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Pelo país: 30 anos depois, a poeira não baixa

PELO PAÍS

30 ANOS DEPOIS, A POEIRA NÃO BAIXA

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Timbalada celebra três décadas de um movimento que mudou tudo e que, apesar da pausa pandêmica, ainda tem muito o que dizer

por_ Luciano Matos de_ Salvador

A poeira avermelhada que subia do chão podia ser vista de longe. Jovens pretos eufóricos dançavam ao som de uma percussão diferente e cheia de suingue. Incrustadas entre prédios de classe média, as ruas enladeiradas e sem asfalto do Candeal abrigavam todo domingo o impacto vindo de 400 percussionistas. Era verão de 1991, e a Timbalada imprimia suas primeiras batidas naquele bairro no miolo de Salvador.

Há 30 anos, os moradores e visitantes daquelas ruas de barro assistiam ao início de uma banda que revolucionou o lugar e a própria música baiana. Capitaneado por Carlinhos Brown, o grupo seguia a linguagem afro-percussiva que dava as rédeas no cenário musical de Salvador. Com vários sucessos, dezenas de discos e centenas de integrantes em sua história, três décadas depois, o grupo se mantém na ativa, com Brown à frente e cheio de planos.

Para seu criador e mentor, a Timbalada não é nem nunca foi apenas uma banda, é um “movimento permanente”. “O que a faz durar é esse contínuo olhar para frente, que é uma forma de reverenciar seu passado, pois seguir em frente faz parte de nossa força ancestral. O futuro é essa ancestralidade em continuidade”, diz.

Afrofuturista muito antes de se falar disso, o grupo trazia uma percussão tribal misturada com eletrônica, elementos novos e pós-modernos.

Temáticas que iam da história negra ao cotidiano do indivíduo diaspórico em sua diversidade, o visual com pinturas brancas nos corpos negros como opção estética e econômica, a sonoridade com elementos percussivos à frente, com os instrumentos harmônicos servindo como ornamentos: tudo remetia à crueza dos blocos afro, mas num diálogo mais amplo e com outras referências.

Integrante da fase inicial da Timbalada (entre 1995 e 2001), o músico Roberto Barreto, guitarrista e criador do BaianaSystem, destaca o caráter inventivo do grupo. Para ele, a Timbalada chamou atenção desde o início justamente por ser uma banda essencialmente percussiva, quase como uma orquestra, mas pensada de uma maneira pop. “Era pop em todos os sentidos: na informação visual com as pinturas, na forma como s e posicionava no palco, no repertório, no flerte com a MPB e até com o rock nacional”, lembra.

Não à toa, nomes como Marisa Monte, Nando Reis e Jorge Ben Jor colaboraram. “Dialogávamos também com o que aconteceu com o mangue beat, com Chico Science & Nação Zumbi, com a presença dos tambores e mais as guitarras, os sopros”, ele continua.

QUEREMOS LANÇAR NOVAS MÚSICAS, FAZER SHOWS, CORRER O MUNDO. SEGUIMOS CRIANDO E ESTUDANDO

Carlinhos Brown

PERCUSSÃO INOVADORA

A Timbalada incorporava as tradicionais percussões afro-baianas e latinas, misturando tudo com um tempero especial. O exemplo maior da sua inventividade foi o uso do timbau. O instrumento costumava ser tocado na horizontal com apenas uma mão. Por criação de Brown, passou à vertical e incorporou o toque com as duas mãos.

A Timbalada também inseriu instrumentos como bacurinha, torpedo, pernoso e três surdos. “Foi Brown quem criou a bacurinha. Quando eu vi esse instrumento pela primeira vez, fiquei louco. Acabei trazendo para o pagode”, conta Márcio Victor, criador e mentor do Psirico, que começou na Timbalada, da qual, diz, o atual pagode baiano extrai sua grande influência.

NOVOS HORIZONTES

Parada devido à pandemia, a Timbalada não realizou comemorações para marcar os 30 anos. “Mas queremos lançar novas músicas, fazer shows, correr o mundo e dar a volta no Guetho. Seguimos criando e estudando”, afirma Carlinhos Brown. “Também temos toda a espiritualidade do tocar dos tambores a ser respeitada em seus tempos. Temos licenças a pedir. Temos de aceitar os momentos em que é preciso silenciar também. Apurar as escutas, tentar mostrar as potências e levar essas potências ao nosso público de novas maneiras.”

SUCESSO ALÉM DO CANDEAL

Ainda no início dos anos 1990, as músicas da Timbalada aos poucos saíram do Candeal e ganharam as ruas da capital baiana – e o mundo todo. O primeiro álbum, homônimo, com a antológica capa com os seios da cantora Patrícia pintados, foi lançado em 1993. Reunia alguns dos hits históricos, como “Beija-Flor”, “Canto pro Mar” e “Toque de Timbaleiro”, além de músicas de Jorge Ben Jor (“Emílio”) e Nando Reis (“Itaim para o Candeal”). Foi indicado pela revista norte-americana “Billboard”, naquele ano, como “o melhor CD produzido na América Latina”.

Foi no álbum seguinte, “Cada Cabeça é um Mundo”, que a banda alcançou um sucesso maior. Lançado em 1994, reunia hits como “Namoro a Dois”, “Sambaê”, “Se Você se For”, “Camisinha”, e, especialmente, “Toneladas de Desejo”. A música ficou entre as cem mais tocadas nas rádios do país em 1995 e chegou a ganhar uma versão com Marisa Monte nos vocais.

Nestes 30 anos de atividade, foram 11 discos de estúdio, além de outros ao vivo e de remixes. Em todas elas, boa parte das músicas eram de autoria do mentor, Carlinhos Brown, autor de vários dos clássicos da banda, sozinho ou em parceria.