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Capa: A hora da Rainha

CAPA

A HORA DA ESTRELA

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Parceira de Dominguinhos e compositora de centenas de canções, Anastácia tem o merecido reconhecimento e recebe o primeiro troféu Tradições UBC

por_ Chris Fuscaldodo_ Rio

No dia em que subiu ao palco do Canto da Ema, em São Paulo, para receber o troféu na primeira edição do Tradições UBC – em uma live transmitida pelo YouTube –, fazia um mês que Anastácia tinha completado 81 primaveras. Sua atividade intensa na composição e nos palcos do Brasil há quase seis décadas lhe rendeu anos atrás o título de Rainha do Forró. Anastácia apresentou alguns de seus maiores sucessos no Arraiá UBC no dia 30 de junho, estreando o evento que tem como objetivo reconhecer artistas e movimentos artísticos que contribuíram com a música popular brasileira.

“Nada mais revolucionário do que uma tradição que se renova”, ela disse, citando o presidente da UBC, Paulo Sérgio Valle. “Que esse troféu tenha vida longa, porque tem muito tempo ainda pra gente aplaudir os grandes talentos musicais do Brasil”, ela disse, durante a apresentação de “Sorriso Cativante”, parceria com Dominguinhos.

Se fosse por sua certidão de nascimento, Anastácia teria entrado na festa junina que sediou o Tradições UBC com 80 anos recémcompletos. Mas a cantora e compositora pernambucana, radicada em São Paulo, já começou sua vida tendo história para contar: seus pais a registraram no ano seguinte ao seu nascimento. Esse e outros “causos” inspiram tanto a artista que, desde os 15 anos, ela os coloca, à sua maneira, nas músicas que compõe. “A música é uma terapia para o espírito. E estou firme e forte, aos 81 anos, sempre vivendo dela e levando-a por todo esse Brasil afora”, exclamou Anastácia logo após a primeira canção, “Paguei Pra Você Tocar”, também parceria com Dominguinhos.

Essas são só duas das mais de 250 colaborações que Anastácia tem com o acordeonista, com quem viveu um romance por 12 anos. Sem dúvida, ele foi seu parceiro mais constante entre os anos 1960 e 1970. No entanto, a dor da separação não só fez a artista não parar, como a inspirou a seguir compondo cada vez mais forrós, boleros, baladas e até sambas. Foi esse rico histórico que a levou a ser escolhida como primeira homenageada do Tradições UBC. O diretorexecutivo da UBC, Marcelo Castelo Branco, explica: “O Brasil é um país continental, e a cultura regional precisa ser valorizada por sua natureza e potencialidade que, muitas vezes, extrapolam os limites geográficos.”

VIVO O PRESENTE PENSANDO NO FUTURO. O QUE SERIA DA VIDA SE NÃO FOSSE O SORRISO, A ALEGRIA?

Anastácia

A produção da Rainha é tão vasta que, hoje, segundo dados do Ecad, Anastácia está entre as dez compositoras com maior número de obras registradas: entre as autoras de canções da música popular brasileira, ela é a segunda (as outras oito produzem muito porque trabalham com trilha sonora). Com 635 composições registradas – e outras dezenas sem registro –, Anastácia perde inclusive para poucos homens da MPB. Gilberto Gil é um dos que têm poucas obras mais do que ela. Responsável pelo grande sucesso de uma canção da dupla Anastácia e Dominguinhos – ele gravou “Eu Só Quero Um Xodó” em 1973 e alçou o nome da dupla para fora do circuito do forró –, Gil celebrou Anastácia, em vídeo, durante o Arraiá:

“Compositora extraordinária, de uma sensibilidade incrível para as coisas singelas da vida, com uma capacidade de descrever os meandros das tramas amorosas, entre as pessoas (de maneira) simples... Nordestina daquelas, maravilhosa Anastácia!”, disse o baiano, deixando escapar que fará uma participação no próximo álbum da cantora.

Gil conviveu com Dominguinhos nos últimos anos que o acordeonista passou com Anastácia, e outros anos mais. Hoje, faz parte de sua banda um pupilo do sanfoneiro, Mestrinho, que também subiu ao palco para tocar com Anastácia. “É um prazer imenso estar aqui, ao lado de um patrimônio da música brasileira. A admiração é muito grande”, disse Mestrinho, antes de tocar e cantar o sucesso “Contrato de Separação”, também composição da dupla.

Narrador do evento, que contou com Paula Lima na apresentação, Alceu Valença foi outro a se derramar em elogios à Rainha do Forró: “Compositora maravilhosa, Anastácia merece ser homenageada”, disse.

Da diretora da UBC Paula Lima, que também soltou a voz com a homenageada, saiu a lembrança de que Anastácia “sempre esteve à frente do seu tempo”: “Mais do que nenhuma outra mulher, ela representa todas as compositoras e artistas do Brasil.”

Hoje ela recebe homenagens que coroam sua bela carreira e a representatividade que traz às mulheres criadoras. Mas, na década de 1960, viu como seu próprio nome de batismo – Lucinete Ferreira – foi trocado por seu produtor para Anastácia sem sequer avisá-la. Só soube ao vêlo impresso na capa do disco.

Lucinete nasceu em Pernambuco, em 1940, e escreveu sua primeira música quando já era cantora de rádio. Com a mudança para São Paulo, as portas se abriram para seu canto. Só não demorou mais para que ela pudesse se impor como compositora porque “a baianinha” – como era chamada pelos sudestinos que não entendiam a diferença – já era arretada e não deixou seu companheiro calar seu dom.

“Um dia fiz um samba e mostrei para Venâncio, meu companheiro e meu produtor. Ele rasgou, jogou na lixeira e disse: ‘Presta não, minha fia!’ Catei o papel, colei e, um dia, mostrei ao sambista Noite Ilustrada, que gravou ‘Conselho de Amigo’ em um disco dele. Foi a primeira vez que ganhei algum dinheiro com uma composição. Venâncio só foi saber depois que pegou o disco na mão e viu meu nome nos créditos”, conta Anastácia, que não para de criar.

“Vou fazer mais discos. Um, depois outro, depois outro. O que eu puder fazer para tirar as minhas músicas da gaveta eu farei. A gente nunca sabe o que está para acontecer, mas eu vivo o presente pensando no futuro, sem deixar de curtir também a saudade, que muito aparece em minhas canções”, diz a artista, entregando um pouco de sua fórmula: “O que seria da vida se não fosse o sorriso, a alegria?”

A partir do alto, Anastácia e os convidados – Mestrinho, Paula Lima, Mariana Aydar e Zeca Baleiro – em diferentes momentos da noite; à direita, ao lado de sua neta e empresária, Carol Albuquerque, e do sobrinho e stylist, Lucas Ferreira

UMA FESTA EM FAMÍLIA

Foi uma festa em família – pela união dos artistas presentes em torno do universo nordestino e junino e também pela participação de familiares de Anastácia.

A Zeca Baleiro, Mariana Aydar, Mestrinho e Paula Lima, que cantaram com a Rainha, se somaram a filha dela, Liane Ferreira, e a neta, Carol Albuquerque.

Ambas trabalham na produção de Anastácia, e Carol é ainda a empresária da cantora e compositora, além de ter sido a responsável pelo conceito da noite.

Muito ligada à avó, Carol foi a responsável por inventariar toda a obra dela e filiá-la à UBC, antes de começar a administrar o incrível patrimônio cultural criado pela artista.

“Anastácia é luz, ela brilha. Tem uma sabedoria que eu nunca vi em ninguém. Ela não fez o colegial, mas coloca a palavra paulatinamente numa música, e fica incrível. Quem faz isso?”, ri Carol.

Primo dela e sobrinho de Anastácia, Lucas Ferreira foi outro a participar do Arraiá da UBC. Stylist, ele é o responsável pelo visual da cantora e compositora nos dois últimos discos e nos shows – um conjunto estético marcado pela profusão de flores, elementos nordestinos, cores e uma evidente energia solar.

Exatamente como a energia da própria Anastácia.

VEJA MAIS A festa completa, no canal da UBC no YouTube ubc.vc/3w8y9kb

OUÇA MAIS Uma playlist com sucessos de Anastácia ubc.vc/3iaHlkq