Cobaia | #106 | 2010

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Cobaia #106 | Novembro | 2010 | Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - Univali

Um outro som

Ritmo jamaicano da década de 1960 chega ao litoral catarinense

Na ponta dos dedos Deficientes visuais acessam literatura por meio da impressão em braille

O último corte: barbearia mais tradicional de Itajaí fica na lembrança | 11


E

ditorial Um jornal especial

Sandro Lauri Galarça

temas e assuntos volta a ser destaque nesta edição do Cobaia. Importante salientar que as matérias surgem de Um jornal especial com 24 pági- uma demanda menos jornalística e nas, muitas delas coloridas, encerra mais social. Muitas vezes relegados as publicações de 2010 do Jornal na grande imprensa, alguns temas Cobaia. Todos sabemos das peculia- ganham espaço em jornais universiridades de um jornal-laboratório, de tários ou segmentados, e uma aborperiodicidade mensal, cujas pautas dagem mais aprofundada é quase giram em torno dos mais diversos uma obrigação. Assim como o tempo temas. Uma preocupação da aca- para a produção das matérias ajuda demia tem sido, neste aprofundareiteradas vezes, mento, uma vez ampliar o contato que o estudante entre os acadêmide jornalismo discos e o mercado As matérias surgem põe de um período de trabalho, além maior para produde uma demanda de proporcionar ção, apuração e remenos jornalística e uma experiência dação do texto. além da sala de Assim, descomais social aula. Nas discibrimos boas históplinas de redarias no cotidiano ção, todos aprencomum de muitas dem como o texto pessoas e lugares. se constitui. No jornal laboratório, Como a Avenida das Rendeiras, em a oportunidade de colocá-lo em cir- Florianópolis e os camelôs de Balculação é o que mais assusta. Mas neário Camboriú. Ou do cinema também excita. brasileiro em tempos de grandes Por esse motivo, muitas das pau- produções. Ou o último corte de um tas aqui publicadas surgiram dentro tradicional salão de barbearia. O da sala de aula, nas disciplinas de preço da fé. Vida de palhaço com o Jornalismo Literário e Redação Jor- circo teatro Biriba. A vida às escuras nalística VI. Outras, para cumprir a de seu Ivo. Ou a nova verdade sobre contrapartida social daqueles bene- a Revolução Farroupilha, orgulho ficiados pela bolsa de estudos do Ar- dos gaúchos questionado pelos histigo 170. Assim, a multiplicidade de toriadores. Entre e aproveite. sandro.galarca@univali.br

http://chargesdocerino.blogspot.com

Cobaia Editor Sandro Lauri Galarça Reg. Prof. 8357 MTb/RS Projeto Gráfico/Capa Sandro Lauri Galarça Estagiário Rafael Huppes Piassini

Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UNIVALI

Participaram desta Edição Alexssandra Mezzomo, Amaro Paz, Ana Carolina Carneiro, Andressa Sabedot, Daniel Ricci, Dayane Bazzo, Diogo Campos, Fernanda Beltrand, Isadora Cruz, Jaison Felipi, Juliete Lunkes, Júlio Castellain, Katiana Deggau, Keli Wolinger, Leonardo Thomé, Leilane Delazere, Mariana Orlow, Miriany Kátia Farias, Natália Alcântara, Paula Casagrande Garcia, Pitter Hurmann, Sarah de Souza, Sidnei de Almeida, Suellen Rodrigues, Thayse Gioppo, Vivian Santana, Vanessa Borges.

A educação é quem faz o cidadão

FICÇÃO Narrativas em profundidade LITERATURA DE NÃO FICÇÃO Jornalismo Literário CONTO Crônica NARRATIVA FICÇÃO Narrativas em profundidade LITERATURA DE NÃO FICÇÃO Jornalismo Literário CONTO Crônica N LONGA Jornalismo de Profundidade NOVO JORNALISMO Jornalismo Gonzo NAMOROS COM A LITERATURA Conto LONGA Jornalismo de Profundidade NOVO JORNALISMO Jornalismo Gonzo NAMOROS COM A LITERAT CRÔNICA Narrativas em Profundidade Jornalismo Literário CONTO Crônica NARRATIVA LONGA Novo Jornalismo CRÔNICA Narrativas em Profundidade Jornalismo Literário CONTO Crônica NARRATIVA LONGA Novo J

Ana Carolina Carneiro Você já deve ter ouvido falar que o futuro do país está nas mãos das crianças. Agora analise: elas são autodidatas? Exatamente. Salvo as exceções, a afirmação é uma inverdade, porque sem uma educação de qualidade, essas crianças não têm desenvolvimento crítico digno de tanta responsabilidade. O futuro do país está nas mãos dos responsáveis por esses pequenos que devem a todo custo propiciar o melhor aprendizado perante os alicerces

da sociedade: família, escola, religião, entre outros. A receita para a consolidação desta educação é simples: paciência. Os pais/responsáveis devem ter a calma necessária para poder acompanhar o passo da criança em todos os seus lugares de atuação, sendo que o principal deles é o âmbito escolar, onde ela se relaciona não só com o conhecimento, mas com amizades e diferentes níveis de autoridade. É ali, na entrada da vida escolar, que o acompanhamento dos pais é mais importante. A

criança não deve ser doutrinada, mas sim, provocada, instigada a descobrir coisas novas e tomar gosto por isso. Só a paciência daqueles que abdicarão do seu tempo para acompanhá-la é que trará bons resultados mais tarde no desenvolvimento da sua personalidade, caráter e educação. Porque não só os ensinamentos da escola fazem o ser humano, os pais têm que ser exemplos, dignos heróis de uma realidade às vezes tão sofrida como a ficção. Essa constatação é fácil de ser observada: em alguns colé-

gios de Balneário Camboriú, ao final da aula, uma viatura da polícia se encontra em frente ao local para apartar possíveis brigas de “gangues” que esperam o sinal tocar para entrar em ação. Qual a conclusão? Esses indivíduos não têm pais em casa que os eduquem. Simples assim. Numa época em que se discute sobre a imposição da Lei da Palmada, deveríamos pensar em como a sociedade reage diante de nossos atos: tudo é negócio, troca ou escambo. Se você tem um bom rendimento

no colégio, certamente será bem acolhido pelo mercado. Se você respeita as pessoas, na maioria das vezes receberá esse respeito de volta. Se você trabalha da melhor maneira, poderá encontrar uma promoção mais à frente. Se você educa seu filho para a vida, acompanha seus atos e o faz entender que tudo no mundo é moeda de troca e tem suas consequências, você vai colher mais tarde orgulho de si mesmo por fazer a sua parte: ter criado alguém que vai sem dúvida alguma, fazer a diferença para melhor no mundo.


O mercado emergente dos ambulantes

Foto: Mariana Orlow

A realidade de quem vive deste comércio em Balneário Camboriú tina se aquilo não a aborrece. Ela responde que já passou do Mariana Orlow tempo... Há vinte anos trabalhando marianaorlow@yahoo.com no mercado dos camelôs, Cristina, como assim prefere ser chamada, veio de longe, mais prePaula Casagrande Garcia cisamente Uruguaiana, no Rio Grande do Sul. Ela, juntamente paulinhacasagrande@yahoo.com.br com marido e filhos mudaramse para Balneário Camboriú O cheiro é de fritura. O chão há apenas um ano, e cultivam irregular com cores e texturas de os mesmos costumes obtidos diferentes tipos de pisos traçam na terra gaúcha. "O camelô é a o caminho por onde os visitantes minha vida, e não sei fazer oue turistas devem pisar. É preci- tra coisa", diz. A banca de Crisso cuidado, pois cada espaço é tina é repleta de diversas peças disputado. Se sobram trinta cen- de roupas, calçados, chinelos e tímetros, este já é ocupado por também de roupa íntima. Ela diz uma nova mercadoria. "Não po- que prefere trabalhar com esse demos perder de vender nada", tipo de mercadoria, pois além de diz Andréia Cristina, proprietá- ter um preço baixo se compararia da menor loja do camelô lo- do a outras, ainda ganha-se cem calizado próximo à igreja central por cento de lucro em todos os de Balneário Camboriú. O sol artigos. Quando questionada sobre a está situado bem acima de nossas cabeças, o calor incomoda procedência dos produtos, Crisaqueles que ficam parados, mas tina fica receosa. Diz que não não há para onde correr. Cada sabe ao certo, pensa mais um cantinho deste lugar apertado pouco, e ao fim, diz que tudo está ocupado por alguém. Se vem dos países como Paraguai, não são pessoas, são cachorros. Argentina e Uruguai. Ressalta E quando nem eles aguentam o ainda que em vinte anos de prosol, os pombos ocupam seus lu- fissão, nunca recebeu nota fiscal gares. O barulho da música alta pelas mercadorias que comprou, e dos gritos dos vendedores tam- mas não se sente envergonhada. bém incomoda. Pergunto a Cris- Diz ter consciência de que não

paga o imposto que é cobrado pelo governo, mas que é exatamente por este motivo que vende tanto. Ela atribui o sucesso do lugar onde trabalha justamente a isso: o preço mais em conta do que nas lojas. Em meio à multidão, Cristina acena para alguém que vem vindo em direção a sua banca, e com um sorriso no rosto, diz que o seu melhor cliente está chegando. Daniel Flores, 24, é um mototaxista que só usa roupas de marca compradas no camelô, e não tem vergonha disso: “Sei que são imitações, mas estou sempre bem vestido. Os outros não precisam saber que compro as coisas aqui”. Sua namorada, Suzanna Arruda, 22, também adquire diversos produtos no camelô, e adora principalmente os cremes importados: “Não vejo diferença no cheiro dos cremes vendidos aqui, dos que são vendidos no shopping. Não sei quanto à qualidade, mas o que eu procuro mesmo é o cheiro”, afirma. Dizer que todos os produtos comercializados ali são de procedência ilegal ou duvidosa, como de costume nesse ramo, seria um equívoco. Além das bancas de CDs, eletrônicos, bolsas, óculos, relógios, perfumaria e das famosas bijouterias artesanais, estão

bancas de ferramentas, livros e artigos de decoração encontrados normalmente em outros comércios da cidade. Mas o camelô de Balneário Camboriú tem ainda outro diferencial: a modernidade. Os pontos comerciais acompanharam as tendências de decoração, as diversas formas de negociação com o cliente, e isso inclui a forma de pagamento. Nas aproximadamente 150 bancas, duas delas se destacam. As microlojas do mesmo proprietário, que diferentemente das outras, trabalham apenas com produtos originais trazidos dos Estados Unidos. Relógios, roupas e tênis que custam de R$ 150,00 até R$ 800,00. Há quem diga que o preço dos produtos vendidos no camelô estão acima da média. Talvez por isso as simples bancas que víamos há uns anos, agora estão modernas e nem de longe lembram a bagunça que eram. Dona Josélia Freitas, 63, conta que não acha mais um bom negócio comprar ali, já que os preços estão elevados. “Vale mais a pena comprar nas lojas, pela garantia e até mesmo pela questão dos valores, que são quase os mesmos. Comprei lá por quinze anos, hoje quase não compro mais, mas a

escolha é de cada um”. Jeverson Saramento, que é responsável pela fiscalização de comércio ambulante de Balneário Camboriú, ressalta que a fiscalização é feita diariamente, e que é intensificada na temporada, quando mais trinta pessoas são contratadas para esta função. Para que este comércio seja legal, Jeverson diz que é necessário que o dono da banca tenha alvará e licença para trabalhar. Caso contrário, o estabelecimento é fechado e multado em até o dobro do valor do alvará. A noite cai e Cristina nem pensa em recolher a mercadoria. Ela sabe que ainda restam algumas horas para isso. Há quem diga que a vida de trabalhador brasileiro é dura e sem muitos motivos para sorrir, mas Cristina tem esperanças. Ela traz consigo o amor pelo marido e filhos, e o sonho de vê-los doutores um dia. Quando seu relógio de pulso marcar pontualmente 21h30 é que ela começa a tirar as roupas dos cabides e junto com o marido unir e enfileirar os pares de sapato na mochila. Assim acontece todos os dias. Ela fecha o local de trabalho, sai com um sorriso no rosto e a sensação de dever cumprido que lhe acompanha até o ponto de ônibus em frente.


http://geografia.seed.pr.gov.br

A vida de quem tem fome Escolher o dia para comer não é uma opção, é uma questão de trabalho, ajuda e até mesmo de sorte Jaison Felipi jaison48@hotmail.com

O som do machado cortando a lenha é mais comum no inverno pra família de Raimundo Serpa, 45 anos. A lenha é usada para acender o fogo nos dias que tem comida, mas as labaredas são mais comuns durante o período frio pra aquecer. Em outros tempos, Raimundo acende o fogo menos de quatro vezes por semana. Comida na panela é raridade por aqui. Um barraco de madeira, sem divisórias na parte interna. Móvel dá pra contar nos dedos: um fogão a lenha, um tanque que serve para lavar louça e roupa, duas camas antigas com colchão de mola e estampa florida, uma mesa simples, cadeira de palha e um sofá vermelho com cortes no tecido. Essa é a casa do catador de lixo Raimundo, localizada em uma rua sem nome, no Bairro Porto das Balsas, que concentra um dos bolsões de pobreza em Navegantes. O catador é nanico, pele clara queimada pelo sol, tem cabelos pretos e pesa em média 50 quilos, mora com a esposa Valdeci Serpa, 42, mulher de estatura mediana, pele morena com ausência de um dente canino. Ambos são analfabetos. O casal tem dois filhos. Deixaram a agricultura, há cinco anos, em Luis Alves.Vieram pra cidade em busca de uma vida melhor. Sem estudo, viver do lixo é acontecimento banal. Pagam R$ 150,00 de aluguel, R$ 30,00 de energia elétrica, e se viram como podem. Com a venda do

material reciclável ganham R$ 5,00 por dia, o que representa R$ 150,00 por mês. Recebem auxílio de R$ 112,00 do Programa Bolsa Família totalizando uma renda de R$ 262,00 mensal. A situação da família Serpa é parecida com a de outros catarinenses. A Síntese dos Indicadores Sociais de 2002 mostra que, no Estado, 7,4 % de um universo de mais cinco milhões de catarinenses possui renda per capita de meio salário mínimo. Nessas condições, fica difícil uma família se manter com custos de habitação, alimentação, saúde e educação. A música gospel sai de um rádio velho e se expande pelo casebre, na inversão da tristeza ainda sobra espaço pra alegria. Essa alegria dá pra ver no sorriso tímido e no olhar meigo dessa gente, que some tão rápido quanto o movimento das asas do beija-flor que acaba de chegar como um visitante inesperado. Escolher o dia pra comer não é uma opção. É quase uma questão de trabalho, sorte, de ajuda. Quando seu Raimundo terminou de cortar a lenha, dona Valdeci foi ao encontro do marido buscar a madeira. Hoje é um dia melhor pra essa família. Tem comida no prato. - Pode levar o que sobrou! Ordena Raimundo se referindo à madeira e carrega a lenha pra dentro do casebre. - O pai, deixa que levo mais, depois você reclama de dor na coluna. Valdeci responde como se previsse mais uma noite de reclamações do marido. Quando pergunto o que é a fome. Raimundo baixa a cabeça

e lamenta. - É de doer, é triste. As crianças pedem, mas não tem. Aí o que podemos fazer? Isso é o que mais dói, não poder fazer nada. O catador e esposa se dirigem ao barraco, enquanto os filhos Marcelo de três e Bruno de quatro anos aguardam com o estômago roncando de fome. Além disso, uma refeição à base de biscoito ou feijão seco, por dia, não garante os nutrientes necessários para uma alimentação sadia. São quietos, tímidos, desconfiados. Vestem trapos de roupas, camisas amarrotadas, mas para eles isso pouco interessa. O mais importante é quando o estômago para de doer por falta de alimentação. Mas, os filhos de Raimundo poderiam fazer parte de uma estatística mais cruel. De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), no Brasil, a cada cinco minutos morre uma criança. A maioria de doenças da fome, quase 300 crianças por dia. É sábado. São seis horas da tarde. Está frio. O vento balança as poucas árvores que restam no bairro. O sol se esconde entre as montanhas e a fumaça emerge através da chaminé. Uma panela amassada no fogão dá sinais de que o feijão já está no ponto. Valdeci derrama a comida no prato e serve. Seu Raimundo parece estar mais contente com os poucos grãos de feijão que se escondem na imensa quantidade de água. Dados da ONU indicam que pelo menos 36 milhões de brasileiros nunca sabem quando será a próxima refeição. A família de Raimundo faz parte desses números. Depois de se alimentar, o catador organiza o carrinho e volta ao trabalho, mas

agora só. A esposa e os filhos ficam em casa, ele deve retornar perto das dez horas da noite. Tic tac, tic tac, tic tac. Trimmm...trimmm….trimmm. Seis horas da manhã de domingo. Aqui não tem descanso. Se não trabalha todo dia, não tem casa e diminuem os dias que tem comida. De manhã até a tarde todos vão pra rua. E tem que ser rápido, senão o lixo é coletado por outros catadores ou pelo caminhão da prefeitura. É gente como a família de Raimundo, que passa por uma tragédia mundial. Silenciosa, http://alicemepersegue.blogger.com.br

se esconde nas periferias, no interior das cidades. Onde quem come não enxerga essa população faminta. Uma pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2006, revelou que aproximadamente 14 milhões de brasileiros convivem com a fome e mais de 72 milhões estão em situação de insegurança alimentar. Números que viram só estatísticas, como se atrás deles não houvesse, dramas, histórias, Raimundos.


Luz, câmera, Brasil: Fernanda Beltrand fervernet@gmai.com

Suellen Rodrigues suellenpereirarodrigues@hotmail.com

O dia nublado e a chuva da noite anterior explicam o frio que faz neste momento em Curitiba. Os termômetros instalados nas ruas registram a temperatura de 13ºC em um dos bairros mais nobres da cidade, o Batel. Estamos esperando. O lugar poderia até se passar por uma sala de cinema, afinal faz frio ali dentro, mas está longe de ter o conforto das poltronas reclináveis. Não estamos onde o filme roda, mas onde ele é produzido. Estamos em um produtora de filmes esperando Gil Baroni. A produtora WG7 fica no segundo andar de um dos prédios da rua Dr. Carlos de Carvalho. Lá o cineasta deixa fluir a imaginação para estimular a veia de artista. Durante o trabalho o clima é de correria para cumprir prazos, mas isso não o desanima enquanto produz. — Fico muito compenetrado no trabalho, sério, atento aos detalhes, ao cronograma de filmagens, aos ensaios dos atores. Tudo tem que dar certo, conforme planejado. Quando estou no set de filmagens, deixo as brincadeiras de lado e me visto de seriedade, mas isso não deixa o trabalho pesado, sinto tesão, como provavelmente Deus deva ter sentido quando criou o céu, a terra, as criaturas, o homem e a mulher. Toda essa dedicação em mais de 100 obras audiovisuais e na direção de cerca de 50 filmes lhe rendeu um dos prêmios mais importantes do cinema brasileiro, o Kikito de melhor produção no Festival de Cinema de Gramado em 2003. Quem observa de longe consegue perceber que Baroni é apaixonado pelo que faz. Nas paredes da produtora estão pendurados cartazes de filmes conhecidos como Pulp Fiction, o Gordo e o Magro e Os Simpsons, que dividem lugar com longas assinados por ele. Um deles, intitulado Mystérios, fez história: ganhou o II Prêmio Estadual de Cinema e Vídeo do Paraná. Em 2005 o longa foi

contemplado com um milhão de reais. Quatro anos depois venceu nas categorias Direção de Fotografia, Direção de Arte e Ator Coadjuvante, todos no CINE PE Festival de Audiovisual de Recife. Ganhou, ainda, melhor Maquiagem no Festival de Cinema da Lapa e melhor Direção no Festival de Cinema Latino do Paraná em 2008. Gil Baroni já pensou em seguir várias carreiras como a de ator, cantor, médico, mas desde pequeno era o cinema que despertava seu interesse. Na adolescência cismou em cursar medicina, tentou dezessete vestibulares e acabou fazendo Direito. Todas suas experiências deram a ele uma personalidade única. — O silêncio vale ouro; eu diamante. Durante a faculdade, dedicou-se às questões jurídicas da cultura brasileira. Agora ensina outros aficcionados por cinema a produzir filmes com o apoio das leis de incentivo à cultura, direitos autorais e a Agência Nacional do Cinema, Ancine, que é a responsável pela fiscalização de parte das atividades dos cineastas. As leis de incentivo a cultura são importantes, principalmente, para os cineastas que estão entrando agora no mercado de trabalho. Para Gabriela Beltrand, uma das alunas de Gil Baroni e estudante do quarto período de cinema na Faculdade de Cinema do Paraná a CineTV PR, a lei de incentivo a cultura é essencial: — É uma pena que alguns ainda se utilizem de má fé. O estudante de cinema Rodrigo Alonso pensa de forma diferente. Acredita que existem outras formas de conseguir incentivo. — Existem empresas que ficam felizes em patrocinar nossas produções. Para Baroni são inúmeras as dificuldades na captação de recursos. Hoje é possível recorrer a algumas leis de incentivo, as mais comuns são a Lei Rouanet e a Lei do Audiovisual. A maior dificuldade é que as empresas que pagam impostos, valor de onde sai o benefício fiscal para os

projetos, geralmente estão atreladas aos grandes produtores, sufocando os pequenos produtores. — Em suma, os recursos ficam concentrados nas mãos dos mesmos. Atualmente o cinema brasileiro faz cinema-verdade, aquele com desejo de chegar o mais próximo da realidade nacional. É por essa razão que alguns apreciadores do cinema nacional chegam a reclamar que os filmes só retratam os problemas do Brasil. É o que pensa a relações públicas e estudante de jornalismo Cristielle Mara Pereira. —Faltam filmes ficcionais como “Mulher invisível” e “Se eu fosse você”. O brasileiro tende a explorar os problemas do país como “Carandiru”, “Cidade de Deus” e “Tropa de Elite”, achando que só isso faz sucesso internacional. No Brasil, segundo o cineasta Baroni, o cinema nacional não fica atrás das produções estrangeiras. —Em termos de qualidade de produção, não ficamos devendo nada. Nosso único problema é que os filmes nacionais quase não chegam nas salas de cinema e quando chegam ficam pouco tempo em cartaz. Mas nossos filmes são excepcionais. Nosso país é um continente! Cheio de histórias e diversidade. Essa diversidade pode ser vista nos trabalhos que são produzidos em cada região. Acho ótimo essa safra diversificada de conteúdos, de ideias, de formatos... tudo isso é inspirador!!! Inspira a gente a continuar fazendo mais, mais, mais. É isso que o espectador espera, produções cada vez melhores e filmes de qualidade.

http://cinema.uol.com.br

Produções nacionais ganham espaço no cinema, embalados por sucessos como Tropa de Elite


Era uma casa “nem tanto” engraçada Dois anos depois da tragédia de 2008, abrigados ainda dividem espaço em um local de pouca estrutura e muitas histórias

Júlio Castellain juliocastellain@gmail.com

Tem teto, paredes e certa privacidade. Seu projeto não previa nenhum dormitório. Só salas de aulas e laboratórios. Nasceu escola, virou faculdade. Mas, fatores econômicos e a intempestividade e o autoritarismo da natureza transformaram o local. Um centro educacional vira habitação coletiva, um abrigo provisório. É quase unanimidade: todos sonham com um canto seu para morar. Agora, quando a espera para reconstruir o sonho destruído por uma catástrofe natural já dura 23 meses, a situação assemelha-se a um pesadelo. Uma senhorinha franzina, quando vê minha chegada ao antigo prédio da faculdade Cesblu, no início no bairro Garcia, em Blumenau, faz sinais frenéticos com suas mãos para chamar a atenção. – Psiu! Eih! Moço. Vem aqui, vem aqui. Era quase um sussurro. A impressão era de que não queria que vissem ela me chamar. Abanei, cumprimentando-a. Esperava a responsável pelo abrigo provisório.

Niguém podia entrar nela não

Na portaria do prédio de quatro pavimentos três crianças, aparentando menos de cinco anos, correm descalças pelos corredores. Há dois homens e uma mulher varrendo o chão. É um trabalho coletivo e, pelo engajamento, de colaboração mútua. Observo, esperando o atendimento com paciência. Um deles pede para aguardar. Na parede, uma série de regras dita as normas que todos os moradores precisam seguir. Entre elas, uma dizia que visitas só eram permitidas quando previamente autorizadas pela Se-

Fotos: Júlio Castellain

mascri – Secretaria Municipal de Assistência Social, Criança e Adolescente, órgão da prefeitura. – Pois não, o que deseja? Pergunta Simone Couto, a coordenadora do abrigo, já com olhos de desconfiança. Começo a explicar o motivo da minha visita quando ela afirma enfática: – Para entrar aqui, conversar com alguém, fazer fotos, só com autorização da Prefeitura. São ordens. Os versos de Vinícius de Moraes começaram a ecoar na minha mente. Evidentemente que com algumas alterações. Não adiantou argumentar que ali era um espaço público. Que viviam famílias. Mais de 250 pessoas que, como qualquer outra, tinham o direito de receber visitas. Estava diante de mais uma consequência perversa do desastre natural ocorrido em novembro de 2008, que matou 135 pessoas em Santa Catarina e que desabrigou cerca de 5.600 em Blumenau. Na saída, aquela senhorinha faz sinal novamente. – Não te deixaram entrar, né? Eles têm medo. É Araci Manoel Ponciano, 75 anos, uma das moradoras do abrigo. Além do prédio, há uma casa anexa. É ali que dona Araci mora com uma neta de 15 anos. É a sua segunda moradia provisória. Segundo ela, a direção do abrigo não gosta que saibam das brigas e encrencas que acontecem ali. Nem que existem privilégios para alguns. Quando pensei que tinha perdido a minha viagem, as respostas começaram a aparecer. Para saber como vive uma família que perdeu sua casa e ainda vive em um abrigo provisório depois de quase dois anos, só conversando com uma. A prefeitura paga a conta de energia elétrica, água e gás de cozinha. Todos são responsáveis pela limpeza e organização dos espaços coletivos. Tem hora para

entrar e sair. Inspeções podem ser feitas a qualquer hora, em qualquer dia da semana. Tudo isso para esperar a tão sonhada casa própria, que no caso, são apartamentos de um programa do governo federal para famílias de baixa renda. Os apartamentos já estão prontos. Ficam no bairro Itoupavazinha, mas ainda é preciso esperar por uma burocracia que não é muito compreendida pelos abrigados. A casa onde dona Araci morava, na rua Pedro Krauss Sênior, no bairro Vorstadt, foi condenada pela Defesa Civil. Da família, outras quatro residenciais foram atingidas, onde moravam os seus três filhos casados e seus netos. Todos estão morando no abrigo. A tragédia contabilizou mais de 3.000 pontos de deslizamentos, atingindo cerca de 34% da população. A senhora idosa queria me receber na sua sala. Mas não podia. Queria mostrar os recortes de jornais que ela guarda, quando cinco soldados do Pelotão de Operações Especiais da Polícia Militar a retiraram da casa embargada. – Precisou de cinco daqueles de “camuflado” pra dar conta de mim. Estava explicado o porquê dos gestos e acenos do início da história e a vontade louca de contar alguma coisa, escondido da coordenadora do abrigo. Era da sua personalidade. – Vem um dia de manhã aqui e entra direto ali na minha porta. É a despedida. Depois de contar um pouco de sua história, de revelar os bastidores do abrigo, dona Araci revela o seu sonho e faz um pedido: – Eu só queria uma casinha. Uma meia água de madeira. Não dá para você falar com o Gugu? O velho e bom Vinícius cantarola de novo. Em tempos de eleições presidenciais no país e de promessas sem fim, os eleitores desabrigados continuam na “rua dos bobos, no número zero”.


Marisco e seu livro de receitas

Livro de receitas mostra importância e diversidade da cultura de mariscos na região Vanessa Borges nessagb@hotmail.com

A prefeitura Municipal de Penha, através da Secretaria de Pesca e Agricultura, com o apoio da AMAP-Associação dos maricultores de Penha, desenvolveu o primeiro livro de receitas gastronômicas da cidade, incentivando o consumo dos produtos da maricultura familiar. O lançamento do livro de receitas foi atrativo principalmente no Festival Nacional do Marisco em Penha neste ano de 2010. A atração foi divulgada em todo município de Penha e região, contando com mais de 4.000 exemplares gratuitos para toda a população. Segundo Luis Fer-

nando Vailatti, Presidente dos Democratas, "tivemos o apoio da indústria Natubrás Pescados, Indústria Peixe Vivo e Pesqueira Catarinense. Sem eles não conseguiríamos lançar o livro. Fico muito feliz em fazer parte deste incentivo cultural”, conta Luis Fernando. Neste Livro foram selecionadas algumas receitas com os mariscos e ostras, visando atender públicos distintos sendo elas: receitas penhenses elaboradas pelos produtores de mariscos, receitas açorianas que é as principais formas de consumo desses produtores pelos açorianos, receitas exóticas que apresenta sabor especial e criativo aos mariscos de Penha. No Brasil, o consumo de moluscos bivalves remonta a pré história. As populações indígenas, ao descartarem as conchas, formaram os sítios arqueológicos conhecidos como sambaquis. Já o cultivo organizado de moluscos no Brasil é recente e representa importante fonte de substância e fator de redução de êxodo em diversas comunidades do estado de Santa Catarina. A aquicultura tem sido considerada uma atividade importante no suprimento alimentar do planeta, ganhando cada vez mais importância à medida

que o consumo, baseado na exploração dos estoques naturais, sofre redução gradativa, verificando-se ainda uma crescente demanda por alimentos oriundos da maricultura. Na produção de mariscos são utilizadas sementes coletadas no ambiente natural e através de coletores, que são acondicionados em cordas de 2,5 metros de cumprimento, em média. Num período médio de oito meses, o produto está pronto para colheita, quando é efetuada a seleção e limpeza dos mariscos, que são encaminhados para o beneficiamento. A partir desta etapa o produto está pronto para a comercialização e utilização na alimentação humana. Explica Jorge Martins, produtor de marisco. A cooperativa de Marisco, localizada no centro de Penha,trabalha só com estes Mariscos (moluscos). Maciel dos Santos, que trabalha no setor de Controle de qualidade, explica: “eles são invertebrados, com um corpo não articulado, de simetria bilateral e que essencialmente está composto por quatro regiões: cabeça, pé, saco visceral e manto. “Os mariscos da classe bivalve vivem somente na água, possuem as conchas formadas por duas valvas unidas dorsalmente por um ligamento”, conta Maciel. Os mariscos são de sexo separado, raramente ocorrendo hermafroditismo, e sua fecundação ocorre livremente na água.

Em todo o mundo existem classificadas mais de 20.000 mil espécies de moluscos bivalves. A maior concentração do marisco ocorre na parte inferior da região entre as marés, até um metro de profundidade. A fecundação é externa e ocorre no ambiente aquático. Na desova a emissão dos gametas é estimulada por fatores físicos ou climáticos, principalmente pelo aumento na concentração de nutrientes no meio e pela variação repentina da temperatura ou da salinidade de água. Já a fêmea de mariscos (Mytilus edulis) pode desovar 20 milhões de ovos. As larvas alimentam-se por si mesmas na água por aproximadamente 21 dias. Após cinco a oito meses de crescimento, o marisco pode atingir a uma maturação, estando apto a reproduzir. Os animais atingem a maturidade sexual com um máximo de desenvolvimento dos folículos das gônadas e da maior espessura do manto. Os mariscos chegam a formas densas populações nos contões rochosos marinhos, tanto em pontos de forte arrebentação como em locais mais abrigados podendo ocorrer até a profundidade de 30 metros. Como animais micrófagos filtrados que são, alimentam-se de organismo planctônicos. No entanto, foi com todo este estudo da vida do marisco que Luis Fernando e todos os patrocinadores já citados contribuíram com o livro receitas marisco de cultivo.

Como preparar De acordo com Dona Zélia, proprietária da franquia Recanto Da Sereia “quando comprar mariscos, mexilhões ou ostras, veja se as conchas estão fechadas. Quando as conchas estiverem ligeiramente abertas os moluscos estão estragados. Lave-os primeiramente fechados ainda com uma escovinha e muita água. Depois ponha-os em uma assadeira ou tabuleiro e coloque ao calor do fogo no forno ou fogão, não importa. O

calor fará com que as conchas se abram ou facilita a abertura que deverá ser feita com a ponta de uma faca. Não afervente as conchas fechadas porque tira o sabor do molusco. Retire os mariscos das cascas, lave-os muito bem e retire uma bolsa de areia que tem- o que é intestino. Lave muito bem, a água encontrada dentro da casa desses moluscos deve ser aproveitada para o cozimento dos mesmos”, aconselha Zélia.


Fotos: Leonardo Thomé

A obra e o operário No meio da obra do novo Teatro Municipal de Balneário Camboriú, surge um artista anônimo do trabalho diário Leonardo Thomé leonardo_thome@hotmail.com

Chove nessa quarta-feira, véspera de primavera. São seis e meia da manhã. Na Avenida Central, em Balneário Camboriú, são poucos os transeuntes. O céu está carregado e parece noite. Propício para um bom sono, correto? Depende, se você for o mestre de obras de um projeto digno de apreço, estima e importância, certamente estará desperto antes de o sol nascer. É o que faz Wanderlei Subtil, 51 anos, quase todos os dias, desde que tinha 13 anos, na serrana Vacaria (RS). De estatura mediana, pouco menos de 1,80 metro de altura, corpo rijo e severo, um sorriso fácil e cabelos grisalhos, Wanderlei é também a simplicidade em pessoa. A pele com marcas do labor e da labuta expõe, ele começou como servente de pedreiro em 1972. Os olhos brilham e molham ao lembrar como tudo teve início, ainda na infância: Perdi minha mãe com 13 anos. Meu pai sempre esteve ausente. O jeito foi trabalhar”, explica o mestre de obras do futuro Teatro Municipal de Balneário Camboriú. Em 1974, o Brasil investia pesado na construção civil. Nessa época se colocou em prática o projeto de construir a Usina Hidrelétrica de Itaipu, na fronteira do Brasil com o Paraguai. Trabalhadores foram chamados de todo o país. Em 1975, com 16 anos, Wanderlei trabalhava numa das maiores obras da arquitetura moderna e dava princípio a uma vida meio nômade. Subtil trabalhou na construção de edifícios, casas, estradas e barragens. Morou em 19 países – da Ásia, África e América.

Jogou futebol profissional na Colômbia e Venezuela. Há oito anos fixou residência em Navegantes. Apesar da experiência, é a primeira vez que ele trabalha para erguer um teatro. A chuva cessa por alguns instantes. Permitindo assim, caminhar nas ruas 200 e 300, que ladeiam o prédio. Wanderlei mostra as rampas de acesso e detalhes do projeto: “Uma parte do teto será de vidro. Tudo material de primeira”. Com o barulho das máquinas ao fundo, ele reflete a respeito desse templo da cultura, das artes e da representação: “Não conheci teatros. Mas sei que esse é um lugar especial. Dos artistas. Em termos de trabalho é parecido com outras construções, só que aqui estamos fazendo algo para nossos netos”, filosofa o mestre de obras, com o sotaque carregado no espanhol. Seu filho é de Caracas, na Venezuela. Após começar em agosto de 2008, os trabalhos foram paralisados em novembro de 2009, devido a um desacordo contratual com a empresa Concretil, de Itajaí, vencedora da primeira licitação. O Teatro Municipal de Balneário Camboriú está orçado em R$ 3,5 milhões, e o prazo de entrega é de 18 meses. A responsável pelo andamento do serviço é a construtora JFP, de Barra Velha, que alegou não poder dar detalhes do trabalho. A chuva aperta no meio da manhã e interrompe nossa caminhada na Rua 200. Fomos para o escritório, onde inúmeros desenhos e cálculos tomam conta da pequena sala com um banheiro contíguo. O ambiente é limpo e agradável. Wanderlei diz que um engenheiro formado vistoria todo dia o local. Nas suas palavras, Subtil define-se “um engenheiro na prática”, que só se

adquire “com esforço, trabalho e atenção”. Wanderlei é um sujeito discreto, afável e inteligente. Há cerca de dez metros de onde estamos um operário também circunspecto, chama a atenção pela voracidade com que consome um sanduíche de mortadela. Timidamente, o carpinteiro Isaias Souza, 28 anos, morador de Camboriú, explica: “Tem que comer rápido para não perder tempo”. O mestre de obras é respeitado e querido pelos colegas de trabalho, como afirma o próprio Isaias: “Seu Wanderlei é o melhor mestre de obras com quem eu trabalhei!”. Os funcionários andam de um lado ao outro, com o som da britadeira e da chuva, eles carregam ferramentas, materiais e, invariavelmente, fumam o seu cigarrinho. O Teatro Municipal terá área total de 2,3 mil metros quadrados, sendo 300 metros destinados à galeria de artes. O local será sede da Fundação Cultural de Balneário Camboriú e abrigará 320 espectadores. Teatros são fundamentais para a sociedade. Sendo assim, o que restringe o acesso da população? Diferente de Wanderlei Subtil, uma mulher de Itajaí tem uma vida dedicada aos palcos; diferente do mestre de obras, ela perdeu a conta de quantas vezes esteve num teatro. A atriz, produtora e diretora do Teatro Municipal de Itajaí, Denise da Luz, 37 anos, enxerga outras prioridades no público: “Já foi mais restrito. Hoje, o Sesc traz espetáculos gratuitos. Que são sofisticados e bem preparados. O que restringe o teatro é a mentalidade do indivíduo, sua prioridade por outras formas de cultura de massa – shows, televisão, enfim...”. Independente do quão restri-

to seja o teatro, muita coisa está sendo feita em Itajaí para suprir essa carência. A 15 Km do canteiro de obras comandado por Wanderlei Subtil, funciona um espaço destinado a perpetuar o gosto pelo teatro. Na Avenida Sete de Setembro, em Itajaí, uma articulada e perspicaz morena de cabelos longos, traços marcantes e olhar profundo, comanda uma escola de atores – focada também nos jovens -, que tem por objetivo inseri-los e enraizá-los na arte teatral. A escritora e professora Fernanda Moroso, 27 anos, acredita que o poder público poderia fazer algo pela cultura; no entanto, faz uma ressalva: “o político só vai conseguir melhorar algo,

quando eles se melhorarem. Assim como está fica difícil”. Apesar do desencanto com a classe política, Fernanda confia no seu trabalho: “Tenho alguns projetos e dentro de vinte anos, eu quero criar a cultura do teatro aqui. O pontapé inicial para isso é a escola e os jovens”. Com tanta disposição e vontade, talvez em um futuro próximo tenhamos um mercado mais atuante na área e, por conseguinte, pessoas diversas frequentando o teatro. Se depender de Wanderlei Subtil, ao final desses meses de trabalho, ele vai apreciar o teatro, como o mesmo merece: com a cabeça aberta ao novo e diferente, levando tudo além da imaginação.


Na sessão do descarrego, fiéis acreditam na cura através da aliança com Deus, mas ela tem um preço: 10% daquilo que receberem Andressa Sabedot dessa_dessynha@hotmail.coml

Sarah de Souza nambipambi@gmail.com

Uma lenta canção instrumental acolhe os fiéis, que aos poucos começam a formar um modesto público pelos 1.400 assentos do amplo e luminoso edifício. Pessoas de todos os tipos começam a chegar: elas são magras, gordas, altas, baixas, de pele clara ou escura, de diferentes classes sociais, algumas acompanhadas de crianças pequenas. Um evento muito peculiar está para começar. E cada um está ali por um único motivo: livrar-se de todos os males que possam afligir suas vidas. No altar, alguns vasos com vinho e o óleo que representa o Espírito Santo chamam a atenção. O óleo, que tem um cheiro um pouco desagradável, é uma espécie de “condutor” para a cura – ele é passado nas palmas das mãos, que são levadas à cabeça ou à parte do corpo que está doente. Atrás do púlpito, a fotografia de uma paisagem que compõe a decoração tem um significado: pedras e plantas verdes envolvem a água que cai em cascata – a água representa o batismo. O púlpito é comum, de madeira, com uma cruz talhada na parte da frente. É neste local que o Pastor Edson Nascimento dos Prazeres, 46 anos, passa a maior parte do tempo lendo os dizeres da Bíblia, ou transmitindo suas ideias, suas crenças. Assim que ele sobe ao altar, todos se levantam. – Diga “graças a Deus”. Bote a mão no coração, que nós vamos falar com Ele, diz o Pastor, que

logo dá início à primeira canção de louvor de maneira desafinada, com ajuda do tecladista: “Seguuura na mão de Deeeus... e vaaai.”

A moeda da fé Terminada a canção de louvor, pastor Edson começa a falar de dinheiro, como numa aula de matemática financeira (os sermões parecem ser decorados como um texto, um roteiro, pois pouco se diferenciam conforme a cerimônia): – Uma das coisas que baseiam nossa fidelidade com Deus é o dízimo. Independentemente de quanto você receber, 10% deve ser devolvido a Jesus. Se você ganha R$ 10 mil, R$ mil é de Jesus, se você ganha R$ 500, R$ 50 é de Jesus. – O dízimo é coletado em envelopes. O fiel ainda pode fazer uma oferta de quanto quiser. É através da oferta que ele pode reafirmar sua aliança com Deus. A servente escolar Nereusa Borges, 48, diz que os pastores da Congregação Cristã no Brasil ensinam que só se deve dar o dízimo se sentir-se à vontade. “Eu acredito fielmente no que o pastor prega porque tudo o que ele diz está na Bíblia e nossa igreja segue somente a palavra Deus, aí não tem como duvidar”, diz Nereusa. Assim como a servente escolar, muitos creem em pastores como Edson, que afirmam: “para ser feliz, sacrifícios são necessários”. E Edson sabe bem o que é isso. Antes de pregar na Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), Edson era alcoólatra, como o pai: “Meu pai morreu na cachaça, usava lança-perfume, vivia nas drogas”. De acordo com ele, a igreja é a salvação, a cura para doenças do corpo, da mente e da alma, como o câncer, a depressão, as visões e

até mesmo a AIDS. Começa, então, a oração pelos dizimistas. “Que Deus possa fazer coisas maravilhosas pelos dizimistas de Itajaí”, diz Edson. Para ele, Deus é alguém muito rico, contudo, não se deve pensar que para seguir à palavra, o fiel deve abrir mão de ter posses, bens materiais. – Essa história de que Jesus foi simples, humilde, de que a pessoa tem que viver e não pode ter riquezas, não pode adquirir bens, isso é história para boi dormir. Aliás, nem boi está dormindo mais com essa história. – Edson eleva o tom da voz e pergunta aos fiéis: – Deus quer que você tenha uma vida abençoada. Amém? Ele quer que você ande rasgado? Que você viva mal? Venha a se alimentar mal? Se vista mal? Não, Ele quer que você tenha o melhor, por isso está escrito: “Comereis o melhor desta terra e vos fartareis”. Então, se você quer comer desta terra, venha fazer uma parceria com Deus, venha tornar-se dizimista. Edson diz que o aluguel pago pelo local onde acontecem as cerimônias, que fica na R. Heitor Liberato em Itajaí, é de R$17 mil, mas esse valor não sai do bolso dos fiéis, pois não é possível arrecadar tanto. No entanto, não importa a posição financeira dos frequentadores – a maioria confia na palavra do pastor e não hesita em contribuir, embora muitos sequer saibam o que é feito posteriormente com o dinheiro. Jaqueline Boaventura Delfim, 26, é fiel da Assembleia de Deus e há oito anos deposita todo mês R$ 140 nos cofres da igreja. Apesar de não saber o que é feito com o dízimo, a zeladora não se arrepende: “Eu não sei para onde vai esse dinheiro, só penso que Deus está vendo: minha parte eu faço.”

O descarrego “É hora de exterminar todos os males da família: doenças, drogas, amantes, brigas e o cigarro, que é a chupeta do diabo...”, diz o pastor Edson, dando início à parte principal da cerimônia: a sessão do descarrego. Todos se aproximam do altar e o óleo malcheiroso, símbolo do Espírito Santo, é passado nas mãos de cada um. O pastor ordena: “bote suas mãos no local da enfermidade, ou então na cabeça”. Como num ritual de exorcismo, dois pastores se aproximam e começam a expulsar os males dos fiéis, apoiando a mão em suas cabeças e orando em um tom de voz quase ensurdecedor. As orações são incompreensíveis. Apesar da voz exaltada e do auxílio do microfone, é difícil entender o que é dito. E embora a reza seja indecifrável, todos, inclusive as crianças, se emocionam, choram. Como numa dança, pernas inquietas embalam o corpo de um lado para o outro, até que tudo fica em silêncio novamente. Os fiéis se mostram cansados, tristes. De repente, um homem de aproximadamente 60 anos chama Edson, que pergunta: – Qual era o local da dor? Está se sentindo bem agora, não está? – O homem responde, mas o pastor se esquece de levar o microfone à sua boca: – O braço estava doendo – diz o homem, que havia carregado materiais pesados durante o dia. Não satisfeito com apenas uma resposta, ou com um simples braço, Edson pede mais um depoimento, mas ninguém responde. O descarrego parece não ter funcionado muito bem. Com um olhar desapontado, de pálpebras semiabertas, o pastor encerra com uma oração, uma canção de louvor, e oferece mais uma vez o envelope do dízimo, envelope que carrega o preço da fé.

Fotos: Sarah de Souza

Quanto custa a sua fé?


O ritmo underground da Jamaica

Fotos: Juliete Lunkes

Letras cheias de personalidade são quase um manifesto à sociedade por um jeito simples e puro de se viver

Juliete Lunkes juliete.lunkes@univali.br

Não fosse por um casal, formado por um negro robusto e uma loura de feições simpáticas, dividindo uma mesa próxima ao palco, e mais uma animada garota de calça estampada dançando sozinha no lado oposto, eu diria que o DJ estava colocando música para um bar vazio. Tudo bem que era uma quinta-feira e o relógio do meu decrépito celular ainda nem marcava meia-noite, mas antes de chegar eu imaginei encontrar outro cenário. Nada que fosse tirar o entusiasmo do DJ e toaster Wilson de Jesus Guichabeira, mais conhecido como W SoulJah, que induzia seus pesados dreadlocks junto com o frenético movimento corporal. Alguns notívagos fumavam qualquer-coisa escorados na cerca de madeira instalada na areia da praia – vista que o bar proporcionava –, e outros começavam a dar as caras no ambiente peculiar onde W SoulJah reinava absoluto. Marcela, a encantadora garota de cabelos cacheados e calça estampada, agora sacudia no ar dois malabares cobertos de tecido e fitas coloridas, enquanto a voz do toaster acompanhava o som saído das caixas de som em alguns improvisos. – Se você quiser pode chegar e dançar. – Cantava o enérgico W SoulJah. O som que toma conta do ambiente não é nada parecido com o que se ouve normalmente por aí. Trata-se do dub, estilo criado na Jamaica na década de 60, que injeta batidas de bateria e impetuosas linhas de baixo e efeitos sonoros em ritmos como o reggae. Por cima do compasso instrumental, os toasters criam as mais variadas e expressivas rimas, em uma vaga lembrança ao atual e popular hiphop. A festa que rolava na fresca noite de quinta-feira, no Kwarup Bar, na praia Praia Brava, trazia

no flyer o número 1. Era a primeira festa dub promovida por aqui. E certamente não seria a última. Mais do que um simples estilo de música, o dub é para os jamaicanos uma filosofia, uma forma de conhecer e misturar sons e efeitos diferentes. Há cerca de cinco décadas, quando o dub dava seus primeiros suspiros, quase não havia tecnologia para tanto experimentalismo. Hoje, porém, mesmo com as mais modernas técnicas disponíveis, o estilo ainda é pouco conhecido no Brasil. – Por isso eu resolvi fazer essas festas. Já tava de saco cheio de ouvir esses reggaes de cachoeira. – Desabafou Wilson alguns dias depois da festa, já pensando em como será a próxima.

Cultivando boas ações – O que era aquele negócio que tu tava girando no ar antes? – Pergunto para Marcela após saber seu nome e explicar o que eu fazia por ali. – Ah, aquilo? É um swing. Tu podia falar com aquele cara lá, ele é jamaicano – apontava Marcela animada para o negro sentado próximo ao palco, que agora trocava carinhos com sua companheira de mesa. – E depois vai ter uns caras muito legais aqui! O swing, vim a saber mais tarde conversando com Wilson, são duas bolinhas feitas com grãos de arroz envoltos por um plástico. Depois de prontas, as bolinhas de arroz são revestidas com um tecido que é trançado, formando então um pêndulo. – E aqueles foram confeccionados por ela mesma – Explicoume Wilson, pacientemente. Durante seus meneios e improvisos, W SoulJah informava ao seu público ainda modesto que a atração principal da noite logo estaria ali. Eram os tais caras legais mencionados por Marcela momentos atrás. Uma dupla paranaense de Sound System

influenciada diretamente pelo dub, o Cidade Verde Sound System. Não demorou até surgir ao lado de W SoulJah o duo formado por Paulo Dubmastor e Guilherme Adonai. O primeiro era responsável pelo ritmo, enquanto Adonai, um rapaz que aparentava ter seus 20 e poucos anos, também de dreadloks no cabelo, circulava pelo palco com um microfone em mãos. Gente de todo o tipo agora deixava as mesas do lado de fora do bar e o cercado da praia para entrar no clima envolvente do ritmo jamaicano. Os mais interessados uniam-se intrépidos cada vez mais perto do palco e da incrível energia do cantor. Entre os festivos, aproximouse uma garota com várias tatuagens espalhadas pelo corpo, alguns piercings no rosto e cabelo de tom alaranjado. Visivelmente deslocada no ambiente pouco familiar, Alana me disse ter precisado da ajuda dos amigos para se vestir adequadamente ao lo-

cal. – Eu não tinha nada pra fazer, aí falaram que ia ter isso hoje aqui. Eu nem sabia o que vestir! Tava com uma blusa cheia de tachas, mas não me deixaram sair de casa daquele jeito. O som alto e ritmado promovido pela Cidade Verde quase obriga as pessoas a não ficarem imóveis. As letras cheias de personalidade, quase um manifesto, são reflexo direto da vida da dupla. A plenos pulmões, Guilherme Adonai canta que rejeita quem tenta mudar seu jeito de viver e de pensar, para em seguida falar sobre cultivar boas ações. À medida que a festa da Cidade Verde vai ficando ainda melhor, com a participação do jamaicano Eek a Mouse – o negro robusto – e do próprio W SoulJah, ela chega ao fim, deixando no ar a mensagem positiva e a mistura das energias díspares do público que os prestigiava.


O último corte Barbearia mais tradicional de Itajaí fica na lembrança

Dayane Bazzo dayanebazzo@hotmail.com

São duas e meia da tarde de uma tranquila quinta-feira. Quem chega neste momento na barbearia da rua Brusque, em Itajaí, pode ver um senhor de cabelos brancos sentado, esperando o tempo passar, à espera do próximo cliente. Nome, o local não tem. Apenas uma placa, pendurada no teto do lado de fora, indica que ali funciona uma barbearia, conhecida popularmente como Barbearia Santo. Há 61 anos cortando cabelo e fazendo barba da clientela masculina, a carreira de um dos barbeiros mais conhecidos da cidade está chegando ao fim. Quando resolveu largar o trabalho na roça em 1949, Santo Russi ainda era moço, tinha 22 anos. O convite para aprender o ofício da barbearia veio de um amigo, que o encorajou

Fotos: Dayane Bazzo

a deixar a terra onde nasceu e morou, o bairro Brilhante, na zona rural de Itajaí, para ir ganhar a vida no centro da cidade. Dois dias antes do seu aniversário, Santo dava os primeiros manejos com a tesoura e a navalha. No dia 6 de dezembro de 1949 foi seu primeiro dia de trabalho como barbeiro. Foi na antiga Barbearia Vitória da rua Brusque, com o Seu Alvin como professor, que a carreira de Santo começou. "Primeiro cortava cabelo de moleque", conta Santo, ao mesmo tempo que sorri ao lembrar de quando era apenas um aprendiz: "Antigamente tinha uma prateleira em cima do espelho cheia de produtos. As máquinas de corte já existiam, mas eram manuais, cansava muito o pulso." Mas o tempo passou e depois de 14 anos ao lado do Seu Alvin Sandri, Santo teve que seguir sozinho, principalmente depois que o companheiro de profissão ficou doente e fechou as portas da barbearia. Foi então que Santo abriu o próprio estabelecimento para cortar e fazer barba e bigode. A nova barbearia ficava perto do Parque Dom Bosco, no bairro de mesmo nome. Lá ele atendeu por quatro anos seus clientes, que aliás, o acompanharam na

mudança de endereço. No final do ano de 1963 Santo comprou um terreno na rua Brusque. Construiu uma casa e a barbearia com a ajuda da esposa, onde mora e trabalha até hoje. "Com a barbearia criei cinco filhos. Três mulheres e dois rapazes e construí esta casa". A alegria ao falar dos filhos faz brilhar os olhos, que mesmo com a idade avançada, não necessitam o uso de óculos.

Trabalho e silêncio Já passa das três horas da tarde quando um cliente entra. O barbeiro lava as mãos numa pia minúscula, liga a máquina, a que comprou no camelódromo da cidade, e com o auxílio de um pente inicia o corte. O silêncio do ambiente só é interrompido pelo barulho dos carros passando na rua e pelas gotas de água que pingam da torneira. O silêncio tomou conta da barbearia há mais de 15 anos. Os clientes se acostumaram a falar pouco, por exigência de Seu Santo, que diz que a conversa atrapalha o serviço, e mais ainda porque ele não escuta muito bem. Depois da máquina chega a vez da navalha.

Com as mãos um pouco trêmulas, mas com muita habilidade, ele troca a lâmina vagarosamente, sempre com uma expressão nos lábios de quem vai abrir um grande sorriso. A sala com pouco mais de cinco metros de comprimento por quatro de largura não possui aparelhos eletrônicos. Na parede, três calendários de modelos diferentes lembram que os dias estão passando. A mesinha de ferro encostada na parede perto da porta, já gasta pelo tempo, serve para guardar alguns jornais velhos e a toalha branca, pintada com o desenho de uma cesta de flores, esconde o que o tempo fez com o móvel. Os passos lentos de Seu Santo não conseguem esconder o que a idade lhe fez. Há dois meses atacou-lhe a pneumonia. Sem poder trabalhar, teve que fechar a barbearia por um mês. Com a barba feita e o cabelo bem cortado, Edson Wippel paga os R$18 (R$10 do corte e R$8 da barba) e se despede. Hoje Edson tem 35 anos. "Desde os três anos os pais já traziam ele para cortar o cabelo", lembra Seu Santo. E desde a adolescência Edson repete o ritual todo mês, o de fazer uma visita a Seu Santo. O capricho com a higiene e

o serviço bem feito são motivos de orgulho para o barbeiro. Com a ajuda da mulher, Dona Maria de Lurdes Philippis, de 76 anos, uma senhora que adora falar e cuidar do seu jardim, Seu Santo vai planejando o fechamento definitivo da barbearia. Depois de anos trabalhando de segunda à sexta, das 8h30 às 12h e das 14h às 18h, e sábados das 8h30 às 12h, Santo resolveu parar. "O serviço está prejudicando minha saúde", lamenta o barbeiro. Ele não parece triste ao falar do fechamento, muito pelo contrário, se mostra satisfeito com o que fez da vida até aqui. São 82 anos muito bem vividos e aproveitados, ainda mais sendo um pé de valsa como Seu Santo. Ele adora um baile. As pessoas estão prestes a ver mais um capítulo da história da cidade terminar. Os amigos ficam, mas os fregueses se vão. Clientes que o acompanham há mais de 52 anos terão que procurar outro estabelecimento para o corte mensal. Já Seu Santo Russi, com seu silêncio e sua calma, continuará seguindo a vida com a esposa e os filhos, sem deixar de frequentar os bailes de que tanto gosta, porque esses têm hora para começar, mas não para terminar.


Espe Fotos: Amaro Paz

Amaro Paz amaro.paz@hotmail.com

Isadora Cruz isadoroty@yahoo.com.br

A

O mundo na ponta dos dedos

ndando pelas ruas de Florianópolis com sua bengala, atrás de mais um volume de “Viver para Contar” de Gabriel Garcia Marquez vai Ivo, hoje cego, mas sempre um leitor voraz. Criado no asilo Irmão Joaquim há sessenta anos, hoje com 62. Ivo não tem mágoas do passado nem traumas, é feliz, vai pelas ruas determinado e sorridente em busca de seu prazer: a leitura. O livro que está lendo atualmente está dividido em dezesseis volumes pegos sempre na biblioteca da Acic - Associação Catarinense para Integração do Cego, no bairro estreito, situado na porção continental da capital catarinense. – Eu ia pegar o primo Basílio, que lá na biblioteca da outra associação o povo leva e não devolve, então a pessoa quer pegar e não tem como pegar, tá faltando a parte. Então tem cinco partes, eu vou ler quatro partes e a primeira não? Quando eu leio, eu leio todo. O medo do volume seguinte de sua leitura ficar trancado com alguém é uma coisa que persiste, pois Ivo gosta de ler um livro do início ao fim sem grandes interrupções. A outra associação de que fala fica na rua Tenente Silveira, uma rua muito movimentada do centro de Florianópolis, mas isso não o impede de ir até lá buscar seus livros, nem tem medo, seu medo é de não encontrá-lo.

Sem mágoas nem traumas do pass


ecial

Em passos inseguros, mas muito determinados, Ivo caminha pela cidade acompanhado de sua bengala para cegos. – Tem calçada que é muito quebrada, pior que eles (políticos) prometem na eleição, mas quando é para fazer não fazem. Por isso agora quando tiver o debate eu vou acompanhar o jogo. Pega ônibus, conversa com as pessoas, atravessa as pontes Colombo Salles e Pedro Ivo para pegar seus livros. Poucos sabem que além de seus romances ele gosta muito de ler todas as noites um trecho de sua bíblia em braile. Ivo tem lido ultimamente Harry Potter e a Pedra Filosofal e Harry Potter e a Câmara Secreta, de J. K. Rowling e As Travessuras da menina má de Mário Vargas Llosa. Gosta muito das histórias de Monteiro Lobato, de Castro Alves, Os Sertões de Euclides da Cunha, Sinhá-Moça - o livro, de Maria Dezonne Pacheco Fernandes, Capitães da Areia de Jorge Amado. Vítima de uma catarata operável que o deixou cego desde criança, seu Ivo pode ser encontrado em dias ensolarados lendo seus romances em braile no ponto de ônibus na frente do asilo onde reside toda a vida. Algumas pessoas que passam e o veem, puxam conversa, outras querem saber do braile, ele fica feliz e explica. Crianças têm medo, ou ficam tímidas normalmente, isso o chateia um pouco, ele gosta de crianças. Pelos cálculos de Ivo, mais pessoas conver-

sam e são gentis com ele do que as que o ignoram. Mais vai saber? Tão absorto em sua leitura. Já fiquei ao seu lado querendo conversar com ele, mas é muito chato interromper uma leitura tão agradável e gostosa, como ele faz parecer. Existe também um espírito de porco, que uma vez ameaçou Ivo, disse que jogaria um balde de água nele. Hoje vai com menor frequência ao ponto de ônibus, um pouco por receio. –Molhar o livro não dá. Com um jeito de sorrir com os olhos e espontaneidade aflorada, Ivo é a figura mais querida no asilo, e que está há mais tempo lá também. Nas confraternizações que acontecem sempre nas tardes de terça-feira, todos o aplaudem quando ele chega para tocar. Como faz parte da banda, toca teclado e acordeom. E toca muito bem. Hoje tem um tecladista, então Ivo toca acordeom. Anima-se e contagia o ambiente, até quem não estava no salão vai chegando ao ouvir a música. O nome da banda composta por jovens e senhores é “Os Voluntários”. Tocar um instrumento se descobre com o toque, Ivo tira as músicas de ouvido e decora-as para poder reproduzir, gosta de tocar sertanejo. Manezinho da maternidade Carlos Correia foi entregue por sua mãe para as freiras que cuidavam do Asilo Irmão Joaquim quando ele ia completar três anos de idade pois não tinha condições de cuidar de

uma criança com deficiência visual, ele não era seu único filho. Ele manteve sempre, até a morte de sua mãe por complicações do diabetes em agosto de 2003 o contato, mesmo que distante e entende que ela não teve condições de criá-lo, sempre foi carinhoso com a familia e ainda vê seu irmão quando ele o visita. Ivo que não é apenas Ivo: é Ivo Manoel de Jesus. Nome dado pelo asilo onde foi criado. Seria José, mas decidiram por Ivo, que ele prefere. – Gosto de Ivo. Tem o Pedro Ivo, o Ivo Silveira governador, nome de rua, eu gosto. Católico praticante, gosta de tocar as músicas da igreja e tocar na missa. Assiste os canais mais ligados a rede católica, por isso não gosta muito da rede Record, ora sempre antes das refeições e lê a bíblia antes de dormir. Esteve em 1959 nas olimpíadas da Acic em São Paulo jogando futebol, com uma bola de guizos. Foi levado por seu padrinho na época também até o Rio de Janeiro, onde estudou. Estudou até o colegial. Na Acic aprendia, além das matérias normais de escola, o braile. Aprendeu como fazer café, passar roupas sem medo. A fundação também ensina a cozinhar, usar garfo e faca. Coisas que não percebemos como é importante por ser tão simples e automático.

sado, Ivo é feliz e vai pelas ruas determinado e sorridente em busca da leitura

Nunca casou, mas não foi porque não quis, possui ainda um ar juvenil. Nunca trabalhou, mas lê e escreve em braile, ensinou um menino de sete anos a tocar teclado, e abrilhanta a vida de quem está por perto. Inclusive de seus dois colegas de quarto, o Amilton e o Neri. No Irmão Joaquim, o ambiente é bem organizado. Em cada quarto ficam três adoráveis personagens de outras lindas histórias. No quarto do Neri, Amilton e Ivo, também fica sua bíblia em Braile, seu teclado, acordeom, um grande armário e três pequenas camas, além de um armário de ferro tipo arquivo, um criado -mudo feito altar ao lado da cama de Ivo, que também têm uma TV com imagem em preto e branco com função rádio. Ainda não é um frequente ouvinte de áudio-livro, até porque se criou na Acic e lá aprendeu a ler, desde pequeno em braile. Mas por um tempo recebeu a assinatura e acompanhou os áudio-livros da Veja e Cláudia, assim como os livros da fundação Dorina para cegos. Quando se tem a capacidade de absorver tudo na ponta dos dedos, e viajar para o mundo da imaginação, esse processo é a leitura mesmo, assim como se lesse com os olhos, não se perde em nada. Seus dedos, lisos de tanto tocar, absorvem tudo, o formato de nossos rostos, as palavras de grandes poetas e escritores, a vida que o permeia.


Projeto leva humor e carinho a quem precisa Terapeutas da Alegria contribuem com uma hora de seu tempo para mudar a história de internação dos pacientes

Alexssandra Mezzomo bqb_ale@hotmail.com

"Estou neste hospital com meu filho há uma semana e desde que chegamos ele não vem se alimentando de forma correta, não havia como fazê-lo comer um prato de arroz e feijão, seu alimento era somente leite na mamadeira. Moço, já estávamos ficando preocupados, pois era um largo tempo sem se alimentar, então gostaria de agradecer vocês, Terapeutas da Alegria, por conseguirem através da alegria e do riso prender a atenção do meu filho e fazer com que pela primeira vez ele comesse toda sua comida". Esse é o relato de uma mãe, extraído de www.terapeutasdaalegria.com.br. É desta forma e tantas outras que os Terapeutas contribuem uma horinha por semana para a melhora dos pacientes que visitam em três instituições. O projeto criado em Tubarão no ano de 2002 foi adaptado aqui em Itajaí pelos alunos da Univali, no dia 9 de maio de 2003. Desde então acadêmicos dos cursos de Enfermagem, Farmácia, Fisioterapia, Medicina, Fonoaudiologia, Psicologia, Relações Públicas, Publicidade e Propaganda, Direito e Música levam para os Hospitais alegria, que sem duvida alguma vem sendo uma forma eficaz de medicamento para as pessoas que são atendidas. No inicio do projeto, os Terapeutas da Alegria atendiam apenas o Hospital Pequeno Anjo, em Itajaí. Mais tarde, o grupo percebeu que tinha forças e pessoas suficientes para estender suas atividades a outras instituições e

Fotos: Divulgação

no ano de 2007 passaram a visitar o Hospital e Maternidade Marieta Konder Bornhausen, também no município, e pouco tempo depois o Hospital e Maternidade Santa Inês, em Balneário Camboriú. As visitas ocorrem todas as quintas e sextas-feiras, do meiodia à uma da tarde no Hospital Marieta Konder Bornhausen e no Hospital Pequeno Anjo e das 18h às 19h no Hospital Santa Inês. Os Terapeutas se dividem em três grupos que variam conforme a disponibilidade de horário de cada integrante. E o principal tempero para toda a alegria que levam aos pacientes das instituições é o fato de não agirem simplesmente com a formalidade que os profissionais da saúde geralmente agem, mas sim criando um laço afetuoso com cada pessoa, independente da idade, que é atendida por eles. Além de promover o bem, o pessoal da área da saúde aproveita para aprender os ofícios da profissão que escolheram para seus futuros. Mais do que apenas palhaços, animadores, visitantes, se tornam amigos das pessoas que alegram. E o aprendizado vai muito além da área profissional, pois acrescenta para eles na vida e no crescimento pessoal, para que se tornem mais humanos, e não esqueçam nunca que ajudar realmente só faz bem. O grupo todo mantém contato através de reuniões que são feitas semanalmente, para que possam compartilhar as novas experiências nos diferentes grupos em que trabalham. E segundo informações colhidas no site dos Terapeutas, uma das maiores dificuldades que eles enfrentam é conciliar horários, já que todos estudam em períodos diferentes na Univali, e outros ainda traba-

lham. Porém, segundo João Manoel Cândido da Silva, “apesar de todas as dificuldades o trabalho é tão gratificante que cada integrante desse grupo tão empenhado se doa ao máximo para não faltar em nenhuma visita. Porque depois que criamos certo vinculo com os pacientes, bate uma saudade tremenda quando não os visitamos”. João ainda falou que agora em época de férias, quando eles geralmente não fazem as visitas, porque perdem o contato que a universidade acaba exigindo deles, o grupo mesmo assim se junta, para visitas esporádicas aos pacientes que precisam de mais atenção e com que eles tem mais proximidade. Essa, como tantas outras atividades e projetos desenvolvidos por acadêmicos, são iniciativas que mostram o potencial que o aluno enquanto aprende tem de praticar para melhorar como profissional e como pessoa. “Este é apenas um projeto, apenas um exemplo de que ser voluntário é uma das melhores coisas que fazemos na condição de ser humano. Se temos saúde e possibilidade de ajudar aos que precisam nada mais justo do que realmente o fazer. Porque ninguém imagina a satisfação que dá quando chegamos aos hospitais e vimos nossos velhos pacientes nos esperando com um sorriso no rosto. E melhor ainda, quando conquistamos os novos pacientes e podemos compartilhar com eles a alegria de em situações difíceis, poder sorrir. É um aprendizado que certamente eu vou levar pra minha vida toda, e que sim, me fez crescer muito.”, avaliou João Manuel Cândido da Silva, acadêmico de Enfermagem e voluntário dos Terapeutas da Alegria.


Um dia normal

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"Quero ter vida própria e não depender de ninguém. Estou aqui em Florianópolis para isso mesmo." Miriany Kátia Farias mirokasjb@hotmail.com

Pitter Hurmann hpitter@hotmail.com

Maurício acordou cedo apesar de ter dormido tarde. Na noite passada, ficou até 2h30 formatando seu computador portátil. Manhã nublada de sexta-feira, na ilha da magia, apelido carinhoso para a cidade de Florianópolis, onde agora mora sozinho, mas, sempre acompanhado de muitos desafios e de amigos, que estão sempre presentes quando ele mais precisa. Maurício já conhece cada canto do seu apartamento com detalhes que poucos prestariam atenção. Levanta da cama tateando tudo ao redor, meio sonolento ainda, vai ao banheiro e escova os dentes com muito cuidado. Antes de trocar de roupa, abre a janela e sente a temperatura amena, típica das manhãs de primavera no litoral. Já sabe que roupa usar: na semana passada ganhou um moletom da sua mãe, dona Marion, que agora apenar da preocupação com o filho morando longe, tem a certeza de que ele se vira muito bem. O moletom não é nem muito grosso nem muito fino, é bom para a estação. E assim ele desce as escadas numa velocidade que surpreende a todos. O bairro de Cordeiros respira os primeiros movimentos do dia. São 7h23, a criançada espera o ônibus para escola e o vai e vem de veículos daqui pra frente só aumenta. Rumos diversos, mas a maioria segue do continente para a ilha para mais um dia de trabalho. A 300 metros de sua casa, Maurício toma café todas às manhãs na lanchonete do seu Ezequiel. “Café com leite melhor do que

esse, pode andar por toda Floripa que não acha”. Para acompanhar, um misto quente de pão francês na chapa, bem quentinho, com o queijo mussarela sobrando nos cantinhos do pão e deixando no ar aquele cheiro que dá fome em quem passa. Seu Ezequiel é só alegria ao ver Maurício. – Bom dia, “quirido”. – Bom dia, seu Zé. Tudo bem? – Tudo. Café? – Claro, que a fome “tá” grande hoje. Seu Zé, como chama Maurício, já conhece o gosto do cliente e vai logo servindo. O jovem tem pressa, afinal, precisa pegar duas conduções para chegar à escola. Na companhia de uma senhora um pouco cabisbaixa, adentrando os 90 anos, Maurício atravessa a esburacada rua do bairro. Há um mês, a Prefeitura Municipal iniciou as obras de restauração da rede pluvial. Algumas árvores que tocavam os fios elétricos também foram podadas pela Celesc e algumas vias para ciclistas foram implantadas para melhorar a circulação para todos. – Bom dia, Dona Maria. Vai ao Centro? – Oi, meu filho. Não, hoje vou à feirinha, na rua debaixo. Tem que economizar né e lá sempre tem coisa boa e barata. Por todo seu caminho, Maurício é cumprimentado por muita gente, nunca viu nenhum deles, mas sempre corresponde com muita simpatia. Um garoto humilde, educado e feliz. Apesar das dificuldades e obstáculos que enfrenta todos os dias, está sempre com um belo sorriso no rosto. Um exemplo de vida. Quem conhece com mais intimidade, sente até inveja, de tanta sabedoria, inteligência e autoestima. Na condução, Maurício sobe

e vai direto para o seu lugar, senta sempre na mesma poltrona, exceto quando o ônibus está lotado e tem que ficar em pé e lutar para se equilibrar no balanço do coletivo. São 12 minutos até a troca de carro. Já no outro veículo, o cobrador Vinícius, acostumado com ele, já o espera na porta. Senta-o bem ao seu lado e como todas as manhãs batem um papo. – Começou cedo hoje, Vinicíus? – Pois é, sexta-feira é sempre mais corrido, começo cedo. Pra sair antes né. Tem aula de que hoje, “Mané”? – Culinária...(risos)...não vem com piadinha não. – Tem medo de se machucar não? Quebrar uma unha? Deverias contratar uma empregada! (risos) – Que nada, eu me viro assim. Estou aqui em Floripa pra isso. Quero ter vida própria e não depender de ninguém. O ônibus para e Maurício desce. 100 metros adiante, fica a escola que ele frequenta. No portão vermelho, o jovem é recepcionado pelo porteiro João. Uma escola aconchegante. Todas as salas com um diferencial. As cores frias que cobrem as paredes dão um ar de paz e respeito. Nos murais, cartazes alertam sobre as eleições e outros falam sobre os preconceitos. Em cada corredor, uma caixa de som é instalada e guia os alunos até suas devidas salas de aula. Hoje, a aula de culinária é na sala 201. A professora Marise já aguarda os alunos com tudo pronto. Maurício ajeita os óculos, entra na sala e cumprimenta a professora e os colegas. Como de costume, as aulas de Marise inicia-se com uma frase de motivação. – Nunca deixe que nenhum limite tire de você a ambição da auto-superação. Bom dia, pessoal. E hoje vamos conhecer

um pouco mais sobre a culinária francesa. – Hummmmm (coletivo) Cozinhar é um grande desafio para Maurício, assim como outras tarefas do lar. Apesar de ter ajudado a criar seu irmão mais novo, muitas vezes ficando sozinho com ele em casa enquanto a mãe trabalhava fora. Desta forma, as aulas de culinária lhe agradam muito. Mais que isso, só nas aulas de informática, que é seu grande sonho fazer faculdade de sistemas de informação. Na escola, assim como em todos os lugares, Mauricio é sempre muito bem tratado. Tem amizade com todo mundo e claro a identificação é muito maior quando está em um lugar onde as pessoas querem e lutam pelo mesmo ideal. Livre das piadinhas da infância nos anos primários, por causa de seus óculos fundo de garrafa, Maurício encontrou na ACIC (Associação Catarinense para Integração do Cego), o lugar para realizar todos seus sonhos e apoio para atividades que antes ele nem pensava em realizar. Romper medos e vergonha e encarar o mundo com sentidos que lhe é permitido. E se depender dele, a vida será longa e repleta destas realizações. Esportes, lazer, culinária e muito mais. Maurício diz que as pessoas com deficiência são chamadas de especiais. Para ele, especiais são as pessoas que ensinam e ajudam a ele e a muitos outros a terem uma vida melhor. Já é noite e Maurício está de volta em casa, acende a luz para iluminar o apartamento que ele nunca viu, liga o rádio já sintonizado na Jovem Pan, faz café, senta-se perto da janela, relaxa e me pergunta: – Então, como foi passar o dia com um cego? – Respirei e disse: Nunca foi tão normal...

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Amor que sustenta a vida Centro de solidariedade em Balneário Camboriú apoia famílias carentes e portadoras de doenças degenerativas

Leilane Delazere leilane.delazere@hotmail.com

Em meio ao cotidiano movimentado e com o tempo cada vez mais escasso, muita gente ainda arruma um momento para fazer o “bem”. Atualmente, são várias pessoas que dedicam parte do dia para ajudar os mais necessitados. Em Balneário Camboriú, uma entidade trabalha há cerca de dois anos dando assistência, inclusive financeira, para pessoas portadoras de doenças degenerativas, já que essas famílias precisam dos mais variados tipos de apoio. A primeira impressão sobre o Centro de Solidariedade, a sala comercial localizada na Avenida Central de número 46, engana. Da entrada discreta e de leve escondida pelo hall e pela decoração, até o próprio espaço da sala, pouco poderia se imaginar sobre a riqueza que este lugar abriga. No entanto, este espaço, primariamente um escritório, está abrigando a FACDD –Famílias Carentes e Portadoras de Doenças Degenerativas. Uma organização não governamental, sem fins lucrativos, cujo foco de atuação está centrado no desenvolvimento sócio-humano. O objetivo do centro é auxiliar e reduzir o enorme desequilíbrio social de pessoas com situação de vulnerabilidade econômica e exclusão social, oferecendo a essas famílias com o problema, uma melhor qualidade de vida. Nascida de dois sonhadores, aparentemente diferentes, mas, com muita determinação e esperanças. Duas pessoas que acreditaram no futuro, e hoje tocam a história de muitas famílias do

Vale do Itajaí. A ONG, situada em Balneário Camboriú, com apenas dois anos de existência é proveniente de muita coragem da parte da hoje diretora Cleuza Geremias, e do jovem Fernando Fernandes Faria. Tocados pelo descaso da sociedade, os dois idealizadores resolveram fazer a diferença. A luta por um futuro melhor lhes rendeu muitas horas de sono perdido, mas ressurgiu dentro de tanta incerteza uma ideia fixa que hoje se tornou totalmente concreta. Esta ONG é apenas um exemplo de tantas que já tornaram realidade uma vida melhor. Uma chance para aqueles que já não viam nem a luz no fim do túnel, a chance de reconstruir o mundo lentamente com dignidade e respeito. Um dos casos mais recentes é de dona Orlanda de Lima dos Santos, que tem diabetes. Há poucos meses a paciente teve que amputar o pé esquerdo, por conta de uma ferida que não cicatrizava. De acordo com o tesoureiro da entidade, Fernando Fernandes Farias, a mulher recebe um salário mínimo por mês, do sistema público de saúde. Suas despesas são inúmeras, aí entra em cena a instituição, que contribui com fraldas geriátricas e alimentação especial. “A ONG entra auxiliando na alimentação e com fraldas geriátricas, além de complementos alimentares que hoje são o nosso grande foco, ajudar essas pessoas aqui dentro da entidade.” A ONG contribui para a melhora da qualidade de vida de pessoas carentes portadoras de doenças degenerativas como o câncer, HIV, vitimados por sequelas psicológicas e motoras.

Através da assistência de auxílios materiais, orientações, apoio e acompanhamentos. Um dos recursos utilizados pela FACDD é o telemarketing. Uma mulher com voz simpática telefona para as residências de Balneário Camboriú e região, explicando a importância das doações. Todo mês é utilizado um caso como referência. Muitas pessoas contribuem mensalmente, uma moto da própria FACDD passa nas casas para recolher o dinheiro. Em troca, o doador recebe um folder de agradecimento. Além disso, há algumas campanhas em que as pessoas podem se envolver para colaborar com a iniciativa, ajudando com alimentos ou contribuindo com valores em dinheiro ou o que tiver para oferecer. No mês de junho de 2010 a entidade conseguiu fazer uma doação de um computador e impressora para o pequeno Vitor Iago Moreira. O menino se mostrou muito apto a aprender, se destaca na escola como um bom aluno. A ONG resolveu incentivar seus estudos, doando o computador para complementar o seu conhecimento. Fernando Farias argumenta que as dificuldades são imensas, ainda mais quando se trata do contexto que a nossa sociedade esta inserida: “muitas ONGs são taxadas como sendo uma lavagem de dinheiro”, explica. Na instituição não é isso que foi evidenciado, na própria sala apertada é encontrada diversos tipos de materiais para doação, como fraldas e suplementos alimentares, amontoados em uma prateleira estreita, são de diversos tipos e cada um com um valor especifico. “Se todo mundo der a mão, agente vai para frente”.

Para quem quiser ajudar

Avenida Central, nº46, Sala 08 (dentro da galeria do edifício Imperador) – Centro – Balneário Camboriú. Fone:/Fax: (47)3363-6488

Fotos: Leilane Delazere


Vozes do anoitecer Diogo Campos diogodesousacampos@hotmail.com

Keli Wolinger keliwolinger@hotmail.com

À margem Oeste da BR -101 há um lado despercebido pelos visitantes fascinados no comércio e praias do mais famoso polo turístico do litoral catarinense. Local de moradias modestas e enfileiradas de ar interiorano preservado. Um curso desértico. Movimentado unicamente nos horários de entrada e saída do campus universitário. Abaixo da Quinta Avenida, onde os caminhos acabam e o Rio Camboriú estende seu braço por entre as residências, eleva-se uma construção emissora de sons peculiares sob o manto negro do céu, enquanto a lua se incumbe de distribuir pontos prateados para decorar a abóboda enegrecida. Apenas algumas nuvens fazem sombra ao clarão do astro noturno indicando a frieza da noite. Os carros passam lentamente nas ruas de calçamento desiguais, iluminando com seus faróis as vielas de pouca claridade. No pouco asfaltamento regular, um chão rabiscado com giz, desenhos de traço infantil construíram os blocos enumerados da amarelinha e as demarcações das traves de futebol em grafados ainda recentes. Cenas prosaicas de viventes desgarrados do movimento, casais que desembarcam dos carros e caminham despreocupados pelo meio da rua, ao tilintar dos saltos das madames a bater no asfalto de sinalização apagada e de postes fincados apenas a um lado da rua. A avenida parece miúda diante das conduções nada carentes do público, o estacionamento de ambos os lados preenche a extensão de três quadras. Mesmo de longe é possível ouvir o rufar dos tambores. Entre sete ruas paralelas, atrás de um Pé de Chorão com galhos rastejantes, em um terreno triangular, o casarão azul

e branco de paredes decoradas com pedras de água doce, arredondadas e lisas pelos anos incontáveis aos quais ficaram expostas sob líquido corrente. Os adornos metálicos nas portas de vidro chanfrado desenham símbolos de um reino intimidante, mas mantém o tapete posto para qualquer visitante que se sinta à vontade de entrar.

Reino de Juna Bomy Um adolescente sem nome faz sua primeira visita a casa. Deixa sua mão repousar sobre a maçaneta metálica. Parado diante da inscrição na placa retangular “Centro Espírita de Umbanda Reino de Juna Bomy”, seu maior receio é não encontrar as respostas pelas quais busca. Ele pensa em retroceder, porém a porta abre sem seu mando e um corpo envolto em vestes brancas, dono de um sorriso de boas vindas, lhe dá espaço para passar. – Entre, fique à vontade. As portas arredondadas o engolem, as paredes traduzem a cor do nada, o branco a ausência de memória, da não lembrança, a cerâmica cinza do chão desenha uniformemente os triângulos sobrepostos em seus vértices. A estranha luminosidade da sala quase o cega, o som dos tambores ecoa, o cheiro do incenso queima suas narinas, uma energia reverbera e seu corpo esquece como classificar calor ou frio. Um misto de cantos e cores eclode. – Nessa casa tem quatro cantos /Cada canto tem um santo/ Pai e filho, Espírito Santo/Nessa casa tem quatro cantos/Zum zum zum... /Olha só Jesus quem é/Eu rezo para santas almas/Inimigo cai/Eu fico de pé/ Zum zum zum.... Os presentes estão sentados em cadeiras plásticas brancas dispostas no centro da sala. Os cavalos (médiuns) os cercam, mais do que os olhos podem contar, ‘pelo menos setenta’ são os menos graduados, todos imóveis, de olhos vidrados no horizonte norte, para o oceano pin-

tado no fundo do altar. Vestidos de branco entoando cânticos ora africanos, ora em língua da pátria mãe, com as mãos sob a testa em forma de triângulo, estão os chefes do centro: a Babá (sacerdotisa) Mãe Lê, e o Babalaô (sacerdote) Mestre Marne, coordenam a gira (sessão), e os guias de luz emanam força espiritual sob o templo. – Bem-vindos, filhos de fé! Que bons ventos os trazem até aqui. Se fores de bem que aqui permaneçam, e o mal que aqui deseja entrar Oxalá, há de nos valer e salvar! Saravá, irmãos! Os olhos assustados do adolescente visualizam o que seu ceticismo não lhe permite compreender, entretanto a angústia habitada em seu peito firma os pés no chão, abre seus olhos e sua mente para a magia da incorporação. Mestre Marne e Mãe Lê, de olhar a esmo, peregrinam como se carregassem fardos sobre as costas. Os cavalos, que outrora os cercavam, andam lentamente com olhar fixo em lugar nenhum. Mãe Lê agora se autodenomina Juna Bomy. Cordial, e com uma voz que não lhe pertence solicita que o público disponhase de pé ao centro da casa, é hora da irradiação. Em espaços calculados, cada homem, mulher e criança permanecem de pé e olhos fechados. O visitante espreita de trás de seus cílios e contempla o passe. Entidades paradas frente a cada pessoa, murmuram cânticos e preces em uma língua desconhecida e a volume inaudível. Seus olhos se fecham e o coração dispara. O que motiva as pessoas a buscar a Umbanda? Todos quais com suas razões, ou eles se sentem tão angustiados quanto o visitante? Vêm seja por dinheiro, amor, um casamento findo, o filho que fugiu, ou estão ali simplesmente para agradecer? Ele viera apenas em busca de respostas. Essa é a procura das pessoas, não? Respostas, um caminho pelo qual seguir, alguém para dizer se está fazendo a coisa certa.

“Quim é ocê?” Seus olhos se abrem, todos os pensamentos ruem e desaparecem junto a seu coração acelerado e sangue glacial. Todos tomaram seus assentos. Sozinho meio ao salão, apenas ele e uma mulher muito mais baixa de cabelos bagunçados. Com os olhos fixos aos dele, sorriso amarelo e hálito de cachimbo ela indaga: – “Quim é ôce?” A pergunta o pega despreparado, qualquer humano diria “Qual é seu nome”, ao invés de “Quem é você”. Com a boca entreaberta abrigando um grito que se recusa a sair, olha sobre o ombro percebe todos sentados a lhe observar, pensa em fugir. Entretanto não havia essa opção. – “Ocê não visita mia casa, ôce num é daqui. O qui ocê faz aqui? Ôce inda tem grandis feito pra fazê. Tu’alma tá clara i pura, só pricisa aceita teu distino. Vai im paiz meu irmão.” Juna Bomy, sob trejeitos de Mãe Lê o abraça, sorridente dá-lhe as costas retorna até seu altar, senta-se, chama um cavalo para novamente acender seu cachimbo, novas guias (cordões de proteção) são trazidas e colocadas envolta de seu pescoço, tal como o manto de linho azul escuro. O jovem sem nome ruma em direção à saída, junto aos demais que não agendaram horário com Mãe Lê. Antes de seus pés cruzarem a porta ele olha para a mais graduada entidade do centro, seus olhares se encontram e ela sorridente lhe abana, antes de soltar uma profunda baforada de fumaça do cachimbo.

Fotos: Divulgação


Amor por animais faz razão ser esquecida Numa casa bege habitam centenas de animais e gatos, numa situação que misturas mau cheiro e falta de higiene Alexssandra Mezzemo bqb_ale@hotmail.com

“Abandonar ou maltratar animais é crime, pena de 3 meses a 1 ano de detenção e multa – (Lei 9.605/98) – Proibido abandonar animais.” Essa é a frase exposta ao lado da casa que serve de abrigo para centenas de animais no bairro de Meia-Praia, em Itapema. A residência pertence a Roseli Fátima Perozzo, atual presidente de uma ONG de animais da cidade. A ONG intitulada Associação Educacional do Bem Estar Animal de Itapema é popularmente conhecida como “Amigo Bicho” e foi fundada em julho de 2005. Como o próprio nome diz é uma entidade com fim educacional, que por problemas econômicos e por falta de apoio de órgãos públicos caiu no descaso total e sequer conseguiu uma sede própria. “Daí as pessoas acham que ONG é pra recolher e tratar animais, não entendem o seu verdadeiro fim”, diz a atual presidente, enquanto faz uma breve apresentação do trabalho exercido por ela e por outras oito pessoas, ainda em frente ao portão da residência. Onde o cheiro, imaginem, é comple-

Alexssandra Mezzomo

tamente insuportável, já que a casa onde os mais de 100 gatos e 20 cães estão abrigados não tem estrutura para tantos animais. A casa é bege com as aberturas em marron. Dois pisos e cercada por uma calçadinha de dois metros de largura, mais ou menos, nesta calçada, na lateral da casa onde avistei a faixa e por onde fui convidada a entrar tem pelo menos cinco cães, e o fedor faz arder o nariz de quem passa inclusive do outro lado da rua. É um cheiro de fezes, urina e vômito animal, misturado com ração, mofo e produtos de limpeza mal utilizados. A próxima parte da casa que é possível ver é o que creio eu tenha sido uma garagem algum dia. Nela você pode encontrar caixas de papelão, pedaços de pano, madeira, arames (que separam os cães com alguma deficiência), gaiolas onde são colocados os que ainda não foram castrados e estão no cio, e no mínimo dois tipos de animais, sendo cães e pássaros. O espaço é pequeno e não tem a menor presença de luz a não ser a abertura por onde se entra. Os animais estão todos presos e têm para cada um, uma casinha ou cama, um pote com ração e um com água. Todos estes “pertences” de cada bicho estão sob uma camada de jornal

que serve para que façam suas necessidades. O que quer dizer que se eles fizerem xixi ou cocô ali, estarão quase contaminando seu próprio alimento. Tenho que ressaltar que pelo menos os potinhos de ração e água estão sempre muito cheios. O mau cheiro se dá é óbvio pela quantidade de animais abrigados num espeço tão pequeno. E, claro, pelo fato de que as pessoas que fazem parte da ONG, não podem passar o dia todo no local higienizando e alimentando os animais. Para esse trabalho a ONG conta com a ajuda da irmã de Roseli, que é a única pessoa que ainda mora na casa, já que devido ao grande número de animais os proprietários tiveram que deixar o local. A parte de dentro da casa é habitada apenas por gatos. Grades e pequenos cercados trancam todas as saídas da casa para evitar que os gatos fujam e acabem brigando com os cães que ficam do lado de fora da residência. O primeiro cômodo ao qual eu fui apresentada foi a cozinha, onde eu pude ver no mínimo sete gatos de várias cores e tamanhos. Eles estavam por todo o lado, em cima da mesa, da geladeira, dos balcões, da caixa de remédios e ao lado dos panos de prato. Além ainda de seus potinhos de comi-

da estarem em lugares como no pé da mesa, ou grudados na porta da geladeira. Mais adiante a sala, com um sofá marrom barro, uma mesa redonda no canto, várias caixas de papelão e muitos tapetes e panos espalhados, uma velha estante e claro, gatos por todos os lados. Alguns dos gatos ali já tiveram gripe e têm deficiências perceptíveis à primeira olhada. Segundo Roseli é por isso que quando vão para as feirinhas, que ela mesmo organiza a cada quinze dias no centro da cidade, eles não são adotados por ninguém. No fim da sala tem algumas janelas, fechadas é claro, e uma escada, que quanto mais perto você chega, mais forte o cheiro fica. Na escada você encontra desde teias de aranha até ração, fezes, vômito, entre outras sujeiras que auxiliam no forte odor do ambiente. No último degrau da escada há um canto, nele uma caixa com um ventilador e um travesseiro, onde por sinal tem um gato branco deitado com o rosto todo sujo. Entrando no corredor, à esquerda tem um quarto, que antigamente era do casal de proprietários da casa e que hoje é deles, dos gatos. Neste cômodo há pelo menos um 20 felinos distribuídos em cima da cama,

na sacada, no parapeito da janela, numa espécie de beliche para animais, debaixo da cama, em frente ao velho guarda-roupa que hoje tem um aspecto de móvel das trevas e por todos os lugares que você possa imaginar em que caiba um animal. Em frente ao roupeiro também é possível encontrar os potinhos de água e comida dos bichanos que abrigam esse andar da casa, e do lado de cada um, muita ração e água espalhada. Claro que além destes bichos todos, ainda podemos encontrar vários parasitas devido às condições de higiene as quais a casa é exposta. Quando perguntada se não é exagero manter todos estes bichos dentro de casa, ela concorda, mas diz que não vê outra solução. Roseli diz que a ajuda que recebe da prefeitura municipal é muito pequena, afinal eles doam para a ONG apenas remédio humano e ração para gatos, o restante das despesas quem banca é seu marido. Todos os integrantes da ONG têm o foco direcionado para dois objetivos principais, que são uma sede decente para os animais e um serviço veterinário de castração em massa adequado para manter a saúde dos animais e evitar a reprodução.


A comemoração de uma guerra perdida Pesquisas desmitificam o 20 de setembro e revelam um Rio Grande do Sul que reinventou tradições

Vivian Santana vivianscarlos@gmail.com

Peões circulam, pessoas tomam chimarrão, um galpão está montado e uma música sulina, agitada, é escutada com entusiasmo. Essa foi a (mal)dita Semana Farroupilha no shopping Atlântico de Balneário Camboriú, glorificada no RS e disseminada por muitos em outros estados. O espaço central do shopping exibiu por uma semana aspectos da cultura gaúcha. Quando isso acontece com a cultura local, por exemplo, catarinense? A “Revolução Farroupilha” ganhou destaque nacional este ano por ficar em primeiro lugar no Trend Topics, da rede social Twitter, brasileiro e mundial. O mesmo não aconteceu com o Sete de Setembro. Trata-se de um fenômeno curioso o povo gaúcho (des)valorizar tanto sua cultura ao ponto de comemorar uma guerra perdida. Bento Gonçalves um herói ladrão, negros vendidos para pagar despesas de um conflito interno e farrapos que visavam interesses da monarquia. Esses são alguns dos fatos apontados por pesquisadores como a realidade da Revolução Farroupilha. Grêmios estudantis, em Porto Alegre, teriam reinventado os acontecimentos para criar a “tradição gaúcha”. A disputa por quem fala a verdade causa há anos conflitos entre pesquisadores e tradicionalistas. Natural de Passo Fundo/RS, João Carlos Solanha, 65, veio para Santa Catarina quando tinha apenas oito anos. Durante muito tempo em que morou no Oeste vivenciou de perto a “tradição” de seu povo cultivada pelos catarinenses, pois, mesmo não sendo gaúchos faziam missas campeiras, participavam dos CTGs e comemoravam a Semana Farroupilha. Porém, João Carlos ama história e intrigado foi por conta própria atrás das verdadeiras histórias e descobriu algo bem diferente. Os farrapos

plantada uma sociedade de classes de tipo escravista alicerçada na propriedade privada”. Não há uma sociedade historicamente tradicional e sim conservadora. Os elementos adaptados pelo viés da indústria cultural formam a “cultura gaúcha”, uma vez que “...o tradicionalismo é uma extensão da cultura de massa, e não o prolongamento de uma sociedade tradicional”, explica o escritor.

Monumento em homenagem ao General Bento Gonçalves, fixado na Praça Piratini, em Porto Alegre. A estátua feita por Antônio Caringi foi inaugurada no dia 15 de janeiro de 1936, durante as comemorações do centenário da Revolução Farroupilha.

Livro devenda a vida dos negros no conflito gaucho e critica a criação errônea de heróis dos pampas Recentemente o professor, jornalista e historiador Juremir Machado da Silva lançou o livro a "História regional da infâmia – o destino dos negros farrapos e outras iniquidades brasileiras". Segundo o site da L&PM Editores dez pesquisadores estudaram 15 mil documentos para produção da obra. São revelados dados como o números de mortos, cerca de 3 mil, durante dez anos (1835-1845) de guerra. Isso comprova como o conflito não teve a imensidão aclamada. No site do Correio do Povo, Jornal de RS, em que Juremir Machado mantém uma coluna, esclareceu: “Posso garantir que é a mais completa história contemporânea de que como se produziu o mito farroupilha. Mostra que a revolução farroupilha foi um movimento de proprietários que agia como se fosse um MST da época. Ou como as Farc. Invadia, desapropriava, matava, degolava, saqueava e fazia suas próprias leis”. A venda de negros para financiar o movimento, considerado abolicionista, é outra revelação. Devido à polêmica o professor universitário recebeu ameaças. Em seu twitter comentou “Um farroupilha ligou para dizer que, se me encontrar na rua, vai me capar. Outro ligou para avisar que vai me processar... Uma entidade poderosa pensou em usar dois advogados criminalistas para me acionar...”. Com poucos dias de lançamento, o livro promete causar muito debate.

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Thayse Gioppo thazacg@gmail.com

perderam, e ao invés de um tratado de paz, líderes como Bento Gonçalves foram indenizados pelo império. Uma história e “tradição” foram amplamente eternizadas tanto que migrou para SC. “Pelo que estudei foi uma figura inventada. Mas o que não se pode negar é que foi uma figura que deu certo e eles conseguiram achar a melhor forma, tanto que até hoje essa história "inventada" é ensinada nas escolas. Várias histórias são enfeitadas, desde a independência do Brasil à própria Guerra Mundial. Será difícil retirar uma tradição tão forte como essa de um Estado como o RS. Portanto, o jeito é nós sabermos e deixar que eles comemorem". O sanfoneiro catarinense Moacir Cardoso não busca contestar a história. Cresceu em meio a CTGs e música, e montou um grupo de músicas tradicionalistas, Os Fandangos. Ele tenta manter a “tradição gaúcha”, porém mora em Caçador, no Oeste de Santa Catarina. Ri quando perguntado se considera gaúcho, e afirma que não. “Sou catarinense, porém como o meu povo não tem uma tradição assim como o gaúcho, resolvi seguir. Para mim é uma distração e algo de que gosto muito, senão não estaria há anos "fandangueando" por aí”. A família segue a “tradição” e assegura que a comemoração não é por uma luta perdida, mas sim pela intenção de se conquistar algo. Na internet há três anos circula um Manifesto Contra o Tradicionalismo feito por historiadores, pedagogos e jornalistas como Tau Golin, que possui vários livros com essa temática. O professor universitário explica fatos como a bombacha ser uma peça do exército turco vendida ao Brasil, e o chimarrão um costume dos índios guaranis. A própria palavra gaúcho era uma ofensa no RS antigo. No livro “Identidades” Golin esclarece “historicamente, a sociedade de tipo tradicional nunca existiu no Rio Grande do Sul. Desde a sua origem ocupacional organizada pelo Estado Colonial Absolutista no século XVIII, na região sulina foi im-


Uma foto, um reflexo branco e uma grande luta

Retinoblastoma é uma doença rara, que tem tratamento se identificada cedo, mas muda a vida dos envolvidos Katiana Deggau kati2201@hotmail.com

Natália Alcântara natchiii@hotmail.com

Quando alguém se prepara para revelar uma foto, não espera encontrar algo além do que a própria pose, ou um gesto. Dessa vez foi diferente. No lugar de olhos vermelhos havia uma mancha branca no olhar. Em uma noite de outubro de 2005 a família de Isadora se reuniu para tirar algumas fotos da recém nascida Eduarda. Maíra, amiga de longa data, resolveu aproveitar a ocasião para testar a câmera digital nova. No dia seguinte, Maíra baixou as imagens para o computador. E daí veio o espanto. Em muitas fotos apareceu um reflexo branco no olho direito da pequena Duda. Preocupada, Maíra ligou para Helena, irmã de Isadora. Embora houvesse o espanto da suspeita de uma doença grave, não há como negar a maneira peculiar das mulheres espalharem uma notícia, seja ela boa ou ruim. E assim, depois que Helena desligou o telefone logo telefonou para sua irmã, que acabou ligando para sua mãe. Esta por sua vez falou para uma tia distante, e a notícia foi correndo. Apesar da gravidade da situação ninguém queria contar para Isadora, mesmo sabendo que deveriam fazê-lo o quanto antes. Esse foi um momento delicado, e mais do que nunca o horário nobre brasileiro influenciou a vida de família brasileira. Como boas telespectadoras da novela das oito, algumas mulheres da família já tinham assistido durante os comerciais uma propaganda onde a atriz Ana Paula Arosio explicava o assunto. Fotos: Katiana Deggau

Além disso, as mais jovens foram procurar o assunto na internet e acabaram confirmando o diagnóstico da doença. Não tem jeito, todo mundo se acha um pouco de médico e agora pensa que o Google é uma forma de consulta bem mais barata. Mas agora, como resolver o problema? O jeito foi insistir com Dora assistir a novela. Após planejarem, e esquematizarem tudo, o inevitável aconteceu. Claro que isso não tem o momento certo, afinal, ninguém quer descobrir uma doença como essa em uma criança de um mês de vida. É de cortar o coração... Em trinta segundos, muita coisa mudou... “O olho de uma criança pode dizer muita coisa. Quando está triste. Assustada. Ou quando ela está com sono. O olho de uma criança pode dizer muitas coisas — dispara o flash — inclusive quando ela tem câncer. Fotografe seu filho com flash. Se você notar qualquer diferença nos olhos, procure um médico. Quanto antes o tumor for detectado, mais chance tem de ser curado”. ... começou a surgir uma inquietação. — Então, Dora, nós estamos achando que a Duda pode ter essa doença — falou Helena, com todo cuidado, ao entregar as fotos nas mãos de Dora. Isadora não teve palavras para dizer o que sentia. Olhou as fotos uma por uma. Várias vezes. E não havia dúvida, precisava procurar um médico. Foi ao pediatra no dia seguinte. Estava angustiada: “Será que o médico vai saber diagnosticar isso? E se ele não souber? E se souber e não quiser me contar? ” — pensou. Infelizmente estava certa. O pediatra não quis confirmar o diagnóstico, preferiu encaminhá-las para um oftalmologista em Joinville. A tensão continuou. Após muitos exames, o oftalmologista diagnosticou que essa mancha

branca era um tipo de câncer na retina chamado de retinoblastoma. Ele se manifesta em crianças de 0 a 4 anos, se descoberto cedo tem tratamento e possibilidade de cura. Pode às vezes comprometer a visão da criança e até mesmo levar a perda de um olho. Mas quando pensamos em câncer, a primeira coisa que vem a mente é a morte, já que é uma doença que é fatal. “Meu mundo caiu. Minhas pernas tremeram. Parecia que naquele momento o mundo inteiro havia parado. Não sabia o que fazer” — de repente Duda chorou no seu colo. Nesse momento, Dora voltou à realidade. A partir daí começou a luta. Todo mês ela passou a levar Eduarda para São Paulo. Primeiro a cada quinze dias. Depois uma vez por mês. A cada dois meses. De seis em seis meses. Eduarda respondia muito bem ao tratamento. Apesar da quimioterapia continuou com seu lindo cabelo loiro. Nenhum fio foi perdido. Assim ela foi crescendo. Depois de oito meses finalmente uma boa notícia: Duda estava com o olhinho direito curado. O “bom” desse tipo de câncer é que não ramifica para outros órgãos, isso foi algo que deu muita força para a família durante esse período. “Uma certeza eu tenho: sei que é preciso viver o hoje. Viver amanhã pode ser muito tarde!” — esse era o pensamento de Dora durante todo o tratamento de Eduarda. Assim ela foi aproveitando cada momento com a filha, mesmo durante o tratamento e nos dias em que nada parecia melhorar. Isso serve de lição para muita gente, volta e meia ouvimos alguém dizer que as coisas podem ficar piores. E quase ficou. Entre uma viagem e outra, Dora descobriu que estava grávida do seu segundo filho, José Vicente. Ela teve muito medo.

Exemplo de superação Zé nasceu saudável, não tem retinoblastoma. Eduarda está bem, mas infelizmente o câncer voltou quando estava com um ano e um mês, e foi preciso remover o seu olho direito. Hoje usa prótese. O olho esquerdo não enxerga muito bem, tem só 60% da visão. Na escola ela senta na primeira carteira, apesar de usar óculos para estudar. Gosta de ler e escrever. Brinca com as outras crianças, nem dá pra perceber sua prótese. Mas o que fica visível é sua alegria. Como qualquer criança gosta de ir à praia, brincar com o irmãozinho, assistir televisão. — Gosto muito de ler, mas tenho que ter um pouco de paciência. Sei que meu olho é especial. Na escola quando não enxergo alguma coisa paro de escrever, vou até o quadro e volto — ri Eduarda, enquanto folheia as páginas de um livro. — A minha maior dor é saber que quando ela crescer, se quiser ter um filho, é quase certo que terá a mesma doença. Mas não fico triste, vou deixar que ela decida. O que realmente importa é que a história da minha filha pode ser resumida em uma palavra: superação — conta Isadora Schmitt, professora, mãe de dois filhos e guerreira. É difícil ser exposto a uma situação como essa e não se sentir agradecido a Deus, a uma espécie de providência divina, uma força ou qualquer coisa. E às vezes a situação nem precisa ser tão grave, basta um dia que tudo deu errado, uma gripe mais forte, um emprego negado. Qualquer coisa que foge do comum ou que não estava nos planos gera infelicidade. Mas o importante é saber que de alguma forma, podemos ajudar a salvar alguém. Seja de uma doença ou de alguma dificuldade na vida. Nos olhos da pequena Eduarda que conseguimos enxergar melhor essa esperança de um futuro melhor.


De boa na lagoa

Lugar para conversar, pensar, badalar e comer bem. A Lagoa da Conceição é um lugar que inspira. Daniel Ricci dnlricci@hotmail.com

“Sente-se, tome um café. Esboce um sorriso natural. Verá que o Tempo é só uma questão de tempo”. Esse é o espírito daqueles que sentam ao redor da Lagoa para apreciar um café, com uma expressão amena e um andar leve, porém com estilo e tom de voz distintos. Faz 19 graus na Lagoa da Conceição, em Florianópolis, e apesar do vento sem trégua, o sol forte queima ligeiro. Ali é ponto de encontro de jovens, surfistas, artistas, músicos, nativos, pessoas comuns, e não tão comuns assim. O centrinho da Lagoa é pequeno, em menos de meia hora dá para, caminhando, conhecer todo o local. Conhecer não, ver. Para conhecer, é preciso conversar com o lugar, entrar no clima, sintonizar-se com o ambiente. E é justamente isso que eu fui fazer lá. “Mas você é jornalista?”, perguntou Dona Maria Verônica. Eu disse que estava estudando para me tornar um. Depois de me abordar para oferecer seus trabalhos com rendas, o papo foi fluindo e ela então fez a pergunta. “Anota uma coisa aí, meu filho, pode anotar”, continuou ela, “meu pai é pescador, e você deve estar sabendo da baleia encalhada lá naquela praia, como é mesmo o nome? Então, ele sempre dizia que baleia na praia é sinal de tempo ruim. Mas não só enchente ou seca, pode ser sinal de qualquer desastre”. Dona Maria mora na Lagoa da Conceição há 56 anos, e mesmo com uma expressão aflita, ela se diz feliz por ali ter educado seus filhos e encontrado um trabalho prazeroso e digno. Despedi-me

dela quando seu sobrinho a chamou para avisar que estava saindo para a escola. Durante uma caminhada pelo centrinho, como é chamada a região mais movimentada da Lagoa, dá pra encontrar estranhezas de todo o tipo. Um flanelinha com a perna esquerda engessada, trabalhando de muletas. Jeans rasgados, meias por cima das calças. Gente caminhando e falando muito alto, consigo mesmas. Outros com o guarda-chuva aberto, para se proteger da ventania, ou do sol, não sei. Na Lagoa da Conceição, a lei é se sentir bem. É o que o ambiente e o visual sugerem. Esse lugarzinho perdido no meio das 42 praias da Ilha de Santa Catarina parece um cenário montado, onde tudo é bonito e estiloso. Há uma combinação perfeita entre os pubs rústicos que vendem chope irlandês e os bistrôs mais sofisticados, das tortas de nozes e das cartas de vinhos importados. Atrás do prédio antigo amarelo claro, onde é o Centro Cultural Bento Silvério, fica a feirinha do centro. Beterraba, salsinha, cenoura, geleias caseiras e caldo de cana feito na hora. Um casal de turistas paulistanos, descendentes de japoneses, degustava a geleia de abacaxi, enquanto conversavam com um jovem nativo que vestia aquelas calças balão, bem largas, e camiseta bege desbotada. O moço, empolgado e sorridente, explicava a eles como chegar à Igreja Nossa Senhora da Conceição, no alto do morro da Lagoa. A construção é de 1780 e é um exemplo da arquitetura trazida pelos portugueses para as terras catarinenses. Presente do imperador D. Pedro II, o sino que convoca os habitantes da antiga Fregue-

sia da Lagoa para a missa de domingo, ainda está lá. A Lagoa da Conceição é uma cidade à parte. Tem supermercados, cabeleireiros, bancos, casas de tatuagem, chaveiro, loja de alimentos orgânicos, pet shops, câmbio. Fábio Burgaten é dono de uma banca de revistas, que também vende picolés e sorvetes. No fluxo contrário da maioria dos jovens, Fábio, com 19 anos na época, deixou a família na caótica capital carioca e veio morar na Lagoa. Amante dos livros, ele explicou o motivo: queria um lugar inspirador, onde pudesse viver e, de fato, extrair o que há de melhor nessa viagem tão curta, a vida. Palavras dele. O desenho que fazia com spray na lateral de madeira da banca retratava seu talento para as artes abstratas. As várias letras entrelaçadas, pintadas de azul turquesa, lilás e rosa, não formavam nenhuma palavra, mas com certeza, na cabeça de Fábio, faziam todo o sentido. O vento começa a perder força ao mesmo tempo em que o sol se despede da Lagoa. Na Avenida das Rendeiras, as mulheres começam a organizar todo o artesanato em mochilas enormes. Nessa hora, umas falam sobre a programação para a noite, e outras reclamam do vento. Para os músicos que cantam ao vivo nos bares, o dia está só começando. O observador inquieto dá lugar agora ao turista cansado e faminto. São oito horas da noite, e meu ensaio naquele lugar acaba com um jantar com amigos num restaurante mexicano. Na saída da Lagoa da Conceição, nenhum típico sinal dizendo “Volte Sempre”. Nem precisaria a formalidade, pois as agradáveis lembranças dali já são um convite ao retorno.

Fotos: Daniel Ricci


Mente ocupada resulta em novas oportunidades Katiana Deggau kati2201@hotmail.com

A Combemi Comissão do bem estar do menor de Itajaí, é uma instituição que busca contribuir para a melhoria da qualidade de vida dos adolescentes e jovens do municipio de Itajaí. Tem sua sede Administrativa, que define a parte teórica, como serão aplicadas os ensinamentos na rua Benjamin Franklin Pereira , 127, bairro São Jõao e o Núcleo Profissonalizante que conduz a prática, com as aulas, fica na rua Antônio Adão Dias, 135, bairro São Judas. Nesse endereço estão há um ano, sendo que a primeira turma se formou em junho de 2010. Atende jovens de 12 a 18 anos e tem como critério de seleção adolescentes que estudam em escolas públicas, que residam no minimo doze meses na cidade. Aline Ricardo Seubert, auxiliar de coordenaçao da Combemi, nos conta que alguns jovens que possuem bolsas integrais também são aceitos na instituição. Todos os curso oferecidos não possuem custos para os jovens. Todos os jovens passam por um processo de seleção para se inscrever nos cursos, passam Divulgação

Foto: Divulgação

por uma pedagoga, que fica responsável em explicar e acompanhar as faltas dos adolescentes, as notas na escola e o uso de uniformes, uma psicóloga que é responsável em assistir a vida pessoal e uma assistente social que estuda a renda dos jovens e a forma como cada jovem vem e volta para a instituiçao, se precisa de ajuda para isso. Cada matrícula é assinada pelo jovem e pelo pai ou responsável. Os cursos oferecidos são: Rotinas Administrativas em Gestão Portuária, Turismo e Hospitalidade (os dois cursos mais antigos da instituição), Informática, Assistente Administrativo e Empreendedorismo, Programa Aprendiz Banco do Brasil, Inglês em parceria com o Fisk e curso de Musicalização. Para os jovens de 12 a 14 anos é oferecido o curso de musicalização com flauta e técnica vocal com a professora Hortência e violão e percussão com o professor Jairo. Aline nos conta que primeiro os alunos tem aulas separadas, a teoria, depois quando os professores acham que eles estão preparados juntam para fazer a prática. Com o Fisk a Combemi tem uma parceria que possibilita jovens a estudar na escola de inglês durante um ano. E no programa Aprendiz Banco do

Brasil possibilita o jovem a oportunidade do primeiro emprego. Alex Monteiro da Rosa, 15 anos, relata que antes de começar a fazer o curso, ele estudava de manhã e à tarde não fazia nada proveitoso. Agora já é formado no curso de Turismo e Hospitalidade e tem no Banco do Brasil a oportunidade do primeiro emprego. Estuda no período da manhã, a tarde trabalha no Banco do Brasil de Balneário Camboriú e continua fazendo acompanhamento de cidadania. Cada curso possui a duração de quinhentas horas e duram mais ou menos sete meses. Todos possuem também a informática que é generalizada e o inglês que é mais direcionado ao curso, sendo que a teoria é a mesma o que muda é o vocabulário. Aline nos conta do caminhão da informática, a unidade móvel , que circula nos bairros da cidade e fica três meses em cada um. Tem capacidade para atender vinte adolescentes por turma chegando a formar oitenta jovens por bairro. O curso tem a duração de sessenta horas. Em cada bairro antes do caminhão da informática começar as aulas é feito um estudo e definido o tipo de aula que será aplicado, buscando atender a necessidade dos jovens daquela região.

Sxc.hu

Além de manter os jovens na sala de aula, convênios garantem o primeiro emprego com qualificação


Nos bastidores do circo

O que acontece por trás das apresentações do circo-teatro Biriba, sucesso na interior catarinense Sidnei de Almeida side_almeida@hotmail.com

São exatamente 14h30 da terça-feira, 28, e as portas de entrada para o Teatro do Biriba estão fechadas. Instalado no bairro São Vicente, próximo da rodoviária da cidade de Itajaí, já foi palco de aplausos calorosos de muitos moradores da cidade. Pretos, brancos, crianças e velhos, dão boas risadas quando Franco Adriano Passos Rosa, o Biriba, 36, entra em cena. Porém, nessa tarde chuvosa, cujo barulho dos pingos da água deixam a tarde ainda mais monótona, Biriba, trabalha nos preparativos para o show que acontecerá à noite. – Xúxu, quem mudou esse sofá do lugar? Me ajuda aqui a arrumar a cortina pra noite. Rafael Brun, o Xúxu, de 24 anos, não é muito alto, mas é bom trabalhador. Com alicate na mão, ele regula a aparelhagem de som que, mais à noite, terá que funcionar perfeitamente. Nada pode dar errado na gravação do 3° DVD da trupe. Além disso, Xúxu vai entrar em cena junto com as outras 28 pessoas que compõem o Teatro

Fotos: Divulgação

do Biriba. No palco, dois sofás de cor bege dividiam espaço com os outros objetos que formariam o cenário logo à noite. Um compacto e moderno rack e, sobre ele, um telefone antigo e algumas revistas. No chão, nada mais que um simples tapete que terminaria por tornar o ambiente mais bonito. Atrás da cortina, do lado esquerdo, uma pequena capelinha que serve como “momento de oração”, como diz o palhaço. Do outro lado, o espaço é ocupado basicamente pela aparelhagem de som, que Xúxu tanto entende e faz as últimas regulagens. Com martelo e prego na mão, suor na testa, Biriba continua nos últimos aparatos do palco. – Xúxu, de quem é esse alicate? – Por incrível que pareça é meu, Biriba. – Ferramenta no circo é uma coisa complicada. Se você não cuidar, eles passam a mão e, depois, já era. Embaixo do palco, algumas cadeiras pretas, aquelas usadas em lanchonetes, estão todas alinhadas e vazias. Lá fora, aproximadamente 18 trailers abrigam o restante dos artistas. – Como hoje é o “dia de fol-

ga”, todo mundo está dormindo, outros saíram. Eu tô aqui, porque quero deixar tudo pronto para a noite e, como ainda é um pouco cedo, a maioria do pessoal tá dentro dos seus trailers. No terreno tem um pouco de tudo: carros estacionados, varais, bicicletas, como em uma residência comum. – Nós somos modernos. Temos ar-condicionado no trailer, parabólica, máquina de lavar roupas, tudo que você imaginar. – Até Sky, né Biriba? A chuva forte e continuada abafava, por hora, os latidos de Leôncio, o cachorro do Biriba, que se exaltou com a chegada de sua esposa. – Minha mulher foi no mercado comprar algumas coisas e tirou o dia para limpar a casa. Nesse meio tempo, chegaram os produtores que cuidaram da gravação do DVD do grupo. Antônio, Cris e Thiago estacionaram o veículo perto do trailer, onde Biriba está hospedado com esposa, e entraram no palco. – E aí, Biriba, só nos preparativos pra gravação do show? – Claro, Antônio, vamos começar a posicionar as câmeras?

Hora do show No decorrer da tarde, mais componentes do grupo foram chegando para ajudar. As horas passaram, a chuva cessou e a noite chegou naturalmente. Por volta das 20h, o público começou a chegar. De um em um, outros em família, foram ocupando as cadeiras. As expectativas cresciam a cada minuto. Atrás da cortina, Biriba já estava todo maquiado e com aquele frio na barriga de sempre – Eu senti frio na barriga desde quando comecei a atuar, nos meus 18 anos, e sempre sinto isso quando entro no palco, mas é normal. O dia que não sinto o friozinho na barriga é porque tem algo errado. Às 20h30, horário previsto para início do espetáculo, a cortina baixou e a euforia do público foi estimulante. O palhaço entrou em cena arrancando gargalhadas da plateia. – Pessoal, hoje o espetáculo vai funcionar um pouco diferente, porque nós estamos gravando nosso DVD, mas sintam-se a vontade. Outros artistas foram entrando no palco e durante as apresentações só se ouviu risos e aplausos das pessoas. O teatro Biriba surgiu na década de 60 e se mantém vivo até hoje. A trupe já passou pela maioria das cidades do interior do estado de Santa Catarina e, já alegrou também, algumas cidades do interior de São Paulo. O grande diferencial do grupo é misturar técnicas circenses com interpretações teatrais nas apresentações que fazem muito sucesso por onde a trupe passa.


Ensaio Fotográfico

Uma simples elegia Por Rafael Huppes Piassini

Caminhozinho por onde eu ia andando e de repente te sumiste, — o que seria que te aconteceu? Eu sei… o tempo… as ervas más… a vida… Não, não foi a morte que acabou contigo: Foi a vida. Ah, nunca a vida fez uma história mais triste que a de um caminho que se perdeu… Mario Quintana


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