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Editorial

Quando perguntado sobre Branca Dias, da peça "O Santo Inquérito" (1964), ser baseada em fatos históricos ou em mitos, Dias Gomes (1922-1999) foi claro em sua resposta: "A mim o que interessa não é a verdade histórica, é a verdade humana". Inventor de personagens e vocabulários — quem não se lembra dos "pratrasmente" e "prafrentemente" de Odorico Paraguaçu? —, criou tipos que estão no imaginário popular do espectador: o político demagogo e inescrupuloso, a viúva polêmica, o poderoso fazendeiro, o bicheiro malandro, o homem que voava, o assassino arrependido, a mulher que explodia, o professor lobisomem, as irmãs inseparáveis, o herói ingênuo e vencido.

Sua obra colocou em cena estereótipos da realidade brasileira: personagens exagerados em traços regionais, costumes populares e questões sociais que são intrínsecas aos agrados e às mazelas dos homens. O autor sabia que criações como Odorico e Zeca Diabo tinham vida própria. Eram reflexos de criaturas humanas reais. Prova disso é um pedido feito pelo jornal "O Estado de S. Paulo", que, em 1982, solicitou ao autor uma entrevista com o prefeito da fictícia cidade de Sucupira, protagonista da telenovela "O bem-amado" (1973). "Achamos que esse personagem não deve mais ficar restrito ao setor de variedades dos jornais; deve, também, entrar no espaço da política", dizia o documento.

Esta publicação parte do desejo em comum de trazer alguns desses personagens para a realidade e inseri-los na sociedade atual. Nas próximas páginas você lerá entrevistas com Zé do Burro, Viúva Porcina, Dulcineia Cajazeira, Professor Astromar Junqueira e os já citados Odorico Paraguaçu e Branca Dias, abordando questões

como política e corrupção, religião e crença, machismo e feminismo, desigualdade social e ganância.

Para tal, atores e atrizes desta geração foram convidados a personificar essas criações em suas próprias versões. O resultado são diálogos fantasiosos cujo conteúdo não reflete, obviamente, a opinião dos organizadores desta exposição e pode até parecer verdade, mas é mera ficção. Convidamos você, leitor, a questionar: por que paradoxos e absurdos como os trazidos por esses personagens se naturalizam na nossa sociedade? Como a arte e a cultura podem continuar contribuindo para o debate social?

O programa "Ocupação Itaú Cultural" homenageia artistas e intelectuais brasileiros, estimulando o diálogo com novas gerações por meio do espaço expositivo e de ações on-line, como o site itaucultural.org.br/ocupacao. Nesta 57ª edição, no ano do centenário de Dias Gomes, celebra-se um autor que, sobretudo, tinha uma visão crítica — para alguns, subversiva. Fez do teatro e da televisão lugares para debater o político e o popular, a crença e o fantástico, o herói trágico e o humano.

ITAÚ CULTURAL

Páginas iniciais da peça "Odorico" com observações à mão do autor, em que estuda possibilidades para o título e nomes dos personagens | Acervo Dias Gomes

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