Cobaia #154

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Foto: Carolini Nandi

Umbanda

fraternidade, caridade e respeito ao próximo

Perfil

Resenha

O contraste social na história de duas mulheres que vivem em cidades próximas, mas em realidades distantes

Ozark, série da Netflix, mostra conflitos de uma família que se envolve com esquema de lavagem de dinheiro

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Pág. 14 Itajaí, Agosto de 2017 | Edição 154 DISTRIBUIÇÃO GRATUITA


Editorial Infelizmente, a intolerância tem se transformado em uma das características marcantes de nossa sociedade. Respeitar as diferenças é uma prática cada vez mais rara quando falamos em orientação política, sexual, religiosa. E quando não há tolerância, sobra discriminação, humilhação e violência. A popularização das redes sociais amplificou os discursos de ódio presentes em nosso cotidiano. O comportamento das pessoas nas redes assusta. É claro que a Internet não criou a intolerância, mas aumentou o alcance e naturalizou discursos racistas, xenófobos, homofóbicos, misóginos. Twitter, Facebook, Instagram,

EXPEDIENTE

blogs, sites viraram territórios de disseminação de conteúdos intolerantes. Um dossiê sobre a intolerância nas mídias digitais, produzido em 2016 pelo grupo ComunicaQueMuda, da agência nova/ sb, mostra o quanto esta realidade está presente na rede. Durante três meses, o grupo monitorou dez tipos de intolerância nas redes sociais: em relação à aparência das pessoas, às suas classes sociais, às inúmeras deficiências, à homofobia, misoginia, política, idade/ geração, racismo, religião e xenofobia. Os números são alarmantes. Foram analisadas 542.781 menções, e o percentual de abordagens negativas está acima de 84%. A ne-

gatividade nos temas que tratam de racismo e política são os mais expressivos, 97,6% e 97,4%, respectivamente. Entre os estados mais intolerantes, o Rio de Janeiro lidera em números absolutos, Santa Catarina aparece em oitavo lugar. Proporcionalmente à população, o Distrito Federal aparece como estado mais intolerante, SC salta para a terceira posição. Esses dados nos obrigam a refletirmos sobre o nosso comportamento perante às diferenças. Tolerar o próximo, mesmo que ele seja completamente diferente de você, é um passo fundamental para construirmos uma sociedade mais igualitária e menos segregadora.

Opinião Virose Na última hora daquele domingo, eu pensei que estava morto. A estrada era sinuosa. A terra no caminho ainda guardava as águas da chuva que caiu horas antes. Meus olhos viam coisas diferentes a cada piscada. As pedras arranhavam por fora o assoalho do carro recém comprado. Se havia água no ambiente, não havia em nossas garrafas. Uma casa de madeira manchada de lodo, com três ou quarto cômodos, abrigava um senhor grisalho, magro e com olheiras. Cachorros agitados nos recepcionaram. Vieram até nós ignorando a cerca enferrujada e falha que circulava o terreno. - Voltem para o carro, senão os cachorros pegam! -, disse o senhor antes de atender contrariado o pedido por água. Seguimos. E paramos. As minhas últimas refeições não queriam ficar dentro de mim. Elas preferiram a sacolinha na minha mão que agora guardava uma mistura de restos de alimento e suco gástrico. Em meus delírios, flashes do fim de semana vinham e iam enquanto minha cabeça tentava entender onde eu estava. Dois dias antes, as mesmas estradas tinham fitas vermelhas em cada bifurcação para marcar qual caminho deveríamos seguir para chegar ao nosso destino. Era um lugar cercado por montanhas e cortado por um córrego que vinha de uma nascente de água ali por perto. Chegamos no horário em que a lua iluminava o lago no centro do local. A luz da lua também chegava aos sapos, aranhas e mosquitos que habitavam o local junto com os seres humanos. Em humanos, éramos ainda onze. Nos tornamos vinte e sete na manhã seguinte. Todos jovens em idade. Todos agora sem sinal de celular. Conhecer outra realidade pode tornar outra pessoa independente? Alguém que vive essa experiência pode gerar um movimento de transformação? Essa pessoa pode se tornar um líder? O que é liderança? Foi a décima terceira vez que eu dediquei um fim de semana para pensar sobre essas e outras coisas. Se distanciar física e psicologicamente da rotina

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Agência Integrada de Comunicação

é um exercício interessante. Os jovens reunidos ali não pertenciam a religiões ou seitas místicas. Ou, pelo menos, isso não interessava naquele ambiente com cinco chalés coloridos que agrupavam os visitantes. Do lado de um celeiro com direito a galinhas, patos e cavalos, havia um projetor, uma caixa de som e uma ou duas pessoas que se revezavam para fazer os membros refletirem sobre o que eles estavam entregando para quem contrata os serviços da organização. Desde 1948 no mundo, 1970 no Brasil e 2011 em Balneário Camboriú e região, a AIESEC movimenta jovens membros voluntários ou viajantes que realizam intercâmbios profissionais e sociais ao redor do mundo. Naquele momento, porém, o que me interessava era manter as chamas acesas. O fogão à lenha na minha frente tinha que ser alimentado por uma madeira que também absorveu as águas da chuva. As refeições tinham que sair nos horários estipulados pela agenda. Eu e mais quatro pessoas éramos responsáveis por isso e por toda a logística e estrutura da conferência. O cheiro do café que mantinha os participantes acordados impregnava o ambiente da cozinha posicionada perto do córrego. A correria e as distâncias percorridas talvez centenas de vezes não combinavam com a brisa leve que tocava as árvores ao redor de tudo. O sol ora aparecia, ora era coberto por nuvens. Minha cabeça se dividia entre a desconexão de tudo e as responsabilidades urgentes que me apareciam. Um colapso emocional que eu nunca havia sentido nas outras vezes em que vivi esses fins de semana. Um novo cargo, um novo sentimento. De pessoa que apreciava fins de semana como esses, eu era agora um dos responsáveis por organizá-lo. As conferências sempre são em lugares assim. Dessa vez, foi na parte rural de Vidal Ramos. Lá eu vi e ouvi pessoas dispostas a falar sobre os problemas do mundo e como solucioná-los. Senti paz. Senti, assim como senti nas outras doze vezes, que todos ali, inclusive eu, sairíamos melhores. Mais

desenvolvidos. Mais preparados para enfrentar as situações que encontramos naquela rotina que deixamos de lado por um momento. Na hora de voltar à rotina, no entanto, a estrada foi maior que o esperado. Dentre vinte e sete pessoas, eu fui o único escolhido para viver uma experiência quase transcendental. No carro que deveria me levar de volta para casa, agora seguíamos em busca de um lugar que me trouxesse de volta para a realidade. Um hospital. Nas várias paradas para encher de líquido minhas sacolinhas, minha mente insistia em voltar para a conferência. Era como se eu tivesse em dois lugares ao mesmo tempo, enquanto meu corpo se recusava a viver o dolorido momento presente. Com as lembranças da conferência misturadas com a realidade que meus colegas do carro viam, eu tive acesso a uma quarta dimensão. Pude ver, através de um caminhão imaginário na frente de nosso carro, que os limites da realidade estão em nossas cabeças. Eu achei que estava morto, mas na verdade eu estava mais vivo do que de costume. Se aqueles jovens como eu querem tornar o mundo um lugar mais pacífico, depende da cabeça deles tornar esse sonho real. Porém, meu sonho naquele momento era encontrar um hospital. Isso dependia da motorista do carro e das distâncias entre a nossa rotina e o lugar em que fugimos dela. Soro na veia e medicamentos anestesiaram o problema. O diagnóstico médico apontou uma virose. Me recuso a acreditar. A cada movimento do carro na estrada, um sentimento novo. Uma lembrança diferente. A realidade distorcida me fez atingir pontos nunca antes explorados de mim. Não quero crer que uma palavra tão simples, virose, tire o brilho da experiência que vivi. Foi dolorido, mas me transformou na mesma intensidade das dores que senti.

Thomas Falconi 8º período de Jornalismo

UNIVALI - Universidade do Vale do Itajaí CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS COMUNICAÇÃO, TURISMO E LAZER Diretor: Renato Büchele Rodrigues CURSO DE JORNALISMO DA UNIVALI Rua Uruguai, 458 - Bloco C3 Sala 306 | Centro, Itajaí - SC - CEP: 88302-202 Coordenador: Carlos Roberto Praxedes JORNAL LABORATÓRIO DO CURSO DE JORNALISMO DA UNIVALI Edição: Gustavo Paulo Zonta Reg. Prof. Mtb/SC 3428 JP Tiragem: 1 mil exemplares Distribuição Nacional Projeto Gráfico: Vinicius Batista Gustavo Zonta Diagramação: Tatiane Decker Colaboração: André Pinheiro

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Foto: Mikael Melo

Do lixo ao luxo

Praias de Santa Catarina evidenciam contrastes sociais e econĂ´micos

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Foto: Mikael Melo

PERFIL

Eliz Haacke e Mikael Melo 6º período de Jornalismo

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lhando para o balanço do mar enlameado e pisando sobre os cascalhos da areia da praia. J. Batista da Silva (59), carioca da gema, resolveu se aventurar por terras catarinenses. O destino foi Tijucas, lugar simples, habitado por pouco mais de 30 mil pessoas no litoral do estado. Ao contrário de cidades próximas, que tiram o sustento do turismo marítimo, o município tem um oásis transformado em depósito de lixo e descarte de animais mortos. Ali, viver às margens do mar está longe de ser sinônimo de riqueza. A “Ju”, como é conhecida pelos mais íntimos, mora no bairro da Praça, a comunidade mais antiga do município. Bem próxima ao mar tijucano, a moradia dela é uma casa antiga de madeira colorida por amarelo desbotado. A enorme televisão e o potente aparelho de som da sala de estar contrastam com a casa minimalista de cinco cômodos pequenos, mas bem distribuídos. Junto com a matriarca, moram o marido “Rico” e o enteado recém separado Maicon. Eles dividem o terreno com o outro enteado,

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“Vandinho”, que vive com a esposa Ruara e a filha Maria Valentina. Cheia de misticismo, como sempre foi, a senhora Batista crê que a neta veio ao mundo com alguma missão divina. “Esses dias, a Ruara foi tirar fotos com ela na praia e em uma das fotografias deu pra ver a aura da criança”, relata. O nascimento de Tijucas se deu a partir desse bairro. Alguns estudos apontam que o fundador do município foi Sebastião Caboto, mas não há nada concreto. Segundo o historiador Odon Luiz da Luz, há relatos de transporte de colonos portugueses de 1748 até 1756 para a região. O nome da cidade não veio aleatoriamente. “Terra de lama” na língua tupi, era como os índios Carijós, primeiros habitantes catalogados, chamavam o pedaço de terra, ou melhor, pedaço de lama. Ao longo de seus 12 quilômetros, a praia de Tijucas é uma das maiores em extensão de Santa Catarina. O número é exorbitante ao ser comparado com outras praias que esbanjam turistas, como a de Bombas, na cidade de Bombinhas. Lá, a extensão não passa de 2 km. Entregue nas mãos de Deus, além de lama, a praia é repleta dos mais variados tipos de lixo, de bolas de futebol murchas até capacetes de motocicletas. Boa parte

da sujeira também vem do para o município, a lama é mar. Não existe nenhuma uma condição inevitável da construção que pare a sujei- natureza. De acordo com o ra antes de chegar em terra. oceanógrafo João Thadeu de Volta e meia, o lugar serve Menezes, a praia de Tijucas para queimar objetos e tam- é formada por sedimento labém já foi cenário de um moso e sedimento arenoso, assassinato. Em abril deste conhecida como formação ano, o corpo decapitado de de Chenniers. “É uma deum pescador foi encontrado posição de planície lamosa nas redondezas. intercalada por cordões areA situação que incomo- nosos. Na verdade, é um sisda os moradores da cidade, tema raro, sendo Tijucas um principalmente aqueles que dos únicos casos em todo o acordam de frente para o Brasil. Então, não é algo relamar marrom, cionado com o não surte efeilixo ou com os to no poder morros ao repúblico da mador da região”. A senhora neira desejada. Cerca de No Legislativo, 30 km distanBatista crê nenhum projete do território to que procure de lama, fica a que a neta mudar esse ceAvenida Atlânnário está em tica, em Balneandamento. O veio ao mundo ário Camboriú, Departamento lugar com uma de Meio Amcom alguma das praias mais biente do murequisitadas do nicípio reali- missão divina país. O preço zava limpezas por metro quaperiódicas na drado na cidade Copalama, apechega a custar lido irônico da praia, que faz R$ 9,4 mil. Esse é o maior vaalusão à Copacabana, no Rio lor entre as cidades de Santa de Janeiro, mas no último Catarina, segundo pesquisa mês não foi possível por falta da revista Exame. Nessa lode recursos. Narbal Andriani calização fica o edifício Saint Júnior é o responsável pelo Tropez, lar da Fabiana Ladi setor e afirma que Tijucas Benhke de Almeida (51), do ainda precisa do maquinário seu marido e do filho de 15 necessário. anos. Fabiana é diretora de um Mesmo com o desejo de colégio e de uma universidade melhorias, que resultariam particulares, em Itajaí, cidade em um salto econômico vizinha a Balneário Camboriú.

A rotina diária é quase uma maratona. Acorda todos os dias antes das 7h da manhã e só põe os pés no apartamento em que mora novamente às 23h30. Fabiana não abre mão dos almoços em família. De segunda a sexta-feira, sem exceção, os Almeida tiram pelo menos 1h para poder conversar e contar sobre o dia. Sobre esses momentos, ela é categórica: “Desliga o celular, desliga o Whatsapp, desliga tudo”. Comprado há cerca de 20 anos, o apartamento ostenta nas paredes e cômodos uma série de esculturas e pinturas. As aventuras nos leilões de obras de artes já renderam mais de um quadro do renomado Candido Portinari. O piano preto e brilhante da sala de estar é o xodó da matriarca, apesar de só conseguir tocá-lo nos raros momentos de folga. Além de uma escultura de Nossa Senhora na sala de cinema, a cozinha é outra espécie de santuário. Cozinhar nos finais de semana é regra obrigatória dos Almeida. Ao contrário do Saint Tropez, os edifícios e condomínios mais recentes de Balneário Camboriú são projetados para abrigar o máximo de estrutura possível para que os moradores não precisem sair de casa. O arquiteto Juliano Darós Amboni liga essa tendência a sensação de insegurança da população.


“O problema é que quanto mais se evita a rua, quanto menos gente a usa, mais insegura ela fica”. Se os moradores não circulam pela praia por medo, no verão pessoas de todas as partes lotam a cidade em busca de paisagens paradisíacas. A capacidade de uma cidade receber turistas envolve vários fatores, como espaço, balneabilidade, estruturas de apoio. Segundo João Thadeu de Menezes, se esses fatores não estiverem funcionando o meio ambiente acaba prejudicado. É o que acontece em Balneário Camboriú na temporada de verão. A produção de lixo e esgoto aumenta entre dezembro e março e o desequilíbrio ambiental é exemplificado no aumento da aparição de briozoários na Praia Central. Esses seres de pequeno tamanho provocam cheiro ruim quando acabam expostos à luz solar. A abundância de prédios gigantescos provoca hoje formação de sombras na areia da praia, tirando parte da beleza da cidade. Amboni conta que corredores de vento foram criados nas ruas transversais à praia, com isso o sol não atinge todos os terrenos. A maré a favor da natureza ficou escassa mesmo. Nas terras de Sebastião Caboto, altos prédios não são problema na vida da dona “Ju”. Com problemas renais, de coluna e psicológicos, os médicos acreditavam que ela não passaria dos 30. Aos 59, segue como o alicerce da família. Parte do sustento da casa vem dos bicos que ela faz. Um ali, outro lá. Na maioria das vezes, cuida de crianças de famílias pobres no entorno da praia. Há vezes em que o pagamento nem chega. A perspectiva de futuro é o bar que estão construindo ao lado da casa. A construção já está rebocada e até o final

do ano deve ser mais uma opção de lazer para os moradores da Praça. Manter-se livre da ação de bandidos é quase inevitável. Para pelo menos ter uma sensação de segurança, o muro é revestido no topo por um batalhão de cacos de vidro e três cães nada ameaçadores são os guarda-costas. A falta de atenção do poder público perpetua um bolsão de pobreza e falta de esclarecimento no entorno da Copalama. A terra de lama vira terra sem lei. De frente para o mar, Ju só sabe sentir saudade da terra natal. A crescente violência da região e o descaso dos políticos a deixam “arretada”. O clima está ficando pesado no bairro. “Tá igual favela já”, reclama ela. Quanto ao mar, a vida é essa. “Nego quer pegar um peixe e não dá pra pegar porque se entrar boia nessa lama suja”. O pouco dinheiro dos bicos que faz deixa Ju ainda mais distante da família no Rio de Janeiro. Fabiana não se preocupa com isso, mora mais perto dos familiares. Apesar dos pais morarem no Norte do estado, a distância entre eles não passa de 1h30. Bem diferente da senhora Batista, que levaria 13h46 minutos para chegar à terra natal. A diferença entre os locais é semelhante à quantidade de parentes: quem tem mais, mora mais longe; quem tem menos, mora em menor distância. Entre tantas diferenças, Fabiana e Ju se assemelham em algumas características. Ambas são apaixonadas pelas famílias e tiveram fortes alterações em suas vidas desde a mudança para perto da água salgada. Levam à risca aquela frase que em coração de mãe sempre cabe mais um. Apesar das tempestades da vida, elas não desistem, seguem em frente para garantir um lugar ao sol.

Foto: Mikael Melo

A senhora batista crê que a neta veio ao mundo com alguma missão divina

NOS EMBALOS DE JU Nas ondas da vida, J. Batista da Silva contabiliza mais ‘caldos’ do que drops. Hoje ela é diagnosticada com depressão e bipolaridade. Não é sempre que há dinheiro para comprar os remédios do tratamento. Ju é a caçula de sete irmãos e logo cedo perdeu a mãe. Em seguida, passou a sofrer na mão das madrastas. Seu pai teve várias delas. Uma conseguiu afundar o crânio de “Ju” com um cabo de vassoura. As marcas da agressão ainda são evidentes. Bem nessa época foi quando ela fugiu de casa e só voltaria para visitar o pai quando ele estava doente. “Eu aprendi tudo sozinha, não tive ninguém pra me ensinar. Antes eu era mais dura, mais rebelde. Com a idade estou ficando mais mole”, reflete. Para ela, a faculdade que nunca veio foi o aprendizado da vida. Perdeu a pureza e se casou antes de entrar na vida adulta, com 17 anos. Logo aos 21, ficou viúva. Do primeiro marido teve um aborto espontâneo, uma menina de 20 dias e um filho que morreu em acidente de trânsito. Uma tatuagem em suas costas morenas e enrugadas não deixa esquecer de “Lélinho”. O rosto do amado já não aparece como antes. Depois disso, teve mais dois maridos, o primeiro deles era homossexual e morreu de Aids, o segundo continua no Rio de Janeiro. Os quatro filhos biológicos, dois do segun-

do marido e dois do terceiro, também moram no Rio de Janeiro. Não fala com nenhum deles desde janeiro. A situação financeira apertou e não conseguiu pagar a conta de internet e telefone. Está há 10 anos sem vê-los, os netos nem conhecem a avó. As passagens aéreas são caras demais para a conta bancária dela. Além disso, ela assume que tem vergonha de voltar para a terra natal. A carioca já foi quase tudo nessa vida. Na época do Rio, foi camelô, limpou poços artesianos, lavou roupa encardida de peões dos estaleiros, era governanta de uma senhora montada em joias, foi selecionadora de discos na Rádio Roquette Pinto e cuidadora de idosos. “As únicas coisas que eu nunca fiz foi roubar do outro e rodar bolsinha por aí”. Foi trabalhando em uma fábrica de processamento de pescado que ela conheceu “Rico”, o atual marido. Dentre as coisas que o mar a trouxe está o quarto casamento. Ele era pescador e na época em que se conheceram, aproximadamente 30 anos atrás, se apaixonou pela carioca e a fez trocar Copacabana por Copalama. Os filhos ficaram no Rio 40 graus e aqui criou dois enteados. Para apoiar a cabeça dos meninos, eles construíram um pequeno cômodo de madeira no terreno que pouco custou. No começo não tinha água, luz e nem saneamento básico. Foto: Arquivo pessoal

NOS EMBALOS DE FABIANA O mar presenteou Fabiana com uma família adotiva. As pessoas do prédio em que vive tratam umas às outras com muita afeição. Os convites para eventos e os encontros na praia são mais comuns do que se imagina. Não é de hoje que a professora conhece essa relação entre vizinhos. A professora conta que desde pequena, quando ainda morava em Jaraguá do Sul, os vizinhos também compartilhavam deste espírito familiar. A frase “olha, estou indo viajar, dá uma olhadinha na casa” é muito comum na vizinhança, que com o tempo e convivência se transformou em uma grande roda de amigos. Os 22 andares do edifício em que reside contam apenas com 15 famílias na baixa temporada, mas essa redução no tamanho de amigos presentes não diminui o sentimento. A história da educadora com o mar é antiga. Ainda quando criança, os pais fugiam de Jaraguá para aproveitar as férias com a família no litoral catarinense. A paixão pelo mar cresceu dentro de Fabiana. Ao longo da vida ela conheceu Álvaro, com quem se casou e hoje divide o sonho de morar de frente para o mar. Ele

era tão apaixonado pelo mar quanto ela, os dois sempre partilhavam da afinidade pelo oceano. Quando a vida melhorou e a oportunidade surgiu, se mudaram para perto da maior beleza catarinense. “A minha cama é voltada para o mar, a primeira coisa que eu vejo quando eu acordo, além do marido (risos), é a praia. Eu fico fascinada pelos tons, pelo navio chegando”. Acordar com tamanha beleza batendo a porta dá um gás para ela aguentar firme até 23h30. Quando chega do trabalho, ainda animada e de bem com a vida, aproveita para caminhar pela orla da praia. Ela garante que sente tranquilidade e segurança para praticar uma atividade física tão tarde da noite. Mas afirma que toda essa calmaria só existe na Atlântica. “Você dobra a esquina e vê outro mundo, pouca iluminação além das lâmpadas serem fracas. É outra realidade”. Em meio a tanta beleza, com certeza Fabiana não se arrepende de estar onde está e faria tudo de novo. “O que me agrada na praia é o ritmo de vida que eu e meu marido temos de trabalho. A praia relaxa. A praia me acalma. A praia me descansa”.

Fabiana tem uma forte relação com o mar AGOSTO | 2017

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SAÚDE

Gravidez desconhecida

Em menos de 24 horas, Morgana Kelly Garcia descobriu estar grávida e deu à luz ao seu filho Matheus Paula Dagostin 7º período de Jornalismo

Estava deitada sobre a maca. O médico fazia um ultrassom intravaginal, quando virou-se para a enfermeira e disse: - Está muito grande, teremos que fazer o ultrassom no abdômen. Várias possíveis doenças passaram pela mente de Morgana, até que perguntou ao médico: - O que está muito grande doutor? A resposta que viria a seguir, lhe colocaria em choque. Com naturalidade, o médico respondeu: - Seu bebê! Você está grávida de provavelmente nove meses. A chamada gravidez silenciosa, quando a mãe não tem ciência e descobre já em estágio avançado, costuma ser vista como mentira da mulher e custoso de acreditar até mesmo para obstetras. A ginecologista e obstetra Maria Paula Ost Van-Gysel tem dificuldade em crer que uma gestante não saiba da gravidez, devido aos diversos sintomas que acompanham a gestação. “Acho muito difícil, pois ocorrem mudanças no corpo da mulher e surgem sintomas diferentes. Entre os principais sintomas, ausência de menstruação, náuseas, vômitos, sensibilidade nos seios, movimentação fetal e aumento do Foto: Arquivo pessoal

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volume abdominal”, ressalta a médica. Segundo Maria Paula, não há gravidez sem sintomas, o que varia é a intensidade com que ocorre de uma mulher para outra. Além disso, garante que os bebês sempre se mexem. Sendo que, em alguns casos, as mães costumam declarar que achavam se tratar de movimentação intestinal, ou seja, gases. A obstetra já atendeu casos em que houveram alegações do não conhecimento, mesmo assim, diz ter dificuldades para entender a situação. Morgana Kelly Garcia, auxiliar administrativa, 29 anos, estava sozinha em casa na noite de domingo, 23 de abril, quando começou a sentir fortes dores nas costas. Por estar urinando pouco, pensou se tratar de problemas renais. Passou a noite em claro. Ao amanhecer, Morgana, juntamente com uma prima, dirigiu até a casa de uma amiga para que ela lhe levasse ao hospital. Após a realização do exame intravaginal, o médico lhe informou que a dor era de parto. Detectaram que a criança estava com pouco líquido, provavelmente devido à pressão alta da gestante. Sendo assim, era necessário que o parto fosse realizado com urgência. “Dali me encaminharam para a Maternidade Santa Luíza, pois já havia uma equipe me esperando e eu teria o bebê naquele mesmo dia”, relatou Morgana. Naquele momento, a auxiliar administrativa sentiu medo. “Fiquei com bastante medo. Medo de ganhar bebê,

pois eu tinha pavor. E medo da que alegam não saber da grareação das pessoas”, declarou. videz até o final da gestação. Chegando a maternidade, Morgana é obesa, e foi esse constataram que a gestante já um dos motivos que lhe impeestava com 37 semanas e três diu de observar a mudança no dias. Em menos de 24 horas, abdômen. A obstetra acredita Morgana descobriu estar grá- que uma das razões da mulher vida e pegou seu filho no colo. não saber é o não planejamen“Nisso tudo, eu já tinha ligado to e até mesmo a não aceitação para a minha irmã e as minhas da gravidez. amigas, arrumando roupa e A médica chama a atenção tudo para o bebê. Porque eu para possíveis consequências não tinha nada”, do não acomconta sorrindo. panhamento da Morgana diz gravidez, bem que apesar de ter como a falta do passado por sua Morgana é obesa pré-natal. “As cabeça a possiconsequências e foi esse um bilidade de estar são bastante grávida, princimaléficas, prindos motivos palmente por ter cipalmente para muita azia, nun- que lhe impediu o feto, pois no ca achou que espré-natal são retivesse. “Eu não de observar a alizados vários queria acreditar. exames de sanE eu tinha medo. gue e ultrassons mudança no Além de que, obstétricos para abdômen como a minha detectar alteramenstruação é ções que possam irregular há uns ser tratadas, para 11 anos, eu sempre tive a des- uma boa evolução da gravidez confiança, mas nunca se con- e bem estar fetal. Ou até mescretizava.” mo, alterações no feto que, se Juliano Flor, esposo e pai descobertas, poderiam definir da criança, diz nunca ter des- o local ideal de nascimento. As confiado da gravidez, nem consequências para a gestante percebido mudanças no corpo podem ser a não aceitação do da esposa. Quando descobriu recém-nascido, além do não que seria pai, estava viajando preparo psicológico para se a trabalho e ficou em estado tornar mãe, o que pode resulde choque. “Eu fiquei sabendo tar até depressão pós-parto”, através de uma amiga da Mor- alerta a obstetra. gana, que me ligou e falou que A psicóloga Giovana Stuheu ia ser pai. Ela quase me ma- ler vê a mente como capaz de tou do coração”, afirmou. inúmeras coisas, e, portanto, Maria Paula afirma que a acredita que seja possível uma obesidade costuma ser uma mulher não ter conhecimento característica das mulheres de sua gestação. Mas, segundo

ela, seria necessário observar a história de vida dessa pessoa para poder determinar as causas. “A gente deveria olhar a forma como ela lida com as coisas, se é uma forma de fuga, de omissão e não enfrentamento. E então, a gestação acaba sendo um detonador para ela acionar esse mecanismo de negação. Teria que olhar se essa mulher já tem um funcionamento marcado pelo não enfrentamento, ou pelo excesso de fuga e esquiva. Quando ela se vê diante de uma situação, ela não reconhece como. É como se colocasse um véu, ela não consegue enxergar o que está do outro lado”, afirma. Giovana considera que a obesidade da gestante também é um forte fator para o não reconhecimento da gravidez. Segundo ela, nem todas as mulheres conhecem bem o seu corpo, o que por vezes se intensifica em uma mulher obesa. “Uma mulher obesa pode ter dificuldades de se observar, se tocar. E o corpo fica abandonado. E então, tudo o que se refere a ele, passa a não ser percebido. Porque esse corpo ela já quer abandonar, então não olha para ele”, declara. A psicóloga considera, então, que dois possíveis motivadores da não descoberta da gravidez pela gestante sejam o comportamento de negação e a rejeição ao próprio corpo. Mas, pondera que depende do caso e do organismo em questão, visto que não é possível estabelecer um padrão comportamental. Foto: Arquivo pessoal


Foto: Arquivo pessoal

Elas viajam sozinhas Por Tatiane Decker

Maluci Solange Vieira é estudante de psicologia e tem 23 anos de idade, 22 na época. Para quais lugares você viajou sozinha? Antes de viajar para fora, decidi fazer uma experiência dentro do país. Em março de 2017 estavam ocorrendo na mesma semana dois eventos que eu havia me programado para ir. O show do Maroon 5 em Porto Alegre e o Lollapalooza em São Paulo. O primeiro estava programado para quarta-feira e o segundo para o final de semana. Montei a minha primeira viagem sozinha para Porto Alegre/São Paulo/Santos. Na volta dessa viagem comprei minha passagem Internacional para conhecer Madri/Paris/Londres/Cardiff em agosto do mesmo ano. Como foi tomar essa decisão? Fazer isso era algo que eu queria. Essa é a resposta que sempre me ocorre quando alguém se surpreende com as minhas decisões. É algo muito nítido para mim, quero algo, então faço. Claro, como qualquer outra pessoa, precisei realizar um planejamento e pedi ajuda quando achei necessário. A minha independência não significa nunca precisar de ajuda, mas não depender de outras pessoas para fazer aquilo que consigo realizar sozinha. Em algum momento você ouviu “mulher não deve viajar sozinha” ? Em todos os momentos, na verdade. Antes da viagem, durante e ainda hoje quando conto e a pessoa nota que estou falando só de mim. “Mas tu não foi sozinha, né?”. Não precisa nem ser uma viagem, pode ser um festival local ou até mesmo ir ao cinema. A ideia de mulher como sexo frágil frequentemente aparece nos discursos daqueles que nunca tiveram coragem ou interesse em fazer programas independentes. Qual é a melhor parte de estar só em um outro país? Escolhas ou não tê-las, em alguns casos. Cansou de carregar a sua bagagem? Não

entendeu o endereço que o morador local te passou? Não sabe falar a língua oficial do país? Você vai aprender a desenvolver a habilidade de cara de pau. Vai se surpreender em perceber como você sempre pode mais, apesar de seus limites e vai aprender mais sobre quem você é e do que gosta e não gosta. Você não precisa agradar ninguém, então vai a lugares que gosta e quer. Mas quando fizer algo errado, só vai poder xingar você mesma. Vai poder alterar a programação como e quando quiser sem precisar questionar o outro, mas todas as consequências recaem somente sobre você. Haja jogo de cintura!

Essas duas coisas poupam tempo e as suas pernas, além de colaborarem para a sua segurança. Sentiu dificuldade em conviver com outra cultura? Sim e não. Dizer que foi fácil seria mentira, mas o problema não estava na cultura. Estava na dificuldade de comunicação. Meu inglês é ruim, o espanhol pior ainda e o meu francês, bem, não existe. Então, nunca ocorria uma conversa plena, mas isso não impedia de viver situações ainda mais divertidas, exatamente por esta razão. Assim, percebi como todas as pessoas que conversei (foram muitas!) são seres humanos extremamente prestativos e pacientes com estrangeiros.

Você tomou algum tipo de cuidado especial quando estava lá? Em Londres e Paris, andei de madru- Quais foi sua maior aventura ou aprengada por ruas desconhecidas, em situ- dizados? ações que foram além do meu planea- Adorei ter experiências novas e fazer mento. Não pensei que andando pela coisas que tinha medo. Quando você margem do rio iria ver uma fanfarra está em uma situação ou local e perceacontecendo do outro lado da ponte be que não sabe se vai ter uma segunda e que isso me faria ficar na rua até as chance, precisa decidir se vai deixar pas2 horas da manhã. Não tinha me orga- sar mesmo. Foi assim com um daqueles nizado para me perder brinquedo com cadeiras e ficar sem bateria logo que giram soltas bem no quando estava sem o enalto e também na pista de dereço impresso do hospatinação no gelo. SemA minha tel na madrugada, mas pre falei que nunca iria aconteceu. Não tomei naquele brinquedo, pois independência nenhuma preocupação parecia perigoso, mas extra além de andar com não significa nunca quando passei por ele na a maior parte do dinhei- precisar de ajuda, saída do Louvre, percebi ro no cartão de viagem, que aquela era uma granuma outra parte dentro mas não depender de chance de me superar. de uma doleira que fica- de outras pessoas Se até aquele dia eu tinha va dentro da roupa e uma para fazer aquilo ido a um nível de coragem, menor parte em espécie aquele era o momento de na bolsa. Mas não sei se que posso realizar provar para mim que pooutras pessoas teriam dia ir além. Na pista de pasozinha essa mesma tranquilidatinação foi a mesma coisa. de que eu tive nessas ciSempre tive pavor de uma dades para andar sozinha nesses horá- daquelas lâminas passarem no corpo de rios. Então, recomendo sempre pegar alguém que cai enquanto patina. Pois um plano de internet bacana e usar táxi bem, caí, caíram perto de mim e a única ou serviços do tipo, que até o quarto coisa que descobri foi que o gelo que fica dia de viagem eu não pegava por pen- na sua roupa quando você cai, derrete e sar que fosse caro, um daqueles erros. acaba deixando aquela parte bem gelada.

Em que momento você pensou “Valeu a pena” ? Todos. Todo momento que via uma placa de um nome conhecido, que fazia o cálculo do fuso horário, que parava para bater fotos e postar, me emocionava. São os momentos que você consegue parar e pensar “estou aqui, é real”. Lembro de pensar e postar sobre isso quando cheguei em uma estação conhecida de Londres. O meu sonho sempre tinha sido pisar naquela cidade, quando me dei conta que consegui realizar aquilo com todos os meus esforços, tive certeza que estava cumprindo uma promessa que havia feito para uma versão pré-adolescente de mim mesma e que toda a espera valeu a pena. Você planeja uma próxima viagem? Com certeza. Agora tenho um companheiro de viagens, um parceiro que me faz feliz com a sua companhia quando viajamos juntos, então penso em ir com ele. Mas toda a experiência que uso em nossas viagens, veio de um aprendizado que trilhei por conta. O melhor é saber que se eu precisar ou quiser viajar sozinha, sei que eu consigo. Teve algo em específico que tenha te surpreendido? Uma das coisas mais bacanas foi exatamente algo que não aconteceu. Não ouvi pessoas buzinando ou assoviando enquanto andava pelas ruas, independente do horário. Uma situação curiosa foi que em uma dessas madrugadas, quando abordei um senhor mais velho, que estava fumando com uma mulher mais nova do lado de fora de um estabelecimento, ele ficou tão comovido pela minha situação de só saber o nome do hostel e não saber como chegar, que acenou para um táxi que passava, me convidou a ficar a vontade, pois ele iria pagar, já que eu havia informado que não tinha dinheiro para isso. Fui sozinha no táxi indicando o nome do hostel para o motorista, enquanto aquelas pessoas ficaram lá no mesmo local de onde eu me aproximei somente para perguntar “para qual lado fica a ponte?”. AGOSTO | 2017

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CULTURA

OS DONOS DA GIRA Oferenda não é macumba, mas intolerância religiosa é crime

Carolini Nandi 6º período de Jornalismo

Como uma religião 100% brasileira e uma bagagem cultural exorbitante, a Umbanda se faz presente em muitos estados. É proveniente da cultura de matriz africana, somada aos costumes indígenas tupiniquins e ao Catolicismo, além, é claro, do Espiritismo. Apesar de unir diversas crenças, a Umbanda é pouco conhecida pela maioria das pessoas. Quem não aprecia costuma relacioná-la com rituais de macumba, o que acaba gerando certo preconceito. Aliás, muitas pessoas se espantam quando participam de uma gira em um terreiro e veem os médiuns rezando, principalmente a oração do Pai Nosso. Mais que isso, quando se deparam com a imagem de Jesus Cristo no altar do terreiro, fazendo alusão à Oxalá. Com um amplo interesse pela área religiosa, o mestre em jornalismo Thiago Amorim Caminada esclarece que as religiões afro-brasileiras conquistaram um espaço maior na sociedade a partir da pós-modernidade, quando os valores iluministas entraram em colapso. As promessas de salvação e de constituição de um mundo melhor, que disseminava uma utopia fundamentada pela racionalização e pela ciência, agora já não faziam mais sentido. “A ciência

não deu conta de fazer uma representa diversas classes humanidade melhor”, co- sociais, pois se divide em dois menta. Na pós-modernidade, segmentos internos: os povos então, as pessoas tornam-se de luz (direita) e os povos de mais devotas, acoplando-se rua (esquerda). O primeiro é mais à religiosidade do que composto por espíritos mais à religião. As pessoas ficam, afetuosos, sendo, entre ouportanto, mais espiritualiza- tros, o preto velho, o caboclo das. e as crianças. Já os povos de Entre todas as desinfor- rua estão relacionados a uma mações, a Umbanda também certa marginalidade, ou seja, é erroneamente confundida são aqueles cuja vibração é com o Espiritismo, também mais próxima do nosso plano. conhecido como Kardecismo, Os exus e pomba-giras se ennome derivado do codifica- caixam nessa segunda “catedor da doutrina goria”, uma vez espírita, Allan que seus domíKardec. Umbannios estão em dista há 24 anos, ambientes conPai Daniel conta sideravelmente A Umbanda mais perigosos, que mesmo sendo ligeiramencomo cemitétambém é te parecidas, a rios, cabarés e diferença entre encruzilhadas. confundida as duas religiEstes, por sua ões está nos devez, trabalham com o talhes. “Todas com energias as pessoas que mais carregaacreditam nos das. “Deu meiaEspiritismo espíritos são -noite, a lua se espiritualistas, escondeu. Lá na mas nem todos e nc r u z i l h ad a , os espiritualisdando a sua gartas são espíritas, praticantes galhada, pomba-gira aparedo Espiritismo”, esclarece. ceu”, diz a letra de outro canto “O sino da igrejinha faz religioso. blém-blém-blom”. Assim coEm Itajaí, no bairro da meça um dos mais famosos Murta, Mãe Vânia conduz a pontos cantados de Umbanda, Associação Espiritualista Beisto é, os cânticos sagrados neficente Waldir Rosa, que que são tocados durante as nada mais é que um terreiro sessões. Embalados por um de umbanda. Até se tornar ogã no atabaque, os médiuns mãe de santo, a baiana teve de vão incorporando os orixás enfrentar muitos desafios. Sua e entidades que não cumpri- caminhada como umbandista ram sua missão na terra, mas começou quando a sua filha que agora, após a morte, pra- adoeceu – a menina nasceu ticam a caridade em busca de com o canal lacrimal entupiluz. Além disso, a Umbanda do. “Eu prometi a Jesus que Foto: Carolini Nandi

As pessoas se surpreendem com as semelhanças existentes entre suas religiões e a Umbanda

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onde eu achasse ajuda para a saúde da minha filha, eu ia me dedicar a essa religião até o final da minha vida, sem nada cobrar e sem nunca reclamar. E aqui eu estou cumprindo a minha missão”, afirma. O preconceito não tem origem, ele apenas é; ele existe. É medroso, ignorante e, por vezes, hipócrita. Meio metralhadora, pois vem de todos os lados. As religiões neopentecostais são as que mais têm aversão à Umbanda, uma vez que a demonizam. A recíproca, porquanto, não é verdadeira. Por parte da Umbanda, inclusive, não há qualquer bloqueio perante as demais religiões. Questão de relacionamento. Dessa forma, as crenças mais tradicionalistas, na visão de Caminada, tendem a sofrer com a falta de representatividade no futuro. São cada vez mais comuns os casos de crimes relacionados à intolerância religiosa. A perseguição virou parte do cotidiano. Para Ivan Cunha, o cenário não foi diferente. O médium sentiu na pele o extremismo quando, ao contar ser espírita, uma pessoa se retirou do ambiente em que estavam. Em alusão a esse tipo de comportamento, Ivan considera a ausência de conhecimento como a maior inimiga da aceitação. Ao mesmo tempo em que o preconceito é presente, há pesquisadores que fazem da religião o seu trabalho ou objeto de estudo. O jornalista e historiador André Pinheiro dedicou-se a pesquisar as religiões afro-brasileiras – mais especificamente a Umbanda. Sua dissertação, intitulada “Revista Espiritual de Umbanda: mito fundador, tradição e tensões no campo umbandista”, foi aprovada com nota máxima e louvor. Com ela, obteve em 2009 o título de mestre em História pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Sobre o preconceito para com as religiões afro-brasileiras, Pinheiro acredita que a boa vontade das pessoas em aprender, de fato, sobre a religião é essencial, tendo em vista que as críticas são geradas a partir da ausência de informação. Na visão do pesquisador, as demais religiões (principalmente as neopentecostais) devem estar abertas para o conhecimento, pois atualmente “elas

A ausência de conhecimento é a maio

Vocabulário GIRA Ritual, sessão ou cerimônia de Umbanda. ORIXÁ São energias advindas da natureza. ori: cabeça / xá: energia = energia que toma a sua cabeça; OGÃ Pessoa responsável por avocar os orixás, por meio do atabaque. Um dos cargos principais dentro de um terreiro; PAI OXALÁ O maior e mais respeitado deus dos orixás. Na religião católica seria Deus.


Fotos: Carolini Nandi

or inimiga da aceitação, o que gera estatísticas cada vez mais altas de crimes relacionados a intolerância religiosa

se recusam a parar para entender o outro”, comenta. Além disso, o mestre explica que a Umbanda não é codificada, ou seja, ela não segue fielmente algum livro sagrado, até porque não dispõe de tal, como no caso de religiões que seguem o Alcorão, a Bíblia ou O Livro dos Espíritos. Os ensinamentos da Umbanda estão na maneira como a mesma transmite seus conhecimentos, na doutrina, seja ela oralidade. “O livro sagrado da umbanda é a própria natureza”, afirma. A umbanda não se resume somente aos médiuns, que são os escolhidos de Pai Oxalá para praticar a caridade. Existe também a assistência, que se define como o grupo de pessoas que não têm dons espirituais para exercer a mediunidade, mas frequentam as giras para apreciar o ritual, e conversar e se benzer com

as entidades presentes. Para Rosana Denise Kegel, uma das frequentadoras do terreiro da Mãe Vânia, o que move as pessoas a procurarem a religião é essencialmente a crença, a fé. O Brasil é um país laico, isso significa que o Estado deve se manter neutro quanto às diferentes religiões. De acordo com a Constituição de 1988, todo cidadão tem liberdade de expressão religiosa. Logo, se todos têm essa escolha, por que ainda existe tanto preconceito e tanta maldade com o crente de qualquer religião? Afinal, de que adianta então ter uma constituição que defenda as crenças e a liberdade se as próprias pessoas não têm conhecimento de tais leis? Por fim, os culpados somos todos nós, porque ninguém precisa ter conhecimento de uma lei para poder respeitar o próximo.

Quem é quem? Muitos orixás são associados a santos católicos ou demais figuras extremamente representativas brasileiras. Confira as associações:

Orixá

Imagem

Iemanjá Iansã Xangô Ogum Oxalá Preto Velho Crianças Caboclo Caboclo sertanejo Exu Cigano

Nossa senhora da Conceição Santa Barbara São Jerônimo e São João Santo Antônio e São Jorge Jesus Escravo Cosme e Damião Índio Boiadeiro Santo Antônio Povo do oriente

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Foto divulgação: Vitor Soltau

CULTURA

Reportagem publicada originalmente na Agência Prefixo agenciaprefixo.com

Sarau por quem faz Intimismo, comunhão e arte fazem parte dos encontros independentes de artistas de toda região Juliana Passos e SIlvio Matheus 4º período de Jornalismo

Poesia e música num bistrô à beira-mar. Literatura e culto aos costumes e tradições dos pescadores numa praça movimentada. Manifestações artísticas diversas num hostel retrô. Engajamento político em uma ocupação de um Mercado Público. Além da clara inclinação para as artes, essas manifestações têm outra coisa em comum: são todos exemplos de saraus da região. Os saraus são pontos de encontro onde artistas se reúnem, na maioria das vezes de forma independente, para trocar experiências e conhecimentos, além de mostrar seu trabalho para o público e parceiros. Em Santa Catarina, tal manifestação tem se tornado cada vez mais popular.

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Pode-se apontar exemplos como o Sarau dos Incoerentes, em Porto Belo, que acontece toda última quinta-feira de cada mês, no Armazém Bistrô, e traz músicos de todos os cantos do país para apresentar sua arte num ambiente açoriano. Também o Sarau da Tainha, realizado todo primeiro sábado do mês na Praça do Pescador da cidade de Balneário Camboriú, que não deixa o costume dos que vivem da pesca morrer. Apresentam poesia autoral, documentários, livros independentes e um caldo de peixe gratuito para todos. Em Itapema, “O que será, que sarau?” movimenta, de tempos em tempos, o Mercado Público Municipal num engajamento político por meio da arte. Fotógrafos, grafiteiros, intérpretes, poetas, escritores, músicos, pintores, desenhistas se juntam formando um só organismo de contestação por meio das artes.

Origem D. João, em 1808, trouxe a ideia que viria a se chamar sarau para o Brasil. O encontro seguia os moldes das festas fechadas da alta sociedade francesa. Literatura, música, vinhos e um piano de cauda era presença obrigatória nos primeiros saraus do país. Apenas pessoas “bem-apessoadas”, ou seja, financeiramente privilegiadas, frequentavam os saraus. Por sorte, isso mudou. Hoje o encontro é para todos. Inclusive, a maioria deles funciona com um palco aberto, onde qualquer pessoa pode compartilhar sua arte. A reunião, no Brasil, começou no Rio de Janeiro, mas tomou força na região Nordeste. O nome sarau significa “baile noturno”. Saraus são encontros intimistas, que possibilitam uma troca de experiências importante para as pessoas, como explica a poetiza Any Spenas-

sato: “O mais interessante, na minha opinião, é que, expondo seu conhecimento e sua sensibilidade, o artista pode inspirar ou motivar o público a propagar essa arte, e quanto mais pessoas aderirem esse espírito artístico melhor nosso mundo será, não é mesmo?”. Cantor e compositor de Itajaí, Vitor Soltau acredita que os artistas devam participar desses movimentos para fomentar a cultura da região. “Um movimento bonito que deve ser cada vez mais apreciado pelos artistas e comunidade. O sarau tem grande poder de mudança dentro de uma sociedade caótica em que vivemos”, declarou o cantor. Thiago Furtado é poeta e estudante de Jornalismo. Ora expositor, ora espectador, ele tem bastante apreço pelos saraus e classifica esses encontros como alternativas para o consumo das produções. “A importância para o fomento da arte é imensurável, porque o artista produz já pressupondo o consumo por

parte de alguém, a troca com as pessoas. Por isso que criar esses ambientes, essas alternativas que possibilitem a aproximação entre artistas e artistas, artistas e público e, sobretudo, pessoas com pessoas, é uma alternativa fantástica”, afirma o poeta. Outro aspecto bastante abordado quando se fala dos saraus é a diversidade de manifestações que são acolhidas por esse espaço. O compositor e letrista Vê Domingos, de Itajaí, classifica isso de forma positiva. “A mistura de expressões que são abrigadas nos saraus enriquece a todos”, comenta o músico. Ana Gonçalves, moradora de Itapema, concorda com a afirmação de Vê. “Essa mistura de liberdade de expressão nos ajuda a trabalhar a empatia ao outro. Sarau, para mim, é liberdade, nostalgia e comunhão de pessoas com o objetivo de passar sempre o amor adiante”, comentou. Ana costuma frequentar o “O que será, que sarau?”, que acontece de tempos em tempos em Itapema.


Nem tudo são flores Vê Domingos comenta um outro lado desses eventos. “Os artistas se viram obrigados a entrar numa cena que praticamente se desvincula do mercado no que diz respeito a pagamento de cachês, ou seja, você pode sair por aí mostrando seu trabalho se aceitar que ninguém pague por ele, o que pode ser bem visto por artistas em início de carreira, que sentem mais desejo que necessidade de se apresentarem”, afirma o músico. Giane Cervi, Raissa Fayet, Hortênsia Vechi, Tito Lys, Betão parisi, Babbhy, Sergio Negrão, André Monari e O Rappa são exemplos de artistas que já trabalharam em parceria com Vê. Vale destacar a música intitulada “Auto-reverse”, de autoria do compositor de Itajaí, sucesso nacional na versão do Rappa. Há muitos anos da estrada, o experiente Vê comenta que, apesar de servirem como uma

Foto divulgação: Thiago Furtado

vitrine interessante, os saraus enfraquecem, em sua opinião, o trabalho do artista. “De vitrine em vitrine você pode descobrir que na hora de exigir que seu trabalho seja reconhecido, outro manequim tomou o seu lugar. A cena é enriquecida com os saraus, porém, o artista é enfraquecido. É preciso que haja equilíbrio”, conclui. Já para a assessora de comunicação Vanessa Brasiliense os saraus não representam um enfraquecimento para o artista. “Quando vou a um sarau e vejo um músico que não conheço demonstrando seu talento, logo busco seu contato para prestigiar outras apresentações e consumir seus produtos. Como trabalho com cultura, sei como a contribuição do público é importante e, por isso, faço minha parte como produtora e também como consumidora de cultura”, justifica. Mas, para a jornalista, falta união na classe artística. “Sinto falta de mais expressividade artística na região. Sinto pouco fomento da cultura local e pouca união”, enfatiza Vanessa.

O poeta e estudante de jornalismo Thiago Furtado foi um dos expositores do evento

Foto: Sarau da Tainha

Cultura viva O Sarau Afro-açoriano é um grupo que leva sarau no nome. Formado em 2012 por Adriana Benvenuti, Cilene Borba, Eri Cavalcante, André de Miranda, Carlinhos Ribeiro e Cezinha Silva, trabalha com o objetivo de promover a música litorânea e popular de Santa Catarina.

“Nós queremos levar para as pessoas uma arte que resgate suas histórias e tradições”

Encontros que reúnem artistas de forma independente

Outra coisa que o grupo Sarau Afro-açoriano tem em comum com as festas noturnas é o resgate da cultura local. Eles acreditam que esse retorno às origens cumpre um importante papel que mantém vivo os dizeres populares e costumes. “Nós queremos levar para as pessoas uma arte que resgate suas histórias e tradições”. E é isso o que fazem, acima de tudo, os saraus da região. Juntam o contemporâneo com o antigo, e mantém sempre atual o ofício de quem construiu essa terra e essa cultura. Pescadores, açorianos, tropeiros, escravos. Todos esses são homenageados e “re-homenageados” a cada encontro independente de artistas e público, sensíveis o bastante para respeitar suas origens a ponto de reconstruí-la.

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TECNOLOGIA

Mais do que um jogo Automobilismo virtual tem atraindo cada vez mais jovens que sonham em um dia competir nas pistas Foto: Divulgação

Fernando Rhenius

meio de torneios online sele5º período de Jornalismo ciona jovens aspirantes a pilotos para participar do seu departamento de competição das equipes reais da Nissan pelo mundo. Desde então, três pilotos A rotina de João Carlos Nó- oriundos das pistas virtuais brega é a mesma em todo trei- conseguiram resultados nas no classificatório, que antecede pistas reais. O belga Wolfgang um grande prêmio: “Corro com Reip venceu as 12 horas de Baluvas para não desgastar o meu thurst, em 2015. O espanhol volante, mas sempre treino e Lucas Ordones venceu em faço a classificação sem luvas. 2013 o Blancpain Endurance Só as calço quando vou alinhar Series e Jordan Tresson, franno grid”. cês que aos 17 anos conseguiu Nas pistas desde 2003, João o título na categoria GT4 no tem experiência de sobra quan- mesmo campeonato. do o assunto é automobilismo. Por conta dos bons resulJá pilotou modelos da Nascar, tados, João é patrocinado pela carros de turismo e fórmulas. A Castrol, fabricante de lubrifigrande diferença é que João dis- cantes. Para o piloto, as chances putou as provas mais importan- de um “virtual” se tornar protes nos principais circuitos do fissional são reais, mas exigem mundo no conforto da sua casa. muita preparação. “Guiar um O crescimento do Automocarro de corrida bilismo Virtual sim, ser como AV é notório. petitivo é outra Com o avanhistória, porque ço dos jogos e vai depender de equipamentos, Até pilotos diversos fatores, mesmo que nem dentre eles, o profissionais sempre de custalento. Muitos tos acessíveis, pilotos reais atuadotaram o AV qualquer entualmente correm siasta pode se com a gente. como meio de aventurar piloUma vez Rubens tando uma infiaperfeiçoar Barrichello falou nita variedade em uma entrede carros com suas técnicas vista que, fora elevado grau de a Força G que realismo. Títulos não existe, tudo como iRacing, é muito pareciRfactor, Project Cars e Asset- do com o real em uma corrida to Corsa povoam a mente de virtual: a tensão da largada, a quem gosta de competições. concentração, tangência, treino, Até pilotos profissionais dedicação, etc. Já tivemos exemadotaram o AV como meio de plos de pilotos virtuais testarem aperfeiçoar suas técnicas e co- carros reais e irem muito bem, nhecer circuitos novos. Guga mas correr em corridas online Lima, que compete pelo Cam- não te faz ser um bom piloto peonato Brasileiro de Stock real, necessariamente”. Car na equipe Hot Car ComJá Rafael Suzuki, piloto da petições, utiliza os simuladores equipe Cavaleiro Sports tamcomo ferramenta de prepara- bém da Stock Car, recorre aos ção. Mesmo competindo no simuladores para aperfeiçoar mundo real, Lima não deixa de sua técnica: “Tenho o simuaprimorar suas habilidades no lador em casa há pouco mais ambiente virtual. de um ano, mas antes já havia “Sempre brinco nos dias ou usado em algumas equipes finais de semana que não tem que corri. Acho que o princicorrida. Duas semanas antes do pal benefício é poder treinar evento, faço um treino mais sé- a concentração, a constância, rio, onde testo algumas coisas e poder antecipar algumas siespecíficas como classificação, tuações correndo online, por voltas rápidas e detalhes da exemplo. Como utilizamos o pista. Esse tipo de preparação software com o carro da Stodura em média 1 hora”. ck, ficam muito produtivos os Exemplos não faltam de pi- treinos, por exemplo, as marlotos que largaram os sofás para chas que se usa em cada curva uma carreira nas pistas reais. são iguais no real e no virtual, Desde 2008, a Nissan, monta- ponto de freada, de aceleração. dora japonesa, firmou parceria Obviamente nunca substituirá com a Playstation e criou o pro- o real, mas é uma ferramenta grama GT Academy, que por boa, e também divertida”.

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Guga Lima, piloto da Stock Car, utiliza simuladores para refinar sua pilotagem

Custos elevados Para iniciar no automobilismo virtual, um bom equipamento é indispensável para dar a correta imersão no mundo das corridas. Quem pretende encarar o AV como um hobby, sem grandes pretensões, pode encarar os títulos disponíveis nos vídeo games mais atuais como Xbox One (Forza Horizon) e Playstation 4 (Gran Turismo). Os jogos são licenciados pela maioria dos fabricantes, assim o piloto vai correr em pistas e carros idênticos, em termos de gráfico e física (performance) que os modelos reais. Quem busca uma melhor simulação precisa apostar em jogos feitos para computador. Independentemente da plataforma escolhida, um volante é primordial para conseguir captar todas as vibrações do carro e imperfeições da pista. Franquias como Rfactor 1 e 2, Project Cars, Asseto Corsa e Iracing são as mais indicadas. Assim como nos consoles, existe uma grande variedade de ajustes. Entre os volantes disponíveis atualmente no mercado a Logitech apresenta o melhor custo x benefício. Tanto o G27 quanto os lançamentos

G290 e G29 são perfeitos para quem está iniciando. O acessório pode variar de R$ 1.500 até R$ 2.000. O modelo G27 só pode ser encontrado em sites de produtos usados. De construção robusta, pode variar de R$ 600 a R$ 800 Além do preço, o Logitech G27 tem a vantagem de acompanhar o câmbio com trocas por meio de alavanca. O acessório não está presente nos demais modelos, sendo comercializado por cerca de R$ 400. Concorrente da Logitech a Fanatec oferece produtos utilizados por pilotos profissionais e equipes de diversas categorias como Fórmula 1 e Mundial de Endurance. Um kit com pedais volante pode chegar a mais de R$ 5 mil, dependendo da configuração escolhida na hora da compra. Adepto dos simuladores, Suzuki utiliza um modelo Fanatec. “Acho que é o melhor do mercado e mais acessível. Melhor que ele, apenas os profissionais que são montados conforme demanda. Utilizo 3 TVs de 43 polegadas e um computador com uma ótima placa de game (Nvidia). Os softwares que mais uso são o Automobilista (Stock Car) e o Iracing, que na minha opinião é o melhor software para corridas online.”

Um bom computador também se faz necessário para transmitir todo o realismo do jogo. Tanto Intel quanto AMD possuem em seu portfólio processadores para diversos bolsos e configurações. A AMD também rivaliza com a Nvidia no mercado de placas gráficas, indispensáveis para quem busca uma maior fidelidade em termos de gráficos. Escolha computadores com pelo menos 4 gb de memória RAM, um HD de 1 terabyte. Os processadores variam entre quatro, seis ou oito núcleos assim como seus preços que partem de R$ 400, até R$ 7 mil nos modelos considerados Hi-end. A placa de vídeo é o principal componente do sistema, já que quanto maior seu poder de processamento de imagem, mais real o jogo fica. Placas com até 4 gb de memória partem de R$ 600 podendo chegar a R$ 3 mil em modelos top de linha. Sites de e-commerce como Kabum comercializam os componentes de forma separada ou computadores completos. Para dar mais realidade, o piloto pode ainda adquirir um cockpit para adaptar seu computador, monitor e volante, além de proporcionar a correta posição do jogador, organiza melhor todos os componentes. Os preços também podem variar de R$ 200 até R$ 800.


MEIO AMBIENTE

O céu é logo ali Trilha ecológica de mata fechada leva a um dos pontos mais altos da região: o Pico da Pedra Foto: Paula Dagostin

A aproximadamente 700 metros de altura, a paisagem divide-se entre verde e azul

Paula Dagostin 7º período de Jornalismo

Céu azul como se fosse feito a pinceladas de tinta guache. O sol brilha forte iluminando a tarde de domingo. Parte do céu divide espaço com nuvens escuras que prenunciam a chuva. As nuvens costeiam o topo das cabeças. Abaixo é possível ver um grande tapete verde. Mata selvagem, mata fechada. O ar, rarefeito. O vento, gelado. Ao longe, o mar azul contorna a orla da praia. Os montes e as montanhas são cobertos de árvores verdes de todas as tonalidades. Há aproximadamente 700 metros de altura, a paisagem divide-se entre verde e azul. A cidade de Camboriú, tão pouco conhecida, torna-se imponente sobre sua vizinha, Balneário Camboriú. Ali é o seu ponto mais alto. É o Pico da Pedra. Conhecida também como Pedra da Gurita, a montanha é uma das mais altas da região. Em seu ponto mais elevado, é

possível avistar toda a extensão da cidade de Camboriú, bem como as cidades de Itapema, Balneário Camboriú e Florianópolis. Por ser um local de visão privilegiada, o Pico da Pedra foi utilizado na Segunda Guerra Mundial pelo exército brasileiro como ponto de observação. Sentada em uma das pedras que compõem o cume da montanha, de bermuda jeans, tênis e blusa de malha, a vendedora Josiane Silva Monteiro admirava a vista. “O lugar é lindo, maravilhoso. Bem cansativo, mas vale a pena”, afirmou. Não parecia cansada, mas deslumbrada com o que via. O acesso ao cume da montanha é feito através de uma trilha. Dentro da mata fechada. A subida é íngreme. O chão escorregadio. Os galhos e folhas misturam-se ao barro molhado. As pedras surgem vez ou outra e são tão escorregadias quanto a terra. O cenário resume-se em três cores: verde, marrom e azul. A vegetação do Pico da Pedra é composta, em sua maioria, de Mata Atlântica.

O Pico da Pedra é ideal para Em alguns trechos há mangues, vegetações arbustivas e quem pratica trilha. O cume da pântanos. As altas árvores es- montanha é propício a esporcondem o céu e tornam o am- tes como rapel, montanhismo e voo livre. Ou biente úmido. para quem simPequenos gaplesmente delhos espalham-se seja um contato pelo chão, mistupróximo da narando-se com ratureza, fugindo ízes. Poucas são O tempo de do concreto dias flores. Qualário. quer cor destrilha pode O nível de ditoante do preeminente verde variar de duas ficuldade da trilha é alto, já que é raridade. Os animais escona quatro horas a inclinação da subida fica a 45º dem-se floresta e o terreno cheio adentro. É possíde obstáculos. vel ouvi-los, mas Segundo a bannão avistá-los. cária Bruna dos O percurso até o fim da trilha é extenso. Santos, apesar de toda a dificulA cada curva, mais um trecho dade, é prazeroso. “O passeio é e depois outro. Cada vez mais muito agradável. É cansativo, alto, cada vez mais íngreme. mas é o tipo de coisa que deveO tempo de trilha pode va- mos fazer pelo menos uma vez riar de duas a quatro horas. na vida. Não tem como expliPara os mais rápidos e expe- car, só fazendo para entender”. A ampla mata, o solo de rientes, uma hora de subida e uma hora de descida. Já para lama e as árvores altas e corpuquem não está acostumado lentas dão a impressão de ainda com a atividade, o trajeto serem intocadas pelo homem. pode levar duas horas, bem A floresta poderia ser consicomo a volta mais duas horas. derada primária, não fossem

os resquícios de lixo deixados no local, como garrafas, copos plásticos e latas de cerveja. Durante a trilha, os únicos animais que saem ao encontro dos visitantes são as formigas e os impetuosos Simuliidae, popularmente conhecidos como borrachudos. É importante, portanto, a utilização de repelente pelos aventureiros. Caso contrário, o incômodo não será apenas o cansaço das pernas. Outro item indispensável para quem decide enfrentar o percurso, é carregar consigo grande quantidade de água. A escalada, o esforço físico e o percurso extenso exigem ampla hidratação. O Pico da Pedra, montanha grandiosa e imponente, tem seu início na estrada de Congonhas em Camboriú. São aproximadamente 18 quilômetros de distância da cidade. O local serve de acervo para diversas espécies de fauna e flora. Predominante, a natureza oferece um conjunto de sensações e vistas que fogem do cotidiano. Ali, afastada da cidade, a natureza habita e é preciso coragem para visitá-la. AGOSTO | 2017

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RESENHA

Entre o céu e o inferno A série Ozark mostra os conflitos de uma família que se envolve com esquema de lavagem de dinheiro Lyandra Machado Batista 2º período de Jornalismo

“É preciso haver um Deus. Porque o diabo existe”. Em tom de insegurança e indagação, o personagem Mason Young (Michael Mosley), no episódio final da primeira temporada da série Ozark, tem um diálogo rico em sinceridade com o protagonista Marty Byrde (Jason Bateman). A frase final da conversa mostra toda a angústia vivida pelos personagens no decorrer dos meses no Lago de Ozark. A série, já renovada para uma segunda temporada, foi criada por Bill Dubuque e Mark Williams, conhecidos pela produção de séries e documentários nos Estados Unidos. O elenco é ainda composto pela excelente Laura Linney, dona de três indicações ao Oscar, inter-

pretando Wendy Byrde, esposa de Marty. Tudo começa em uma empresa em Chicago, quando Bruce (Josh Randall), sócio de Byrde, se envolve em um esquema de lavagem de dinheiro de um traficante poderosíssimo da cidade. O chefe do tráfico, Del Rio (Esai Morales), descobre o roubo, mata Bruce e ameaça Byrde. Porém, no momento de desespero, Marty promete recuperar os oito milhões de dólares para o traficante. Com a promessa feita, o protagonista se vê obrigado a mudar-se para uma região promissora: o Lago de Ozark. Envolve em algumas situações, mesmo que indiretamente, sua mulher e seus dois filhos. Planeja um esquema de lavagem de dinheiro e consegue comércios da região para suprir a necessidade de, em três meses, cumprir sua promessa a Del Rio. Impressiona o modo como Byrde lida com toda essa si-

tuação. Por ser um homem bom se envolvendo com o narcotráfico, seria natural se muitas vezes ele perdesse o controle. Porém, ele quase sempre consegue sair de situações que de alguma forma fogem do planejado. Ao contrário do marido, Wendy Byrde acaba se descontrolando emocionalmente e age por impulso muitas vezes. Seus filhos precisam participar de todo o esquema e virarem adultos da noite pro dia. A trama é ambientada num contexto sombrio, rodeado de medo, insegurança e ganância. Para ajudar nesse cenário, são criados ambientes escuros, com diálogos pesados e conflitos questionando o amor que ainda sustenta a família, apesar das brigas e traições. A surpresa do telespectador ao presenciar Bateman em um papel tão atípico se reflete também ao vê-lo dirigindo quatro episódios da temporada de forma brilhan-

te e capturando visuais lindos na região em inúmeras cenas. O roteiro extremamente coeso consegue prender a atenção do telespectador e resolve subtramas ao longo dos 10 episódios. O público já deve estar ansioso para a próxima temporada, em 2018. Drogas e séries Não é apenas Ozark que vem ganhando espaço na televisão ou nos serviços de streaming ao retratar o comércio do narcotráfico. Tudo começou com Breaking Bad e seu excelente protagonista Walter White, que ao descobrir um câncer de pulmão, começa a produção de metanfetamina para conseguir pagar as dívidas e dar um futuro a sua família. Para nós brasileiros, felizmente há atores fazendo sucesso internacional nesse mesmo segmento de Walter White. Pablo Escobar é retra-

tado com maestria pelo baiano Wagner Moura, lhe rendeu inclusive uma indicação ao Globo de Ouro, em 2016. Com uma carreira internacional por mais de uma década, Alice Braga vem se destacando na série Rainha do Sul, interpretando Teresa Mendoza, maior traficante do sul da Espanha. Qual seria a razão de tantas séries e novelas ganhando espaço na mídia com o tráfico como protagonista? Talvez para que sirva como um alerta para a população e autoridades do quanto o narcotráfico tem se desenvolvido mundialmente. Segundo dados da ONU, as drogas movimentam mais de R$ 750 bilhões por ano no mundo. Só no Brasil, de acordo com levantamento da Consultoria Legislativa da Câmara de Deputados, esse valor chega a 16 bilhões ao ano. A cocaína, droga traficada nas séries Ozark, Rainha do Sul e Narcos, é responsável por 5 bilhões. Foto: Divulgação

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OPINATIVO

Most girls: queremos Single da cantora Halee Steinfeeld traz letra repleta de sororidade e respeito a todas as garotas Foto: Divulgação

Tatiane Decker 7º período de Jornalismo

Em algum momento de sua vida, você deve ter ouvido (ou ouvirá) de um cara “Você não é igual a maioria das meninas”. Você pode, também, ser o próprio cara que soltou esta frase. A questão é: isso não é uma declaração de amor. Afinal, qual é o problema em ser igual a outras meninas? O que tem de errado com elas? E quem é você para diminuir a maioria das garotas? É isso que o single de Hailee Steinfeld, Most Girls, representa. A sociedade criou um estereótipo de que nós mulheres precisamos nos ver como rivais. Infelizmente, ele ganhou tanta força que somos obrigadas a ouvir durante toda nossa vida que somos muito competitivas, invejo-

sas, falsas umas com as outras. E a culpa? Todinha nossa, é claro. Não conseguimos ser fraternas e companheiras como os homens. Ah, e como eles gostam de fazer piadinhas com esse tipo de situação. Bem, isso não é verdade. Sabe quando as pessoas repetem tanto algo, como se fosse uma verdade absoluta, que começa a parecer uma? Pois bem, provemos aos poucos que isso é uma grande mentira. São nas pequenas coisas que podemos observar como nossos homens (sim, estou usando a forma generalizada, assim como vocês o fazem) reforçam isso. No clipe, que já atingiu mais de 57 milhões de visualizações desde seu lançamento em maio deste ano, a cantora recebe um “elogio” de um homem, que diz “You’re not like most girls” - “Você não é como a maioria das meninas”. Daí, então, o clipe se desenrola em meio a uma

letra de total sororidade. [sororidade: união e aliança entre as mulheres]

A maioria das meninas são inteligentes e fortes e bonitas A maioria das meninas trabalham duro, vão longe, somos imparáveis A maioria das meninas luta para vencer todos os dias Nenhuma é igual Eu quero ser como, eu quero ser como a maioria das meninas Além desta música, Hailee já havia lançado em 2015 a música Love myself, que fala sobre amor próprio, ser suficiente para si mesma.

Vou colocar meu corpo em primeiro lugar E me amarei tão forte que irá doer Vou me amar, não, eu não preciso de mais ninguém

É de grande importância quando esse tipo de pauta surge na mídia e ganha destaque. No mundo da música, muitas cantoras compõem sobre empoderamento da mulher e essa é a chance de influenciar positivamente um alto número de fãs. Infelizmente, existem também os grandes influenciadores que utilizam esse poder de maneira irresponsável. Há alguns dias, vi uma reportagem no programa da Ana Maria Braga comentando sobre a tal briga que rolou na novela das 9h, cena protagonizada entre as atrizes Isis Valverde e Débora Falabela. Ah, a Globo é campeã em nos colocar no papel das loucas, das descontroladas. Além da própria cena ser uma lástima contínua do canal (assunto que daria outro texto), ela ainda se desenrolou em uma pauta completamente desnecessária. Pensei que talvez fossem falar sobre a falha em protagonizar uma cena que coloca a mulher novamente em um papel de

rivalidade, e descontrole. Mas não. O programa preferiu conversar com especialistas sobre os cuidados que devemos ter com a inveja de outras mulheres. #melhoreglobo #melhormuito Certa vez eu ouvi: “Mais vale empoderar outra mulher, do que discutir com outro homem”. Façamos isso. Vamos nos unir, apoiar, empoderar. Vamos nos respeitar, elogiar. Vamos ser o apoio umas das outras. Vamos nos orgulhar de sermos mulheres, das nossas lutas diárias. Juntas somos tão mais. Chega de nos autosabotarmos. Chega de julgamentos. Mais do que ninguém, nós sabemos como somos criticadas por coisas ridículas. Não vamos entrar nessa onda mesquinha e machista que insiste em impor regras ao nosso modo de vida. Chega de entrar na onda. Chega de querer ser o que eles consideram legal. Vamos ser tudo aquilo que queremos. E vamos aplaudir isso. I wanna be like most girls!

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COLETIVO FOTOGRÁFICO Acadêmicos: Diego Alonso, Eliz Haacke, Mikael Melo, Thiago Ávila e Victor Loja

rawhumano.wixsite.com/home

Temporada de poluição A natureza vem tentando dialogar com o homem, mas parece ser em vão. Na cidade de Balneário Camboriú, cada vez mais é possível observar a degradação da paisagem. Dados divulgados pela Fundação Estadual do Meio Ambiente (Fatma) no início do ano, mostraram que dos 211 pontos analisados no litoral catarinense, 74 estavam impróprios para banho, o motivo é a proliferação de coliformes fecais na água. Esse valor corresponde a mais de um terço das praias, todas elas em locais com grande volume de movimento turístico. Um pro-

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blema comum enfrentado por quem tem contato com essa água contaminada é o surgimento de viroses. O verão chega, as cidades começam a receber os turistas, os hotéis da região ficam lotados de dezembro a março e as casas próximas às praias veem o número de pessoas aumentarem. Esse fluxo gigante de moradores e visitantes congestiona toda a prestação de serviço. Quem vive essa realidade sabe que falta de água e luz não é nada fora do cotidiano, mas não é só isso. As redes de tratamento de esgoto não dão conta dessa

quantidade toda. Os resíduos sem tratamento vão parar no mar, a água fica poluída e logicamente torna-se perigoso entrar em contato. Infelizmente, a questão não para aí, as fezes não são as únicas vilãs. Materiais como plástico, papel e metal são jogados diariamente nesse ambiente, materiais que não somem com facilidade e demoram anos e anos para entrar em decomposição. Falta respeito na hora de usufruir dos bens das praias. É preciso pensar no amanhã, pois se não cuidarmos, não haverá futuro.


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