Cobaia #147 | 2016

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䌀伀䈀䄀䤀䄀 Itajaí, outubro de 2016 | Edição 147 DISTRIBUIÇÃO GRATUITA

Cidadania Alunos e professores dos cursos de comunicação irão participar do Projeto Rondon

Droga

que mata

Número de homicídios em Itajaí, em 10 meses, já superou os casos registrados durante 2015 e vitimou 40 pessoas até agora. Segundo a Polícia Militar, mais de 90% das mortes têm ligação com o tráfico de drogas. Índice é o dobro do aceito pela Organização Mundial de Saúde e configura um cenário de epidemia pág. 3

Pág. 12

Saúde Santa Catarina é o segundo estado com mais números de casos de suicídios no país Pág. 11

Perfil Estrada de ferro de Criciúma carrega muito mais do que vagões cheios de carvão Pág. 8

Roubos

que assustam

De janeiro a outubro deste ano, mais de 4 mil roubos e furtos foram registrados em Itajaí de acordo com dados da Secretaria de Segurança Pública de Santa Catarina. Número de ocorrências subiu nos últimos anos enquanto o efetivo de policiais militares na cidade caiu 30% em três anos pág. 6


Editorial O problema da segurança pública não é uma realidade apenas de Itajaí. O Brasil trava há anos uma batalha para reduzir os números da criminalidade, seja de homicídios, furtos ou roubos. A verdade é que o brasileiro é um povo violento. Aqui, mata-se muito e por nada. Essa é a realidade e é preciso enfrentá-la. Mas também é nítido que a incidência de crimes na cidade portuária está cada vez maior com o passar dos anos. E esse cenário é reflexo de uma série de fatores: falta de investimentos em educação, aprofundamento das desigualdades sociais, poucas oportunidades para os mais necessitados, redução do efetivo das forças policiais, impunidade. É assustador saber que o número de policiais militares na cidade re-

EXPEDIENTE

duziu 30% nos últimos 3 anos ao invés de crescer. Isso quer dizer que a população cresce, os problemas de segurança são cada vez mais críticos enquanto temos menos profissionais preparados para cuidar do bem estar da comunidade. Neste contexto, somos todos reféns. Sofrem os moradores, os turistas, os estudantes, a universidade e os homens encarregados de cuidar da segurança pública. Novos policiais serão formados em dezembro e a comunidade de Itajaí precisa se articular para cobrar que estes profissionais sejam contratados para trabalhar aqui. Além do aumento do efetivo, é preciso lançar um olhar crítico sobre as políticas públicas de combate ao tráfico de drogas. Estamos

perdendo essa batalha há anos e precisamos reverter este quadro. Sem falar dos investimento em educação. A educação ainda é o caminho mais fácil para transformar uma sociedade. Que sejam dados os primeiros passos... * O Cobaia está de cara nova. Nesta edição, lançamos um novo projeto gráfico para que você possa apreciar nossas páginas de uma forma mais prazerosa. Nossa intenção é facilitar sua vida e deixar o jornal mais moderno, com uma apresentação mais interessante. O projeto foi realizado em uma parceria entre os professores do curso de Jornalismo Vinicius Batista e Gustavo Zonta. Boa nova leitura!

Crônica

Agência Integrada de Comunicação

Um romance melhor que Romeu e Julieta UNIVALI - Universidade do Vale do Itajaí

Praticar esportes nem sempre foi algo presente em minha vida. Tenho uma certa paixão pelo meu lado sedentário e ele gostou de fazer meu corpo de morada. Já tentei me separar diversas vezes, mas é como aquele grande amor de infância, fica ali, paradinho, até achar a oportunidade para se apossar do corpo por inteiro. Diferente de mim, tenho um primo. Tão hiperativo que só de olhar fico cansado. Às vezes, não consigo compreender como uma pessoa consegue praticar tantos esportes e ter paixão por todos ao mesmo tempo. Fomos criados juntos. Desde pequenos brincando na lama, comendo areia, correndo na chuva. Que saudade dos tempos da casa dos avós. Meu primo, apesar de gostar de tantas práticas esportivas, tem uma paixão um pouco maior pelo karatê. Paixão essa que rende muitas medalhas. Quantas histórias ele guarda em cada uma que está pendurada na parede do quarto. Apesar de ter um relacionamento sério há tempos com a preguiça, eu tento traí-la com esportes. Já pratiquei aulas de vôlei, por exemplo. Foram três meses seguidos à risca, do modo que o técnico mandava. Musculação, alimentação balanceada e muito treino. Confesso que gostava, era bom sentir uma

certa adrenalina quando a bola vinha em minha direção. Eu sabia sacar muito bem, era difícil errar. Quanto ao jogo, aos passes, defesas e ataques, bem, esses eu tinha certa dificuldade. Mas entenda meu lado. Um garoto que começou a fazer aula de vôlei aos dezesseis, que nunca teve contato com a prática e que fingia estar com a perna machucada para faltar a aula de educação física (bons tempos), não tinha como ser o próximo Bernard. Jornada nas estrelas até a minha cama, essa eu dominava. Devido a minha infortuna falta de coordenação motora, deixei o vôlei. Mas não queria ficar a tarde inteira deitado no sofá. Decidi conversar com meu primo, ele deveria ter alguma dica para mim. “Por que não faz uma aula de karatê?”, ele perguntou sorrindo. “Tudo bem, vou tentar”, respondi quase chorando. Eu sabia que não ia dar muito certo. Desde pequeno arrumava amizade com os valentões, justamente porque sempre detestei brigas. Fui para a minha primeira aula, afinal não devemos correr do bicho sem ver o tamanho. Aquele era enorme. Parecia o Godzilla vindo em minha direção com sangue nos olhos pronto para me esmagar. Sentei no tatame, descalço e com roupas confortáveis, como mandou

o sensei. Fiquei observando cada um que se apresentava para treinar uma luta ou o kata, uma espécie de coreografia com golpes e saltos. Via pernas voando e pousando com tanta precisão. Socos no ar com tamanha força. Tudo parecia estar em câmera lenta e eu, sentado, era mero apreciador. Então meu primo me chamou para treinar com ele. Ele dava o compasso, ensinava os golpes e eu tratava não parecer desastrado. Só tentava. Devo ter sido motivo de piada pelo resto da semana. Não apareci mais nas aulas. Eu não sabia o que fazer, todo o esporte que tentava praticar me desgraçava ainda mais. Não tinha coordenação motora suficiente para acertar os golpes e chutes na hora certa. Meu equilíbrio mal me deixava ficar em cima do skate por muito tempo. E sobre o vôlei, prefiro não comentar. Meu primo continuava a me incentivar a praticar algo que me separasse do sedentarismo, mas o nosso relacionamento estava tão mais intenso. No fim, resolvi assumir de vez o casamento com a preguiça e deixei de lado essa de traição esportiva. Gabriel José Fidelis 4º período de Jornalismo

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS COMUNICAÇÃO, TURISMO E LAZER Diretor: Renato Büchele Rodrigues CURSO DE JORNALISMO DA UNIVALI Rua Uruguai, 458 - Bloco C3 Sala 306 | Centro, Itajaí - SC - CEP: 88302-202 Coordenadora: Vera Sommer JORNAL LABORATÓRIO DO CURSO DE JORNALISMO DA UNIVALI Edição: Gustavo Paulo Zonta Reg. Prof. Mtb/SC 3428 JP Tiragem: 2 mil exemplares Distribuição Nacional Projeto Gráfico: Vinicius Batista Gustavo Zonta Diagramação: Gustavo Zonta Colaboração: Gabriel Silva Tatiane Decker

Todas as edições do Jornal Cobaia estão disponíveis online. Acesse: issuu.com/cobaia! Você tem alguma sugestão para fazer, ou alguma matéria que gostaria de ver

Agenda Percepções Durante o mês de novembro, a exposição Percepções, da artista plástica Kaká Moreira, vai estar em exibição no hall da Biblioteca Central da Univali de Itajaí. São oito obras compostas por linguagem contemporânea e técnicas que revelam o olhar da artista, que apresenta pinceladas livres, contornos e expressões sem limitações.

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publicada? Conte com a gente! cobaia@univali.br Tem Música na Biblioteca A música está sempre presente nos corredores do campus da Univali de Itajaí. Um dos palcos principais é a Biblioteca Central. Em novembro, o projeto Tem Música segue com diversas apresentações. No dia 7, tem Grupo Instrumental e Eloá Dallzott. No dia 8, se apresenta Carol Hends. No dia 22, Ubiratam Matos e Chico Preto e, no dia 29, Keyla Krauss e Yan Felipe. Todas as apresentações começam às 18h30min.

Prevenção A Univali não vai ficar de fora da programação do Novembro Azul, que combate o câncer de próstata. Haverá atendimento clínico e exame de coleta de PSA, gratuitos, no dia 11 de novembro, aos colaboradores da Univali, e, no dia 25, à comunidade.

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Foto: Maicon Renan

SEGURANÇA

Além da fumaça Histórias que se repetem, vidas que se perdem após o vício nas drogas e o envolvimento com o tráfico

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dívida com o tráfico de drogas quase tirou a vida de Ana Paula Refinsk. Sem ter para onde ir e jurada de morte por um traficante, ela encontrou abrigo na Comunidade Terapêutica Conviver, em Itajaí, centro de reabilitação só para mulheres. Ana, que conseguiu escapar da morte, contrapõe as estatísticas divulgadas pela Secretaria de Segurança Pública de Santa Catarina. De acordo com a SSP, dos 40 homicídios que aconteceram em Itajaí entre janeiro e outubro de 2016, 90% tem relação com o tráfico. Na cidade, segundo a 1ª Companhia do Batalhão da Polícia Militar de Itajaí, o tráfico de drogas se concentra principalmente nas chamadas áreas vermelhas, nos bairros de Imaruí, Promorar e São Vicente. Juny Hugen e Maicon Renan 4º período de Jornalismo

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Fotos: Maicon Renan

O Comandante do 1º BPM, tenente Rodrigo de Carvalho Paulo, destaca que o aumento da criminalidade e o envolvimento com o tráfico de drogas tem se agravado por causa da participação de menores de idade. “Há uma grande incidência de jovens entre 15 e 18 anos, geralmente usuários de drogas ilícitas como maconha, drogas sintéticas e cocaína nas ações criminosas”, explica. Ana, que agora está com 33 anos, se enquadra no perfil mencionado. Tornou-se usuária aos 17, quando conheceu o namorado e, ao mesmo tempo, a cocaína. De lá para cá, experimentou de tudo, até chegar no crack, momento em que se viu perdendo a vida, os bens e a família. Em tratamento na Instituição Conviver até abril de 2017, se emociona ao lembrar dos filhos e com determinação fala sobre a vontade de recomeçar. “Eu quero voltar a ser uma mãe exemplar. Antes minha filha tinha muita vergonha de mim e agora, que estou me tratando, ela tem orgulho”, sorri. Foram 15 anos perdendo a batalha. Sua vida, como a de tantos outros dependentes químicos, parou. O trabalho realizado dentro de espaços como a Insti- Na Instituição Conviver, as mulheres seguem um programa de tratamento para auxiliar na recuperação tuição Conviver é importante, pois são alternativas para o tratamento de dependentes tro”, comenta a coordenadora nascesse. “Eu já havia estado dos usuários vai além do dis- pacional do Centro de Atenção químicos. Um exemplo de da instituição, Glória Aguiar. uma vez na clínica, mas não tanciamento das drogas. São Psicossocial Álcool e Drogas política pública desenvolvida Quartos arejados, roupas quis ficar. Para mim, essa é necessárias opções para que de Itajaí, Lisete Borba, fóruns para mudar a situação de vul- de cama, cosméticos, pro- uma oportunidade de melho- eles saibam o que fazer depois permanentes de discussão denerabilidade social. Na clínica, dutos para higiene, cozinha, rar e poder recuperar a guar- de sair da clínica. Mas, para vem ser realizados entre a soas mulheres não estão apenas sala, área de vivência, jardim. da da minha filha, que hoje que os dados mudem e a reali- ciedade. em tratamento, estão se pre- Seguindo uma programação está no abrigo”. dade das drogas seja diferente, Lisete, que também é espeparando para voltar a viver em diária rígida, as mulheres têm As ações realizadas pelos é preciso ainda desenvolver cialista em transtornos mensociedade. “Nosso plano tera- aulas de artesanato, de como centros de reabilitação são políticas de prevenção. Para a tais e dependência química, pêutico segue até nove meses fazer uma horta orgânica, de importantes, pois a reinserção coordenadora e terapeuta ocu- ressalta a importância de prode tratamento, dependendo da culinária e também acompagramas de prevenção, como o situação da paciente”, explica a nhamento para terminar os eslançado pelo governo federal assistente social Cristiene Car- tudos. Cristiene afirma que dá em 2011. “O programa chaneiro. até orgulho ver o boletim delas mado ‘Crack, é possível vence’ As mulheres seguem o sis- “A Secretaria da Educação disfoi dividido em ações e essas tema de crachá colorido, em ponibiliza um professor para ações foram estruturadas em que as cores indicam o pro- dar as aulas. Depende do nível três eixos: cuidado, autoridade gresso no tratamento. Inicia no em que elas pararam de estue prevenção”, explica. Entre as vermelho, para as recém-che- dar, elas reiniciam. Quando abordagens do projeto, estagadas, e encerra concluem o ciclo, vam a criação de enfermarias no rosa, quando nós fazemos uma especializadas nos hospitais do a mulher está festa de encerraSUS e a criação de 308 consulapta a retornar mento”, finaliza. tórios de rua para atendimento Para que para a sua vida Apesar do nos locais onde há maior incifora da instituitratamento durar dência de consumo de crack. os dados ção. “Neste mono máximo nove O programa também desmento, quando meses, algumas taca que as ações policiais de mudem, é vemos a postura exceções são repressão ao tráfico de drogas diferente, os penabertas, como é seriam realizadas nas fronteisamentos e ações, preciso ainda o caso de Vera ras e áreas de uso de drogas, nós sabemos que Lúcia Simão, 34 com o aumento de dois mil desenvolver anos. Iniciada no elas estão prepanovos policiais para as Políradas para viver mundo das drocias Federal e Rodoviária Fesuas vidas novaderal. Lisete comenta que o políticas de gas mais tarde mente”, afirma que o habitual, governo federal também enCristiene. Com caminhou ao Congresso Naprevenção já que na maior capacidade para parte das vezes cional projeto de lei que altera atender 20 muo uso inicia na o Código de Processo Penal e lheres, a clínica pré-adolescência a Lei de Drogas para acelerar é coordenada pela Igreja Re- e adolescência, ela teve as a destruição de entorpecenviver. O espaço é tranquilo e primeiras experiências aos tes apreendidos pela polícia e agradável, e oferece todo o su- 28 anos. “Meus amigos me agilizar o leilão de bens utiliporte que elas precisam para chamavam de careta por não zados para o tráfico. No eixo se recuperar. “Trabalhamos fumar maconha, então eu coda prevenção, ela destaca que para que a Conviver tenha uma mecei”, explica. Vera foi levao Programa de Prevenção do marca de acolhimento, tanto da pela assistência social para Uso de Drogas na Escola prepara as mulheres que vêm se a Conviver no dia em que foi viu a capacitação de 210 mil internar, quanto para as pes- encontrada. Estava em cárceeducadores e mais de três mil soas que vêm visitar. Eu quero re privado, jurada de morte policiais militares para preque seja um lugar em que nós pelo companheiro assim que Todas as manhãs elas são responsáveis por organizar a casa e venção do uso de drogas em vejamos a necessidade do ou- o bebê que estava esperando manter o ambiente em harmonia 42 mil escolas públicas.

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Fotos: Maicon Renan

Mudanças ainda não são efetivas Apesar dos esforços para minimizar a situação, os números são claros e mostram que as mudanças ainda não são efetivas. Se aplicarmos as estimativas da Polícia Militar nos homicídios registrados em Itajaí neste ano, chegamos a conclusão que 36 pessoas perderam a vida em 2016 por causa do envolvimento com as drogas. O assassinato de 40 pessoas na cidade, que tem 200 mil habitantes, aponta para um cenário de epidemia segundo parâmetros da Organização Mundial de Saúde. Para a OMS, o “aceitável” seriam 10 homicídios para cada 100 mil habitantes. Em Itajaí, este índice já atingiu o dobro. Intensificando as discussões sobre o assunto, os debates sobre a descriminalização da maconha, droga considerada ilícita, continuam exaltados e polemizando ainda mais o acesso às drogas. Mestre em

Ciência Jurídica e especialista em segurança pública, Alceu de Oliveira Pinto Junior aponta que em primeiro lugar seria necessário definir o que é droga. “Eu acredito que é uma questão cultural, pois se o cigarro e a bebida são permitidos, a simples proibição não vai adiantar muito, ou pelo menos não se justifica”, ressalta. Sobre a relação da legalização da maconha com o tráfico, Alceu, que é coordenador do curso de Direito da Univali, Campus Kobrasol, diz que apesar da descriminalização da maconha poder acontecer, hoje ela já não é o carro chefe do tráfico. Assim, o reflexo na questão da criminalidade pode não ser o esperado. “Ainda há um estigma muito grande com relação à maconha, quando o álcool causa muito mais danos no indivíduo ou em terceiros, especialmente no trânsito”. O

professor destaca que as discussões em relação ao assunto são intensas porque envolvem outras questões. “Se de um lado tem o sentimento de liberdade que alimenta a discussão, de outro tem uma questão moral quanto ao envolvimento com drogas”. E é esse envolvimento que dá origem às políticas de repressão às drogas. Alceu explica que a funcionalidade dessas políticas depende da ação ou estratégia utilizadas. Como as ações normalmente se voltam contra o pequeno traficante, que na maior parte das vezes também é usuário e tão vítima da droga quanto às pessoas para quem ele vende, elas podem não ser tão efetivas. “As ações macro, que possam resultar em grandes apreensões, é que podem dar resultados mais relevantes do que encher a cadeia desses pequenos traficantes e, ou, usuários”.

Quando tudo começou? Segundo o coordenador do curso de História da Univali, Francisco Alfredo Braun, as drogas passaram a ser constituídas como problema social no Ocidente entre o final do século XVIII e início do século XIX, quando o álcool e outras substâncias como ópio passaram a ser vistas como um elemento que tiraria os operários do trabalho. “Com o contexto da Revolução Industrial, observou-se a medicalização dessas práticas. Os alucinógenos foram utilizados em várias culturas como elemento religioso”, explica. Na cultura brasileira, a utilização de drogas existe desde o início da colonização com a produção do álcool de cana e alucinógenos utilizados pelas populações nativas. No final do século XIX e início do século XX, o ópio e a cocaína já se faziam presentes tanto na Europa como no Brasil. Sobre a diferença em relação ao impacto do uso das substâncias naquela época e agora, o professor Chico destaca o aparecimento de drogas sintéticas no século XX.

O artesanato é uma das atividades de terapia ocupacional oferecidas na programação da Conviver

Os laços estabelecidos dentro da clinica são um dos fatores que contribui para o sucesso do tratamento

Recuperação possível A esperança de tirar os usuários da dependência química e da criminalidade é o que move os envolvidos nas clínicas de reabilitação, grupos de apoio, centros especializados, órgãos públicos e outros profissionais que buscam mudar a realidade do dependente químico. Apesar da dificuldade em manter-se sãos, alguns conseguem se recuperar e vi-

ver longe das drogas, como é o caso de Mara Joara Ferreira Paiano, 26 anos. Mara Joara iniciou no mundo das drogas na adolescência, aos 17 anos. As primeiras experiências foram influenciadas por amigos, mas hoje ela sabe que poderia ter agido diferente. “Hoje em dia eu vejo assim, se eu não quero, eu não uso e pronto, ninguém pode me obrigar. É a gente que escolhe se usa ou não usa, mas antes eu não pensava assim”, relembra. Mara Joara, que está limpa há seis anos, conta que quando entrou na instituição estava grávida e perdeu a guarda da filha. “Esse foi o meu motivo, o meu foco. Recuperar minha filha era tudo o que eu queria”. Para ela, as pessoas com quem conviveu durante os dois anos em que esteve em tratamento foram fundamentais na recuperação. “As pessoas do Resgate, principalmente a irmã Glória e a irmã Cida, mudaram a minha vida. Antes eu era uma pessoa arrogante, brigava e xingava sem precisar, depois do tratamento, eu só tenho a agradecer”. Quando saiu da clínica, sentiu medo. Achava que não aguentaria ficar longe das drogas. Aos poucos, o medo passou e conseguiu seguir sua vida normalmente. “Tinha medo, pois sabia que não tinha ninguém me vigiando. Agora eu não tenho medo, mas também se tem alguma situação que me coloca em contato com álcool e drogas eu saio de perto”, afirma. Hoje, ela orgulha-se em dizer que tem uma família, marido, filhos e sua vida de volta. “Eu digo para minha filha, estude e nunca use drogas, porque elas fizeram muito mal para a mãe”. OUTUBRO | 2016

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SEGURANÇA

Reféns do cotidiano Número de furtos e roubos em Itajaí chegou a 4.342 em outubro deste ano e assusta moradores e estudantes Foto: Gustavo Zonta

Proprietário mudou barbearia de endereço na tentativa de manter o negócio aberto. Novo espaço tem grades, alarme e vigilância 24 horas

Tatiane Decker

5º período de Jornalismo

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icael Santos, 26 anos, é um profissional com estabilidade. Barbeiro, é proprietário da Bar-Bearia Tradicional, um estabelecimento de muito estilo localizado na rua Almirante Barroso, no centro de Itajaí. No último mês, o espaço precisou mudar de endereço. Não para aumentar seu tamanho ou migrar para um aluguel mais acessível, mas, sim, por medidas de segurança. Em agosto deste ano, Micael foi vítima do primeiro furto. Além do abalo psicológico, o crime resultou em mais de R$ 7 mil de prejuízo. Com o equipamento de trabalho quase todo levado pelos criminosos,

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a alternativa foi demitir funcionários e recomeçar. Em outubro, aconteceu o segundo furto. Desta vez, apesar de um prejuízo menor, a revolta e indignação foram grandes. A terceira tentativa de furto, ainda há pouco tempo, foi o estopim para a mudança. Depois de dois furtos e uma tentativa, foi preciso mudar o negócio de lugar para que a barbearia pudesse continuar aberta. Agora, de endereço novo, a esperança é que as grades, o alarme e a vigilância 24 horas deixem os assaltantes longe do local. Micael é só mais um entre tantos moradores, empresários e estudantes que se sentem cada vez mais inseguros na cidade de Itajaí. Segundo dados da Secretaria de Segurança Pública de Santa Cata-

rina (SSP), neste ano foram açado com uma faca, Guilherregistrados 3.273 furtos até me estava chegando ao prédio o mês de outubro, o que gera de um amigo, localizado no centro de Itajaí, uma média de bem próximo mais de 10 furà universidade, tos registrados quando foi aborpor dia. Um furO ladrão to ocorre quanMicael é só dado. pediu para que do alguém toma ele entregasse algo de outra mais um sua mochila. O pessoa sem viooptou lência ou grave entre tantos estudante por não entregar ameaça. as coisas e, em O caso de moradores uma tentativa Guilherme Veperigosa, ganhou nâncio, estudante de Jornalismo que se sentem espaço e saiu correndo. “Na na Univali, faz hora eu me senti inseguros parte das estatísconfiante e tranticas de roubos, quilo. Eu parecia quando existe o ter a situação sob contato com a vícontrole. Talvez tima e grave violência ou ameaça. Até o mês porque a adrenalina estava de outubro, foram registrados alta. Mas, depois que eu subi e 1.069 casos como esse. Ame- sentei, percebi o quanto esta-

va assustado”. Guilherme teve sorte e escapou da situação apenas com um corte de leve, feito pelo assaltante. Dias depois, próximo ao mesmo local, um estudante do ensino médio não teve tanta sorte e, com uma facada no peito, parou na UTI do hospital. Segundo a Política Militar, o problema que vem rondando a região de Itajaí acontece também por todo o país. Para haver uma melhora, é necessário que, não apenas se mobilizem localmente, mas que o governo se mova como um todo. Desde o Poder Judiciário até o policiamento local, tudo precisa evoluir. Em Itajaí, o batalhão vem desenvolvendo medidas preventivas em locais e horários estratégicos visando minimizar a crise e aumentar a sensação de segurança na cidade.


Imagem câmeras de segurança

Furtos também em condomínios Ademar Martiori mora em um condomínio no centro de Itajaí há mais de 13 anos. Durante todos esses anos, nunca havia presenciado tentativas de furtos no prédio. Em 2016, já foram registrados dois furtos, três bicicletas foram levadas. Ademar, que hoje é síndico do prédio, diz que muitas medidas de segurança estão sendo tomadas, mas demonstra indignação com a atual situação da cidade e também com o atendimento da PM. “A sociedade está de mãos atadas

diante desses caras. Em um dia são presos e no outro já estão soltos. Infelizmente, é a nossa realidade”. Algo comum entre todas as vítimas é a frustração com o atendimento policial, devido à demora e ao descaso. O Comandante do 1º BPM, tenente Rodrigo de Carvalho Paulo, explica que um dos problemas que o batalhão vem enfrentando é o número de policiais no contingente. Hoje, o batalhão trabalha com 165 policiais, uma média

de apenas um policial para 1.696 habitantes. Esse problema é resultado de muitos policiais terem se aposentado nos últimos tempo. Segundo Rodrigo, nos últimos três anos o efetivo da PM na cidade foi reduzido em 30%. Novos policiais estão sendo treinados pelo Estado, porém não se sabe efetivamente quantos deles virão para Itajaí nos próximos meses, a formatura das turmas está prevista para o mês de dezembro.

Roubos próximos à Univali Foto: Maicon Renan

Circuito interno de câmeras do prédio de Ademar flagrou o momento em que os ladrões furtam as bicicletas dos moradores

B.O. online Outra situação preocupante é o baixo número de boletins de ocorrência registrados pelas vítimas. Se o número de ocorrências parece baixo em comparação ao que ouvimos falar diariamente, isso se deve ao fato de algumas pessoas simplesmente não fazerem o registro. O registro do BO é rápido e simples e agora ainda conta com a possibilidade de ser feito online. Basta acessar o site da Delegacia de Polícia Virtual, serviço de registro de ocorrências disponibilizado ao cidadão via internet que funciona 24 horas por dia. Os registros são encaminhados à Delegacia de Polícia do local onde aconteceu a ocorrência, para que a autoridade policial tome as medidas necessárias. O site para realizar o registro é:

www.delegaciaeletronica.sc.gov.br Estudantes realizaram manifestação para reivindicar mais segurança

“Eu pago caro, não deveria. Segurança não é mercadoria”. Esse foi um dos gritos de guerra entoados por estudantes que participaram da manifestação que pedia maior segurança para os alunos da Univali. Os estudantes saíram do bloco F do campus e caminharam até a reitoria. Uma das grandes revoltas dos acadêmicos foi a falta de atitude e posicionamento nas várias ocorrências. “A gente quer soluções, a gente quer ouvir da Universidade, do Poder Público, assim como da Empresa Praiana, da Prefeitura e do próximo prefeito, quais são as propostas de segurança que eles tem para nós”, diz a estudante do sétimo período de Direito, Monike Eva. Não é de hoje que a situação nos redores da universidade preocupa. Nos últimos tempos, quase todos os dias ouve-se relatos de alunos que foram abordados na chegada ou saída das aulas. Os alunos estão cientes de que essa não é uma responsa-

bilidade exclusiva da Univali, mas sim de todo um contexto político e social. O que eles pedem é que a universidade tome a frente e lute por mais segurança. “A Univali é muito grande, faz parte de Itajaí e é comunitária, ela tem poder de chegar ao poder público”, afirma o estudante de Design de Moda, Francisco Olivei-

ra. Ao chegarem na reitoria, alguns membros do Diretório Central dos Estudantes (DCE) tiveram uma conversa com a vice-reitora da Universidade, a doutora Cássia Ferri, a respeito de medidas que serão tomadas. Além da representação do DCE, a reunião teve a presença da Secretaria de Segurança

do Cidadão de Itajaí e Polícia Militar. A pauta foi a segurança ao redor do campus. Foram discutidas possibilidades de ações de curto, médio e longo prazo em relação aos episódios de insegurança ocorridos. O tenente Rodrigo ressaltou que a PM já vem aumentando a frequência com que Foto: Assessoria de Comunicação Univali

Reunião com a reitoria da Univali discutiu medidas para reduzir a criminalidade ao redor do campus

realiza rondas na Avenida Abraão João Francisco (Contorno Sul), principalmente nos horários de entrada e saída de estudantes e que este trabalho deve ser intensificado. Ele também alertou para a necessidade do registro das ocorrências para, além de fins de estatística, dar consistência às denúncias apontadas em redes sociais. Como medidas, além dos aumentos de efetivos policiais e do Codetran, há a perspectiva de alteração da localização dos pontos de ônibus na Contorno Sul, conforme projeto já apresentado pela Univali, e a realização de um fórum reunindo estudantes e autoridades para a discussão das causas e possíveis soluções para o problema de segurança pública no entorno do campus. “A Universidade está consciente da problemática e aberta a buscar juntamente com os estudantes e autoridades, soluções que beneficiem a todos”, ressaltou a reitora em exercício, professora Cássia Ferri. OUTUBRO | 2016

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PERFIL

Os filhos As curvas da Estrada de Ferro Dona Tereza Cristina, em Criciúma, carregam muito mais do que alguns vagões cheios de carvão

Silvio Matheus

de Tereza Fotos: Silvio Matheus

5º período de Jornalismo

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gudo e abafado, o silvo alto toca por um bom tempo, intercalado por intervalos breves. Presença física, sonora e diária, assim como os prédios em construção, os carros velhos e os de última geração, as lojinhas de meio de rua e os grandes mercados. É presença natural na cidade de Criciúma. A cortina de ferro foi construída no Sul no estado no final do séc. XIX. Em 1830, documenta a história, um grupo de tropeiros ateou fogo em pedras para cozinhar um jantar quando percebeu que algumas delas eram flamejantes. A partir daí, o carvão foi personagem principal no desenvolvimento industrial de toda a região: Tubarão, Criciúma, Laguna, Imbituba, Urussanga, Içara, Jaguaruna, Capivari de Baixo, Morro da Fumaça, Sangão, Treviso, Cocal do Sul e Forquilhinha. A ferrovia chegou à Criciúma em 1940. Com ela, veio o trem. Funcionou na cidade como meio de transporte de pessoas, mercadorias e produtos até a década de 1960. Dez anos depois, a área central do município se desfez da maioria dos trilhos, cedendo lugar ao desejo de modernidade, muito presente no Brasil pós-64 e responsável por grandes avenidas que enterraram parte importante da história do estado. As curvas da Estrada de Ferro Dona Tereza Cristina carregam muito mais do que alguns vagões cheios de carvão. Hoje em dia, ela carrega histórias que ainda são preservadas por alguns moradores, e não vive apenas do passado. Trechos dos trilhos continuam na cidade. Assim como o trem, a história e a importância de Dona Tereza continuam em movimento. Está no imaginário físico de moradores, está em suas lembranças do presente, dita as horas como badaladas do sino de uma igreja,

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Ferrovia chegou à Criciúma em 1940 e funcionou como meio de transporte de pessoas e produtos

tira o sono nas primeiras horas da manhã, assusta turistas desavisados e para o trânsito. Ao entrar no pátio da unidade central de controle da Ferrovia Teresa Cristina, em Criciúma, somos recebidos por uma placa azul de cinco metros de largura por três de altura. O metal desgastado informa: “Estamos trabalhando há 339 dias sem acidentes, o recorde é de 3350”. Em 1953, os números não eram tão altos. Bernardina Vicente Ghisi e Mário Ghisi, descendentes de Italianos e filhos da cidade de Pedras Grandes, antigo distrito de Tubarão, receberam uma proposta de transferência, em 1950, para a cidade de Criciúma. Mário era trabalhador braçal da ferrovia, Bernardina, costureira. Juntos, o casal colocou no mundo seis filhos. Em dezembro daquele ano, Mário, Bernardina e as crianças, o mais velho com 11 anos e o caçula com um, se mudaram para a cidade. Aquela era a época de ouro de Tereza Cristina, e Mário ajudaria a construí-la em Criciúma. “Eu vivi e morava a beira da estrada de ferro, quando o trem que levava os passageiros passava a gente ficava abanando para as janelas, aquilo era tão bonito. Fomos criados ao lado da ferrovia e ela representava tudo pra gente, não existiam muitas rodovias, o transporte era quase que totalmente feito pelos vagões do trem”. Aos 73 anos, Aleida Ghisi Ortigosa relembra da infância com saudosismo e fidelidade. Era dia e era quente quando Aleida abriu suas portas e seu coração, repleto de memórias. Criciúma é uma panela, não venta, então o calor é ainda mais quente na cidade. Os 22 graus da sexta-feira de outubro provavelmente representavam uma sensação de 30. A aposentada havia passado a tarde inteira no sítio do marido. O homem responsável pelo sobrenome Ortigosa, de origem Espanhola, cuida do local muito bem. Divide seu tempo entre o plantio de alguns alimentos, o gado, as ga-


Fotos: Silvio Matheus

Aleida é filha da estrada de ferro, assim como toda a região onde os trilhos estão presentes. Ela construiu a vida a partir da estrada

linhas e outras atividades co- por causa dela. Perdeu seu muns em sítios. pai para a estrada, ironia da Quando os pais de Aleida se vida. A ferrovia que dá tanto, mudaram para Criciúma, em também tira coisas que valem 1950, a professora aposentada muito. tinha oito anos. Aos 11 perdeu Mário Ghisi, Bernardida, o pai, aos 13 já dava aulas. Em Aleida e os cinco irmãos, assim 1953, durante um trabalho de como outras muitas famílias, rotina, Mário Ghisi foi colhido são filhos de Tereza Cristina. por uma locomotiva, morreu “Os trilhos representam para aos 34 anos, deixando para mim a minha infância, sempre traz uma mulher que eu ouço falar e seis filhos. na estrada de fer“Para mim a ro eu me transestrada de ferro para aquela Perdeu seu porto continua sendo época. Era muito uma grande emobom viver na beipai para a ra dos trilhos, nós ção. Quando eu assisto a filmes pautávamos nosestrada. A sas vidas pelos que mostram trens eu fico horários do trem, emocionada e até ferrovia que a gente brincava choro. Eu paro de no caminho do prestar atenção trem”. dá tanto, no enredo do filAleida virou me e fico constambém tira professora, sotruindo minha nho do pai e dela própria história, também. A vida com minhas próde Mário virou prias lembranças, Museu, a casa algumas boas e outras tristes”, que servia de moradia para a conta Aleida. A mulher ves- família na década de 50 hoje é te uma camisa social com um um resgate histórico dos temtecido leve, estampada com pos áureos da ferrovia. Antes, cores vivas, mas não muito a visão da casa era o trem e os fortes, o desenho lembra um trilhos, hoje são carros e avequadro abstrato, a calça preta nidas. O Museu Mário Ghisi é, deixa apenas as costas dos pés também, uma homenagem ao de fora, a rasteirinha também agente ferroviário. é preta. O campo de brincadeiras de Aleida é filha da estrada de Aleida na década de 70 deu luferro, assim como toda a re- gar ao desenvolvimento. Hoje, gião onde os trilhos estão pre- a cidade de 190 mil habitantes sentes. Construiu sua vida a não encontra muito espaço partir da estrada, assim como para o passado. Acompanhanas cidades se desenvolveram do o desenvolvimento, a apo-

A máquina de costura da mãe ocupa um espaço de destaque na casa, uma relíquia antiga, sobrevivente de uma época de dificuldades

sentada não ficou para trás. “O sonho do meu pai era que eu fosse professora, graças a deus eu realizei aquele sonho, que se tornou o meu também, mas eu fui além, fiz concurso para diretora de escola e concurso para inspetora escolar, exerci os cargos e me aposentei”. A mulher e o marido criaram três filhos, três netos e esperam o quarto. A máquina de costura da mãe ocupa um espaço de destaque na casa, uma relíquia antiga, sobrevivente de uma época de dificuldades. Companheira fiel da viúva que criou seis filhos e formou todos em universidades. Mulher que ganhou o titulo de cidadã honorário de Criciúma e que morreu de câncer de pulmão em 2000, mesmo sem nunca ter fumado. “Eu penso que poderíamos revitalizar o transporte ferroviário, tanto para carga, quanto para passageiros, e é claro, deveríamos modernizá-lo, isso seria muito interessante”. Em uma cidade que convive ao mesmo tempo com o passado e o futuro, o pensamento pra frente de Aleida, aos 73 anos, não é surpreendente. Respeitar as tradições e implantar o desenvolvimento é um desejo da aposentada. A órfã de operário de ferrovia não ficou parada no tempo. Talvez esse seja o legado de Tereza Cristina para os seus filhos, assim como o trem, a estrada de ferro ensina que a vida anda apenas em uma direção, para frente. OUTUBRO | 2016

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ESPORTE

Futebol quase profissional Com 25 anos de história, Campeonato Amador de Futebol de Tijucas é referência em Santa Catarina Mikael Melo e Bruna Ferreira

4º período de Jornalismo

O

atacante assa pães na padaria da esquina, o volante é vendedor na maior concessionária de carros da cidade, o zagueiro entrega as compras do supermercado do bairro e o goleiro trabalha com o pai como servente de pedreiro. Essa configuração seria maluca se o assunto fosse o Campeonato Brasileiro de Futebol, mas tratando-se do Campeonato Amador de Tijucas não é uma realidade tão incomum. Iniciando sua história em 1991, hoje, a competição conta com 10 times na Série A e outros 11 na Série B, tornando-a uma das mais bem articuladas do circuito amador de Santa Catarina. Toda organização geral e técnica é de responsabilidade da Fundação de Esportes (FME) da cidade, que custeia a maior parte das despesas dos jogos. Robson Varela, presidente da FME, conta que, devido ao elevado número de

times, foi preciso criar a Série B em 2007, dividindo os 21 inscritos em duas divisões. Apenas três times, entre esses, participaram de todas as edições, Luziense e Itatiaia, dos bairros rurais Santa Luzia e Oliveira, além do Renascença, representante do bairro mais populoso e mais antigo do município, a Praça. “Vejo nosso campeonato muito organizado, é um exemplo para muitas cidades da região, algumas já vieram aqui se espelhar. É bastante disputado, pois o nível técnico é alto, a cobrança é rígida e o regulamento é respeitado”, conta Marcio José da Silva, o “Marcinho”, presidente do AV 13 Esporte Clube. Entre o grupo, três atletas são professores de Educação Física. Na falta de um preparador físico, são eles que passam as dicas de treinamento e de academia para os colegas. Mesmo sem treinos de campo regulares, cada um se prepara por conta própria nos dias de semana, da forma que podem. Os jogos acontecem sempre aos sábados e domingos, uma vez que de segunda a sexta os

integrantes tem seus trabalhos havia briga de torcidas rivais, remunerados para se dedica- igualando-se com os fanáticos rem. Uniforme, chuteira, água pelos times profissionais. “A e a manutenção do estádio são peculiaridade da torcida está de responsabilidade dos clu- nas pessoas torcendo pra albes. Para isso, a diretoria pre- guém conhecido, de convívio cisa conquistar próximo, alguém patrocínios, que que durante a sevêm em troca de mana talvez seja publicidade nas o garçom que camisetas e nas atendeu ela no Não só os placas do campo. restaurante”, diz Os comerciantes jornalista. Ao adultos têm ocontrário e empresários de outijucanos são os tros municípios vez, alguns que assistem seus maiores apoiadores, também ampeonatos clubes têm camadores ajudam na comperpra da refeição dendo força por categorias falta de público, pós-partida, praticamente sagraTijucas continua de base da. Churrasco e deixando arquia tradicional faribancadas lotadas. nha de mandioca Willian Valénão podem faltar. rio trabalha receAcompanhanbendo materiais do os jogos colado no alam- em uma fábrica de jeans e fora brado desde os quatro anos de do expediente joga no União, idade, o jornalista e sócio-pro- representante do bairro Porto prietário do jornal Daqui, Clau- do Itinga, finalista frequente dio Eduardo de Souza, conta da competição. Mesmo sem que a receita para o sucesso do receber salário fixo, o atlecampeonato é a junção torcida, ta conta que sua motivação é clube e organização. Claudio o convívio com as amizades relembra que em sua infância conquistadas nos cinco anos Foto: Mikael Melo

como jogador, o reconhecimento dos apaixonados pelo clube e o ambiente agradável para estar com a família nos finais de semana. Não só os adultos têm vez, alguns clubes têm categorias de base, colocando os adolescentes para competir em campeonatos menores de sub-17, junto com alunos de escolinhas de futebol. Isso acabou chamando a atenção do Atlético Paranaense, equipe de Curitiba que está na sexta colocação da Série A do Campeonato Brasileiro. Em uma parceria já existente em Brusque, o time tem a chance de treinar e selecionar jovens atletas da base do AV 13. O primeiro contato dessa colaboração aconteceu no mês de outubro, no estádio da equipe.

Equipes Todos os detalhes a respeito da competição podem ser encontrados no site da Fundação Municipal de Esportes de Tijucas. Lá você vai poder conhecer todas as equipes que disputam as duas divisões do Amador, como estão as tabelas de classificação, a formação de cada time, os artilheiros e os goleiros menos vazados. No ano passado, a competição reuniu mais de quinhentos atletas. Conheça todas os times que disputam o campeonato: SÉRIE A XV de Novembro Joaia Itinga União Casa Branca AV 13 Destak Coopervat Itatiaia Renascença SÉRIE B Tijucas Esporte Clube Beira Rio Futebol Clube Amigos Futebol Clube Os Praianos Futebol Clube Pernambuco Futebol Clube Inter da Praça Ponte Preta Galera TB Associação Luziense Matusalém Cruzeiro Esporte Clube

Jogadores do AV 13, equipe da Série A do Amador de Tijucas, fazem aquecimento antes de um jogo amistoso

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SAÚDE

SC é segundo em suicídios Estado só fica atrás do Rio Grande do Sul. País é o oitavo no mundo em número de casos segundo a OMS Foto: Freepik

Erickson Stocker e Thayse Karoline Pereira 6º período de Jornalismo

Vítimas jovens

“E

ra domingo, eu estava em casa quando o celular tocou, minha mãe aos prantos não conseguia falar direito. A tia Nice, havia cometido suicídio. Depois de várias ameaças e tratamentos fracassados por conta das crises depressivas, ela pôs fim a própria vida, deixando para trás dois filhos e um marido”. Casos como esse, que Luana Buzzi de 25 anos relata, acontecem todos os dias e em várias partes do mundo. No Brasil, um suicídio é registrado a cada 45 minutos. O estado de Santa Catarina é o segundo no ranking de suicídios no país. Segundo dados da Diretoria de Vigilância Epidemiológica - Dive, 3.403 pessoas morreram vítimas de suicídio no estado nos últimos cinco anos – a maioria homens com idade entre 40 e 49. Neste mesmo período, entre 2010 e 2015, também foram registradas 10.771 tentativas de suicídio, a maioria de mulheres entre 20 a 29 anos de idade. Segundo o psicólogo Claudemir Casarin, a depressão é a principal responsável pelo número elevado de suicídios nos dias atuais. Doença que pode surgir a partir de instabilidade nos níveis hormonais, em maior parte observado em mulheres. Podendo ainda estar relacionado a defeitos nas redes de neurotransmissores do cérebro. São os casos de pessoas com quadros depressivos desde muito jovens, até mesmo crianças. Outro fator importante para geração da doença está relacionado ao meio sociocultural ao qual o indivíduo se insere. Por exemplo, no sul do país estão concentradas as cidades com o maior número de descendentes diretos de europeus. A Europa é o continente com o maior número de suicídios, já o sul do Brasil igualmente, é a região com a maior incidência desses casos. A empresária Luana Buzzi, mencionada no início da matéria, mora atualmente em Blumenau, mas é natural de Lontras, município localizado na região do Alto Vale do Itajaí. Cidade fundada por italianos e habitada também por colonos alemães, é conhecida entre

Um dado que preocupa os profissionais de saúde é a quantidade de notificações de casos entre adolescentes, de 10 a 14 anos. Entre 2010 e 2015, 140 meninos e 404 meninas tentaram o suicídio. Desses, 23 foram a óbito. Um importante aliado nesse sentido tem sido o Centro de Valorização da Vida (CVV), que oferece apoio emocional e prevenção do suicídio gratuitamente, de forma voluntária, 24 horas por dia, por telefone, e-mail ou chat através do site da instituição (www.cvv.org.br). Acesse ou ligue 141.

Entre 2010 e 2015, o estado de Santa Catarina registrou 3.403 mortes de pessoas vítimas de suicídio

seus habitantes pelo número elevado de suicídios. “Volta e meia escuto que alguém se matou, e quase sempre é alguém conhecido dos meus familiares”, conta Luana. Segundo ela, várias pessoas da sua família já apresentaram quadro depressivo. Ela também assume que desde a juventude teve crises. Mas que através de acompanhamento médico e determinação, conseguiu amenizar os sintomas e leva uma vida normal. Mas para ela, a depressão não tem cura definitiva, deve haver cuidado, pois, ao menos para ela, é uma briga interna muito difícil de ser superada. Em seu consultório, Claudemir costuma trabalhar juntamente a família, a qual tenha algum indivíduo com a doença. Pois sozinho, “o paciente raramente consegue superar essa batalha psicológica diária”, argumenta. Ele ainda lembra que para

as mulheres as dificuldades são cerca de 37 anos atrás. “Chemaiores, pois sofrem mudan- gou ali na casa do pai, bem ças hormonais mais frequentes tranquilo, tomou café com e com maior impacto se com- nós, não demonstrou nada de paradas aos homens. Porém diferente. Depois foi para a os homens têm casa dele, ainda maior dificuldao vizinho disse de em assumir o que ele cortou quadro depressilenha, conversou vo e a procurar com ele normalajuda. Devido aos A depressão mente.” Mas não aspectos cultumuito, é a principal demorou rais, que impõem segundo Odilia, ao menino, desde a cunhada, muresponsável lher do seu irpequeno, a não demonstrar os mão, chegou em pelo número casa, os filhos essentimentos e a serem resistentes tavam como de elevado de costume no lado psicologicamente às adversidades. de fora brincanPor esse motivo, do. Ela entrou e suicídios muitos homens não encontrou o acabam cometenmarido nos côdo suicídio sem modos da casa. nem mesmo deEntão se dirimonstrarem sintomas aparen- giu para a garagem onde ele tes da depressão. deixava a bicicleta que usava É o que conta Odilia Pe- para sair. Foi quando ela se reira de Souza, que teve o ir- deparou com Umbelino demão vitimizado pelo suicídio, pendurado por uma corda.

Odilia conta que ele nunca demonstrou nenhum sinal de que pudesse fazer tal coisa. Mas acredita que o motivo esteja relacionado a notas promissórias que um conhecido estava devendo a ele. E sem esse dinheiro não teria condições de manter a casa e a moradia para a família. “Ele nunca contou sobre isso pra gente”, acrescenta. Para a estagiária em consultório de psicologia, Kamila Barbosa Pereira, na questão da família, seria interessante conscientizá-la em dar voz a essas pessoas, ouvi-las. Mas principalmente, atentar-se aos comportamentos do dia a dia. Nem sempre a pessoa com depressão vai conseguir verbalizar seus problemas e vencer as formas de preconceito. Deve-se mostrar para o paciente que a solução existe. Através do apoio familiar associado ao tratamento profissional especializado.

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CIDADANIA

Conhecimento em ação Alunos e professores de comunicação da Univali integram equipe de assessoria do Projeto Rondon 2017 Gabriel Silva

5º período de Jornalismo

M

ais uma vez a Univali faz parte do grupo de instituições de ensino superior brasileiras que compõem o Projeto Rondon, do Governo Federal. Entre os dias 20 de janeiro e 5 de fevereiro de 2017, oito alunos e dois professores partem para Tocantins, onde realizam diversas atividades de cunho comunitário e ações sociais voluntárias. Tradicional na instituição, há pelo menos 15 anos a Univali colabora com o projeto, que é desenvolvido pelo Ministério da Defesa. Pela primeira vez, a universidade envia acadêmicos exclusivamente dos cursos do Centro de Ciências Sociais e Aplicadas – Comunicação, Turismo e Lazer, para compor o recente criado Conjunto C, que engloba apenas a comunicação – vídeos, releases, relacionamento com a imprensa, redes sociais. Os Conjuntos A e B atuam nas comunidades em outras frentes: o A trabalha com educação e o B em processos práticos, como

reciclagem do lixo e compos- pessoas para participarem do Projeto Rondon, que vai acontagem. A professora Adriana tecer em Tocantins, e também Edral, do curso de Publicida- nossos acadêmicos para acomde e Propaganda, e o professor panharem daqui o que está Vinicius Batista, do curso de acontecendo por lá”. Para a escolha dos alunos Jornalismo, são os professores participantes, a coordenadores Univali abriu um do Conjunto C. edital e mais de Adriana explica 60 alunos se insque enquanto os creveram. Aos O objetivo Conjuntos A e B inscritos, foram prestam serviço comunitário, o principal do apresentados resultados das ediConjunto C vai fazer assessoria projeto é que ções anteriores do Projeto – em de comunicação, cobertura jorna- os estudantes julho deste ano, a Univali partilística e fotográcipou no Confica de todas as pratiquem a junto A. Depois operações que do seminário de acontecem nos cidadania apresentação, os demais conjuninscritos foram tos. “É a primeira convocados a vez que a Univali realizarem opeestá participando rações em conde um processo seletivo em que os alunos são junto. “Juntamos alunos de unicamente de comunicação”, fotografia, produção audioconta a coordenadora. “Além visual, jornalismo, publicidade ir lá fazer a cobertura, nós de e propaganda, chamamos teremos atividades antes do um projeto de extensão aqui início do Projeto: a partir do da Univali, que é o Projeto dia 22 de novembro nossos Pequena Folha do CTTMar – acadêmicos terão suas peças que ensinam pessoas a promontadas no site do Projeto duzir composteiras, e fizemos Rondon, no site do Ministé- projetos de comunicação para rio da Defesa, nos veículos de o Pequena Folha”, explica a comunicação, convidando as professora Adriana. Os aca-

dêmicos foram avaliados por suas competências técnicas. Outra fase da seleção foi uma entrevista com os alunos inscritos. Durante um período, os custos do Projeto Rondon foram bancados apenas pelo Ministério da Defesa. Hoje o órgão faz parcerias para a execução das atividades. O Estado do Tocantins está co-

brindo todo o transporte dos rondonistas. O Ministério da Defesa é responsável pela estadia e alimentação dos participantes. A Univali fica responsável pelo seguro de vida e saúde dos acadêmicos e com todos os materiais que serão utilizados no Conjunto C: câmeras fotográficas, gravadores, iluminação e materiais de papelaria.

O que é o Rondon Criado em 1967, o projeto contou com a participação de universitários que foram até Rondônia e proporcionaram às comunidades carentes auxílios comunitários, como a emissão de documento de identidade, consulta e apoio odontológico. O projeto parou em 1989. Em 2005, com uma nova identidade, o Rondon se reestabeleceu como uma proposta de promoção ao desenvolvimento, auxiliando comunidades a realizarem suas atividades de progresso, ao invés apenas de prestar serviços aos cidadãos. “O Projeto Rondon tem como interesse fomentar o

desenvolvimento e promover multiplicadores de conhecimento dentro dessas cidades”, explica Adriana. A intenção do projeto, que conta com a participação de 33 universidades, é levar o conhecimento atualizado de estudantes do ensino superior para atuação em comunidades carentes. O objetivo principal é promover uma experiência em que o acadêmico pratique a cidadania. A coordenadora acredita que não há outra experiência que traga tanta necessidade de ser o mais profissional possível quanto em um projeto como o Rondon. Fotos: Projeto Rondon 2017

Da esquerda para a direita: coronel Vasconcellos, capitão de fragata José antonio, Caio Marcio, do Ministério do Esporte, Coronel Fortes, Ricardo Riberinha, da Secretaria de Educaçao, Esporte e Juventude de Tocantis, Coronel Scholtz, Adriana - financeiro do Projeto Rondon, Major Giuseppe e Adriana Edral, professora-coordenadora do Conjunto C

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OUTUBRO | 2016


Fotos: Projeto Rondon 2017

Projeto tem como interesse fomentar o desenvolvimento e promover multiplicadores de conhecimento dentro dessas cidades

O Conjunto C A professora Adriana Edral pontua que, no início do Projeto Rondon, quem fazia a comunicação eram as próprias equipes dos Conjuntos A e B. Não havia uma separação e, consequentemente, acúmulo de atividades a serem exercidas por um mesmo grupo de pessoas. Entre os primeiros participantes, surgiram co-

Tocantins: o caçula mentários sobre a necessidade de um grupo específico para assessoria. Esse é o terceiro ano que o Projeto Rondon abriu o Conjunto C. A única universidade que vai participar da comunicação é a Univali. “São 33 universidades no total: 16 estão no Conjunto A, 16 no Conjunto no B e só a Univali está participando

do Conjunto C. A responsabilidade que a gente tem é bem grande”. O Conjunto C passa pelos 16 municípios contemplados pelo Projeto, para cobrir as atividades. “Espero que essa primeira participação da Univali no Conjunto C seja extremamente positiva e que tenhamos uma superação das expectativas”, deseja Adriana.

Selecionados Cerca de 11% da população do estado vive em extrema pobreza No total, oito estudantes dos cursos de comunicação da Univali foram selecionados para participar do projeto. São quatro do curso de Publicidade e Propaganda, três do curso de Jornalismo e um de Relações Públicas: Adriano Luiz Debarba, Aghata Crews, Lawrence Pereira Curbelo e Luana Gomes da Cruz (PP); Bruno Sommer Golembiewski, Gabriela Seidel Neves e Thiago Cassaniga Furtado (Jornal); e Jéssica Mattana Habovski (RP). Além deles, dois acadêmicos ficaram como suplentes, em caso de alguma desistência: Henrique Augusto Grandi da Costa (Jornal) e Rangel Agnolin (RP). O acadêmico de jornaFoto: Vinicius Batista lismo Thiago Furtado ficou muito feliz por estar entre os convocados. “Principalmente porque tinha muita gente boa participando. É um sentimento legal perceber que tuas competências foram consideradas relevantes pelos professores”, afirma Thiago. A expectativa do estudante é muito grande. “É uma oportunidade bem especial de conhecer uma realidade diferente da que estamos habituados e exercer atividades profissionais que vão agregar demais no currículo e experiência profissional”.

O estado do Tocantins foi oficialmente fundado em 1988, junto com a atual Constituição – é o estado mais novo. Antes era parte de Goiás. Em Palmas, capital do estado do Tocantins, encontra-se o Centro Geodésico do Brasil: exatamente o ponto central do nosso país. Possui quase 1,5 milhão de habitantes. Aproximadamente 11% da população de lá vive em situação de extrema pobreza. Os professores coordenadores de cada instituição participante fizeram uma viagem até o estado no mês de outubro. Permaneceram uma semana conhecendo os locais preparados para o Projeto Rondon e se prepararam para o que vão enfrentar. A professora Adriana representou a Univali nessa viagem. A Univali conseguiu um minuto na programação diária do SBT Tocantins, num

programete chamado SBT Rondon. “Os nossos alunos vão apresentar esse programa, mostrar o que cobriram, fazer a vinheta de entrada e fechamento. Tudo é responsabilidade do Conjunto C. E isso é muito bom porque os nossos acadêmicos vão experimentar como montar esse programete”, conta Adriana. Além do programa, os acadêmicos terão contato direto com a imprensa local e nacional, como revistas, jornais impressos, emissoras de rádio e televisão. “Lá, os participantes vão encontrar diversas situações: muita pobreza, pessoas que vão atrapalhar o processo, mas vão encontrar muita emoção, tanto de quem participa pelas instituições como das comunidades que recebem o projeto”, confessa a coordenadora. “É um processo que transforma todo mundo”. OUTUBRO | 2016

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RESENHA

Bastidores do crematório Quando chega a hora da morte, o que acontece com quem é cremado? Caitlin Doughty responde Fotos: Divulgação

Fernando Rhenius

4º período de Jornalismo

A

prendemos na escola que nascemos, crescemos, nos reproduzimos e morremos. A grosso modo, esta é a nossa vida aqui na terra. Muitos acreditam que vão para o céu, outros que, por conta de uma vida cheia de “pecados”, irão para o andar de baixo. Seja qual for sua crença, opção religiosa, algo é realmente fato: você vai morrer. Como encaramos esta passagem? Qual os ensinamentos que a vida nos dá, para quando chegar a hora, encararmos com serenidade este momento? Por que tememos tanto falar sobre isso? O livro Confissões do Crematório, de Caitlin Doughty, lançado pela Darkside Books, tenta mostrar que esta fase da vida pode não ser tão dolorosa quanto aprendemos. Vai existir dor, é claro, mas não como acreditamos. É com esse pensamento que Caitlin, uma intrépida jovem, que tem um fascínio pelo mórbido, acaba conseguindo emprego em um crematório, o Westwind Cremation & Burial, em São Francisco. Não é o tipo de emprego padrão que uma jovem estudante almeja, mas Caitlin é diferente. Gosta de tudo relacionado à morte. Em um ambiente teoricamente triste, o último lugar de vidas boas e ruins, a jovem encontra pessoas que não veem os últimos momentos de vida como algo pesado. Assim como um vendedor ou professor, trabalhar em um crematório é um trabalho como qualquer outro, com suas características pouco habituais, mas que também tem contas que precisavam ser pagas e, principalmente, deve gerar lucro. Morrer dá dinheiro. Esse é o principal dilema da autora, adepta da good death (boa morte). Ela não aceita que a morte seja encarada como um comércio, como algo a venda em uma prateleira de supermercado. A narrativa é muito rica em detalhes. Muitas vezes até rimos de algumas situações, de tão trágicas e bizarras acabam se tornando cômicas. O livro é dividido em capítulos. Cada qual revela os últimos momentos de uma pes-

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OUTUBRO | 2016

Seja por curiosidade, adoração ou apenas material de estudos, a obra é fundamental para quem quer entender mais sobre a morte

soa, ou partes dela, antes de posição, e até certa negligênser consumida pelas chamas. cia por quem está habituado Ali não existem pessoas ricas, com aquilo. O que realmente pobres. O forno não diferen- deixa a autora estarrecida é cia isso. Ele está incumbido que as pessoas encaram tudo de transformar aquilo como em cinzas pessoalgo que deveas que puderam ria ser escondipagar pela credo. Se a pessoa Ela não mação. Mesmo morreu, ela meassim, ele é dereceu aquilo. E aceita que a tudo precisava mocrático: quem não tem dinheiser rápido. Ninro para o promorte seja guém gosta de cesso, é bancado pensar que vai pelo Estado. estar dentro de encarada A rotina de um forno cremaum crematótório ou em um como um rio se resume a caixão embaixo maquiar corpos da terra, mescomércio para que filhos, mo sendo esse o maridos e mães destino de todos possam de desnós. pedir pela última A grande savez. E atender famílias que cada da obra, se comparada a perderam pessoas próximas outros títulos, é a forte pese acham absurdo pagar para quisa. Caitlin explica nos diserem queimados. Até na versos capítulos um pouco de hora da morte é necessário como a morte é encarada nas gastar? mais diversas civilizações e Com seu viés humani- épocas. Para isso, entrevistou tário, Caitlin se incomoda professores, historiadores e com o tratamento dado aos leu, leu muito. O resumo biúltimos momentos. Há mau bliográfico no final do livro é cheiro, formas em decom- incrível. Podemos considerar

Quem é Caitlin? Além de escritora, Caitilin é agente funerária e apresenta um canal no Youtube onde fala com bom humor sobre morte e questões da indústria de funerais. O canal se chama Ask A Mortician. Os vídeos são em inglês e não possuem legendas.

o livro não como um mero amontoado de memórias, mas as vertentes da morte em diversas situações e contextos. Sem achismos. Não que as memórias de Caitlin não fossem importantes, são elas que norteiam toda a narrativa, e é sua sensibilidade que dá um sabor a tudo. Mas ter um embasamento sustentado por fatos comprovados valoriza a narrativa. Com um texto leve, mesmo trabalhando com os termos técnicos dos diversos processos de um crematório, a obra de Caitlin é indispensável para quem quer saber

como funcionam as entranhas de um crematório e conhecer a rotina de quem trabalhou por muito tempo com algo que todos evitam falar ou encarar. Seja por curiosidade, adoração ou apenas material de estudos, Confissões do Crematório é fundamental para quem quer entender um pouco mais sobre os momentos finais da vida de qualquer ser humano. Você terá uma boa aula de história, vai se comover e, porque não, dará algumas risadas das situações pitorescas enfrentadas por Caitlin Doughty.


RESENHA

Um orfanato diferente O Orfanato da Srta Peregrine para Crianças Peculiares é o primeiro livro da trilogia de ficção e fantasia Lorena Polli

3º período de Jornalismo

P

ublicado no Brasil em 2015 pela editora Leya, “O Orfanato da Srta Peregrine para Crianças Peculiares” é um sucesso mundo afora. O primeiro livro da trilogia de ficção e fantasia conta a história de Jacob Portman. Na infância, o jovem era encantado pelas histórias fantasiosas da ilha onde seu avô viveu na Segunda Guerra Mundial. Ele falava sobre a Diretora do Orfanato, Srta. Peregrine, e as crianças diferentes que lá viviam. Fotos antigas do avô mostravam as crianças e suas peculiaridades: o menino que tinha várias abelhas pelo corpo, a menina que produzia fogo, o menino invisível. O livro possui várias fotos antigas para ilustrar a história. Pela capa, passa a impressão de ser uma história de terror, mas pode ser considerado um suspense com ficção/fantasia.

Com o passar do tempo, vro destinado aos jovens, se Jacob foi acreditando que mostrou bem descritivo e inaquilo não passava de fanta- trigante. No aniversário de Jacob, a sia, até que, aos 16 anos, o garoto vai ao encontro de seu família faz uma festa surpresa avô após uma ligação deses- e o jovem ganha um livro de perada. Ele o encontra mor- sua tia Susan, com uma dedicatória do avô rendo, e o avô para ele. Dentro fala várias coisas do livro, uma aparentemente carta da Srta. sem sentido para Peregrine de 15 O livro é ele, relacionadas anos atrás, desàs histórias da ilha. No mesmo destinado a tinada ao avô, e que vinha de momento, Jacob vê um monstro jovens, mas uma ilha chamada Cairnholm, na floresta e fica de Gales. apavorado. Nos pode muito País Ele conta ao psidias seguintes, que conele sofre com a bem ser lido quiatra, vence os pais a visão do monsdeixá-lo conhetro e o choque por todos cer o lugar. Por de ver o avô fim, Jacob e o pai morrer. Paravão para Cairnoico, começa o nholm, e coincitratamento com dência não seria o psiquiatra Dr. Golan, e é incentivado por a palavra certa para descrever ele a descobrir o significado o que acontece por lá. As fotos ilustram momendas coisas que o avô lhe disse tos da narrativa durante a hisantes de morrer. A leitura não é cansativa tória e isso concede ao livro e instiga - e muito - a curio- uma certa originalidade. Prisidade do leitor. Para um li- meiro, por serem fotos anti-

gas de verdade. Segundo, por se encaixarem muito bem no enredo, dando a sensação de algo real. Nas últimas páginas do livro, o autor Ransom Riggs dá os créditos aos donos/ autores das fotos utilizadas

na história. “O Orfanato da Srta Peregrine para Crianças Peculiares” é destinado a jovens, mas pode muito bem ser lido por todos, principalmente os amantes de livros de fantasia.

Virou filme O livro de Ransom Riggs foi adaptado para o cinema e se transformou em filme nas mãos do famoso diretor de fantasias Tim Burton. O longa foi lançado em setembro no Brasil e teve a participação de grandes estrelas de Hollywood, como Eva Green, Asa Butterfield, Samuel L. Jackson, Allison Janney e Judi Dench. Liderou as bilheterias por algumas semanas nos Estados Unidos.

Fotos: Divulgação

Fotos e imagens ilustram momentos da narrativa e isso concede ao livro uma certa originalidade OUTUBRO | 2016

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COLETIVO FOTOGRÁFICO

Mulheres e a dependência química Acadêmicos: Any Spenassato, Danilo Vieira, Gilnei Muniz, Luan Negretti e Silvio Matheus

flashnoir.blogspot.com.br

E

m Itajaí, num sábado de sol em meio ao inverno rigoroso de Santa Catarina, o coletivo Flash Noir visitou a Casa das Mulheres em Itajaí, onde elas se recuperam de dependência química. Ao chegarmos, fomos logo recebidos de maneira surpreendente. Com muita simpatia e receptividade, as mulheres contaram para nós como é o dia a dia por ali. Todas estavam caracterizadas com trajes de Festa Junina e riam à toa. A primeira a nos contar um pouco sobre sua vida foi Antonia. Cearense, está há 15 anos em Itajaí. Entre risadas e olhares mais sérios, revelou estar nove meses no centro de recuperação, após recair no álcool. Com dois filhos, se emociona ao falar de sua família: “Eles vêm me visitar sempre”. Continuando nossa visita, encontramos a simpática Maria. Uma das primeiras mu-

lheres a estar ali. Ela não quer mais voltar para a rua e hoje mora no abrigo. Ela também é uma das primeiras frequentadoras da Igreja Evangélica que toma conta do local. Andando mais um pouquinho, encontramos Raquel. E aqui temos a história mais surpreendente do local. Ela praticava roubos e sempre viveu a vida de maneira desregrada. Ao lado de sua pequena Laura, hoje ela é outra mulher, mesmo precisando voltar ao abrigo frequentemente, quando vê que pode ter uma recaída. Está no último ano do curso de enfermagem, chegou ao abrigo com apenas 22 quilos, intoxicada com todos os tipos de droga. “Fiz de tudo. Usei todo o tipo de droga, assaltava, roubava. Até hoje tenho dificuldade para acordar cedo, ir estudar, essas coisas que todos fazem”, diz ela, com um português afiado. Atualmente, ela vive ao lado de sua filha de apenas 10 anos e se diz outra pessoa. Entre revelações e surpresas, conta que quase morreu. “Sofri tentativa de homicídio, tudo por causa das drogas”. Não menos surpreendente, a história de Berenice Brás, 48 anos, que usou craque por 25, também emociona. Dona de uma fábrica de estamparia, ela largou tudo e se afundou no vício. “Hoje sou outra pessoa, me sinto bem aqui”, disse.

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OUTUBRO | 2016

O máximo que uma mulher pode ficar no abrigo são nove meses. Entretanto, Berenice considera o local como sua casa. “Minha família resolveu vir para Itajaí ficar comigo”, revela. A última história é de Angelita Dioniz, 37 anos, de Itajaí. Com três filhas, falou com o Flash Noir ali mesmo, sentada em seu beliche. “A família não acredita mais na gente, aqui eles ajudam em tudo que a gente precisa. São como pais”.

Ela ainda fala sobre o tratamento que recebeu em outros locais: “E ruim em outras clinicas, não sabem conversar, aqui eles conversam”, revela. A tarde de sábado jamais sairá da memória do coletivo Flash Noir. As mulheres do abrigo mostram que a esperança nunca morre. Mesmo depois de recaídas, recomeços e frustrações, elas não desistem e se apegam na fé para uma nova vida.


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