Cobaia #153 | 2017

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Natalia SG Ilustrações

Itajaí, julho de 2017 | Edição 153 DISTRIBUIÇÃO GRATUITA

GIRL POWER

Bendita s eja a nossa vo z Pág. 8

A mulher na cultura pop Pág. 4


Editorial É inegável, o feminismo vem ganhando cada vez mais espaço nas discussões, mas de forma alguma, significa que seja o suficiente. Tire um tempo e busque estatísticas, logo você perceberá o quanto precisamos falar sobre isso. Mulheres ainda ganham menos que homens, desempenhando as mesmas funções. A cada dois minutos, cinco mulheres são espancadas no Brasil. Elas ocupam uma minoria de cargos políticos. O Brasil é o 5º país no ranking de crimes contra a mulher. Quando estas estatísticas são dirigidas a mulheres negras, a porcentagem é ainda mais alar-

EXPEDIENTE

mante. Existem muitos dados que podem comprovar: isso não é MI-MI-MI. É bom haver um esclarecimento desde o início, FEMINISMO significa a luta pela igualdade de gênero. Dentro do movimento, assim como em qualquer outro, existe uma pluralidade de vertentes. Não confunda elas com a essência da luta e também não desmereça nenhuma. Outro importante esclarecimento: femismo é o oposto de machismo. Feminismo é igualdade/equidade. Não confunda. Quando abordamos estas questões, a maior necessidade

para um diálogo chama-se empatia. Coloque-se no lugar do outro. No lugar de quem mais se prejudica vivendo em uma sociedade moldada por padrões patriarcais. Uma sociedade que gosta de mulheres que não “falem alto”. Uma sociedade que culpa vítimas todos os dias, que julga sempre, mas poucas vezes ajuda. O machismo existe e afeta todos os dias milhares de mulheres e também de homens (que precisam seguir padrões do que é “ser um homem”). Abra seus olhos, caro leitor, mas, principalmente, abra a mente.

único, única, raridade, um ser feito perfeitamente em uma forma tamanho único em que ninguém mais foi posto. Você é o ser mais incrível que existe, com as imperfeições que observa, com os objetivos que tem, não importa, o que não podemos é deixar isso ser maior do que quem somos. Não perca sua essência, ela é sua e demais ninguém. Ao ver o quanto estamos focados nos padrões multiplicados na televisão e redes sociais, nos padrões que fotos de mulheres magras e com corpos definidos, percebo o quanto esquecemos que o que realmente importa é a nossa saúde e bem-estar. Eu lembro de ter 13 ou 14 anos e ficar doente por querer ser mais magra, lembro de ser diagnosticada com início de anorexia nervosa, ter que tomar remédio para depressão e estar presa nos padrões das meninas que assistia em novelas e séries. A maioria de nós não sabe nada sobre doenças relacionadas a distúrbios alimentares, mas sim, elas existem e a maioria inicia por essa vontade em se enquadrar em um padrão de beleza. Infelizmente, muitas vezes essa vontade torna-se doença, falo que se torna porque ninguém fica doente psicologicamente por decisão. Nenhuma menina torna-se anoréxica ou bulímica porque é saudável, porque é algo bom. O mais grave de tudo é que existem sites na internet a favor de doenças como anorexia e bulimia, blogs onde meninas fazem metas para ficar dias sem comer, e sabem qual é o foco da meta? O foco

da meta é o corpo de uma famosa ou alguém mais magra que elas admirem. Como isso pode acontecer? Como esses padrões pelos quais tantos estão obcecados podem ser algo bom para nós? Se você quer mudar algo em si para se sentir melhor, tudo bem, vá em frente, mas não passe por cima da sua saúde. Não queira ser alguém que você não é. Até hoje eu tenho dificuldades para aceitar meu corpo, minhas formas, minhas curvas, mas eu entendi que isso não é mais importante que a minha saúde. Por três anos eu me vi presa em falsos padrões que destruíram quem eu era e, apesar de vez ou outra me pegar pensando sobre o que aconteceu, querendo ser alguém diferente, luto para não perder minha essência novamente. Isso não tem a ver com autoajuda, tem a ver com vencer os nossos próprios desafios, pois nesta época em que eu não conseguia me encarar no espelho, eu percebi que sou minha pior inimiga, e que o único padrão que eu preciso atingir é o de aceitar quem eu sou, melhorar o que puder e ser feliz o quanto der. Acorda menina! A única coisa com a qual você tem que se preocupar é aproveitar o momento de agora amando-se e amando os que estão ao seu redor. Quebre os falsos padrões, renasça, floresça, seja flor, seja você!

Opinião Somos todos iguais Thainá é magra, loira, tem olhos claros, é divertida e animada. Bianca tem corpão, é morena, tem lindos olhos castanhos, é divertida e animada. Jovens, lindas, inteligentes, vivendo uma experiência incrível que é estudar fora do país e, mesmo assim, encontram um tempo em nossas conversas para falar que não estão totalmente satisfeitas com o seu corpo. Uma queria ter mais curvas, a outra queria ser mais magra, e, observando a vontade delas e a minha de mudar nossas formas, percebi o quanto os padrões são indefinidos, mutáveis, muitas vezes distorcidos e, sempre, questionáveis. Conheço poucas mulheres que olham para si e sentem-se bem, felizes. Poucas as que se admiram diante do espelho e gostam do que encaram diante de si. Não, o problema não é a vontade que temos em melhorar quem somos, mudar a cor do cabelo, emagrecer uns dois ou três quilos ou fazer algum procedimento estético. Acredito que a questão é a não aceitação em relação a quem somos e como estamos. Porque muitas vezes, mesmo depois de alcançarmos um “padrão” de beleza, continuamos descontentes. Desde quando existe uma linha que mede o quanto a raridade da sua beleza está acima ou abaixo da beleza de outro alguém? O valor que nossa vida tem não se mede com a cor dos seus olhos, com o corte ou textura do seu cabelo, com o número de calça que você veste. Olhe para si! Você é

Juny Hugen 5º período de Jornalismo

Agência Integrada de Comunicação

UNIVALI - Universidade do Vale do Itajaí CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS COMUNICAÇÃO, TURISMO E LAZER Diretor: Renato Büchele Rodrigues CURSO DE JORNALISMO DA UNIVALI Rua Uruguai, 458 - Bloco C3 Sala 306 | Centro, Itajaí - SC - CEP: 88302-202 Coordenador: Carlos Roberto Praxedes JORNAL LABORATÓRIO DO CURSO DE JORNALISMO DA UNIVALI Edição: Gustavo Paulo Zonta Reg. Prof. Mtb/SC 3428 JP Tiragem: 1 mil exemplares Distribuição Nacional Projeto Gráfico: Vinicius Batista Gustavo Zonta Diagramação: Tatiane Decker

Todas as edições do Jornal Cobaia estão disponíveis online. Acesse: issuu.com/cobaia! Você tem alguma sugestão para fazer, ou alguma matéria que gostaria de ver publicada? Conte com a gente!

Agenda

cobaia@univali.br

Intercâmbio Fórmula Santander

Pós-graduação

Estão abertas as inscrições para o processo de seleção, pela Univali, de candidatos ao Programa Fórmula de Bolsas de Mobilidade Internacional Santander Universidades. Dois alunos serão escolhidos para participar do intercâmbio acadêmico de seis meses, com direito a uma bolsa de estudos no valor equivalente a 5 mil euros. As inscrições seguem até o dia 31 de agosto.

A Univali está com matrículas abertas para quatro cursos de especialização e um MBA nas áreas de comunicação e marketing. As aulas iniciam no 2º semestre de 2017, nos campi de Itajaí e Balneário Camboriú. As inscrições estão disponíveis até o dia 10 de agosto, em www.univali.br/pos.

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Foto: Marcela Feroli

Viajar sozinha é uma das maiores chances que você terá de se conhecer de verdade. É a oportunidade de fazer da sua companhia a melhor. É se sentir livre e plena. É não ter que depender de planos e vontades de ninguém mais, além de si mesma. É não ficar na sombra de ninguém. É deixar de lado a timidez e perceber que não importa o que você faz, ninguém está te julgando. É o frio na barriga na hora de fazer o pedido no restaurante sem saber direito o que está pedindo. A felicidade de fazer amizades que serão lembradas por toda a vida. É andar pelas ruas com um sorriso bobo no rosto sem ter motivo É fazer coisas que, talvez em casa, você nunca faria, mas ali, você não se priva de nada. É se mimar, fazer suas vontades. É abraçar a felicidade. É conseguir ver a beleza nas coisas mais simples. Se emocionar com o abraço de alguém que você acabou de conhecer. É perceber que a felicidade só depende de você e que a sua companhia é a melhor de todas. É aprender a se aceitar e se amar. É uma aventura que vale cada segundo, cada economia feita, cada dificuldade, cada minuto de ansiedade.

Elas viajam sozinhas

Por Tatiane Decker

Uma pesquisa do Ministério do Turismo apontou que de todas as mulheres que iriam viajar nos próximos meses, 14% iriam sozinhas. Em comparação a 10% dos homens. Infelizmente, para muitos, uma mulher viajar sozinha ainda é um assunto tabu e isso se deve ao fato de vivermos em uma sociedade patriarcal, onde em diversas culturas a vida de uma mulher não tem valor algum. Quem dera o machismo fosse apenas um mimimi. Quem dera mulheres não morressem todos os dias, vítimas de violência. Quem dera não fossem vistas como objetos. Porém, esse não é e nem deve

ser um impedimento, apenas um ponto a ser cuidado. Não deixe que nada lhe impeça de conhecer o mundo e ser livre, mulher. Nas próximas edições do Cobaia, você irá conhecer seis mulheres que decidiram colocar o pé na estrada e conhecer esse mundo. Sozinhas e plenas, elas contam suas dificuldades, maiores alegrias e dicas para você que também quer viver uma história assim.

YES, WE CAN! JULHO | 2017

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SOCIEDADE

Foto: Divulgação

Lançado em 1 de junho, o filme da Mulher Maravilha arrecadou US$ 223 milhões em sua semana de estreia.

A mulher na cultura pop

Mulher-Maravilha reascende a discussão sobre o espaço dado às mulheres no entretenimento Jéferton dos Santos Leonardo Henrique Martins

das 160 indicações; antes, o maior número era de 44, em 2015. Dentre os filmes de 2º período de Jornalismo maior bilheteria dos últimos 5 anos, aparecem apenas duas diretoras: Jennifer Lee em O cinema, as séries de TV e Frozen - Uma Aventura Conos quadrinhos são válvulas de gelante (2013) e Patty Jenkins escape que muitos têm para assinando Mulher-Maravilha espairecer. Atualmente, com (2017). o “boom” dos super-heróis, “Muitas pessoas ainda são a indústria viu no Homem- retrógradas e repassam seus -Aranha, Batman e afins uma pensamentos criando cultugrande oportunidade para ras organizacionais machistas enriquecer. Mas, se os perso- [...]. Especificamente na área nagens masculinos ganham de ilustração, já observei altanta evidência, por que as gumas situações ao ponto de mulheres não realgumas ilustracebem o mesmo doras assinarem tratamento? suas artes com O cenário da mascu“Já observei nomes cultura pop ainda linos ou indefié predominantenidos para não algumas mente masculiinterferir na inno. Se existe uma da situações de terpretação igualdade no púsua obra”, relata blico que consoGuimailustradoras Natália me as mídias, ela rães, ilustradora. cai entre aqueles Parece haver assinarem que pesquisam e uma relutância produzem esse com nomes grande da mídia conteúdo. Entre em acompanhar a os sites geeks, masculinos” mudança da mua predominânlher na sociedade cia do público é e deixar velhos masculina: 70% estereótipos para homens e 30% mulheres, con- trás, como diz Maria do Carforme levantamento feito nos mo, redatora do site Retalho principais portais do gênero. Club. “A figura feminina atuNo prêmio Eisner (o Oscar almente tem alcançado uma das HQs) a maior participação representação mais fidedigna feminina foi em 2016, quan- em algumas mídias, muito emdo as mulheres receberam 61 bora a grande maioria ainda

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sirva como figura para agradar a olhos masculinos”. Em 2015, alguns blockbusters levantaram essa busca por mudanças. Em Mad Max: A Estrada da Fúria, a Imperatriz Furiosa é uma mulher forte que luta por seus ideias; em Star Wars: O Despertar da Força, a personagem principal é a determinada Rey; e Jogos Vorazes: A Esperança – parte 2, encerra a saga da corajosa Katniss Everdeen. A chegada da Amazona O recém-lançado filme da Mulher-Maravilha coloca a heroína na 2ª Guerra Mundial e mostra a diferença entre o mundo masculino e o feminino da época, servindo como um ponto de comparação para a nossa sociedade. “O filme veio num momento crucial, mostrando que a simplicidade e o resgate dos valores heroicos, aliados à emancipação e protagonismo feminino independente dão muito certo”, opina Maria, afirmando que os movimentos feministas conseguem na iconicidade da Mulher-Maravilha o apoio necessário. A youtuber Alessandra Quirino concorda com Maria, mas acha que o filme pecou em não apresentar mais mulheres, e lembra: “Elas ficaram limitadas à Thesmiscira e depois nunca mais apareceram”.

O filme da Mulher-Maravilha abriu espaço para tal e provou que é possível ter a equalização entre os gêneros, assim como vem acontecendo nos quadrinhos. “Acho impressionante como os quadrinhos da Marvel e da DC conseguem nos mostrar mulheres diversas e complexas, enquanto blockbusters estão engatinhando ainda”, conta Alessandra. Onde antes a mulher tinha espaço apenas nas capas hipersexualizadas, hoje ganha destaque entre os principais títulos, com a Riri Williams

substituindo o Homem de Ferro e Jane Foster sendo a nova “Thor”. Com a ascenção da representatividade feminina, a expectativa é de que se tenha um maior número de criações e adaptações no mercado, como ressalta Natália Guimarães. “Espero que as mulheres se sintam inspiradas a atingirem seus objetivos, criem historias de personagens femininas fortes e profundas e que os filmes estrelados por mulheres possam ser referências para ambos os sexos, julgados pela sua qualidade”.

Ilustração da Mulher-Maravilha por Natália Guimarães


PERFIL

“Nos, mulheres, somos estupradas o tempo inteiro” Foto: Diego Miranda

Lucas Machado 8º período de Jornalismo

Quando a jovem Ana Paula Beling, aos seis anos de idade, subiu no palco pela primeira vez, a criadora da peça Avessa, feminista assumida, não imaginava que aquele momento viria a se tornar a maior paixão de sua vida: a arte. Mestra em Teatro pela Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), Ana começou sua carreira precocemente atuando e cantando. Aos doze anos, a arte já era uma profissão. Hoje, além de atriz, professora, cantora, intérprete, também se denomina “produtora cultural” – talvez o título que mais se orgulhe, já que afirma ser “muito difícil fazer arte no nosso país.” Em seu currículo, constam diversos trabalhos, como O rapto das cebolinhas (2007), O amor é uma flor roxa (2007), Patética (2008), Bailei na Curva (2008), Chapeuzinho vermelho (2009), Zylda: Anunciou, é apoteose! (2010/2011), Rinha (2010), Branca. Clara. Alva. (2010) e III Reich: Terror e Miséria (2012/2013). Apesar de afirmar que o teatro transformou sua vida, Ana não se mostra pretenciosa quando questionada sobre o porquê da escolha profissional. “Eu faço teatro para atravessar, não tenho a pretensão de transformar ninguém. Tudo que te atravessa te deixa diferente”, defende ela. Sobre “Avessa”, seu mais recente trabalho nos palcos em que retrata abusos e violências sofridas pela mulher contemporânea, a atriz define o espetáculo como uma “arte de resistência” e defende o gênero quando o acusam de ser elitista. “Arte de resistência é a arte que escolhi, é mais difícil ainda, já que as pessoas têm muito a visão de que ela é elitizada. O que de fato não é”. A artista se mostra respeitosa aos espetáculos populares de seus colegas de trabalho e assume que os prestigia. Entretanto, não

Ana Paula Beling durante a peça Avessa, que aborda as violências sofridas pelas mulheres

poupa críticas ao próprio público consumidor. “As pessoas geralmente escolhem algo que as deixem relaxadas, para um momento de entretenimento e de puro lazer. As pessoas não querem pensar. Fazer arte é fazer política”.

Apesar de ter conseguido montar Avessa através da Lei de Incentivo à Cultura, Ana culpa o Estado pela falta de prestígio da arte. “É perigoso pensar, refletir, ter opinião. Logo, é perigoso fazer arte. Por isso o governo não tem interes-

se em melhorar a educação do país, muito menos a cultura”. Cita, como exemplo concreto dessa realidade,, a retirada do Ministério da Cultura no governo Temer. Falando de política, Beling milita até no português. Quando pergunto se a cha-

mo de “mestre” ou “mestra”, ela responde: “Mestra. No feminino, por favor”. E não foi à toa. Ana é militante da causa feminista desde que começou o processo de criação da peça “Avessa”. “Eu sabia que queria falar sobre o universo feminino, mas não sabia o tema. Queria me desafiar e estrear um espetáculo solo. Foi aí que comecei a estudar o movimento feminista e iniciou todo o processo”. Aos poucos, ela descreve como foi esse caminho. “Havia saído de um relacionamento abusivo. Com a terapia, ioga e o processo criativo de Avessa, percebi que havia sofrido violência psicológica, inclusive do meu próprio ginecologista”. Beling relata o comportamento do médico, quando diagnosticou que a artista sofria de vaginismo – um distúrbio psicológico que impossibilita o ato sexual. “Ele riu e disse que meu namorado iria pagar todos os pecados dele. Saí chorando do consultório”, confessa. Por meio da revolta de ter sofrido esses e outros abusos, Ana Paula encontrou no movimento feminista não só um refúgio, mas também uma bandeira que acredita que vale a pena levantar. Sobre a cena de estupro de seu espetáculo, ela defende que não é só importante, mas como justo e necessário para a narrativa. “A plateia fica desconfortável, é um dos momentos mais tensos. Nós mulheres somos estupradas o tempo inteiro.” Além de Avessa, a atriz foi convidada ano passado para ser diretora convidada no Projeto Dramaturgos do Século XX: Estudo e Montagem, da produtora Anchieta Arte Cênica, de Itajaí/SC, e da escola AECA (Alunos do Exercício Cênico Anchieta). Ana também dirigiu a montagem de Esperando Godot, de Samuel Backett. Mas mesmo assim, por vezes, tem de ouvir do próprio pai que “não trabalha”. “Porque eu faço o que gosto parece que não é trabalho para ele. Às vezes meu domingo é terça-feira, acaba passando essa impressão. Se isso não é trabalhar, não sei o que é, então”, brinca. JULHO | 2017

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EDUCAÇÃO

Foto: Felipe Cavichioli

Em geral, professoras não preenchem seus planos de ensino com referências bibliográficas femininas

Inserções feministas

A luta pela igualdade de gênero tem tomado setores como a política e o mercado de trabalho, mas, no meio acadêmico, qual a representatividade de autoras nos planos de ensino? Alécio Härter Baroni Felipe Cavichioli Priscila Velaski

2º período de Jornalismo

As instituições de ensino têm a responsabilidade de preparar suas alunas a exercer sua cidadania plena, para que estejam empoderadas e que conquistem seu mundo. A defesa dos direitos femininos e a luta pela igualdade de gênero surgem, em parte, no meio acadêmico, na formação educacional das jovens. Mas, se sua base didática estiver baseada no pensamento masculino, essas alunas poderão ter seus princípios baseados nas ideias masculinas. A presença de autoras como referências bibliográficas seria uma maneira de ascender o feminino, dar voz e credibilidade às mulheres. Inseridas num contexto de emancipação, buscando por espaço e direitos iguais, as mulheres passaram por movimentos feministas de extrema importância no século XX. “Em primeiro plano, as mulheres conquistaram o direito ao

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voto, a inserção da mulher na princípio, relataram que não política, luta por igualdade sa- levam em consideração se as larial e melhores condições de obras nos planos de ensino de trabalho”, afirma o professor suas disciplinas foram escriJosé Isaías Venera, que minis- tas por homens ou mulheres. tra a disciplina de História da Para Janete Feijó, 49, coordeComunicação, no curso de Jor- nadora de Engenharia Saninalismo. tária, a escolha da obra em si Há então, certa desvaloriza- está relacionada à qualidade e ção pelo trabalho não a autoria. Já de escritoras no Cristiane afirma meio da produque “nossa ideia ção de conteúdo de que em algum didático, o que momento essa es“Estamos está ligado a sua colha é completainserção tardia mente ‘neutra’ ou imersos na área. “As áreisenta de marcas as que recebem de gênero, raça num sistema mais verbas são ou classe é muito mais refratárias à universitário equivocada”. presença de muO professor lheres”, completa Isaías acrescenta de estrutura ainda que Cristiane Brasilei“a proro, 47 anos, produção e visibilidahierárquica” de dessas autoras fessora, do Doutorado em Letras seriam maiores na área de Teoria se, no meio acada Literatura e dêmico, tivessem Literatura Brasileira, feminis- mais espaço e condições favota, e que faz parte do grupo de ráveis à pesquisa”. Ele ainda cita colunistas do Portal Catarinas - três grandes nomes da filosofia, Jornalismo com perspectiva de com influências no século XX e gênero. na atualidade nos pensamentos As professoras da Univa- que surgiram dos movimenli ouvidas pela reportagem, a tos feministas, são elas: Judith

Butler (1956), Simone de Beauvoir (1908-1986) e Hannah Arendt (1906-1975) que, usa como referência em suas aulas. “As alunas são desestimuladas, seus trabalhos tendem a ser menos bem recebidos e a circular menos do que os de seus colegas de mesmo nível acadêmico, elas são menos publicadas e ainda menos consideradas quando se vai montar uma bibliografia”, acredita Cristiane. A lenta ascensão O feminismo vem sendo alvo de muitas discussões e debates, no entanto, o meio vivido por elas está sendo cada vez mais valorizado e destacado. Seja na política, cultura e, como falado acima, no ensino, existe um grande crescimento da mulher. Porém, ainda os homens são a maioria quando pesquisamos as bases bibliográficas e os conteúdos didáticos. A título de amostragem, a reportagem do Cobaia pesquisou 24 planos de ensino, com cursos representantes de três centros da Univali. Após levantamento dos auto-

res presentes nesses planos de ensino, constatou-se que a presença masculina atinge 75%. Apesar de não haver nenhum levantamento oficial da universidade, essa tendência parece ser comum e “assusta” os professores ao perceber esse dado, “nunca havia percebido, só agora que fui questionada pensei melhor sobre isso”, comenta Denise Furtado, Coordenadora de Fotografia. Existe a hierarquia que parece ter um fim ainda distante, mas as mulheres escritoras estão lutando cada vez mais para se impor neste meio e também ter uma maior abordagem em áreas que é percebido um declínio comparado ao homem. “Estamos imersos num sistema universitário com uma estrutura altamente hierárquica, e quase que só homens brancos nos cargos mais altos”, completa Cristiane. A mulher escritora e editora está no caminho do crescimento, para isso precisamos enfatizar e destacar as obras e acreditar sim, que o trabalho feminino é tão importante quanto o masculino na literatura brasileira.


COMPORTAMENTO

Padrão de beleza imposto Pesquisa divulgada pelo IBGE aponta que uma em cada cinco meninas se acha gorda ou muito gorda Foto: banco de imagens

Tatiane Decker

7º período de Jornalismo

Padrões de beleza criados pela sociedade são tão intrínsecos a nós que nem mesmo nos damos conta que estamos sendo comandados por eles. É muito comum ouvir frases como: “Eu não faço isso pra agradar ninguém, faço por mim mesma!” ou “Eu não estou seguindo nenhum padrão, eu acho particularmente bonito!”. Mas não nascemos com estes pensamentos, eles são criados pela sociedade, uma ditadura de beleza comandada pela grande mídia. A questão é, este padrão vem se tornando cada dia mais destrutivos à vida de milhões de pessoas, que inconformadas com suas aparências, acabam dando maior importância a seus espelhos do que a sua saúde. Segundo pesquisa divulgada pelo IBGE, uma em cada cinco meninas se acha gorda ou muito gorda. É comum que os transtornos alimentares se desenvolvam durante a adolescência, uma fase em que as mentes já estão bastante confusas. As mulheres são uma maioria alarmante, 90% dos casos. O psicólogo Diego Raphael Pereira explica que estes distúrbios estão ligadas a situações de desajustamento psicológico em relação a autoimagem, o indivíduo que desenvolve este transtorno pode já ter depressão, Transtornos de Ansiedade Generalizado (TAG) ou outras sintomas mais enraizados que desencadeiam o distúrbio alimentar, mas ele sempre estará ligado a busca de aceitação social, da beleza imposta. “A forma como a sociedade vai olhar este indivíduo, é como ele vai se sentir. Quanto mais imerso ele estiver na cultura da mídia, mais sofrimento ele vai ter”, afirma o psicólogo. E sim, a sociedade pode ter um olhar muito cruel. Hoje o bullying vem sendo mais discutido, mas mesmo assim, muitos ainda o enxergam como uma frescura. Ana* foi vítima de uma dessas “frescuras”. - Tinha 13 anos e era uma criança gordinha. Nunca entendia o porquê, sempre comia muito menos que minhas amigas. Essa fase me marcou

O transtorno está ligado a uma situação de desajustamento psicológico em relação à autoimagem

muito, pois via o corpo das minhas amigas e achava lindo enquanto mal conseguia me olhar no espelho. Apesar de ter muitos amigos no colegio, sofria bullying por parte de pessoas que nem ao menos me conheciam e isso contribuiu diretamente para o meu distúrbio. Com 13 anos, então, parei de comer, corria muito mais do que meu corpo aguentava e cheguei a desmaiar muitas vezes. Emagreci mais de dez quilos em um mês. Mesmo assim, não conseguia me ver mais magra. Sempre olhava no espelho e odiava o que via. A família tem um papel importante no momento da identificação do problema. Como este tipo de situação ocorre mais frequentemente na fase da adolescência, é possível notar a mudança de comportamento do jovem. Os sintomas aparecem tanto em aspectos físicos, com a perda excessiva de peso, como em comportamentais, com a busca pelo

isolamento. A abordagem da família é importante, não devendo ser incisiva, pois a tendência é que a pessoa se afaste ainda mais. O tratamento deve

O que a fez acordar para a vida foi quando, em 2015, com 20 anos, quase morreu ser feito com um especialistas da área de nutrição, psicologia e psiquiatria, porém, os familiares e amigos são fundamentais no tratamento.

- Acho que o tratamento depende muito de cada pessoa e principalmente do quanto ela já está afetada por isso. Eu via a anorexia como algo maravilhoso, uma saída perfeita, uma amiga. Por que eu me livraria disso? Fui a vários psicólogos, psiquiatras, tomei remédios e nada. Achava tudo bobagem, nunca conseguia falar com psicólogos e parava os remédios quando bem entendia. Parece que algo sempre me dizia “melhorar por que? Tô tão feliz assim. Isso me faz bem. Não vou voltar a ser gorda por nada”. O que a fez acordar para a vida foi quando, em 2015, com 20 anos, quase morreu. Precisou fazer uma transfusão de sangue, tomar diversas bolsas de ferro na veia, injeções de vitamina e o pior: ouvir seu médico dizendo que poderia estar andando na rua e ter morrido. “Meu coração pararia. Ali vi minha família sofrendo. O choro da minha mãe desesperado me fez querer ser uma pessoa

saudável. Não por mim, mas por ela. Acho que isso foi mais eficaz do que qualquer psicólogo. Porém, não totalmente eficaz. O que posso considerar como melhoria é que agora eu consigo perceber e admitir esse tipo de coisa. Consigo ver que não é tão bom e normal como eu vi por muito tempo, conta Ana*. No último mês, a Netflix lançou o filme ‘O Mínimo para Viver’. No filme, Lily Collins interpreta a jovem Ellen, que sofre com a anorexia e acaba conhecendo um médico fora dos padrões normais. Ao invés de apenas fazer os tratamentos necessários para ajudar a paciente, o dr. William Beckham desafia a moça a abraçar sua vida e encarar o problema de cabeça erguida. O filme gerou polêmica nas redes, muitas pessoas desaprovam, mas para outras, o tema deve ser debatido. - Com certeza é um assunto que merece maior atenção. Creio que muitas pessoas devem sofrer com esses distúrbios, assim como eu. Hoje em dia somos bombardeados de estereótipos e com a mídia nos impondo que o corpo perfeito é o corpo das supermodelos, fazemos loucuras para entrar nesses padrões. Acho muito importante a discussão, principalmente para familiares e pessoas que acompanham “de fora” alguém que possui esses distúrbios. Eles precisam entender que é uma doença e é sim muito maior do que nós mesmos. Não temos controle, não somos idiotas ou frescos. Somos doentes. Julgamentos só pioram, afirma Ana*. O psicólogo Diego ainda afirma que durante o período de tratamento e também no pós é muito importante observar o que o paciente está consumindo, não somente em sua alimentação, mas em consumo de vida. Com quem se relaciona, o que à cerca e no que aquela pessoa se espelha. Apesar do tratamento ser efetivo, é necessário estar atento para que o transtorno não volte. “Todos os dias, eu convivo com ela e com o medo de deixá-la tomar conta de mim novamente. Mas a anorexia insiste em martelar em minha cabeça frases como ‘sua gorda, continua comendo, vai’ e agora eu me sinto uma bomba relógio, de tantos conflitos em minha mente.” Trecho de um texto de Ana* em 2016. *nome fictício

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CULTURA Fotos: Fernanda Scherer

Bendita seja a nossa

Desde 2015, Gabriela Cargnelutti e Mayara Soares trazem produtos com a temática feminista através da Bendita Coletivo

Mulheres que usam a arte para dar voz ao feminismo

Daianny Camargo Fernanda Scherer

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á muitos anos representadas por pintores ou escultores como um símbolo de fertilidade e pureza, as mulheres sempre encontraram variados obstáculos enquanto tentavam sair das telas e serem suas próprias inspirações como artistas. Atualmente, essa situação não mudou. Segundo pesquisas feitas no Museu da Arte Moderna, as mulheres ocupavam cerca de 14,6% do acervo.

Mesmo quando representadas na arte ainda, encaram outros obstáculos: um modelo inalcançável já definido pela sociedade, um pensamento inusitado de que o corpo feminino usado com conotação sexual para gerar lucros e satisfazer os prazeres masculinos é aceitável, enquanto o corpo da mulher usado através da arte se torna vulgar. A partir dos anos de 1960 o feminismo se fortaleceu lutando pela liberdade sexual, a liberdade do próprio corpo

voz

e a liberdade de expressão. Consequentemente, as artistas mulheres avançaram a passos lentos no cenário da arte e começaram a buscar destaque, através de editais como o Prêmio Funarte Mulheres nas Artes Visuais, que até o momento só teve edições nos anos de 2013 e 2014. Também buscam espaço através de coletivos feministas, responsáveis pela união feminina e empoderamento. Mulheres que se dispõem a ultrapas-

sar barreiras do machismo como Gabriela Cargnelutti e Mayara Soares, criadoras da Bendita Coletivo, mostram a verdadeira beleza feminina por meio da arte, quebrando esse paradigma social. “Sem dúvida, os itens com temática feminista são os mais procurados. É bem o que define nosso público-alvo. O nosso público é bem definido, talvez justamente pelo feminismo estar tão presente atualmente” explica Gabriela.


Foto: Divulgação

Os traços do feminismo na arte A Bendita nasceu na feira Surto, em novembro de 2015, expondo trabalhos já com enfoque no feminismo. Depois de oito meses, criaram a loja online, como uma forma de facilitar o processo de compra e abrir espaço para que artistas pudessem ficar à vontade com suas obras, levando o trabalho ao público da região. Gabriela afirma que “é mais difícil para a mulher se expor e o trabalho feito por mulheres é sempre visto como inferior, como uma segunda classe mesmo. Como por exemplo, na literatura: há literatura feminina, mas não há literatura masculina, dando a entender que literatura mesmo é feita por homens”. Mulheres representadas como elas realmente são. Tendo o corpo nu, não como conotação sexual e sim como uma forma de arte, ainda causa certa estranheza para a maioria da população que se deixa levar pelo modelo padrão de beleza da sociedade. A desenhista Fabiana Mazotine acredita no espaço conquistado pelas artistas de Santa Catarina.

“Acho que as mulheres vêm escuta, da informação as pesganhando um espaço bem soas poderão quebrar os prelegal, com artes lindas, com conceitos e caminhar em diideias maravilhosas, com ati- reção a uma sociedade plural. tude, com amor, com flores, Neste sentido, a arte tem um com nudez, com tudo... as mu- papel essencial, poderíamos lheres estão tomando a frente pensar vários exemplos, mas de quase tudo. Não é mes- neste momento me vem à camo?”. As meninas da Bendita beça o importante papel de ainda ressaltam “O feminismo Frida Khalo na desconstrução busca não só a de um único esigualdade e direitereótipo de muto das mulheres, lher, mesmo que engloba política, a princípio para É mais difícil alguns trate-se movimentos sociais, luta de clasde um para a mulher somente ses etc.”. ícone cult”, frisa A ilustradora Edese expor e o alu psicóloga Caroline Bogo Kawahala, que destaca a inter- trabalho feito há cerca de dois net como um meses criou com dos principais por mulheres outra professoespaços ocupara um projeto de dos pelas artis- é sempre visto extensão chatas. “Existem mado Flores da como inferior Clô, que presta diversos grupos nas redes sociais, atendimento psionde milhares de cológico e jurídimulheres artistas co em casos de e amantes das artes pedem e violência de gênero. Também compartilham dicas, suges- coordena o projeto de extentões e conselhos sobre suas são Vicente do Espírito Santo criações e projetos. Perdi a – SOS Racismo, que trabalha conta de quantas artistas bra- com questões raciais, no qual sileiras incríveis conheci atra- tem uma preocupação espevés de Facebook, Instagram, cial com as mulheres negras, Pinterest, etc.”. com a articulação gênero/ “Somente a partir de uma raça.

Bel Bellucci, grafiteira, mãe e professora de yoga Foto: Divulgação

Imagem abaixo: Ilustração da artista visual Caroline Bogo

Fabiana Mazotine, desenhista da marca MAZOTINE.ART

Outras formas de expressão Ultrapassando as barreiras da internet, as mulheres se estabelecem em outras vertentes da arte como o graffiti. A grafiteira Bel Bellucci divide a profissão de professora de yoga com os trabalhos. A arte, que entrou na sua vida aos 17 anos, continua, mas com muitas barreiras. Além da dificuldade de ganhar destaque tanto quanto os homens, ainda existe o medo de escolher o local que irá criar. “A gente acaba pintando onde se sente segura, não dá pra chegar num lugar que tá muito abandonado sozinha, a qualquer horário. Pintamos nos horários mais tranquilos, conciliamos ser mãe e mulher”. Segundo a roteirista Giovana Zimermann, já houve um tempo em que as mulheres tinham medo de se declararem feministas pelo alto índice de violência contra a mulher. Apenas nos últimos anos a expressão “feminista” começou a ser aceita com mais facilidade. “Eu demorei para me declarar feminista. Na realidade meu interesse estava focado nas políticas corporais, no corpo,

sua fragilidade e vulnerabilidade física: a dor, o medo, a morte.” Com a transformação da arte feminina, as artistas ganharam liberdade e espaço para temas relacionados ao feminismo como prazer sexual feminino, igualdade de gênero e aceitação do corpo, como no trabalho fotográfico Miss SC Plus Size, de Giselle Leal Krischnegg. A também jornalista conta que uma das edições da Volup2, que tinha como tema a nudez no Plus Size brasileiro, continha fotos da jornalista que teve respostas variadas de homens elogiando o seu corpo e não sua matéria, como era esperado pvor ela. Apaixonada pela fotografia há anos, ela acredita que o feminismo trará um novo olhar para sociedade e sobre o próprio corpo feminino.”Uma mulher gorda, tatuada, idosa, negra, tem tanto valor quanto qualquer outra e quanto qualquer homem. A beleza está justamente nas características que te tornam única. Uma covinha, um sorriso, rugas, eles vão te tornar quem você é”. JULHO | 2017

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COMPORTAMENTO

A cultura do assédio Comportamentos machistas patriarcais permeiam o cotidiano feminino e roubam a força das mulheres Marcos Roberio de Freitas 2º período de Jornalismo

- Estava voltando para casa durante a noite e um carro começou a me seguir. Eu pude sentir os meus batimentos cardíacos se intensificando enquanto minhas mãos suavam frio, então uma sensação de pânico tomou conta de mim. Vi o vidro do carro descer aos poucos até que um cara se debruçou e ficou insistindo para que entrasse. Seu olhar observava meu corpo, e no medo, corri para chegar rápido em casa. Quando ele desistiu e saiu senti uma sensação de alívio. Não conseguia entender por qual motivo me olhava tanto, só sei que a roupa nunca vai ser a culpa de um assédio ou estupro, pois estava com roupas longas durante o ocorrido. O relato de Daianny Camargo é só mais um dos milhares que compõe uma estatística brasileira. Geralmente tratados de forma rasa, os casos de assédio sexual dificilmente conseguem sair da invisibilidade para serem questionados pela sociedade. A cultura de tratar a vítima como culpada e o agressor como mocinho demonstram o machismo cultural encontrado nas pessoas. Não responsabilizar o agressor faz a desculpa “de impulso sexual” se tornar estupro e não terem a gravidade e seriedade que merecem. Conforme estatísticas do Fórum Anuário de Segurança Pública com dados a partir de 2010, cerca de 50 mil pessoas são estupradas por ano no Brasil. Isso contando somente as denúncias que são notificadas. Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA mostram que esse número poderia chegar a meio milhão de vítimas. Essa discrepância mostra um comportamento que cerca a vítima principalmente, devido ao baixo resultado nas investigações, instituições que não entregam seus agressores e pedidos de ajuda que são ignorados pelas famílias. A desconfiança percebida por quem resolve contar a história acaba levantando

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dúvidas sobre qual tipo de roupa a pessoa vestia, se estava bêbada, onde estava e o que fazia. - Já aconteceu comigo, mas prefiro não expor os detalhes. As medidas que tomei para me prevenir foram mudar o trajeto que eu fazia a pé, ficar acompanhada de uma pessoa sempre que possível e registrar um Boletim de Ocorrência, conta Maria*, vítima que teve o nome preservado. Instituições Assediadoras Grandes instituições como igrejas, universidades e empresas familiares acobertam e mantêm em segredo os casos de assédio. Um cenário que chegou a mídia em 2015 foi mostrado no filme Spotlight - Segredos Revelados, onde membros da Arquidiocese Católica de Boston estavam envolvidos em escândalos sexuais, contando com pelo menos 90 envolvidos. Fora da igreja, outras instituições respeitadas e com credibilidade tentam se isentar diante do crescente número de reclamações, para não manchar sua imagem.

Os casos de assédio sexual dificilmente conseguem sair da invisibilidade

Quando a mulher conhece o assediador, as chances de punição nos tribunais são praticamente nulas. Os motivos podem ser retaliação ou impossibilidade de provar que não houve consentimento. O assédio sofrido nas baladas não o torna menor que em outros locais, principalmente quando a mulher percebe que está sendo assediada. - Um exemplo claro dis-

Foto: banco de imagens

so é quando um homem se veste de bermuda e sem camisa no verão ou o mesmo usa sunga na praia. Isso não faz com que outros caras ou mulheres deem em cima dele, pelo contrário, se torna algo comum. O que não acontece com a mulher de ter liberdade para se vestir e se sentir confortável, onde quiser nesse estado de direito, reforça C. S., acadêmica do curso de Direito da Univali. Na onda do “pegador” Na internet é fácil encontrar sites com tutoriais e dicas de livros ensinando o homem a dominar uma mulher. Usam frases como “Aprenda a mentir e a esnobar”, “Quando vir uma conquista em potencial, você deve pensar em quanta diversão vai ter dando uns amassos” e “É fácil dá uma de pegador, conhecer todas as loiras, ruivas e morenas, mas acredite quase nenhuma delas vai te fazer feliz.” O machismo enraizado na sociedade com o papel do pegador é apenas um exemplo de como a mulher pode ser subjugada e isso ser encarado como tática de conquista. Até mesmo quando as ações da mulher são vistas pelo homem “Não adianta reclamar que o príncipe encantado não aparece, se você já pegou o reino inteiro”. “Mulher e carro, quanto menos rodados, melhor.” - A sociedade, em sua maioria, tem uma visão de mundo em que a mulher é submissa aos homens, ou seja, elas são obrigadas a lhe satisfazer. Isso faz com o que o assediador traga para

consigo isso e crie todo um perfil caracterizado de estuprador. Nada impede que a família ajude desde cedo os jovens a mudarem e terem todo um ar de respeito mú-

tuo quanto a sociedade em que vive e que os ensinem a ser pessoas melhores desde cedo. Pequenos atos e atitudes podem fazer muita diferença, finaliza C. S.

Casos de assédio e machismo No cinema A atriz Maria Schneider do filme O Último Tango em Paris, falou em 2007 que foi violentada por Marlon Brando, em 1972, em uma cena que não havia consentido. “Me senti humilhada e um pouco violentada” Diretor confirma que a sequência não foi combinada com a atriz. No trabalho A jovem inglesa Kate Hannah ao reclamar para sua chefe que estava sofrendo assédio por não usar sutiã, foi demitida. “Ela me chamou de estúpida, tola e exagerada”, conta inglesa que faz parte do movimento feminista Mulheres Sem Sutiã. “Ninguém deveria sentir a necessidade de se esconder para evitar comentários ou comportamentos sexuais indesejados”


ESPORTES

Um Vale de

dificuldades

Foto: Lucas Gabriel Cardoso

O Brusque Futebol Clube foi o último time da região a se sentar na mesa do grupo dos campeões catarinenses

Celio Bruns Junior Jefferson Queiroz Millena Pscheidt

2º período de Jornalismo

Se o Vale do Itajaí fosse um time de futebol, a má fase dentro das quatro linhas seria resultado dos seguintes fatores: problemas financeiros, dificuldade de preencher calendário, erros de gestões passadas, falta de patrocínio e apoio. Brusque, Camboriú, Marcílio Dias e Metropolitano. Quatro clubes que têm muito em comum, além da região geográfica que estão no mapa de Santa Catarina: Improviso, sacrifício, jogos em lugares improváveis, personagens únicos e difíceis de encontrar em outro âmbito,

paixão, raras alegrias, dinheiro escasso e muitas histórias para contar. O Brusque Futebol Clube foi o último time da região a se sentar na mesa do grupo dos campeões catarinenses. Em 1992, com apenas 5 anos de fundação e sob o comando de Palmito e Claudio Freitas, o Quadricolor chegou a máxima glória da sua história. Nesta edição, o Brusque superou o Marcílio Dias na semifinal e após perder para o Avaí na Ressacada no primeiro jogo por 1x0, venceu o Leão da Ilha na volta por 2x1 no tempo normal, e por 1x0 na prorrogação, com um gol inesquecível do camisa 10, Cláudio Freitas. Vinte e cinco anos se passaram e nem os brusquenses, nem os outros times da região puderam deixar novamente a taça mais importante

do estado no Vale do Itajaí. Itajaí, recém-voltado ao futeNas últimas 10 edições do bol profissional após 45 anos campeonato estadual, apenas inativo. Apenas o Brusque em 3 nenhum não foi rebaixaclube do Vale do do nesta edição, Itajaí foi rebaixaou seja, há um do. Marcílio Dias risco real de no Nas últimas próximo ano tere Brusque são os campeões em mos apenas um dez edições representante do descensos, com 3 rebaixamentos. do Itajaí na do estadual, Vale Camboriú (2), elite do futebol Metropolitano e catarinense. Almirante Bar- apenas em três A última vez roso completam nenhum clube em que um clube a lista de clubes da região chegou que amargaram a próximo de um do Vale foi queda. Em 2017, título estadual a história se refoi em 2000, com rebaixado pete, dois clubes o Marcílio Dias. são rebaixados Após o título da para a segunda segunda divisão divisão: o Metropolitano, de no ano anterior, o MarinheiBlumenau, que jamais havia ro retornou a elite do campesido rebaixado em sua histó- onato catarinense comendo ria, e o Almirante Barroso, de pelas beiradas e foi deixando

favoritos pelo caminho. Comandado pelo técnico Leandro Campos, o Marinheiro fez uma boa campanha no turno e no returno da competição, terminando em ambas fases do certame na terceira posição, isso credenciou o rubro-anil a jogar as semifinais pelo índice técnico. Na semifinal, após empatar em casa, o Marcílio precisava vencer o Figueirense, pois o alvinegro da capital jogava por dois empates, já que havia vencido o primeiro turno. E com um gol de falta antológico de Lelo, o clube de Itajaí venceu por 2x1, silenciando o Orlando Scarpelli e voltando a decidir o campeonato estadual após 14 anos. Na decisão, após empatar em 2x2 com o Joinville em casa, sucumbiu ao time do Norte na volta, no estádio Ernestão, onde perdeu por 2x1. JULHO | 2017

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Fotos: Arquivo

Bruscão entre a cruz e a espada Embora hoje navegue por mares mais tranquilos e seja o clube da região com mais visibilidade e estabilidade, nem sempre tudo foram flores para o Brusque. Desde que foi campeão catarinense pela primeira e única vez, em 1992, o clube proporcionou aos seus torcedores uma verdadeira montanha russa de emoções. A alegria de ótimas campanhas se entrelaçou com a amargura de rebaixamentos e crises financeiras. Desde então, o ‘’Bruscão’’ conseguiu duas Copas Santa Catarina (2008 e 2010), 1 Recopa Sul Brasileira (2008) e dois troféus da Segunda Divisão Estadual, além de participar de duas Copas do Brasil (2011 e 2017). Em contrapartida, acabou descendendo à segunda divisão do estadual em 1993 (um ano após o título), 2001, 2008, 2012 e 2014. A regularidade veio após a campanha na segundona de 2015, quando o time saiu campeão. No ano seguinte, o Brusque seguiu uma receita que costuma dar certo: manteve a espinha dorsal e o técnico do time do acesso e, com um investimento um pouco maior, obteve a quinta colocação no estadual, conseguindo vaga nas Séries D de 2016 e 2017, e, poste-

riormente, na Copa do Brasil deste ano, quando enfrentou o Corinthians, sendo eliminado apenas nos pênaltis, após o empate em 0x0 no tempo normal. Apesar das dificuldades, a esquadra Quadricolor novamente voltou a fazer uma boa campanha este ano. O quarto lugar obtido na tabela final do estadual foi a terceira melhor colocação do Bruscão na sua história de quase 30 anos. Além do titulo em 92, o clube emplacou uma terceira posição no estadual de 98. O nível de dificuldade do campeonato de Santa Catarina é apontado como o principal fator para o Brusque não conseguir manter uma regularidade. Principais obstáculos Segundo o diretor de futebol do clube, Carlos Beuting, “Como o nível de competição é alto, temos um gasto maior, e se tratando de uma competição com esse nível, não podemos ficar muito distante dos grandes. Isso requer dinheiro’’. Aliás, a questão financeira é a grande vilã dos clubes de pequeno porte. Beuting explica que a dificuldade financeira do país vem agravando mais

ainda a situação. “O empresário pensa primeiro em deixar a sua empresa redonda, honrando seus compromissos e hoje não está sobrando, se não existe sobra, como o empresário vai fazer um investimento fora?”, questiona. Outra dificuldade apontada é a questão estrutural. Com orçamento apertado, sobram poucos recursos para clubes investirem em infraestrutura e categorias de base adequadamente. O pouco que entra, é canalizado na equipe profissional, com a intenção de montar um time competitivo para atender o alto nível do campeonato catarinense. As principais receitas do clube são direitos de TV e patrocinadores. Rendas não são tão significativas, pois são muitas vezes confiscadas pela justiça do trabalho por dívidas anteriores com atletas e funcionários, outro problema apontado. Apesar de há dois anos estar oferecendo um calendário completo, com estadual e Série D, a competição nacional não enche os olhos do torcedor. Com jogos no mesmo horário que a Série A nacional, os públicos costumam ser baixos. Porém, não jogá-la é pior e significa longos períodos sem partidas. Fotos: Revista PLACAR

Em 1992, Brusque foi o últime clube da região a ser campeão estadual

Um Metrô desgovernado Ao contrário do Marcílio Dias, que vive um momento de replanejamento e reconstrução, o Metropolitano atravessa uma fase inversa. Outrora um clube organizado, estruturado e com investimento em marketing e comunicação, o Verdão do Vale se afundou em uma crise política e financeira. Embora não tenha nenhum título, o Verdão foi o clube com

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maior estabilidade até esse ano, quando sofreu o primeiro rebaixamento. Fundado em 2002, chegou à primeira divisão de Santa Catarina em 2005 e permaneceu na elite do futebol barriga verde por 12 anos consecutivos, tendo campanhas de destaque como o quarto lugar em 2008 e em 2014, quando chegou no quadrangular final.

O Metrô também é o clube com mais participações na Série D do Campeonato Brasileiro na história da competição, são 8 participações consecutivas, contando a atual edição. Desde que a competição foi criada, o time de Blumenau apenas não a disputou no primeiro ano do certame, em 2009. Desde lá, flertou muitas vezes com o acesso, batendo na trave em 2013, quando foi eliminado pelo Juventude/ RS na fase de quartas de final.

Marcílio chegou na final do estadual em 2000, contra o JEC

Recomeço rubro-anil O histórico de rebaixamen- da. Outro problema abordado tos, dívidas trabalhistas e difi- seria a falta de credibilidade na culdades para captar patrocínio “praça”. A imagem do Marcílio se repete no outro lado da ro- está manchada, dificultando dovia Antônio Heil, em Itajaí. acordos com empresas locais. O Clube Náutico Marcílio Dias, A falta de um calendário para o também conhecido como ‘’Ma- ano todo também é um grande rinheiro”, foi fundado em 17 de empecilho, pois não tem como Março de 1919, ou seja, possui fazer futebol com apenas 3 me98 anos de história. Desde a ses de trabalho. fundação, sua maior conquista O planejamento do clufoi o campeonato catarinense be começou há um ano atrás, de 1963. O Rubro-Anil tam- quando a diretoria fez diversas bém conta com os troféus da reuniões para discutir sobre as Copa Santa Catarina, a Recopa novas políticas do clube e enSul Brasileira de contrar soluções 2007 e o tri campara os obstácupeonato da Selos já citados. A gundona (1999, atual gestão iria O clube tem assumir em no2010, 2013). O Marcílio foi o úlvembro de 2016, como foco o porém, devido timo time do Vale a chegar à final do abandono da investimento ao campeonato esantiga diretoria, tadual, em 2000, o mandato foi anquando perdeu nas categorias tecipado para o para o Joinville. mês de outubro. De lá pra cá, o clu- de base para Logo no começo be vem num períalcrescer e ter enfrentaram odo de altos e baiguns problemas. xos. Embora seja Um deles seria o resultados um dos que mais possível rebaixaesteve na elite de mento do clube Santa Catarina. para a terceira diRecentemente o Marinheiro foi visão do catarinense, algo que rebaixado 3 vezes (2009, 2012, foi revertido. 2015), e atualmente encontraO clube tem como foco o -se na Divisão Especial do investimento nas categorias de Campeonato Catarinense. base, pois acredita que esse é Hoje em dia, em meio à tan- um dos principais fatores para tas dificuldades, o time busca crescer e ter mais resultados forças para retomar as glórias dentro do cenário estadual e do passado. Lucas Brunet, atual até mesmo nacional. presidente, explica sobre a poApesar de todas essas melítica do clube. tas, não é de uma hora para Segundo Brunet, um dos outra que o clube vai voltar ser obstáculos que o time encontra destaque na região. O plano é é a falta de patrocínio e a má colocar o Marcílio nos eixos administração da gestão passa- em seis anos. Com um acúmulo de fracassos e investimentos cada vez mais reduzidos, o Metropolitano sofreu o seu primeiro rebaixamento neste ano. Em meio a crise, o futuro do clube virou uma incógnita. Setorista do clube, o jornalista Augusto Ittner acredita que a falta de apoio do empresariado local é o principal obstáculo para o futebol não vingar em Blumenau. “O empresariado prefere coisas diferentes, prefere centro de convenções, Oktober-

fest, fazer uma Vila Germânica, não tem o esporte como algo que importe”, aponta. As consecutivas participações do Metrô na Série D também foram apontadas por Ittner como responsáveis pelo caos financeiro do clube, a competição é vista como deficitária e é necessário que se consiga o acesso rapidamente. Porém, em compensação é preciso disputá-la para garantir receitas e calendário o ano inteiro.


Foto: Divulgação

Cambura busca espaço Mesmo com um pouco de que. mais de 60 mil habitantes, o Assim como qualquer clufutebol ainda pulsa em Cam- be, o Camboriú tem muitos boriú. As dificuldades são as sonhos e mira grandes conmesmas dos demais clubes quistas. Pensando nisso, o e ainda agravadas pela dife- assessor de imprensa, Lucas rença de porte da cidade em Coppi, conta que, de início, relação aos oua diretoria se retros clubes da úne e planeja o região. Fundado ano com base em 2003, com o nas competições “Tudo é nome de Sociea serem disputadade Desportiva das. A partir daí, Cambouriense, pensado com começa a busca a ‘’Cambura’’ patrocínios e base no que por conquistou seu definição da coprimeiro títumissão técnica. A o clube vai lo já em 2006, última etapa diz vencendo a Di- disputar e no respeito à monvisão de Acesso tagem do elenco. do Campeonato que queremos “Tudo é pensado Catarinense. Em com base no que 2011, conseguiu o clube vai disalcançar” o acesso para a putar e no que primeira divisão queremos alcanestadual pela priçar”, diz Coppi. meira vez, como campeão da Uma das ideias é aliar bons segundona. O clube foi rebai- resultados dentro e fora de xado em 2013 e a volta à elite campo, começando por volaconteceu em 2015, quando tar a disputar a série A. Para foi vice da Divisão Especial, chegar lá, o projeto é investir perdendo a final para o Brus- em estrutura, campos de trei-

namento, sede própria, departamento médico equipado e investimento nas categorias de base. Por conta de não ter um calendário cheio, os contratos com os jogadores são feitos somente até o fim do campeonato e, na próxima temporada, é preciso começar tudo de novo. Esse é mais um dos motivos que fazem com que o clube busque melhores resultados, para conseguir preencher o ano inteiro com competições e manter uma sequência de trabalho. No papel, o planejamento parece não ser tão complicado de realizar, mas basta colocar em prática para a realidade vir à tona. Um dos problemas das menores equipes é a baixa rentabilidade. Segundo Coppi, é complicado manter um clube profissional pequeno. Porém, o time segue buscando conquistar seu espaço. “Vamos fazendo na medida do possível para que o clube cresça e tenha um futuro melhor.” completa ele.

Trajetória nos últimos 10 anos: Metropolitano e Brusque se revesaram entre os times da região com melhores campanhas nas edições do Campeonato Catarinense.

Trajetória nos últimos 10 anos: Confira os piores resultados dos times da região e os rebaixados na última década.

Legenda: NR = Nenhum Rebaixado R = Rebaixado R1 = Marcílio Dias e Brusque rebaixados R2 = Metropolitano e Almirante Barroso rebaixados

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CULTURA

Foto: Thiago Furtado

Estruturas históricas Estufas de fumo se tornaram patrimônio cultural do interior da cidade de Tijucas

Thiago Furtado

5º período de Jornalismo

Uma sinuosa estrada de terra leva a três bairros do interior de Tijucas – Terra Nova, Campo Novo e Oliveira. À beira do caminho, em várias propriedades, nota-se uma construção típica da região. Construídas de tijolos à vista, com cerca de quatro metros de altura e acimadas por um telhado em duas águas. Num trajeto de cerca de 20 km, até um dos últimos pontos da estrada, no bairro Oliveira, é possível contar facilmente trinta exemplares deste tipo de galpão. Essas estruturas são estufas, usadas para secar folhas de tabaco, principal produto agrícola da região até pouco tempo. Segundo Herculano Hercílio da Cunha (67), que trabalhou na fumicultura por aproximadamente 22 anos, existiam bem mais estufas do que se vê hoje. “Era muito mais. Cada casa tinha uma, porque todo mundo plantava fumo”, afirma.

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Nessas estufas, que pon- telhado do galpão, coberta tuam a paisagem da região, por uma espécie de cumeas folhas de tabaco secavam eira. Por ali, a umidade que dependuradas em varas que o calor retirava das folhas atravessam a estrutura de era expulsa. Ele, a esposa e cima a baixo. Do lado de fora, os dois filhos cuidavam de uma fornalha alimentada à le- uma plantação de aproximanha produzia o calor que era damente 40 mil pés de tabadirecionado a um sistema de co. Quando os filhos foram tubos de metal buscar oportuque percorria a nidades fora da parte inferior da comunidade, fiestufa. O calor, difícil conMaioria das cou medido rigorotinuar na ativisamente através dade. Carregar de um termô- estufas antigas as varas da estumetro, precisava com as folhas, está parada. fa ser mantido em por exemplo, torno de 180ºC. Estruturas têm exigia um cerPara monitorar to malabarismo a temperatura, sido utilizadas e o esforço de quem trabalha três ou quatro com fumo precipessoas. para outras sa estar 24h por Assim como dia cuidando da Herculano, boa finalidades fornalha durante parte dos agrio período de cocultores foi milheita e secagem grando para oudas folhas. Cada remessa pos- tras culturas, como banana, ta para secar, ficava na estufa tangerina, aipim, laranja e de seis a oito dias, ciclo repe- maracujá. A cultura do tatido até o fim do período de baco é uma atividade árcolheita. dua, que requer um número Herculano chama a aten- grande de pessoas envolvição para uma abertura no das. Além disso, um certo

Foto: Isadora Manerich

A betoneira é apenas uma das ferramentas guardadas na estufa-depósito de Herculano Hercílio da Cunha


êxodo da população mais jovem, as restrições acerca do fumo e a chance de sofrer com a doença do tabaco verde, que afeta os fumicultores, contribuíram para a diminuição da produção de fumo na região. Atualmente, estima-se que apenas cinco famílias continuem produzindo em Oliveira e Terra Nova. A maioria das estufas antigas, portanto, está parada. Pelo caminho, é fácil perceber que estas estruturas têm sido usadas para outras finalidades. Quase todas acabaram virando depósito de ferramentas e há até quem tenha transformado as estruturas em aprazíveis casas para sítios. Seu Herculano mantém a estrutura porque a considera um patrimônio. O que é pertinente, já que, segundo ele, a cultura do tabaco existe há mais ou menos 90 anos na região.

Foto: Thiago Furtado

Apesar de não serem utilizadas, muitas famílias mantém os galpões nas propriedades Foto: Isadora Manerich

Marcelo Meschke trabalha com fumo desde cedo e é um dos remanescentes no plantio

O casal Marcelo Meschke (46) e Patrícia Montibeler Meschke (38) é um dos remanescentes no plantio de tabaco no bairro do Oliveira. Desde que começou a trabalhar na roça, Marcelo sempre cultivou fumo. Atualmente, porém, a estufa antiga que eles mantêm na propriedade teve o mesmo destino das outras do lugar: faz as vezes de depósito. Para esta safra, eles vão utilizar pela primeira vez a estufa automatizada que adquiriram por R$ 33 mil. A estrutura de zinco é mais fácil de ser carregada, já que as grades para secagem se espalham mais horizontal do que verticalmente. O calor da caldeira – que continua sendo alimentada com lenha – é jogado para o compartimento em que ficam as folhas através de uma ventoinha movida por energia elétrica. O sistema, mais eficiente, economiza lenha e diminui o tempo se secagem de uma remessa de folhas em um dia, aproximadamente Marcelo acabou de preparar o terreno para receber o plantio da próxima safra, que acontece no mês de julho. Enquanto isso, por dois me-

ses, as mudas da planta são cultivadas em canchas com água e um defensivo agrícola. A colheita começa entre o fim de setembro e início de outubro e segue até o início de dezembro. A família continua no ramo porque é a atividade mais rentável que conhece. Segundo Marcelo, alguns agricultores que estão trabalhando com batata-doce perderam parte da produção recentemente porque não conseguiram vendê-la. Eles, no entanto, tiveram uma safra excepcional em 2016, por conta do bom tempo. Por força do contrato com a empresa para quem plantam, toda a produção tem que ser comprada por ela. O produto, vendido em arrobas, continua, portanto, sendo uma boa opção. As estufas de fumo que se vê por todo lado nessa região do interior de Tijucas são testemunhas de um tempo que praticamente não existe mais. As que ainda restam estão desempenhando funções para as quais não foram feitas. Mantê-las de pé parece ser uma forma que esse povo encontrou de lembrar de um tempo que já se foi.

Foto: Isadora Manerich

Por dois meses as mudas ficam em bandejas com água e antes de irem para a terra

Foto: Isadora Manerich

Estufa adquirida por R$ 33 mil pela família Meschke JULHO | 2017

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COLETIVO FOTOGRÁFICO Acadêmicos: Denilson Berlanda, Dyovana Koiwaski, Guilherme Venancio e Henrique Grandi

www.photocronica.wordpress.com

Do outro lado da câmera Estúdio pronto, câmeras di a vida familiar com viagens ligadas e ajustadas. Dessa vez, para as grandes metrópoles, ela estava do outro lado, com as em busca da foto perfeita. luzes focadas em seu rosto e foA fotógrafa tem preferêntógrafos prontos para capturar cia pelas cores e costuma reseus gestos e expressões mais gular com mais frequência característicos. Fotojornalista contraste e a saturação. Entre acostumada a estar no meio as fotos que mais gosta no seu das maiores manifestações portfólio, ela destaca uma tiraque acontecem pelo Brasil, da no dia 15 de março. QuanBruna Costa, 27 anos, dividia do saia de uma manifestação a atenção entre posar e cuidar na Avenida Paulista, em São o que a filha Larissa aprontava Paulo, um morador de rua espela sala. tava deitado na Bruna é uma calçada, usando dessas profissioum nariz de panais exigentes lhaço. “Ele olhou Para a com o trabalho, para mim e eu imagem que não sabe detirei a foto, ficou finir bem o estilo demais. Conseestar boa, de suas fotogrague representar o fias, mas acredita momento crítico ela precisa vivido atualmenque para a imagem estar boa, ela te, diluído com a precisa transmi- transmitir toda desigualdade sotir toda a essência cial”, observa. a essência sentida durante o “No comeprocesso de criaço eu ia sozinha sentida ção. A fotografa e não conhecia trancou o curso ninguém. Aos de Jornalismo no poucos fui me 5º semestre, e ainda não con- integrando com outros profisseguiu retomá-lo. No meio do sionais, assim fica mais fácil. caminho, surgiram responsa- Andamos em grupo”, revela bilidades, constituiu família e Bruna. Em fevereiro de 2014, encontrou nas manifestações durante um ato do Movimento a maior motivação para seguir Passe Livre, foi uma das pricarreira. meiras vezes que ela acompaA princípio, Bruna pensava nhou outros fotógrafos. “Conem fotografar recém-nascidos, seguimos ir bem no centro do algo um tanto mais tranquilo protesto. Do nada, os policiais que os perrengues que passa começaram a jogar spray de hoje em dia. Ela começou nes- pimenta e gás lacrimogêneo. se segmento no ano de 2013, Alguns cinegrafistas caíram. quando a onda de protestos se Eu estava tão nervosa com o espalhou pelo país. Hoje, divi- que estava acontecendo, que

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JULHO | 2017

perdi esse momento, tirei só uma foto e não parava de chorar”, lembra. É essa adrenalina que a profissional confessa ser sua paixão e para se proteger de eventuais problemas, ela usa uma máscara de gás e capacete. O objeto é um dos companheiros inseparáveis dela, além da máquina e mochila, ambos registrados nas fotografias feitas para o perfil. “Documentar manifestações é complicado pela rapidez com que tudo ocorre. Ajusto manualmente a câmera e toda hora é uma luz, ambiente e enquadramentos diferentes”, comenta Bruna. A fotógrafa já trabalhou no jornal Diarinho, de Itajaí, como estagiária enquanto cursava a graduação e, hoje, está empregada em uma agência de fotos. Para alavancar a carreira, ela planeja se mudar para São Paulo no ano que vem. “Aqui estou muito longe dos grandes movimentos”, ressalta. A rotina de mãe também pesa em sua decisão, já que hoje ela se dividi entre as viagens e a vida em Balneário Camboriú. Mesmo com a mãe fotógrafa, Larissa foge das câmeras e não demonstra interesse pela área. “Ela gosta de ver as fotos, mas se eu viro a máquina pra ela já diz não”, afirma Bruna. Ao passar dos cliques, a profissional também conseguiu se soltar em frente as câmeras, chegando a auxiliar com algumas considerações.


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