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Nelson Motta, sem nostalgia, mas com muita história

Compositor, escritor, produtor, crítico e jornalista faz 70 anos e dá de presente ao público um disco, um livro e um novo espetáculo

Por Guilherme Scarpa, do Rio

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Nelson Motta fez 70 anos em outubro. E não quer nem saber do papo de saudades “daquele tempo”. “Tenho horror de nostalgia, talvez porque tenha vivido intensamente cada fase de minha vida. Não há nada que envelheça mais corpo e alma do que isso (apego ao passado)”, define o mestre, um craque nas onze que acumula funções de compositor, produtor musical, escritor, apresentador, jornalista... Múltiplo, inquieto, está às voltas com o lançamento de um novo livro (de crônicas antigas), de um espetáculo sobre Wilson Simonal e do álbum “Nelson 70”, no qual reúne sucessos que compôs ao lado dos amigos e parceiros Rita Lee, Lulu Santos, Marisa Monte e Djavan, nas últimas quatro décadas, e que o obrigam, aí, sim, a dar um passeio (rápido e sem nostalgia) pelo passado.

“São 14 canções em novas gravações”, ele se apressa em explicar. Para cantar “Perigosa”, parceria sua com Rita Lee e Roberto de Carvalho e hit das Frenéticas, Nelsinho – como é chamado pelos amigos – convidou Ana Cañas; “Dancin' Days”, tema da novela homônima, ficará com Gaby Amarantos; quem vai cantar “De repente, Califórnia”, uma das muitas canções feitas com Lulu Santos, é Céu. Só gente boa e cheia de frescor.

Dos parceiros todos com quem já trabalhou, Nelson nem tenta esconder sua predileção por Lulu. “Fazer música com ele era uma delícia. O cara sempre tinha algo novo para mostrar e parecia ter encontrado um formato perfeito para a sua forma de compor. O primeiro grande sucesso foi um bolero, com um tempero havaiano, produzido por Liminha e chamado 'Como Uma Onda'. Lulu e Scarlet (Moon de Chevalier, falecida companheira de vida do cantor e compositor carioca) adoraram, era puro pop. Mas, depois de pronta, achei que a letra poderia parecer meio metida a filosófica e pretensiosa e acrescentei o subtítulo 'Zen-surfismo', quase como uma piada com a própria letra. Como dizia Rita Lee, e sempre acreditei: 'Brinque de ser sério, leve a sério a brincadeira'”, conta.

Associado à UBC, que representa suas dezenas de canções, Nelson se diz mais tranquilo com os rumos da arrecadação e da distribuição de direitos autorais. “Estamos avançando na direção de cada vez mais transparência da administração e de eficiência nesse sentido. Houve uma boa melhora, com a ampla discussão pública do papel, dos métodos e da atuação do Ecad”, descreve o multiartista, para quem o aprimoramento da atuação das entidades só tende a beneficiar o mercado e os criadores.

No campo da literatura, onde tem militado com mais desenvoltura nos últimos anos, apesar de se dizer um aficionado por ficção, Nelson vai resgatar seu lado jornalístico no livro que está terminando de escrever. “São 30 crônicas escritas, agora costuradas por notas e outras histórias de colunas que publiquei na imprensa desde 1966. O resultado são 50 anos de intimidade com a música e a cultura brasileiras, narrados por um repórter cuja história se mistura com a de suas reportagens”, ele define.

Nelson sabe o que diz. Nas últimas cinco décadas, o produtor e escritor esteve dentro e fora de muitas histórias emblemáticas da música, do teatro e da televisão. Ele se envolveu com Elis Regina, foi “brother” de Tim Maia, teve duas filhas (Esperança e Nina) com a atriz Marília Pêra e é o grande responsável pelo descobrimento de Marisa Monte, há 25 anos: “Era uma profecia fácil, bastava conhecer um pouco de música e ter alguma experiência, porque era evidente o talento da Marisa. Tinha certeza, desde o início, de que ela também seria muito forte internacionalmente”, conta Nelsinho, que ganhou um presente dela para o álbum “Nelson 70”.

“Produzi seu primeiro disco, ela se tornou uma ótima compositora e uma grande estrela no Brasil e no exterior, e ficamos amigos para sempre. Agora, 25 anos depois, ela me ofereceu uma linda melodia, em parceria com César Mendes, que remete a clássicos da música brasileira dos anos 40 e de sempre, e fizemos juntos uma letra sobre a fugacidade dos mistérios, das certezas e do tempo”.

Fazer música com Lulu Santos era uma delícia. O cara sempre tinha algo novo para mostrar e parecia ter encontrado um formato perfeito para a sua forma de compor.”

Elis Regina

Elis Regina

Lulu Santos

Lulu Santos

Scarlet Moon

Scarlet Moon

Já quanto a Elis, que ele conhecia intimamente, é difícil arriscar o que estaria cantando hoje, se fosse viva. “Se ela não sabia dizer o que cantaria na semana seguinte de um show, quem sou eu para um atrevimento desses?”, divertese ele, que escreveu, com Patricia Andrade, o espetáculo “Elis, a Musical”, ajudou a garimpar a talentosa Laila Garin, intérprete da Pimentinha no teatro, e agora a cantou para cantar “Noturno Carioca”, música que fez com Erasmo Carlos.

De quem ele mais sente saudades é de Tim Maia, e esse sentimento se traduziu no grande sucesso “Vale Tudo, o Musical”, espetáculo também escrito por Nelson e responsável por revelar outro grande talento dos palcos e das telas nacionais, o ator e cantor Tiago Abravanel. “Sinto falta do Tim pelo seu humor, pela sua liberdade transgressora, sua inteligência politicamente incorreta, sua alegria musical... Hoje todo artista parece que trabalha para sustentar o seu trabalho social”, alfineta.

Ainda assim, Nelson discorda de quem acha que a MPB esteja pobre. “Acho que há muito barulho, o que dificulta a descoberta de boas músicas. Mas sempre foi assim, só uma parcela mínima é aproveitável e se torna parte da vida das pessoas, da cultura do país”, o mestre analisa.

Ele revela que tem tido preguiça dos grandes ídolos do momento. “Atualmente, a música popular de massa não me interessa. Acho que há muitos artistas novos bons, como Criolo, Emicida e João Cavalcanti, e muitos de outras gerações que continuam produzindo com alta qualidade, como Chico (Buarque) e Caetano (Veloso)”.

Entre as muitas funções que desempenha, Nelson Motta, que estreia até o fim do ano um novo espetáculo, agora sobre a vida e a obra de Wilson Simonal, prefere mesmo seu lado literário hoje em dia. “De tudo que faço, aquilo de que mais gosto é escrever. Sozinho, em casa, tranquilo, com tempo para reescrever muitas vezes. De preferência, ficção”, diz o autor de nove livros que celebra sete décadas de uma existência com o que tem de melhor: sua obra profícua.

Tim Maia

Tim Maia

Gaby Amarantos

Gaby Amarantos

Roberto Carlos e Caetano Veloso

Roberto Carlos e Caetano Veloso