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Criação Musical: Bossa Sempre Nova

BOSSA SEMPRE NOVA

Do Marrocos ao Japão, jovens artistascontinuam descobrindo e recriandoo gênero inventado por João Gilberto

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por_ Eduardo Lemos de_ Londres

Quando se lançou definitivamente para o mercado norte-americano com “Girl From Rio”, em abril, Anitta recorreu a uma jovem senhora prestes a completar 60 anos de vida: a Garota de Ipanema. A presença da canção de Tom Jobim e Vinícius de Moraes, lançada em 1962, em uma música pop de 2021 prova que a bossa nova ainda é o gênero musical brasileiro com maior abertura no mercado internacional.

Foi nos Estados Unidos, aliás, que a viagem da bossa pelo mundo ganhou impulso fundamental. Em 1962, João Gilberto, Antônio Carlos Jobim, Miltinho Banana, Luiz Bonfá, Carlos Lyra, Sérgio Mendes, Roberto Menescal e outros artistas brasileiros se apresentaram no lendário Carnegie Hall, em Nova York. O show foi registrado no disco “Bossa Nova At Carnegie Hall”.

Dali em diante, o gênero se espalhou, ganhou novas roupagens e, mais de meio século depois, continua inspirando artistas e produtores contemporâneos de diferentes partes do mundo – do beatmaker marroquino Saib (25 anos) à cantora e trombonista espanhola Rita Payés (21); da estrela mexicana Natalia Lafourcade (37) ao DJ francês Guts (50), passando pelo grupo de K-pop Twice.

No Japão, conhecido por ser o maior mercado de bossa nova fora do Brasil, a nova geração se inspira fortemente na estética do banquinho e violão. É o caso da rapper Mamiko Suzuki, de 25 anos. No mês passado, ela lançou “Jam”, canção que mistura bossa nova com batidas de hip hop e lo-fi. O Lamp, uma importante banda indie local, tem até uma música nomeada “Bossa Nova”, cuja batida caberia em qualquer pista de dança.

Outro representante desta cena é o projeto City Bossa, criado em 2020 pelo produtor brasileiro Renato Iwai e pela cantora nipo-brasileira Alice Cavalcante, ambos moradores de Tóquio. O disco “City Bossa - Live in Tokyo” saiu este ano pela Virgin Music local e traz composições próprias e versões de clássicos como “Desafinado” e “Garota de Ipanema” rearranjados com batidas eletrônicas. “A Alice cantava jazz e bossa nos maiores hotéis de Tóquio quando começamos a compor juntos. A busca por uma sonoridade mais moderna foi surgindo com muita naturalidade, porque trabalho há quase 10 anos produzindo pop, J-pop e K-pop”, conta Renato. Ele considera que “as melodias lindas, os campos harmônicos ricos e a forma percussiva de se tocar” são os principais fatores que mantêm a bossa nova interessante para as novas gerações.

Na Europa, diferentes lançamentos sugerem que a renovação do estilo também está em curso no velho continente. Em um documentário lançado em junho, o duo norueguês Kings of Convenience cita a bossa nova como principal inspiração para os arranjos de violão de seu novo disco. Já a estrela britânica Lianne La Havas afirmou que seu último álbum, lançado em 2020, foi “imensamente influenciado pela bossa nova”.

Foi em Londres, por sinal, que nasceu o duo Muca & La Marquise, formado pelo músico e produtor brasileiro Muca e pela cantora britânica Alice SK. A dupla vem lançando faixas de levada bossanovista e colhendo elogios da crítica local. A faixa “Until We Meet Again”, que saiu em junho, entrou para a seleta programação da rádio BBC. “Na Inglaterra, a bossa é muito forte nos espaços voltados ao jazz. Os músicos daqui ficam fascinados com os acordes e as progressões”, explica Muca.

Do outro lado do canal da Mancha, em Amsterdã, você pode encontrar uma cantora da Lituânia interpretando “Você e Eu” (de João Gilberto) ou uma artista italiana cantando “Eu Sei Que Vou Te Amar” (de Tom e Vinicius). Ao lado delas, com o violão na mão, certamente estará o músico e produtor brasileiro Breno Virícimo, conhecido por reunir artistas de diferentes partes do mundo para recriar os clássicos do gênero. “Na Europa, percebo que as pessoas se conectam mais à sonoridade da bossa nova do que às canções em si. Por isso, ela tem essa capacidade de se adaptar a novos estilos e roupagens”, explica Breno, que prepara um disco autoral com o cantor e compositor João Sabiá misturando bossa nova com ritmos contemporâneos.

FERNANDA TAKAI

A cantora e compositora mineira celebra a bossa nova em diversos discos, como “O Tom da Takai” e “Fundamental”, em parceria com o britânico Andy Summers.

O que explica o fato de a bossa seguir atual?

A bossa nova tem dois ingredientes mágicos e atemporais: elegância e muita personalidade. Ela se mistura bem com estilos diversos, mas seu DNA sempre salta aos ouvidos. Viajando pelo mundo, sinto muito orgulho em ouvir as canções de artistas com os quais tenho a felicidade de compartilhar estúdios e palcos hoje. Boa parte da turma da bossa nova continua com muita energia, gravando e produzindo álbuns, fazendo turnês... Todos eles são inspiração para qualquer artista.

Se, lá atrás, a bossa nova se tornou produto de exportação depois que passou pelos Estados Unidos, é neste mesmo país que o gênero encontrados seus números mais suntuosos.“Saudade Vem Correndo”, de Luiz Bonfá, aparece remixada no hit“Make Believe”, do cantor de hip hopJuice WRLD. A faixa tem mais de 150milhões de plays somente no Spotify.O cantor de indie pop Cuco fez sucesso sampleando músicas do gênero em “Bossa No Sé”, que já chegou a 120milhões de plays. “A bossa nova tem uma raiz muito internacional porque a gente ouvia muito jazz”, explica Roberto Menescal, que estava noshow do Carnegie Hall em 1962 e hoje, aos 83 anos, continua se apresentando ao redor do mundo em shows que celebram a bossa nova. “É muito bom você saber que fez algo 60 anos atrás e que isso dá frutos até hoje, né?”

OUÇA MAIS Uma playlist com clássicos e novos hits de bossa nova no Spotify da UBC

OS MÚSICOS DAQUI (DE LONDRES) FICAM FASCINADOS COM OS ACORDES E AS PROGRESSÕES.”

Muca, do duo Muca & La Marquise

MESTRES E ATIVOS

Além da porção de jovens talentosos ao redor do mundo que mantêm viva a chama da bossa nova, nomes fundamentais da velha guarda – e que ajudaram a construir e estruturar o estilo mais internacional do Brasil – continuam na ativa.

A compor, gravar discos e, até antes da pandemia, sair em turnês mundo afora, estão alguns desses artistas, como:

• Carlos Lyra

• Edu Lobo

• Eliane Elias

• Frances Hime

• João Donato

• Joyce •

Leny Andrade

• Lisa Ono

• Marcos Valle

• Roberto Menescal

• Rosa Passos

• Sergio Mendes

• Toquinho

• Wanda Sá e muitos outros…