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Trilha de fundo, emoção na linha de frente

Profissionais desvendam gênero artístico que reúne música, voz, ruídos e inúmeros efeitos sonoros para dar mais vida e emoção a filmes, novelas, programas jornalísticos, peças de teatro e muitas outras atrações

Por Bruno Calixto, do Rio

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Na infância, o produtor e compositor carioca Pedro Guedes se sentava, vidrado, diante da TV para curtir seus programas favoritos. Mas do que ele se lembra com especial emoção, mesmo, é das trilhas sonoras de filmes como “Indiana Jones” e “Blade Runner”, do seriado “O Tempo e o Vento” e até do “Globo Repórter”. “Ficava morrendo de medo. As notas da abertura (do jornalístico da TV Globo) são muito tensas”, diz. Coincidência ou não, o arranjo hoje no ar no programa noturno das sextas-feiras tem solo de guitarra de Pedro.

Por trás de uma bela ou eletrizante imagem na TV, o chamado background envolve o telespectador mais do que ele é capaz de imaginar. E essa mágica é fruto de um rico processo de produção, muitas vezes feito antes mesmo de a obra visual ganhar um roteiro.

Outro craque no ramo é o também carioca Fernando Moura, compositor de trilhas independente que trabalha para várias emissoras de TV, abertas e por assinatura, diretamente ou por meio de produtoras de vídeo. “Cada uma delas tem uma especificidade, mas todas são unânimes na urgência das entregas”, ressalta o criador e pianista, que assina projetos para Globo, TV Brasil e TV Record.

De Paris, onde está em temporada de shows com o percussionista Ary Dias, ele conta que começou a compor trilhas sonoras originais para teatro no final dos anos 1970. A estreia foi numa montagem de “O despertar da primavera”, encenada por Miguel Fallabella, Daniel Dantas e Maria Padilha. A atriz, aliás, estudou com o compositor e o convidou a compor as músicas da trama.

“Sempre gostei muito de compor, tive aulas de composição e arranjo com o Guilherme Vaz, um compositor incrível de música para cinema”, lembra. “A partir dos anos 80, comecei a fazer trilhas para curtas e filmes publicitários com diretores como Ricardo Miranda, Sargentelli Filho e Carlos Manga.”

Daí em diante, foram mais de 15 longas, com direito a graduação em música para cinema, TV e multimídia na Grã- Bretanha. O ingresso na TV veio no fim dos anos 90, no Canal Futura. “Com o crescimento da TV a cabo, ampliei bastante minha área de atuação, trabalhando para canais como GNT e MultiShow. Em 2008, Fernando Moura faturou o prêmio Coral do Festival de Havana pela trilha do filme “Maré, Nossa História de Amor”, de Lucia Murat. Mês passado, o compositor teve trabalho apresentado no Festival do Rio: a trilha do longa “O Estopim”, de Rodrigo Mac Niven.

Compositor de algumas séries da TV Globo, como “Doce de Mãe”, de Jorge Furtado e Ana Luiza Azevedo, o gaúcho Maurício Nader é outro que faz mágica para envolver o espectador por meio da música. Ele atua diretamente com os diretores e criadores do roteiro, e, segundo conta, vai construindo o conceito da trilha antes e ao longo das filmagens – e até mesmo durante a montagem dos programas. “As trilhas já vão prontas junto com tudo para a aprovação da emissora”, explica.

Seguindo mais pelo viés do jornalismo, Pedro Guedes atua com trilhas para a Globo News e a TV Globo. “As demandas são muito variadas, e precisamos estar preparados para compor e produzir todo tipo de música. Essa pluralidade é o que mais me encanta. Ao mesmo tempo, é uma das partes difíceis do trabalho. Quando há um prazo maior, eu recebo o programa editado e componho a trilha sonora vendo as imagens. Porém, na maioria das vezes, não há tempo para isso, e a trilha é feita de acordo com um briefing ou um roteiro”, explica.

Ele é autor de 40 temas utilizados na Copa do Mundo de 2014, entre eles a música do clipe de abertura do sorteio da Fifa, transmitido para o mundo todo. “O mar, a natureza e, depois, a própria cidade e suas luzes sempre foram fontes de inspiração.”

Além do cinema, da televisão e do rádio, o conceito de trilha sonora tem se ampliado e vem sendo aplicado a videogames, aplicativos para celular e, claro, produções audiovisuais para a internet. Com a convergência tecnológica e o crescimento desse mercado, cada vez mais são necessários profissionais preparados, equipados e criativos.

“O profissional de trilhas não pode se dar ao luxo de não estar inspirado. Todo dia é dia de compor. Com o tempo, essa pressão vira parte da rotina, mas é uma dificuldade”, pondera Guedes, defensor do estudo de matérias tradicionais, instrumentos, teoria musical, técnicas de produção, softwares e, claro, gêneros musicais de todo o mundo. “É imprescindível gostar de estar no estúdio. Você acaba morando lá. Eu adoro!”

Na era digital, campo de atuação ganha novas possibilidades, como videogames, aplicativos para celular e produções audiovisuais para a internet

Nader vai na mesma linha: “Procuro me capacitar estudando, explorando, observando e ouvindo. Mas, como vamos distinguir um músico profissional de um amador? Pela capacidade de tocar um instrumento, pelo dinheiro que ganha ou não, por uma carteirinha no bolso ou por um diploma? Tudo isso é muito complicado de avaliar”, cogita o gaúcho.

Envolvido em projetos da Casa de Cinema de Porto Alegre (de Jorge Furtado), como o filme “Homens de Bem”, Nader, como Fernando Moura, ingressou no ramo a convite. “Sempre gostei de trilhas e comecei fazendo para uma peça de teatro a convite de outro amigo músico envolvido na produção. Um convite foi, então, levando a outro...”

Também parceiro de Jorge Furtado, Leo Henkin crê que o mercado para trilha sonoras engordou nos últimos anos, mas prega uma necessidade de maior profissionalização: “O mercado não aumenta apenas devido ao crescimento da produção do cinema brasileiro, mas também dadas as novas demandas para televisão e internet. Porém, esse crescimento não se traduz exatamente numa profissionalização do mercado, que carece de orientação, principalmente em relação a valores para produção, criação, músicos, arranjos e direção musical.”

Atualmente, existem cursos de formação destinados a profissionais de música, áudio, DJs e afins que, além de apresentar as técnicas de sincronização da música e do som nas diversas possibilidades de produtos audiovisuais, exploram as formas do fazer e a análise do que já é feito na área das linguagens multimídia. Qualquer que seja a formação, porém, os profissionais da área dizem ser fundamental ter versatilidade, rapidez e feeling para construir uma narrativa integrada e paralela à visual.

“Não adianta disputar com a obra ou com qualquer um dos seus elementos, como o diálogo, o som direto, os efeitos sonoros... É preciso entender a necessidade narrativa da obra e transformá-la em música para ajudar a história a percorrer o melhor caminho até o espectador. E bem rápido, que já estamos em cima do prazo (risos)”, brinca Moura.

No Brasil, a equipe envolvida na produção de uma trilha para TV, de um modo geral, é composta pelo compositor contratado para fazer a música original, o produtor ou supervisor musical, o diretor do programa, o diretor de núcleo ou supervisor de programação e a direção da emissora. Diferentemente do que ocorre em muitos países, o compositor é, muitas vezes, o próprio produtor fonográfico, eliminando intermediários e tornando o processo criativo mais célere, em linha com as exigências do mercado.

“Há uma vantagem no fato de o próprio compositor ser o produtor fonográfico, pois o compositor pode fazer tudo em seu próprio estúdio ou alugar um e trabalhar suas ideias num computador. A tecnologia facilitou muito as coisas nesse sentido, gravar não envolve mais o que seria o processo fonográfico, em que apenas um especialista na área poderia fazê-lo. Além disso, o produtor fonográfico, em alguns casos, é um cargo burocrático em que uma pessoa acaba obtendo boa parte dos rendimentos dos direitos de uma música sem ter participado do processo em momento algum”, considera Maurício Nader. “Em alguns trabalhos, faço tudo até por necessidade de adequação ao orçamento e ao prazo, em outros tenho a possibilidade de gravar com outros músicos, fazer arranjos para cordas, sopros...”

Esse crescimento não se traduz exatamente numa profissionalização do mercado, que carece de orientação, principalmente em relação a valores para produção, criação, músicos, arranjos e direção musical.”

Leo Henkin

UBC cria núcleo de TV

Um nicho de mercado com características específicas exige uma equipe especializada e ágil. Por isso, a UBC criou um núcleo destinado à TV coordenado pelo gerente de atendimento Márcio Ferreira. Os profissionais envolvidos acompanham minuciosamente o que é executado a fim de fazer os repasses de pagamentos de modo justo e fidedigno aos associados que compõem para programas de televisão e cinema. "Além do acompanhamento detalhado, mantemos contato muito próximo com os titulares que atuam na área do audiovisual para que eles tenham seus rendimentos maximizados e recebam seus pagamentos em dia", afirma o gerente de operações, Fábio Geovane.

Entre as principais atividades, Márcio Ferreira inclui a análise da programação dos canais abertos e fechados, a criação de relatórios específicos para controle das execuções e o armazenamento de áudio dos fonogramas criados para programação das TVs.

A UBC tem atualmente 17.524 titulares associados nas diversas categorias (autor, editor, intérprete, músico e produtor fonográfico), e qualquer um deles pode vir a ter uma obra usada em um trabalho audiovisual, por isso a necessidade de um monitoramento constante. Segundo Geovane, depois da criação do núcleo de TV em maio, o serviço melhorou, e a quantidade de titulares desse nicho específico também aumentou, uma vez que o bom serviço acabou atraindo mais associados.