada passar, sabe? Acho que foi isso... E gado de raça, viu! Ah, eu gosto muito de bicho... E Sinhozinho ficava de quatro por mim, uivava, me babava todinha... [Gargalhadas.] Se eu ficasse com Roque, como é que eu ia ser a que nunca tinha sido? [Mais risos.]

VOCÊS AINDA ESTÃO JUNTOS E CONTINUAM VIVENDO EM ASA BRANCA? COMO É SUA ROTINA?

Asa Branca era pequena para mim! Gentinha cheia de fonfança e eu ali, roendo beira de penico... Sinhozinho só agora se noivou comigo, e eu, que era tão namoradeira, agora sou a mais nova noiva do Brasil. Sexo? Só depois do casamento. Eu resolvi esperar, que nem na "Bíblia". Quero dar o exemplo! É o primeiro passo para um Brasil sem aborto ou gayzismo¹. Eu sou pela liberdade: é preciso acabar com essa cristofobia², essa mamação de piroquinha nas tetês dos brasileirinhos.

VOCÊ É DONA DE UM ESTILO PRÓPRIO E COSTUMA USAR LOOKS MAIS EXTRAVAGANTES. COMO É SUA RELAÇÃO COM A MODA HOJE?

Eu sou uma pessoa de exuberância sem limites, né? Tendência é mesmo comigo! Aliás, sou uma ditadora de tendências, digamos assim. Para você ver o caso dos turbantes: era extravagância até virar modinha, né, querida? Se hoje essas moças escurinhas³ se orgulham de ostentar essa coroa, como elas dizem, isso tudo é devido a mim! Eu abri o caminho para elas, fui precursora. Como diz aquele

bordão africano ubuntu: Eu sou porque nós somos, elas são porque eu fui. Justo eu, a que foi sem nunca ter sido [gargalhadas].

VOCÊ SEMPRE FOI UMA MULHER COM A AUTOESTIMA LÁ EM CIMA E QUE NÃO COSTUMAVA VIVER MUITO PRESA ÀS REGRAS. HOJE, QUE CONSELHO DARIA PARA AS MULHERES QUE AINDA VIVEM PREOCUPADAS COM OS JULGAMENTOS DA SOCIEDADE?

Hoje estamos vendo neste país uma ditadura do feminismo. Hoje você não pode mais se depilar, não pode mais exercer seu instinto materno, seu dom de servir o marido. As mulheres, hoje em dia, não podem nem receber uma caixa de bombom ou flores no dia delas. Não tenham medo como um dia eu tive. Tô certa ou tô errada? Tô certa.

¹ ² ³ Nota do editor: O uso de expressões homofóbicas, racistas e de intolerância religiosa é crime.

Personagem: Viúva Porcina Aparece nas obras: "O berço do herói" (1963) e "Roque Santeiro" (versões de 1975 e 1985)

Cácia Goulart interpretou a Viúva Porcina para esta entrevista. É atriz, diretora, produtora cultural e representante do Núcleo Caixa Preta. Três vezes indicada ao Prêmio Shell na categoria Melhor Atriz, pelos espetáculos "Navalha na carne" (2003), "Bartleby" (2008) e "A morte de Ivan Ilitch" (2013). Duas vezes indicada ao Prêmio Aplauso Brasil — Melhor Direção, pelo espetáculo "De volta a Reims" (2019), e Melhor Atriz e Melhor Trabalho de Grupo pelo espetáculo "Hilda" (2018). Seu último trabalho como atriz e diretora foi a peça teatral "A idade da peste", que estreou em junho de 2022 em São Paulo (SP).

This article is from: