Cobaia | #128 | 2014

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Cobaia

JORNAL LABORATÓRIO DO CURSO DE JORNALISMO DA UNIVALI Itajaí, abril de 2014 Edição 128 Distribuição gratuita

MORADA DA FÉ Ensaio fotográfico ilustra a relação de fiéis com o santuário de Madre Paulina. E destaca a beleza e tranquilidade do vale em Nova Trento

Esporte

Saúde

Economia

Ong exemplo

O que não mata engorda

A moda é empreender

Os projetos e desafios encarados pelo grupo que incentiva a cultura náutica em Itajaí

Dados sobre o alimento que mais contribui para o desenvolvimento de diabetes: o açúcar

Cursos gratuitos oferecidos à comunidade proporcionam a chance do negócio próprio

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A história que a memória apagou e as palavras recontam

Celso Peixoto / PMBC

Amanda Tomasia

Aline Pukall

Perfil

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Editorial

Reflexão

Esforço conjunto

O avesso da dor Eduardo Polesello

Jane Cardozo da Silveira* Em abril, nosso jornal-laboratório apresenta mais ensaios e perfis fotográficos elaborados pelos acadêmicos na disciplina de Fotojornalismo, sob a supervisão e o incentivo do professor Eduardo Gomes. Ao publicarmos esses trabalhos, esperamos estimular outros estudantes a experimentar a vivência da reportagem, tanto produzindo textos quanto imagens – estas, por sinal, nosso maior desafio a cada nova edição, já que recebemos com frequência textos desacompanhados de fotos. Por isso a iniciativa do professor Eduardo, de estabelecer uma ponte entre os trabalhos curriculares e o Cobaia, foi tão apreciada aqui na redação. Nossa expectativa é de que a parceria se prolongue por muito tempo e represente para os estudantes de Fotografia uma forma de organizar portfólios criativos. Algo que, além de futuros cartões de visita no mercado de trabalho, converta-se em amostra de visões de mundo peculiares e inovadoras. Junto com o material fotográfico, esta edição traz - como sempre – reportagens diversificadas, algumas feitas a pedido dos professores em sala de aula, outras de iniciativa dos nossos aprendizes. Vale lembrar que os re-

... temos preferido

deixar as pautas a critério dos

participantes, em lugar de delimitar temas e abordagens específicos que, se por um lado poderiam dar mais coesão aos cadernos, por outro cerceariam de algum modo a liberdade de criação

pórteres com quem contamos atuam como voluntários e podem estar matriculados em qualquer período do curso, não havendo restrição para que participem deste laboratório de mídia impressa. Nessas condições, temos preferido deixar as pautas a critério dos participantes, em lugar de delimitar temas e abordagens específicos que, se por um lado poderiam dar mais coesão aos cadernos, por outro cerceariam de algum modo a liberdade de criação. Seguimos, portanto, nessa jornada de aprendizagem, vendo equipes se formar e se dissolver conforme se sucedem as turmas, cada qual imprimindo marcas próprias, sugerindo assuntos e enfoques, ora ousando um pouco mais, noutras preferindo repetir fórmulas consagradas. Mas sempre tentando acertar. Se essa meta é atingida, só você, leitor, pode dizer. De nossa parte, esforçamo-nos para lhe entregar a cada mês um Cobaia novo em folha, carregado das impressões de quem estará, daqui a pouco, em outros veículos mundo afora. Boa leitura! Jane Cardozo da Silveira *Editora - Reg. Prof. SC 00187/JP

Fica esperto!

Espaço do Leitor

Tá quase aí Os preparativos para a realização do evento “Olhares Múltiplos 2014” estão na reta final. Nos dias 27, 28 e 29 de maio, os campi de Balneário Camboriú, Itajaí e Florianópolis (Unidade Ilha) abrem suas portas a profissionais das áreas de Comunicação, Turismo, Design e Lazer, que vêm compartilhar conhecimento e experiência com acadêmicos da Univali e de outras instituições de ensino. O evento é promovido pela Univali e realizado pelo Centro de Ciências Sociais Aplicadas – Comunicação, Turismo e Lazer (Ceciesa-CTL). A 4ª edição do Olhares Múltiplos vai contar com palestras, workshops e oficinas que farão uma ponte entre o ambiente universitário e o mercado. O evento incentiva os alunos a inovar e criar, a expandir o conhecimento teórico para a realidade que os espera após o término da graduação. Entre as palestras mais aguardadas estão as de Marcelo Rech, Diretor Executivo de Jornalismo no Grupo RBS e Vice-presidente do Fórum Mundial de Editores; Ricardo “Gordo” Carvalho, diretor de filmes publicitários na Agência Conspiração, de São Paulo, produtor da famosa campanha “Mamíferos”, da Parmalat; e Nelson Santiago, Secretário de Comunicação do Governo do Estado de Santa Catarina. Ex-alunos da Universidade também têm espaço garantido: na arena “Tô na Área” são os egressos que partilham experiências e os estudantes aproveitam a oportunidade para esclarecer dúvidas sobre o mercado de trabalho e a profissão. A proximidade do palestrante com o público é marca forte do evento. As inscrições para “Olhares Múltiplos” podem ser realizadas em www.univali.br. Não deixe de participar. E mantenha-se informado na fanpage e no site oficial do evento, disponíveis e atualizados a partir de cinco de maio: www.olharesmultiplos.com.br e facebook.com/olharesmultiplos. Vem também!

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Sofrer às vezes nos faz bem. Nos completa. Queremos isso, necessitamos isso, buscamos isso. Em certos momentos temos surtos. Quando parecemos - naturalmente - que estamos de bem com tudo, não estamos. Precisamos sofrer, precisamos nos importar com alguma coisa. Uma vontade intangível entende? Queremos mais. Queremos mais das coisas, dos outros, do dia a dia, da vida. Preocupamo-nos em pensar, exigindo experiências provenientes do passado. É assim que aprendemos. Constantemente refletimos sobre este problema. Se é que podemos considerar esse “querer mais” como um problema que nos atormenta. Existe um porém. A busca pelo sofrimento nos traz confiança, segurança e força para que dessa maneira possamos abater os sentimentos doentes da maneira mais apropriada. Coisas abstratas, fruto de um pensamento longínquo, sem prazo de fim. É dessa maneira que nossas cabeças vivem em constante trabalho. Procurando responder às seguintes perguntas: é feio querer mais? Desde quando é feio querer mais carinho, afeto, amor? Já fizemos bobagens para que essa vontade de querer mais assuma posse do nosso corpo. Podemos admitir, e temos razão, que governar essas bobagens é o mesmo que governar as ações fieis ao nosso caráter (comuns no nosso dia a dia), que acabam por lesar nossa própria cabeça, que consequentemente, vai necessitar mais: do tipo desligarmo-nos de tudo, de todos - celulares, pessoas, pensamentos negativos - e fazer o que queremos, em troca de algumas horas de angústia, raiva e prazer. Todos nos criticam por estes exageros cometidos, mas quem é que vai entender? É loucura! Nossa. Motivos banais parecem ser o motivo de desentendimentos breves, mas saudáveis, que criamos, sem querer. Não é sempre, mas acontece. Vale mais a pena nos entender. Repetidamente, várias vezes ao dia, nos encontramos revivendo o passado. Isso não é bom, já dizem os mais experientes. Mas é óbvio que é por esse motivo que colocamo-nos nessa situação, podemos dizer, de propósito. Relembrar algum momento ruim, torná-lo atual, trazê-lo à tona e fingir que ainda sofremos, é comum. Esses somos nós. Não podemos ter vergonha das nossas próprias lágrimas. Devemos admitir que sofremos por amor, sofremos de paixão, sofremos desejavelmente, em vão. Sabemos que o amor não podemos evitar, mas podemos vencê-lo, afinal, sofrer não é lá tão sofrido assim. Todo mundo sabe que a dor, no fundo, esconde uma pontinha de prazer.

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Tem algum assunto que você gostaria de ler nas próximas edições? Conte-nos! E-mail: cobaia@univali.br

Expediente JORNAL LABORATÓRIO DO CURSO DE JORNALISMO DA UNIVALI IN - Agência Integrada de Comunicação Itajaí, novembro e dezembro de 2013. Distribuição gratuita EDIÇÃO Jane Cardozo da Silveira Reg. Prof. SC 00187/JP PROJETO GRÁFICO Raquel Cruz DIAGRAMAÇÃO Estagiária Bárbara Porto Marcelino TIRAGEM 2 mil exemplares DISTRIBUIÇÃO Nacional

Itajaí, abril de 2014


Esporte

Ong resgata cultura náutica em Itajaí Casal de velejadores ensina às novas gerações o gosto pelo mar e pelos esportes aquáticos Aline Pukall e Pricila Baade

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amor pelo remo e pela vela, para que nas próximas regatas a cidade tenha também atletas de Itajaí dentro da competição. O principal projeto que a ANI desenvolve desde sua fundação é o Navegando pela Cidadania. Crianças de 18 escolas municipais têm a oportunidade de aprender a remar e velejar no contraturno escolar. O curso tem duração de

Cidadãos do mar Após a passagem da Volvo Ocean Race por Itajaí, em que 40 crianças do projeto Navegando pela Cidadania participaram de uma regata promovida pelo evento, os coordenadores da ANI selecionaram 10 destes alunos para formar a equipe de rendimento de vela. Carolina de Sá Copello co-

meçou a velejar com 9 anos por incentivo do pai, presidente da associação. Aos 16 anos ela faz parte da equipe de rendimento de vela e participa de competições nacionais. A ANI serve de exemplo para outras instituições que resgatam a cultura náutica. Os projetos desenvolvidos com crianças no Iate Clube de Joinville e no Iate Clube

da Ilha se inspiraram no projeto Navegando pela Cidadania. “A cada dois meses, a ANI recebe pessoas de fora que vêm buscar informações para formar um projeto semelhante”, informa o presidente Copello. Assista ao vídeo: http://www.youtube.com/ watch?v=KP4eISci09Q

Cada criança

que passa aqui, vai para casa e

trabalha isso com a sua família

um ano e passa por diversas fases de aprendizado, começando pelo remo em equipe até a criança estar preparada para velejar sozinha. Luiz Fernando Belmiro da Silva começou como aluno do projeto aos 10 anos de idade, no ano seguinte tornou-se voluntário na ONG. Hoje, com 17 anos, Luiz dá aulas de vela para os alunos do projeto e é atleta da equipe de remo.

Fotos: Aline Pukall

desenvolvimento da cidade de Itajaí sempre esteve ligado ao mar. A cultura de base luso-açoriana influenciou os costumes da pesca e da gastronomia à base de frutos do mar. Com o passar do tempo, a cidade ancorou sua economia no porto, o segundo maior em movimentação de contêineres. Em 1915, Itajaí era uma cidade com destaque no remo, mas a comunidade perdeu a relação com o esporte. Um contêiner na beira do Saco da Fazenda deu início ao grupo que iria resgatar a cultura náutica no município. No ano de 2002, os velejadores Vilmar e Higina Brás começaram a realizar um sonho. Após dar a volta ao mundo num veleiro em 55 meses de viagem, o casal decidiu que seu conhecimento náutico precisava ser compartilhado com a comunidade de Itajaí. Fundaram então a Organização Não Governamental Associação Náutica de Itajaí (ANI). O diretor presidente da ANI, Claúdio Copello, afirma que a relação que o itajaiense tem hoje com o mar é resultado dos projetos da associação. “Cada criança que passa aqui, vai para casa e trabalha isso com a sua família”. Copello acredita que as regatas realizadas na cidade, como a Volvo Ocean Race, em 2012, e a Jacques Vabre, são importantes. No entanto, em eventos como esses, os itajaienses participam apenas como espectadores, por isso a ANI tem como objetivo desenvolver o

Um dos objetivos da ANI é ter atletas de Itajaí participando de competições, como as regatas

O principal projeto da ANI é o “Navegando pela Cidadania”, curso onde crianças de escolas municipais têm a chance de aprender a remar e velejar durante o contraturno escolar

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Tendência

Aprecie com moderação e idade Os jovens brasileiros consomem bebidas alcoólicas cada vez mais cedo e com a complacência dos pais Rodrigo Ferreira de Melo e Silva

Pesquisa indica que 22% dos universitários estão sob risco de desenvolver dependência de álcool

é vendida livremente em pleno calçadão da Avenida Atlântica, vejo adolescentes com latinhas de cerveja na mão”, afirma Renata. Existe tratamento para os dependentes químicos: por exemplo, o grupo de voluntários Alcoólicos Anônimos (AA), que foi criado nos Estados Unidos em 1935 por um corretor da bolsa de valores e um dentista que tinham problemas graves com álcool e resolveram auxiliar outros dependentes com terapias em grupos. Hoje o AA está difundido em todo o mundo.

Banco de Imagens

Paulo considera que somente campanhas na mídia não vão resolver o problema, já que criou-se entre os jovens o padrão de que não consumir bebida alcoólica em uma festa, por exemplo, “é careta”. “Hoje é difícil mudar esse estigma, já que tem pai que acha engraçado o filho consumir bebida alcoólica desde pequeno”, observa Paulo. O acadêmico Melquíades Nascimento é radical quando o assunto é consumo de bebida entre os jovens. Para ele, o álcool não deveria ser nem mesmo uma droga lícita, porém ele critica o fato de a própria indústria de bebidas ser muito bem organizada, estimulando o consumo em todos os segmentos da sociedade. De acordo com o Conselho Tutelar de Balneário Camboriú, muitas ocorrências durante a temporada de verão referemse a adolescentes em estado de coma alcoólico. A culpa pode ser do adolescente que não se impõe limites, mas também dos pais que não orientaram o filho corretamente. Um terceiro elemento ajuda a tornar o problema mais grave. Os estabelecimentos comerciais vendem bebidas alcoólicas indiscriminadamente, inclusive para menores. A acadêmica Renata Rutes Henning diz que o policiamento ou os Conselhos Tutelares deveriam intensificar a fiscalização e orientar essas casas a pensar menos no lucro e mais na saúde dos jovens. “Durante o ano você vai comprar uma bebida em um quiosque e te pedem a identidade, mas na temporada de verão ninguém pede nada e a bebida alcoólica

Banco de Imagens

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consumo de bebidas alcoólicas está começando cada vez mais cedo entre os jovens brasileiros. Segundo pesquisa da Universidade de São Paulo, assustadores 80% dos adolescentes já consumiram algum tipo de bebida alcoólica antes dos 18 anos e quatro entre dez menores de idade compram bebidas no comércio sem nenhuma restrição. No meio universitário, a tendência é o agravamento do problema. Ainda de acordo com o levantamento, 22% dos estudantes de Ensino Superior correm risco de desenvolver dependência do álcool no futuro. E para piorar, 18% afirmaram já ter dirigido sob o efeito de bebida alcoólica. Outros 27% dos entrevistados disseram já ter pego carona com motoristas alcoolizadas. Não são somente os adolescentes brasileiros que enfrentam problemas com o alcoolismo. Pesquisa realizada nos Estados Unidos pela Universidade da Carolina do Norte revela que 39% dos entrevistados entre 14 e 17 anos declararam já ter ingerido bebidas alcoólicas no mês da análise. O resultado foi 11% maior em relação à pesquisa feita em 2008. Outro dado que chama a atenção na pesquisa é que 29% dos jovens britânicos consomem álcool porque se sentem entediados. Jornalista recém formado pela Univali, Paulo André Staack Alves defende que os governos façam campanhas de conscientização contra o consumo excessivo de bebida alcoólica entre os jovens. Porém,

Estudo realizado em 2010 pela Universidade Federal de São Paulo revela que: •A média de idade para iniciação no álcool é de 12,5 anos; •21,4% tinham 10 anos ou menos quando experimentaram; •80% dos adolescentes já beberam alguma vez na vida; •33% dos alunos do Ensino Médio consumiram álcool excessivamente no mês anterior à pesquisa; •jovens entre 14 e 17 anos consomem 6% de todo o consumo anual de álcool no país; •o 1˚ uso de álcool ocorre em casa e por oferta de um familiar; •quem ofereceu bebida alcoólica na primeira vez que o consumo ocorreu: 46% familiares, 28% amigos, 21% sozinhos, 5% outros; •chopp, cerveja, vodca e bebidas do tipo ice estão entre as mais consumidas pelos adolescentes; •22% dos universitários estão sob risco de desenvolver dependência de álcool; •36% dos universitários beberam excessivamente nos últimos 12 meses; 25% nos últimos 30 dias; •18% dirigiram sob efeito de álcool e 27% pegaram carona com motorista alcoolizado.

Inimigo doméstico: o primeiro uso de álcool ocorre em casa e por oferta de um familiar

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Saúde

Açúcar: um ingrediente que seduz e ameaça O consumo de doces, cada vez maior, preocupa por contribuir para o desenvolvimento de diabetes Juciani Rosa

Fotos: Amanda Tomasia

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confeitarias seguem a moda americana, o que vende é o que interessa. Formada em Nutrição, Cirlei Donato, que trabalha com consultoria nutricional, conta que o consumo está ligado ao comportamento, porque o doce gera sensação de prazer. Segundo ela, existe hoje uma constante busca de “algo” que o ser humano não sabe definir, um tipo de insatisfação. “A pessoa se sente atraída pela divulgação, não necessariamente tem fome, mas sim a vontade de comer o que está na foto, por exemplo, aquele bolo que viu na propaganda ou o chocolate que todo mundo está consumindo”. É preciso dosar o consumo de açúcar, afinal, todo excesso é prejudicial. O aumento no consumo de doces é preocupante em todas as faixas de idade, porque leva à obesidade, reflexo de uma alimentação desorientada e descontrolada, principalmente em crianças. Além dos malefícios já conhecidos como a subida dos triglicerídeos e da pressão arterial, o açúcar vicia e contribui para o desenvolvimento de diabetes. Em outubro de 2013, o Ibope divulgou uma pesquisa feita para a Sociedade Brasileira de Diabetes segundo a qual o número de pessoas que têm diabetes no Brasil já supera as previsões feitas dois anos atrás para 2030. Esperava-se ter 12, 7 milhões de diabéticos daqui a 18 anos, já que em 2010 o cenário era de 7,6 milhões de doentes. E atualmente a situação é bem pior, cerca de

13,4 milhões de brasileiros já desenvolveram a doença. (Fonte: Correio Braziliense) Por conta dos resultados da pesquisa “Diabetes: mude seus hábitos”, a Sociedade Brasileira de Diabetes fará uma campanha para conscientizar a população sobre os riscos desse mal. É preciso lembrar que diabetes não está associada somente ao consumo exagerado de açúcar e sim ao mau hábito alimentar, ao tabagismo e à falta de atividade física, e quem já tem histórico familiar precisa ter atenção redobrada. Aline Dias Melim, de 39 anos, sofre com a doença desde os 21 anos, adora doce, admite que é muito complicado controlar diabetes. Conta que conhece pessoas que dizem para ela não comer doce, assim não teria mais diabetes. “As pessoas precisam se informar mais sobre a doença, afinal não são só as guloseimas das padarias que têm açúcar, praticamente tudo precisa ser monitorado, sucos, massas, pães, cereais, ...” Mesmo nas classes menos favorecidas a obesidade está aumentando porque aumentou o acesso a produtos que são fabricados com matéria prima barata, ingredientes derivados de transgênicos e açúcares. A solução está em se conscientizar sobre o que se deve e o que não se deve introduzir na dieta do dia a dia. Contudo, um cupcake de vez em quando não faz mal a ninguém; com moderação, se pode desfrutar de tudo um pouco. Cobaia

Fonte: Esapaço Diabetes da Santa Casa de Belo Horizonte e site da Sociedade Brasileira de Diabetes

segmento de confeitaria está aumentando cada vez mais, não é preciso andar muito nas ruas das grandes cidades para perceber. O consumo de doces, que antes não cabia nos gastos da população brasileira, vem ganhando mais espaço com o aumento na renda das famílias. E para completar o quadro, os doces a cada dia exibem aparência melhor e seduzem as pessoas primeiramente pelos olhos, depois pelo paladar. Dos brigadeiros gourmets aos brownies dos mais variados tipos, é possível encontrar opções que agradam a qualquer tipo de gosto. As cupcakerias vêm conquistando mais espaço, sempre com uma aparência impecável que fascina os apaixonados por doce. Lua Sara Teixeira, de 23 anos, diz que passa por uma padaria toda vez que volta do trabalho e é difícil o dia em que não para por lá para comprar alguma coisa. Brinca ainda: “Acho que meu salário é só para sustentar meu vício, afinal o preço é bem salgado desses docinhos”. Heidi Marelda Lampe, farmacêutica-bioquímica e nutricionista funcional, diz que o Brasil sempre seguiu as tendências que vêm dos Estados Unidos, se lá deu certo, aqui também dará lucratividade. Cupcakes acabam sendo deliciosos, mas estão cheios de gordura trans e guloseimas. Acontece que fazer bolinhos bem elaborados e saudáveis acaba não dando o lucro esperado. Como tudo tem seu preço, docerias e

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Comunidades

Obstáculos tornam o caminho arriscado Falta de acessibilidade nas ruas do centro de Gaspar dificulta a vida dos deficientes físicos e visuais Indianara Schmitt

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Fotos: Ranieri Souza

udança repentina de nível na calçada, falta de sinalização, placas no meio do caminho. Tudo faz parte do percurso de quem anda pela rua Coronel Aristiliano Ramos, principal via do centro de Gaspar, e suas transversais. Aqueles sem problemas visuais ou físicos conseguem fazer esse trajeto sem grandes dificuldades.Mas, para os que convivem com algum tipo de deficiência, o caminho é arriscado. O maior problema enfrentado pelos deficientes físicos ou visuais é a falta de acessibilidade. A deficiente visual Eduarda Zimmermann Becker, de 22 anos, morou até o fim de 2011 no centro de Gaspar. Ela, que vem com frequência para a cidade, afirma que andar pelas ruas ainda é uma tarefa complicada. “Muitas calçadas são desniveladas e quebradas. Uma hora andamos em uma feita de cimento. Na outra, já estamos andando em cima de terra ou até mesmo em buracos. É praticamente impossível andar pela calçada que fica na rua do posto de saúde, por exemplo. Muitas vezes a bengala não consegue detectar as imperfeições no caminho”. Além da grande maioria das ruas de Gaspar, parte dos bares, restaurantes, escolas e bancos não possuem acesso facilitado aos deficientes. Duda conta que já chegou a participar de uma simulação em uma agência bancária para avaliar a reação dos funcionários ao se depararem com um cliente que necessita de atendimento diferenciado. “Entrei sozinha e fiquei esperando pelo atendimento, mas ninguém veio me atender. Minha mãe estava lá sentada só observando de longe e teve que avisar um atendente de que tinha uma pessoa aguardando. Quando eles viram que eu era deficiente visual, não souberam direito o que fazer”.

Vida normal aos 22

Mais acessibilidade

Apesar de incentivar a comunidade a valorizar o que a cidade oferece, o governo municipal admite que ainda há muito a ser feito em termos de acessibilidade. No ano de 2012, Gaspar passou por um projeto de reurbanização e a rua São José, que fica no Centro, foi totalmente reurbanizada: recebeu piso tátil e sinalização adequada. Segundo a Secretária de Planejamento, Patrícia Scheidt, as calçadas foram sinalizadas e rebaixadas nos acessos às faixas de pedestres e de veículos, trazendo segurança aos pedestres. Ainda segundo a secretária, a prefeitura conta com uma proposta de melhorias na mobilidade urbana, que inclui o projeto Calçada para Todos. “A reurbanização foi a primeira etapa. Pretendemos expandir a obra para outras ruas e até mesmo para os bairros”. Ela explica que este tipo de obra gera custos elevados para o município, fazendo com que a execução seja realizada por etapa, em tempo não estipulado.

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Eduarda Zimmermann Becker, mais conhecida como Duda, nasceu no dia 10 de dezembro e em 2013 completou 22 anos. Nasceu e morou em Gaspar até o fim de 2011. Ela, que na cidade dividia seu tempo entre os estudos no Colégio Madre Francisca Lampel e as aulas de Braile em Blumenau, gosta de ler e ficar na internet. “Faço coisas que qualquer pessoa com visão faz. Meu computador e celular possuem um dispositivo que fala, e isso faz com que eu possa fazer de tudo”. A jovem nasceu com a retina má formada, porém, isso não impedia sua visão. “O nome da doença é Retinoplastia da Prematuridade. Por causa dela, eu não podia fazer atividades em que pudesse receber impacto. Por exemplo, brincar com bola, pois ela podia pegar em meu rosto. Perdi a visão total quando eu era criança. Aos quatro anos, perdi a visão do olho direito. Aos seis, do esquerdo”, explica. A primeira vez em que Duda saiu sozinha de casa foi aos 16 anos. Ela conta que ia até a escola e ao curso de inglês, pois já conhecia bem o caminho. “Muitas vezes eu fui até me guiando pelos muros”. Hoje, Eduarda cursa Psicologia na Universidade do Vale do Itajaí e mora em Balneário Camboriú, por ser mais prático para ir até a faculdade. Junto do namorado, que também é deficiente visual, Duda se diverte aos fins de semana, quando não está dedicada aos estudos. Há alguns meses, os dois começaram a sair pelas ruas da cidade litorânea sozinhos e o próximo projeto do casal é conseguir um cão-guia para cada um.

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Centro de Treinamento Comunitário de BC oferece cursos profissionalizantes para a comunidade Gerusa Florencio

Fotos: Celso Peixoto / PMBC

Economia

Cursos estimulam empreendedorismo

No município de Balneário Camboriú, o mercado de corte e costura é promissor

Um dos cursos oferecidos pelo CTC é o de corte e costura básico e avançado

E

mpreender é um dos objetivos de quem busca a qualificação por meio de um curso profissionalizante. No Centro de Treinamento Comunitário (CTC) de Balneário Camboriú, são oferecidos diversos cursos gratuitos para a comunidade, com o objetivo de elevar a qualificação do cidadão, possibilitando a sua melhor colocação no mercado de trabalho ou mesmo ampliando seus horizontes para a criação do próprio negócio. Entre os cursos oferecidos, está o de corte e costura básico e avançado, ministrado nos turnos vespertino e noturno. As aulas deste ano começaram no dia 17 de março. Cada turma disponibiliza de 22 vagas e os dois turnos já estão com as turmas fechadas, ainda com uma fila de espera. Em meados de agosto, são abertas inscrições para novas turmas.

O primeiro curso de costura foi oferecido em 2011, no CTC. Desde seu início houve grande adesão por parte da comunidade. A professora, Anita Pedro Barcelos, explica sobre a importância do oferecimento deste curso. “O mercado de corte e costura é muito promissor no município pois não há muitas costureiras, daqui, elas saem preparadas para entrar no mercado de trabalho ou até mesmo para empreender, criando ateliês ou fazendo reformas”, acrescenta. São oferecidas duas modalidades do curso: o básico e o avançado, em que as alunas têm a oportunidade de aprender tudo desde o início com explanações mais simples, desde como ligar a máquina, por exemplo. Cada um deles tem a sua duração específica e as alunas recebem certificado no final. “Passamos o conhecimento

o aprendizado ao

da maneira mais fácil, para que possam aproveitar o aprendizado ao máximo”, acrescenta a professora. Ela ainda explica que a turma da tarde tem o objetivo de adquirir conhecimento para benefício próprio. Algumas alunas pretendem entrar no mercado de trabalho. Na turma da noite, a real intenção dos alunos é trabalhar com a costura, gostam de criar, pois têm necessidade disso. “Temos alguns estudantes de design de moda cursando costura”, acrescenta. Já outros alunos desejam apenas aperfeiçoar o manuseio das máquinas industriais.

máximo

Aprender para empreender

Passamos o

conhecimento

da maneira mais fácil, para que

possam aproveitar

No curso é ensinado tudo desde o começo, como ligar a máquina até a peça final

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A aluna Maria Fátima da Silva está no curso pelo terceiro ano consecutivo. Ela começou em 2012, cursou o básico e fez duas

vezes o avançado. “Utilizo o meu conhecimento para empreender”, declara. Maria Fátima hoje trabalha com reformas em um espaço na própria casa, com o objetivo de auxiliar na renda familiar. Ela comenta que durante a última temporada, sua demanda teve aumento significativo e obteve bom retorno financeiro. “O curso está sendo bom pra mim e para toda a comunidade, pois ajuda as pessoas a empreenderem ou entrarem para o mercado”, finaliza. O Centro de Treinamento Comunitário está localizado na Rua Itália, n° 1059, Bairro das Nações. O horário de atendimento é das 8h às 12h e das 14h às 18h, de segunda a sexta-feira. Mais informações pelo telefone: (47) 3367-8345

As alunas recebem um certificado que abre portas para o mercado de trabalho

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A fé que move peregrinos Penitências e agradecimentos marcam a rotina dos fiéis que encontram

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religião existe desde as primeiras civilizaçõe já foram muitos os entes cultuados em vár entos, são várias as crenças espalhadas p Segundo um dito popular, a fé move montanhas, m engrenagens, motiva as pessoas a ir para longe de para cumprir uma obrigação ou promessa de cunho são um pedido de ajuda para um santo ou o agrad um dos maiores centros de turismo religioso é a cida Madre Paulina. Canonizada em 2002, Amábile se to surgiu e movimenta um intenso turismo na pequen e têm um público médio de cinco mil pessoas. No vem mostrar o turismo religioso na cidade de Nova T agradecer, entoar cantos, preces e orações.

Madre Paulina desperta a devoção de muitos fiéis

Vista do vale a partir do campanário impressiona pela beleza das montanhas ainda cobertas de Mata Atlântica

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A casa de velas raramente fica tão cheia, pois o santu

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os em solo barriga-verde , além da paz de espírito, uma bela paisagem entre os vales catarinenses Coletivo Bate e Pronto

uário investiu em velas digitais

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Fotos: Coletivo Bate e Pronto

es. Na Mesopotâmia, acreditavam-se em deuses, e até hoje rias culturas e períodos. Graças à diversidade de pensampelo mundo, e uma característica é comum a todas: a fé. mas isso nunca foi comprovado. Porém, a fé move outras e suas cidades, atravessar o país ou até a ir para o exterior o religioso. Os principais motivos de peregrinação religiosa decimento por uma graça alcançada. Em Santa Catarina, ade de Nova Trento, morada de Amábile Lúcia Visintainer, a ornou conhecida mundialmente. A partir daí, um Santuário na cidade. As missas de domingo são transmitidas ao vivo trabalho exposto nestas páginas, o Coletivo Bate e Pronto Trento, além da fé que move as pessoas a vir de longe para

Muitas cores e pedidos se traduzem nas fitinhas amarradas

Uma das novidades do santuário é o bondinho que dá acesso ao mirante

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Perfil

Memórias de uma mulher sem-memória Em uma viagem no tempo que não permite retornar ao consciente, Miranda vaga em outras dimensões Raquel Cruz

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“na ponta da língua”. Certo dia, o relógio de porcelana pendurado na parede da sala marcava doze horas, mas o almoço ainda não estava servido. Algo incomum, visto que, naquela casa, todos almoçavam religiosamente às onze e meia. Seu José, com fome, foi até o fogão ver o que havia de errado. Os grãos de feijão, que ferviam na panela desde o início da manhã, ainda estavam duros. Descobriu, então, que algo estava errado, e não era só com a comida. A esposa tentava fazer feijoada de amendoins.

Há catorze anos, Miranda Tomelin, nome de casada, faz parte dos 6% da população idosa no Brasil mapeada pela Associação Brasileira do Alzheimer (Abraz). Para os médicos, a senhorinha miúda é considerada um fenômeno de longevidade. A maioria das pessoas assim diagnosticadas vive entre 8 e 10 anos. Alguns conhecidos da família, também com o Mal de Alzheimer, viveram bem menos que isso, uns quatro, no máximo. “Ela vai enterrar todo mundo”, brinca seu filho mais novo. Bru-

no Arcângelo Tomelin é solteiro e mora com o pai de 87 anos e a mãe, de 86. Na casa, a ordem natural mãe-prole se inverteu depois que ela ficou doente. Hoje, ele é seu curador. “Né, nona?”, ele instiga uma reação sua. Às vezes, ela responde um longo “ahaaaaam”. Ou, então, dispara de forma autoritária: “Nón” - um ‘não’ carregado de sotaque. Pode, também, nem responder, depende do dia. Filhos, netos, genro, noras ou qualquer pessoa com algum parentesco a chamam de “nona”. Filha de imigrantes italianos vindos

da comuna de Belluno, o idioma do lugar é um dos costumes que preservou. Nas reuniões de família, os mais velhos conversam apressadamente em italiano, enquanto os netos fazem silêncio, tentando acompanhar o falatório. Miranda também participa, começa a conversa em português, na frase seguinte mistura expressões no dialeto e, quando se percebe, não disse coisa com coisa. Ainda assim, todos fazem pausa para ouvi-la. O cabelo é caprichosamente penteado para trás. Enquanto mo-

Fotos: Raquel Cruz

erão ou inverno, o ritual é repetido todas as manhãs, bem cedo. Cinco ou seis tocos de lenha são o bastante para manter o fogão aceso até perto do meio-dia. Às oito, Miranda acorda sozinha, dificilmente é acordada. Lucimara, que chega às sete e já adiantou parte do serviço doméstico, segura um de seus braços e a ajuda a se levantar da cama. No outro, Bruno também a carrega. “Ai, ai, ai, ai”. Dispara a sequência de vogais ininterruptamente, até ser colocada na cadeira de rodas especial para o banho. Seriam interjeições de dor? Talvez. É difícil saber quando ela sente dores, já que repete o ai-ai-ai quando está com frio, quando algum barulho a perturba e, até mesmo, quando Bruno lhe faz cócegas atrás das orelhas. Hora do banho. As mãos de Lucimara massageiam os cabelos brancos e ralos. Tão ralos que é suficiente um punhado de xampu que mal cobre a palma da mão. Quem vê Miranda assim, tranquila, a ponto de quase pegar no sono enquanto a água lhe cai na cabeça, não imagina o quanto isso lhe irritava tempos atrás. Há dois anos, não queria saber de banho. Detestava. Se tivesse forças para levantar da cadeira de rodas, seria capaz de sair, sem roupas, fugida do banheiro. Como não tinha, gritava e estapeava quem estivesse ao alcance de seus braços compridos. Nessa época, várias ajudantes passaram pelo emprego que hoje é de Lucimara Silvano. Eram ordens médicas, explicava Miranda. O doutor quem lhe tinha receitado não molhar a cabeça. Tomar banho, jamais! No entanto, ela nunca soube explicar que médico era esse ou qual seria o problema de saúde para dar-lhe tal recomendação. Ainda assim, usava o pretexto, todos os dias, na tentativa de escapar da chuveirada. Quando se dava conta de que a “prescrição do doutor” não tinha convencido, continuava o ritual. O apelo seguinte era para as autoridades: “Polícia, polícia. Socorro! Vou mandar te prender”, gritava com fúria. Falava em italiano, dependendo do dia. Ou, primeiro, gritava em português para, depois, repetir em italiano. Sem escapatória, acrescentava uns palavrões, já embaixo do chuveiro. Os olhos arregalados das visitas, quando ouviam a mulher aos berros, eram motivo de risada para José, seu marido. A reação dele causava ainda mais espanto, mas só até que pudesse explicar o motivo. Começou com uns esquecimentos. Miranda passou a errar na medida dos ingredientes, trocar o sal pelo açúcar, confundir datas, não lembrar nomes que estavam

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lhado, dá para ver o desenho do traçado feito pelo pente no branco que lhe cobre a cabeça. Até pouco tempo, usava grampos com hastes de metal para manter a franja arrumada. De tanto arrancá-los e atirá-los para longe, perdeu essa vaidade. O mesmo aconteceu com os óculos, por isso os olhos espremidos quando tenta decifrar algo que está longe. Na última vez que subiu na balança, o ponteiro não passou dos 40 kg. Dar-lhe um abraço é quase alcançar a ponta dos dedos nas próprias costas. Bruno a carrega nos braços, como um noivo leva a amada para a noite de núpcias. Ele ajeita seu corpo magro na poltrona da sala, amaciada por alguns travesseiros. É seu posto oficial nas manhãs – depois do banho, é claro. A cadeira de balanço foi substituída pela poltrona nova, de cor cinza, com encosto reclinável. Em 31 anos, foi uma das únicas mudanças feitas na mobília. Os armários da cozinha, a mesa para seis lugares, a cristaleira e o balcão de madeira maciça na sala de jantar, a cama e os guarda-roupas dos quartos ainda são os mesmos. Um dia, foram organizados pela dona, naquelas posições, e permanecem nos mesmos espaços até hoje. À frente da televisão, senta Miranda, quase sempre de pernas cruzadas, posição que deixa seus joelhos pontiagudos ainda mais evidentes. Consegue passar horas Itajaí, abril de 2014

nessa pose sem aparentar desconforto, mesmo com as platinas que substituem o fêmur das duas pernas e a tela que lhe envolve os intestinos. Entre retirada de ovário, hérnias e ossos quebrados, contabiliza 10 passagens pela mesa de operações – histórico que só se percebe pelos registros deixados na pele. A maior cicatriz é a da coxa e mede perto de um palmo. Quase tudo o que come é doçura. Cada vez que devora um bombom, faz o marido diabético se retorcer na cadeira. Desembrulha o chocolate com cuidado e come compassadamente. Não sobra nada, só o papel, que mais tarde é encontrado amassado em algum canto da sala. Passa o dia inteiro roendo uma bolacha, um pirulito, uma bala. Ela é a formiga da casa. Diabetes, colesterol, triglicerídeos, nível de glicemia? Não tem nada fora do padrão. “Ah, se não fosse a memória!”, supõe Terezinha, a única filha mulher do casal. Todos os anos, maio é o mês dos nonos – e o mês da Virgem Maria também, que não deve se importar em dividir o calendário com os dois. Os parentes, que não se veem há tempos, encontram-se na data e relembram histórias de infância, sacanagens que aprontavam uns com os outros e situações que Miranda viveu. Se todas realmente aconteceram da forma contada, ela não pode confirmar, mas alimentam o imaginário dos nove netos.

No dia 18 do mês, é aniversário da nona e também do Papa João Paulo II, de quem foi devota. Cinco dias depois, é a vez de José. E, no dia vinte e cinco deste ano, irão completar sessenta e sete anos de casamento. O álbum com as fotos das bodas de ouro está exposto na estante da sala, junto de outras fotografias antigas. Objetos com mais de cinquenta anos ajudam a contar a história do casal, ainda que a protagonista não possa relembrar. O Alzheimer lhe roubou um direito que todos devem sonhar um dia ter: a saudade do que passou e o prazer de reviver ao contar para quem não esteve na época. Por causa da doença, a memória do tempo presente se perdeu totalmente e, aos poucos, foram-se apagando os estágios passados de sua vida. Como uma viagem no tempo que não permite retornar ao consciente, Miranda pareceu se afastar gradativamente do “aqui e agora”. *** Há seis anos, todos os dias, todas as horas e num intervalo de poucos minutos, insistia em ir para casa, mesmo estando no lugar em que vive há mais de três décadas. Por dedução, os filhos acreditaram que a mãe falava de onde viveu a infância e o início da juventude, antes de se casar. Então, levaram-na lá para visitar a irmã, hoje morta. A casa antiga ainda permanece conservada nos moldes da Cobaia

época. Cercada de arrozeiras e de parreiras de uva, fica no conhecido bairro São Pedro Velho, na cidade de Rodeio. Mesmo com tantos sinais de sua vida no local conservados, ela não o reconheceu. Minutos depois de chegar, insistiu: “Vamos pra casa?Tá na hora já”. Com os cinco dedos da mão esticados – tão magros que deixam visíveis as articulações e uma folga na aliança – ela fazia gestos enquanto cantava sempre as mesmas músicas, a maioria em italiano, com exceção desta: “Meu periquitinho verde Tire a sorte, por favor. Eu quero resolver Este caso de amor Pois se eu não caso Neste caso eu vou morrer”. Com dificuldades para lembrar, os poucos familiares ainda vivos que conviveram com a menina Miranda garantem, ela estava revivendo a infância. As canções, nunca citadas, eram cantigas que ela e as irmãs cantavam em roda quando pequenas. Como uma lembrança esquecida no fundo de uma gaveta, Miranda havia achado aquelas letras em seu relicário e as repetia seguidamente. Cantava sozinha, cantava para quem lhe fazia companhia e cantava para uma de suas bonecas. A senhora, com mais de oitenta anos, também brincava de bonecas. Trocava suas roupas, dava comida – que tirava do próprio prato e tentava enfiar na boca de

plástico da boneca – e cantava sem parar. Sua segunda infância durou meses, até que o brinquedo já não fazia mais sentido e os versos das canções foram sendo apagados. Hoje, o nome de seu marido José, e dos filhos Bruno, Terezinha, Antônio (o Toninho), Célio ou Ademir não lhe soam familiar. Nem mesmo “Miranda”, que até pouco tempo despertava a sua atenção. Nada foi conservado. Ainda assim, a senhora sem-memória é a mais visitada pela família e amigos. Passear pela rua, na cidade de Taió, e encontrar um conhecido, é quase certeza de responder como vai a noninha. Em minha última visita, reparei que a magreza, embora seja difícil de acreditar, avança como se o ar quisesse abraçar seu esqueleto. O rosto está miúdo. As sobrancelhas, mal se veem. No entanto, o olhar – ora azul, ora esverdeado, dependendo da claridade do ambiente – é quase sempre tranquilo, dá paz. Quando estava de saída, fui me despedir dela e perguntei se meu pai – seu genro – não faria o mesmo. Ele a vê, no mínimo, uma vez por semana e me respondeu: “Ela nunca dá a mão, nem dá tchau”. Eu não tenho o privilégio de estar naquela casa com a mesma frequência, então, fui até ela. “Tchau, nona”, estendi o braço para um cumprimento. Contrariando a lógica, segurou-me com as duas mãos e não quis mais soltar. – Deixa ela ir – disse José. E esperou. Sem que ela tivesse qualquer reação, tentou descolar os dedos dela dos meus. – Solta a mão dela! Silêncio. – Ela tem que ir embora, solta a mão dela – tentou meu nono, sem sucesso. – É, sim, aham – respondeu e assentiu com a cabeça, mas continuou a apertar-me. – Posso ir, nona? – perguntei e ela olhou para mim como quem entendesse o pedido. – Aham – concordou, mas o corpo não correspondeu. As pontas de seus dedos estavam brancas, de tanta força que fazia ao me segurar, embora eu permanecesse imóvel. - Então, tá bom, outra hora eu volto – tentei em vão. Nessas horas, se meus dedos fossem gomos de tangerina, pingariam suco. – Vá lá! – disse impaciente meu nono – Deixa, que ela tem-que-ir – terminou a frase pausadamente, enquanto afrouxava nossas mãos. Afinal, fui solta. Livre, dei tchau novamente. Só de longe desta vez, com um aceno. Ela ficou me olhando emburrada, de testa franzida, mais enrugada do que lhe é de costume. Logo depois, olhou para o lado e voltou à expressão habitual. Já estava serena, como se nada tivesse acontecido. Saí sorrindo pela porta e embarquei no carro. Duvido que o seu comportamento tenha sido consciente. Ainda assim, fiquei feliz. Prefiro imaginar que ela não queria que eu fosse embora, pois eu também preferiria ter ficado um pouco mais. Foi um desses momentos que se deve relembrar.

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Retratos com Berejuk Artista do grafite surpreende com estilo surreal, figuras gigantescas e traços que já rendem prêmios Coletivo O que acontece e você não vê

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Fotos: Coletivo O que acontece e você não vê

uis Felipe Berejuk, conhecido como Berejuk, grafiteiro de Balneário Camboriú. Começou a grafitar no fim de 2009 e passou a ter reconhecimento no street art contemporâneo por seus personagens com estilo surreal e característica única. Seus graffites começaram em stencils de folhas A4, e ganharam imensidão de cores e tamanhos gigantescos, como os personagens de três metros de altura. Após uma grande variação, estudo de técnicas e estilos que o influenciaram para o desenvolvimento do traço. Neste ano Berejuk ganhou espaço em galerias, foi convidado para expor sua arte na Casa de Cultura Dide Brandão em Itajaí, realizou um graffiti que compõe a estrutura da Galeria de Arte/Espaço Cultural Flor e Cidade, na Praia de Cabeçudas, foi um dos três selecionados na promoção cultural da casa noturna Green Valley, e lá fez um graffiti live paint durante a festa.

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Guerreiro dos mares Dedicado a proteger banhistas há mais de quatro décadas, Dalmiro Coelho, aos 63 anos, é um forte Coletivo Digital

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Fotos: Coletivo Digital

lhos claros, pele morena marcada pelo sol, cabelos grisalhos e um sorriso sincero, estas são as características de seu Miro, o guarda-vidas mais antigo do Brasil. Dedicado a salvar a vida de banhistas há mais de 40 anos, Dalmiro Coelho, de 63 anos, orgulha-se de sua trajetória. Começou como bombeiro, seu maior sonho quando jovem, depois se tornou guarda-vidas, atividade em que, ele garante, já salvou mais de duas mil pessoas. Seu Miro conta com riqueza de detalhes o resgate mais difícil que já fez. Em um dia típico de mar agitado, ele acabava de voltar do almoço. Ouviu gritos. O casal que pedia socorro estava viajando em lua de mel. O guarda-vidas lembra que se sentiu mal assim que entrou no mar. A força das ondas era intensa, o mar estava violento, mas, mesmo assim, seu Miro foi adiante e conseguiu tirar as duas vítimas da água. A rotina dele é assim, acirrada, ele calcula que nas temporadas são cerca de 20 resgates por dia, mesmo com bandeira vermelha e todos os avisos que ele dá – Eu falo, mas eles são teimosos.

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Música na cabeça e pandeiro na mão Katrin Deeke Graf toca bateria, anda de bicicleta e vai viajar de Kombi. Melhor chamá-la de “Kika” Coletivo Bate e Pronto

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Fotos: Coletivo Bate e Pronto

ímida, com o rosto fechado e cansada. Foi assim que Katrin Deeke Graf chegou até o estúdio da TV Univali. Pandeiro em uma das mãos, bicicleta na outra, ela já deixou bem claro: “Melhor me chamar de Kika”. Independente, aos 22 anos, a blumenauense deixou a cidade natal para morar no litoral e estudar Design Industrial. Não era isso que queria. Após um ano estudando mudou de curso e começou a fazer o que gostava: música. Kika tocava com os amigos no farol de Itajaí quando decidiu seguir a carreira musical. Ao tocar uma música de Bob Marley, cantada por todos no local, não teve mais dúvidas do que fazer. “Foi um momento bem especial, senti bastante energia”. Multi-instrumentista, ela não nega a preferência pela bateria, por não se sentir tão confortável como centro das atenções. Baterista da banda Café Brasilis, não mostra preferências por locais para se apresentar. Mesmo nova, Kika já tocou em diversos lugares: desde barzinhos, aniversários e baladas, até em casamentos. “É legal tocar de vez em quando em casamentos. É o momento mais especial da pessoa e tu tá lá fazendo um som”. Sobre o futuro, Kika tem pouca certeza do que vai acontecer. Hoje, além de música, ela é professora em uma escola de Itajaí, mas não pretende seguir dando aulas. Assim que terminar a faculdade a estrada será seu destino. No melhor espiríto aventureira, ela pretende viajar com um amigo em uma Kombi, tocando pelo Brasil afora, mas isso, claro, sem largar a bicicleta. Independente do lugar, a “magrela” lhe acompanha. “Fui uma vez para Florianópolis de ônibus, mas a bicicleta foi comigo na bagagem. Desembarquei na rodoviária e saí pedalando”.

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Coronel da Polícia Militar, sensei de judô e pai Marco Antônio Otávio criou uma escola para apoiar crianças carentes por meio do esporte Coletivo F/1.0

Fotos: Coletivo F/1.0

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or trás do olhar franzido e sério, da voz grossa e de conduta rigorosa, é fácil notar o olhar brilhante do Coronel da Polícia Militar Marco Antônio Otávio, de 52 anos. Comandante da Polícia Militar de seis municípios de Santa Catarina, Sensei voluntário de judô e pai de família. Nasceu em Florianópolis, tem quatro filhos, casado com Saskia Lingner Otavio. Faixa Preta de Judô no 4º DAN, há 18 anos fundou a SKD Judô (Escola da Doutrina Consciente), que tem como principal objetivo educar com responsabilidade. Em 1997, criou o programa “Amigos da Rua”, em que oferece aulas gratuitas de judô e kimonos para crianças carentes. Hoje, conta com a APAJUDAN, uma associação de pais e amigos do judô e da dança. Apaixonado por organização, comprometimento e disciplina. “Eu só vou abandonar o judô quando ele me abandonar”. Policial há 32 anos, teve a oportunidade de se aposentar há dois, mas escolheu deixar a farda apenas em 2016. “Atualmente meu objetivo é de melhorias em Navegantes e região”. Ele trabalha com gestão humana, melhorando a “cabeça”dos policiais, o comprometimento de cada um, trazendo viaturas novas e uma forma diferente de trabalhar o policiamento. Como policial, muitas vezes perdeu situações familiares devido ao seu comprometimento. Ao fragmentar a vida de Otávio, ele se define como: Pai: “Muito brincalhão”. Policial: “Tento ser o mais correto possível. Vou errar, porque todo mundo que tenta fazer, vai errar sempre”. Sensei: “Procuro dar uma escolha para as crianças e adolescentes. Claro que depende deles e principalmente dos pais, mas busco dar uma oportunidade a eles”. Para ele, o esporte é a saída das crianças que não têm condição de entrar em uma faculdade, por isso investe nele. Ao finalizar, diz que tudo é possível, quando se tem vontade. “Muitos dizem eu não consigo. Um cara sem dois braços, sem duas pernas, consegue nadar, como você pode dizer que não consegue? Se você tem vontade, o resto o universo dá conta e eu também”, completa.

“Muitos dizem eu não consigo. Um cara sem dois braços, sem duas pernas, consegue nadar, como você pode dizer que não consegue? Se você tem vontade, o resto o universo dá conta e eu também”

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Rotina de Artista Atriz, dubladora, dançarina, apresentadora, Paloma Mendonça vive sob holofotes desde a infância Coletivo Zoomlumia

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Fotos: Coletivo Zoomlumia

or trás do sorriso constante é fácil notar que Paloma Mendonça é uma mulher realizada. Atriz, dubladora, dançarina, apresentadora… Numa conversa é mais fácil perguntar o que ela ainda não fez. Isso porque esta amante da arte apostou em tudo para atingir seus objetivos de vida. A jornada artística começou cedo. Aos 5 anos, com balé clássico. Da expressão corporal à arte da atuação. A menina mulher, aos 12, deu início aos cursos de teatro. Na cidade natal, Itajaí, morou até os dois anos de idade, logo foi para Pelotas, no Rio Grande do Sul e em pouco tempo já estava em Curitiba, cursando o segundo grau técnico em Artes Cênicas. E foi lá que deu partida a outro grande sonho: ser modelo. Desta vez, em comerciais de TV. Do brilho das telas ao mundo do circo. Aos 17 anos. Eram muitos os dons desta jovem sonhadora. Tanto que o desejo era ir além. Quando completou 19 anos foi morar em São Paulo. Nesse meio tempo, o reconhecimento: Melhor Atriz em festival de teatro. Era o início de uma longa e bem sucedida jornada. Na região metropolitana continuou a fazer circo e dança. E foi num desses passos coreográficos que conheceu o marido Melk. Ele, cantor de banda de baile, era coreografado por Paloma e se apaixonou. Em 2004 se casaram. A vida era corrida, mas satisfatória. No portfólio ela ainda guarda os comerciais de TV para grandes marcas: Itaú, Activia, Coca-Cola, Lojas Pernambucanas, Pampers… Fazia de tudo com muito amor: Como atriz atuou em novelas no SBT: Crystal, Amigas e Rivais e Esmeralda. No palco, fez mais de 18 espetáculos teatrais. A rotina não existia. A cada dia era um novo desafio. Um novo personagem. Uma nova arte. Tanto que resolveu apostar na dublagem. Mostrou seu talento em grandes séries norte-americanas como: Revenge e Lost Resort. Assim como em animações infantis: Vida de Galinha e Peixonauta. Trabalhos que hoje são vistos pela filha, Lara. A pequena, com 4 anos de idade, nasceu no agito de São Paulo, e foi por esse motivo que Paloma resolveu voltar à cidade natal. “Eu queria dar o melhor pra minha filha”. Com pele de pêssego, loirinha e de olhos azuis claros, Lara nasceu com a simpatia da mãe e o carisma do pai…. O orgulho da família. Em Itajaí, Paloma está há apenas quatro meses. Aqui tem o descanso que sempre sonhou. Implantou na cidade sua empresa de personagens vivos e também trabalha como apresentadora de TV em uma emissora local. Os holofotes ainda estão direcionados a essa talentosa artista. Só que, desta vez, iluminando mais alguém, uma bonequinha feliz. Lara!

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