Cobaia | # 126 | 2013

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Todos a bordo

Raquel Cruz

Cobaia

JORNAL LABORATÓRIO DO CURSO DE JORNALISMO DA UNIVALI Itajaí, novembro e dezembro de 2013 Edição 126 Distribuição gratuita

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Verão

Saúde

Comportamento

Segurança dos banhistas

Uso de termogênicos preocupa

Gravidez na adolescência

Ausência de guarda-vidas em ambientes de água doce põe usuários em risco

Promessa de perder peso em pouco tempo e sem esforço pode custar caro

Garotas que se tornam mães cada vez mais cedo tendem a abandonar os estudos

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Redes sociais Veja como solitários e solidários se encontram na internet 13

Waltermiriam dos Santos

Marina Baldissera

Olga Luisa dos Santos

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14 e 15


Editorial

Extra

Jornalismo preventivo

Acadêmico lança talk-show

Da redação

Jane Cardozo da Silveira* de vida à população. Como diz Alberto Dines, “O jornalista antes de ser um fiscal é um radar. Se apenas reage, fica a reboque. Mas quando se antecipa, comanda e pode alterar o rumo dos acontecimentos. É a prestação de ser-

Para completar,

esta edição traz reportagem pra lá de especial

feita por Raquel

Cruz diretamente de Le Havre, na

França, onde nossa acadêmica ficou por um mês

viços que o cidadão espera da imprensa.” Você confere a quantas anda o radar dos nossos “focas” em matérias como a crise no abastecimento d’água que assola Navegantes a cada temporada de verão; a falta

de motivação e o desempenho preocupante dos estudantes no ensino superior; a insegurança dos banhistas que frequentam parques e outros ambientes de água doce, entre outras. E para não dizerem que o foco ficou apenas nas “más notícias”, tem reportagem acerca das medidas anti-enchente que vêm dando certo em Blumenau; sobre os cuidados a se tomar com animais domésticos no calor e também como a gente deve se alimentar quando os termômetros marcam altas temperaturas. Para completar, esta edição traz reportagem pra lá de especial feita por Raquel Cruz diretamente de Le Havre, na França, onde nossa acadêmica ficou por um mês – junto com a colega Karine Mendonça – usufruindo o prêmio de melhor reportagem sobre a relação França-Brasil, concedido a ambas pelos organizadores da regata transatlântica Jacques Vabre. Se tem um setor em que prevenção seja palavra-chave, é o de esportes náuticos, e Raquel mostra como os velejadores preparam cuidadosamente a viagem para não serem surpreendidos por problemas que podem ser evitados. Aaahhh... evitar problemas, viver um Natal harmonioso e ter um fim de ano alegre e tranquilo, é o que desejamos a nossos leitores. Até (um feliz) 2014!

A TV Univali encerra o ano com a estreia de um novo programa, o talk-show Cafezinho a Dois. O projeto foi desenvolvido por Lucas Machado Coelho, acadêmico do segundo período de Jornalismo da universidade, que é também o apresentador. A primeira edição foi ao ar no dia 1˚ de dezembro e contou com a participação de Vitor Kley, músico da região. Lucas sempre gostou do mundo mágico da televisão, e sua participação no programa Olhares Múltiplos, também da Tv Univali, despertou o interesse do estudante em ter seu próprio espaço de entrevistas. Influenciado por apresentadores como Marília Gabriela, Jô Soares, Sérginho Groisman, Jay Leno e Ellen DeGeneres, ele optou por um modelo que lhe desse liberdade permitindo aproximação com o telespectador. Com um papo descontraído, Lucas aborda de forma criativa assuntos polêmicos da atualidade, que estão em destaque no mundo e na mídia. Nos quadros “Momento Stalk” e “Pires Polêmico” os convidados são desafiados a revelarem opiniões sobre assuntos polêmicos da atualidade. Em meia hora de Cafezinho a Dois a sensação é de que já somos íntimos do programa e do entrevistado. A produção, apresentação e escolha do convidado é feita por Lucas e a direção e orientação é da professora Ediene do Amaral Ferreira. O programa vai ao ar todo domingo pela TV Univali, no canal 11 da Viacabo em Itajaí, mas pode ser assistido pelo youtube no endereço youtube.com/cafezinhoadois. Mais informações acesse a fan page: facebook.com/cafezinhoadoistv e fique ligado em quem será o próximo a sentar-se à mesa com Lucas Machado.

Nícolas Nobre

Chegamos à edição que encerra o ano de 2013 e trazemos a você, leitor, um exemplar diferente produzido em sua maior parte pelos acadêmicos do 6º período na disciplina Reportagem Especial. Eles receberam a tarefa de propor pautas na área do jornalismo preventivo, depois de discutirmos em sala esse conceito surgido na Espanha em 2003. Em sua concepção original, o termo se refere a “um jornalismo que aponte para a solução pacífica de crises, de conflitos internacionais – mas não só conflitos armados”, nas palavras de um dos pensadores da área, o professor Javier Bernabé Fraguas. Integrante do grupo da Universidade Complutense de Madri – autor da definição – Fraguas explica que nessa linha a imprensa trabalha com cinco áreas temáticas: crises institucionais, crises sociais, crises de direitos humanos, crises ambientais e crises humanitárias – “além, é claro, dos conflitos armados”. É claro que, ao propormos a prática de um jornalismo preventivo aos acadêmicos, fizemos ajustes e adequações, trazendo o conceito para a realidade local. A intenção da atividade foi mesmo a de incentivar nossos repórteres aprendizes a perceber situações que ensejem alguma intervenção pela qual se promova melhor qualidade

Jane Cardozo da Silveira *Editora - Reg. Prof. SC 00187/JP

Espaço do Leitor

Fica esperto!

Tem algum assunto que você gostaria de ler nas próximas edições? Conte-nos! E-mail: cobaia@univali.br

No topo do ranking

Revisão

O Guia do Estudante Profissões Vestibular 2014 qualificou a Univali como a melhor instituição catarinense de ensino privado. A publicação avaliou 27.038 cursos de 2.037 instituições de ensino superior do Brasil e 34 cursos de graduação da Univali ficaram entre os melhores. No Índice Geral dos Cursos (IGC) do Ministério da Educação, a Univali também foi classificada como a melhor universidade não estatal de Santa Catarina. Na avaliação, nossa universidade aparece em terceiro lugar, atrás, apenas, das duas instituições superiores de ensino público. Atualmente, no país, a Univali ocupa a 60º posição entre todas as universidades (públicas e privadas), e é a 11ª entre as não-estatais.

A partir deste número, o Cobaia reserva espaço para corrigir erros detectados na edição anterior, a exemplo do que fazem todos os veículos de comunicação comprometidos com a qualidade da informação que difundem. - Em outubro, na capa, onde aparece edição 126, leia-se 125. - Ainda na capa, a foto que ilustra a matéria intitulada “Defesa do Patrimônio” é de autoria do Coletivo Frame4fun. - Na página 9, o nome correto de um dos autores da reportagem sobre preservação ambiental é Eduardo Polesello. E na foto inferior direita, a legenda é: “O segundo projeto ocuparia 168 mil m² acima do permitido e está parado sem licença ambiental.” - Na página 11, onde se lê Beatriz Laus, leia-se Beatriz Laux. - Na página 15, as fotos devem ser creditadas ao Coletivo Oqueaconteceevocênãovê

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Cobaia

Expediente JORNAL LABORATÓRIO DO CURSO DE JORNALISMO DA UNIVALI IN - Agência Integrada de Comunicação Itajaí, novembro e dezembro de 2013. Distribuição gratuita EDIÇÃO Jane Cardozo da Silveira Reg. Prof. SC 00187/JP PROJETO GRÁFICO Raquel Cruz DIAGRAMAÇÃO Estagiária Bárbara Porto Marcelino TIRAGEM 2 mil exemplares DISTRIBUIÇÃO Nacional

Itajaí, novembro e dezembro de 2013


Infraestrutura

T

Falta d’água é crônica População e autoridades do município confrontam-se ante o problema que dura pelo menos dez anos Henrique Osmar Alegre Flores e Letícia Dias da Costa

a população da cidade aumenta exponencialmente. Para driblar o problema, alguns moradores adquirem caixas para a reservação do recurso, é o caso da dona Gertrudes Lückerath, uma aposentada de 72 anos que reside no bairro Gravatá, e que além de possuir um recipiente desses, com capacidade de 3 mil litros, investiu na compra de uma cisterna com a mesma capacidade de reserva. Ela elogia os investimentos feitos na infraestrutura da cidade, mas ressalta que o governo municipal deveria rever suas prioridades. “É muito bonito ver a cidade sendo pavimentada, mas água é mais importante do que trânsito”, comenta a moradora. Quem não pode contar com um sistema de reserva como o da dona Gertrudes, acaba tendo de recorrer à compra de água por meios alternativos, como a aquisição do serviço de caminhões pipa ou de garrafas. O empresário Mauro Luiz Coelho, de 39 anos , proprietário de uma distribuidora de água

Letícia Dias da Costa

odo ano a cidade de Navegantes, localizada no litoral norte de Santa Catarina, sofre com a falta de água. A cidade não possui sistema próprio para tratamento e distribuição de água; o serviço é oferecido pelo Semasa (Serviço Municipal de Água, Saneamento Básico e Infraestrutura), de Itajaí. O abastecimento vindo da cidade vizinha falha diversas vezes durante o ano, e na temporada de verão, entre novembro e o início de fevereiro, a situação se torna caótica. É comum a reclamação dos moradores que se sentem prejudicados com a falta de água. Os comerciantes também se dizem bastante afetados, já que a ausência do líquido afeta o movimento do público de veraneio, que deixa mais cedo sua casa na praia para evitar mais transtornos. É o que relata Marcos Erbs, comerciante que atua na cidade há 19 anos e conta que o problema é recorrente há pelo menos uma década. Ele ainda afirma que a situação se agrava durante o verão, já que

Com a baixa pressão de água o líquido chega escasso nas torneiras

e gás, diz que suas vendas têm um acréscimo de aproximadamente 400% durante o verão. “Vendemos tanta água que, às vezes, falta até mesmo nas distribuidoras privadas.”

Município x população Em maio deste ano, a Prefeitura de Navegantes e o Semasa assinaram um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) proposto pelo Ministério Público, que os obriga a regularizar o abastecimento de água em Navegantes. A fiscalização do cumprimento das obrigações é feita pela Agência Reguladora Intermunicipal de Saneamento (ARIS), e o descumprimento do TAC pode acarretar multa diária de mil reais. Para solucionar os problemas relacionados ao abastecimento de água em Navegantes, a prefeitura pretende fazer uma concessão para que uma

Letícia Dias da Costa

Quem não consegue armazenar água em casa fica prejudicado

Letícia Dias da Costa

Compra de água de comércios e distribuidoras aparece como opção na falta do abastecimento

Itajaí, novembro e dezembro de 2013

Cobaia

empresa privada assuma a captação e o tratamento de água e assim, a cidade seja independente de Itajaí. De acordo com a prefeitura, o município não possui recursos financeiros suficientes para investir em um sistema público. A proposta, levantada pelo prefeito Roberto Carlos de Sousa em 2010, logo perdeu força, mas voltou a ser estudada em março de 2013, durante audiências públicas realizadas para revisar o Plano de Saneamento e Sistema de Abastecimento de Água da cidade. Ainda assim, muitos moradores se opõem à proposta da concessão, e alegam que essa ação dificultaria o atendimento na relação entre a empresa prestadora do serviço e o consumidor, e que, além disso, haveria aumento significativo nas tarifas. No inicio de 2013, com a intenção de fiscalizar o abastecimento de água em Navegantes e cobrar soluções por parte da prefeitura, surgiu o movimento “Reage Navegantes”. Inicialmente cerca de 30 moradores integravam o grupo, mas hoje o movimento perdeu a força, e possui apenas seis integrantes efetivos. Francisco Johannsen, 29 anos, um dos participantes ativos no “Reage Navegantes”, questiona a ação do município. Para ele, as obrigações descritas no TAC poderiam ser executadas com mais antecedência. O movimento também se opõe à concessão: “Somos contrários à privatização (concessão) da água, porque acredito que só trará malefícios. O município quer transferir para uma empresa privada um problema que deveria ser solucionado por ele”, acrescenta Francisco. A Secretaria de Saneamento Básico de Navegantes (Sesan), representada por sua secretá-

ria Sandra Santiago, reconhece que há problemas na distribuição de água no município, principalmente na alta temporada, porém alega que parte das reclamações é infundada, já que a prefeitura está cumprindo as determinações do Ministério Público. Ela ainda ressalta que a maioria das queixas da população nunca chegaram efetivamente à secretaria. De acordo com Sandra, a cidade investe cada vez mais na modernização do sistema, seja a curto ou longo prazo. Como medida emergencial, ela conta que serão instaladas bombas para aumento da pressão, o que auxilia no escoamento da água, são os chamados boosters. O Plano Municipal de Saneamento Básico aponta que o volume médio de água recebido por Navegantes em 2009 era de 150 l/s. Segundo cálculos locais; elaborados pelo Núcleo de Desenvolvimento Socioeconômico da Faculdade Sinergia, com base nas informações da Prefeitura Municipal de Navegantes, em 2010 foram consumidos 3.748.386 m³ de água potável nos treze bairros. O maior consumo foi no Centro, com 822.144 m³, seguido por Gravatá, com 669.864 m³. A cidade cresceu consideravelmente desde os últimos estudos, assim, embora sirvam como base, esses dados necessitam de atualização. Vale lembrar que de nada adiantam os investimentos na infraestrutura de saneamento básico de Navegantes, se os moradores e turistas não se conscientizarem da importância dessas ações, já que o desperdício nessa época do ano é maior. A água, enquanto bem público, precisa ser zelada tanto pelo município quanto pela população.

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Verão

P

Como cuidar do seu pet no calor Dicas para garantir o bem estar de um grande amigo na estação mais quente do ano Caroline Maffi

esquisas e estudos em todo o mundo mostram que a convivência com animais de estimação traz tranquilidade e bem-estar às pessoas. Quando levamos cães em locais onde há pessoas doentes, constatamos a alegria que proporcionam. E percebemos que a relação se torna muito diferente se há apenas humanos no local. O contato com animais aumenta a produção de endorfina no organismo, o hormônio que causa prazer e sensação de bem-estar. Além disso, o convívio com um cão ou um gato diminui a pressão sanguínea, os níveis de colesterol, o estresse e também reduz o risco de problemas cardiovasculares. Cuidar de um animal de estimação nem sempre é fácil, mas quem escolheu um, deve ter muito carinho e dedicação, pois os animais domésticos não vivem apenas de alimentos, e sim de companheirismo. Portanto, o carinho que nos transmitem é o mesmo que devemos retribuir. Antes de levá-lo para casa, tenha a certeza de que ele não será um transtorno, um motivo de discórdia, porque nesse processo donos e animais sofrem pela não aceitação. A partir disso, busque uma boa qualidade de vida ao animal. Assim como nós, os animais precisam de uma alimentação saudável e balanceada. Forneça alimentos apropriados, de acordo com a espécie e a idade, para que assim não haja reações indesejáveis à saúde. “Animais adultos devem ser alimentados duas vezes ao dia, já os filhotes, de quatro a seis vezes,” comenta Daniel Kobori, veterinário há dez anos. Manter a água sempre limpa e fresca e recolher os restos de alimentos do comedouro do animal são outros critérios que devem ser levados em conta, evitando proliferação de ratos, baratas e formigas, acrescenta o médico. Em relação à quantidade de banhos, muitos donos ficam com dúvidas, por isso, especialistas recomendam dois banhos por semana em estações quentes. “No verão, cães podem tomar banho até duas vezes por semana, desde que com produtos adequados”, afirma Kobori. “A tosa também é indicada para os bichos mais peludos, proporcionando-lhes mais conforto nos dias de calor”. O proprietário Arno Gelatti, de 60 anos, não descuida de sua cachorrinha Susi, que está com quatro anos de idade. De pelos longos, o animalzinho costuma sentir mais calor e fica bastante ofegante no verão. Por isso, re-

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Edilene Paterno

cebe tratamento especial. “Susi toma banho todo sábado e é tosada uma vez por mês. Além disso, cuido para que ela tenha bastante água”, conta Arno. Para os felinos, o banho também é indispensável, pois, por mais que sejam animais muito limpos e não precisem tomar banho com tanta frequência, recomenda-se banho uma vez na semana.

Cuidados com os filhotes No verão, assim como nas outras estações, filhotes devem ter cuidados especiais. Ao desmamarem, devem visitar assiduamente uma clínica veterinária para desverminar e receber as vacinas adequadas, sendo vacinados com dois, três e quatro meses de idade, e os adultos anualmente, com vacina contra a raiva e doenças próprias de cada espécie. Outra questão importante é que animais de estimação não fiquem sem atividade física. Leve seu animalzinho para passear, olhar novos ambientes e respirar novos ares, pois, principalmente os cachorros tornam-se estressados, trazendo desconforto aos seus donos e para eles mesmos. Cuidar com o horário em que vai levar o animal para passear é indispensável, principalmente os de pele branca, que não devem sair em horários de sol forte. “Recomenda-se que ao caminhar com animais de estimação, optem pelo inicio da manhã ou após as quatro horas da tarde, quando o sol não é tão forte, assim você evitará que seu animal de estimação venha a ter uma desnutrição,” fala o veterinário Daniel. Na caminhada não se esqueça de levar sacos plásticos para eventuais imprevistos. Não deixe sujeiras inoportunas nas ruas, calçadas e parques, isso é uma atitude de cidadania e obrigatório, conforme a Lei nº 13.131. Outra recomendação bem importante é o uso de acessórios de segurança para animais de porte grande ou de espécies mais ‘agressivas’. Utilize sempre coleira e focinheira. Assim haverá segurança para o animal e para as pessoas que transitam no local. Em caso de transporte em veículos, é obrigatório levar os animais dentro de caixas especiais ou presos com cinto de segurança, sendo que eles nunca devem ficar soltos dentro do carro. O veículo também deve ser mantido fresco para evitar que o animal sofra. “Quem vai levar o animal para o litoral também deve utilizar de recursos (vacina) para prevenir a dirofilária, doen-

Seu pet precisa, além de atenção, de exercícios físicos, banhos regulares e vacinação em dia

ça provocada por um verme que ataca o coração”, lembra o veterinário. Infelizmente não existe nada para evitar algumas doenças, como carrapatos e pulgas, principalmente em animais que vivem em sítios e fazendas, lugares mais comuns para a infestação dessas pragas. Mas para combater essas doenças alguns cuidados podem ser tomados. Utilize produtos carrapaticidas: sabonete, remédio em gotas ou spray. Se possível, acabe com frestas e pequenos buracos no canil do animal para que não sobre nenhum parasita para contar história. Além disso, mude o produto a cada três aplicações para que desta forma o carrapato não crie resistência contra o tratamento. “Em relação às pulgas, a infestação pode ser controlada através de medidas simples como banhos antipulgas com produtos próprios para a doença,” recomenda o veterinário Daniel. Outro mal que ataca os pets é o mau hálito, que muitos donos acham normal, mas não é. Uma das causas disso pode ser a placa bacteriana que se acumula sobre os dentes. Ela é composta por proteínas, células mortas, descamação, saliva, restos de alimentos e, principalmente, bactérias que, através do processo de fermentação, produzem substâncias responsáveis pelo odor. O livro do médico veterinário canadense Bruce Fogle, The Complete DogCare Manual, reúne algumas dicas muito úteis

Cobaia

sobre o assunto. O tártaro e os restos de comida podem causar infecções na gengiva, muitas vezes acompanhadas por sangramentos. Neste caso, escovar os dentes do animal regularmente previne a formação do tártaro. Em raças como boxers e bullterriers, pode haver um crescimento das gengivas. Um problema hereditário que faz com que ela cresça em demasia, podendo até cobrir os dentes. Longe de ser considerado tratamento de luxo, os cuidados bucais vêm complementar a lis-

ta de medidas preventivas para a saúde do animal: “É importantíssimo este processo de escovação, pois através deste pequeno ato você pode salvar seu animal de sofrer sérias complicações”, salienta Daniel. Entre todas essas recomendações, a mais importante é a de não maltratar o animal. Além de cruel, é um crime que prevê penas de prisão e multa, conforme a Lei Federal 9605/98. Aprenda a reconhecer sinais de abuso ou negligência, denunciando-os aos órgãos competentes.

Desde junho, a prática de caudectomia está proibida no Brasil. A Resolução nº 1.027, de 18/06/2013, expressou em seu texto o impedimento do corte da cauda dos caninos por motivos estéticos. O dispositivo modifica a Resolução nº 877, de 15 de fevereiro de 2008, que continha apenas uma recomendação do CFMV (Conselho Federal e Regional de Medicina Veterinária) para que a cirurgia não fosse realizada. Raças como Cocker Spaniel, Pinscher, Pointer Alemão, além de Pitbull, Rottweiller e Doberman são alvos comuns do procedimento que é corriqueiramente justificado como para “embelezar” o animal. De acordo com o Presidente do CFMV, Benedito Fortes de Arruda, o Conselho priva pelo bem-estar do animal. “Queremos coibir a cautectomia e conscientizar o Médico Veterinário a não recomendá-la, já que amputar partes de um animal por motivos torpe é inadmissível”. Denuncie ligando para Defesa Civil/Corpo de Bombeiros, no telefone 193.

Itajaí, novembro e dezembro de 2013


Verão

Banhistas seguros: lazer sem consequências Entenda a importância da presença de guarda-vidas em parques aquáticos e cachoeiras Olga Luisa dos Santos

Rogério da Silva, de 48 anos, frequenta o parque aquático Recanto Azul Piscinas, localizado nas margens da Rodovia Pedro Merizio, a SC 486, na cidade de Botuverá. Silva confessa não ter conhecimento e nunca ter notado a presença dos profissionais de segurança no local. Mas, segundo a proprietária do parque, Kelli Cristina Graf, desde o início do funcionamento do estabelecimento, há 18 anos, eles dispuseram de guarda-vidas. Kelli acrescenta ainda que, por ser de um custo alto a contratação desses profissionais, neste ano o marido dela participa de um treinamento pelo corpo de bombeiros, para se habilitar na realização de resgates. De difícil identificação, os guarda-vidas também estão dispostos em frente aos tobogãs e piscinas do Parque Aquático Mineral Água Park, na cidade de Itajaí. Vestidos com camisetas de cor laranja e branca, se misturam aos visitantes e não são reconhecidos pelo público. Silva acredita que o não reconhecimento, e a não visibilidade desses profissionais aumenta cada vez mais a falta de informação e de conhecimento do povo sobre a disposição dessa forma de segurança. Não é só a falta de conhecimento, mas também a falta de preocupação por parte da população sobre a presença de guarda-vidas que causa, além dos acidentes, a falha no cumprimento da legislação. Enquanto passeia pela primeira vez na fazenda Recanto Feliz, em Botuverá, Joel Inácio, da cidade de Blumenau, leva seu filho para aproveitar a

água fresca da cachoeira que embeleza o local. Ao mesmo tempo que aprecia a beleza natural, um outro visitante escala as pedras escorregadias dentro da água. Como toda criança, logo o filho de Inácio também quer participar da brincadeira. Por precaução, ele é impedido de entrar na água. Questionado sobre os perigos que a área apresenta e sobre a falta de guarda-vidas, Inácio destaca que mais importante que esses profissionais é o acompanhamento de perto dos pais quando trata-se de criança. Nos parques aquáticos, os espaços para crianças devem ser indicados e as piscinas com profundidade não apropriada devem estar identificadas com a descrição: “Crianças somente acompanhadas pelos responsáveis.” Mesmo com a presença de guarda-vidas, os estabelecimentos devem dispor de boias nas margens das piscinas. Assim como Inácio, Silva pensa que é indispensável a atenção dos pais com seus filhos nesses locais. “Com fogo e água não se brinca. Olho aberto sempre” reafirma ele, que leva a filha Ana Rafaela ao parque desde que ela nasceu, há 15 anos. Álvaro Bueno é responsável pelo Recanto Feliz e lembra que sempre no momento de locação dos chalés, os pais são orientados sobre a cachoeira e as lagoas. O estabelecimento atualmente não conta com a presença dos profissionais de segurança, já que a profundidade dos locais para banho não excede o limite. Bueno afirma que todos os

Olga Luisa dos Santos

O

s dias quentes e ensolarados anunciam a chegada do verão. A estação mais quente do ano é tão esperada por aqueles que adoram curtir as férias com a família em contato direto com a natureza, como também por quem prefere a adrenalina dos parques aquáticos. Mas, não são só os momentos agradáveis e bons que marcam esses passeios e a temporada de veraneio. Entre os meses de outubro e março, locais como piscinas, rios e cachoeiras são espaços que, além do lazer, oferecem situações perigosas aos banhistas. De acordo com o comandante do Corpo de Bombeiros de Brusque, Hugo Manfrin Dallossi, “não são recomendados para banho locais como lagos e rios, já que são desconhecidas sua profundidade e correnteza. Além disso, nessas áreas ocorre a maior incidência de mortes por afogamento em todo o Estado”. Entre o fim de 2012 e o término da temporada de verão, em 2013, 52 pessoas morreram afogadas, dentre elas, 34 em locais como rios, açudes, lagos e cachoeiras. Esses números refletem, principalmente, áreas cujo espaço para banho não são monitoradas, ou não possuem o acompanhamento dos guarda-vidas. Segundo a Lei 11339, de 08 janeiro de 2000, é obrigatória a presença de profissionais guarda-vidas em áreas recreativas com opções aquáticas de lazer. Porém, esse direito de segurança é desconhecido pelos banhistas e diversas vezes desrespeitado pelos proprietários e responsáveis dos estabelecimentos.

No verão de 2012, houve mais de 30 afogamentos em água doce

anos os bombeiros fiscalizam todo o espaço e verificam a necessidade ou não dos guarda-vidas, só depois emitem o alvará de funcionamento e de atendimento ao público. Para o proprietário do Mineral Água Park, Renato Molker Marques, permanecer dentro das leis custa caro. “Além dos guarda-vidas, dispomos de um pronto atendimento da Unimed dentro do parque, e de uma ambulância para os casos mais graves e emergenciais”. Marques ana-

lisa como indispensáveis todas essas medidas de segurança, mas, sente que a população não se importa tanto. “Os estabelecimentos certos sofrem com os ilegais. Investimos alto em segurança, mas, as pessoas preferem pagar para ir a locais que nem de sanitários eles dispõem”. Já o Comandante Manfrin ressalta que anualmente os locais são fiscalizados contra incêndios e sobre as condições de segurança oferecidas aos banhistas. Olga Luisa dos Santos

Estatísticas da Operação Veraneio 2012-2013 no Estado de SC: QUADRO GERAL OCORRÊNCIAS ATENDIDAS Prevenção a afogamento (abordagem de banhistas): 3.557.284 Afogamento com recuperação em água doce: 31 Afogamento com recuperação em água salgada: 156 Arrastamento em corrente de retorno: 5134 Mortes por afogamento em área monitorada por guarda-vidas: 10 Resgate de embarcação à deriva: 72 Lesões/cortes: 315 Lesão produzida por água viva/caravelas: 1847 Queimadura solar: 33 Insolação: 84 MORTES POR AFOGAMENTO EM ÁREAS NÃO MONITORADAS POR GUARDA-VIDAS (Período de 06 de outubro de 2012 a 31 de março de 2013) Rios/ riachos: 17 Açudes: 8 Lagos/lagoas: 7 Cachoeiras: 2 Locais de água salgada: 18 Itajaí, novembro e dezembro de 2013

Mesmo em parques aquáticos com piscinas próprias para crianças se deve ter atenção Cobaia

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Educação

Arte pra quê? Encarar a formação artística como disciplina essencial ainda desafia a sociedade educacional brasileira Pietra Paola Garcia

Pietra Paola Garcia

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Eu, por exemplo, uso textos de

peças de teatro

para estimular a interpretação textual nos alunos, utilizo também artifícios do cinema, vídeos, além de incentivar a criação

Materiais como papel e tinta são praticamente os únicos empregados nas atividades artísticas nas escolas

cansativa para o aluno, perdendo assim seu conteúdo crítico, estimulante e produtivo. “Já dei aulas de teatro em escolas particulares, mas como uma atividade extracurricular mesmo e percebia o interesse e a aprovação quase que geral dos alunos, pois como eram crianças em sua maioria, eram atraídas pelo caráter lúdico”, relembra Mauro. A tentativa de criar um pensamento voltado à cultura e a obrigação de alcançar média na disciplina não são os únicos estímulos para o contato de crianças e adolescentes com a arte nas escolas. “A disciplina tem papel importante no desenvolvimento do aprendizagem. Por ser abrangente, eleva o nível intelectual do aluno”, explica a psicóloga especializada em psicodrama, Laura Osório. Ela aponta ainda que o contato com elementos como as cores, texturas, formas e a música estimulam a criatividade, a sensibilidade e a percepção, auxiliando no desenvolvimento pessoal de cada pessoa. Apesar dos conteúdos limitados e da fuga para os trabalhos realizados no “papel”, os professores também carregam a responsabilidade pelo aproveitamento da disciplina buscando outras ferramentas que incentivem os alunos a criar, sem limitá-los a fazer apenas uma reprodução do que já existe. O professor de Artes, Leandro Cardoso, acredita que a motivação dos alunos e da própria escola pela matéria depende, em granCobaia

de parte, do professor e de sua motivação em encontrar formas de trabalhar o conteúdo, tornando-o diversificado e completo. “O desenho e a pintura são apenas ferramentas de um grande quadro de opções que podem e devem ser trabalhadas em sala. Eu, por exemplo, uso textos de peças de teatro para estimular a interpretação textual nos alunos, utilizo também artifícios do cinema, vídeos, além de incentivar a criação”, conta.

O ideal seria criar a cultura de ter cultura, um acesso espontâneo aos meios artísticos mais variados pela população, a mentalidade que reconhece a importância do contato humano com a arte e a esperança de se ouvir menos a frase “eu só vou ao teatro se for de graça!”. Quem sabe assim a arte ocupe o seu lugar de direito também na educação do país, e, consequentemente, na sociedade. Dessa vez, sem clichês. Pietra Paola Garcia

Atividade de pintura e colagem

é dada a importância necessária à matéria, que é vista como “inferior” às demais: “Na verdade é um reflexo da valorização da arte e da cultura como um todo no país”, aponta. Para ele, o incentivo não vem de casa, pois acredita que os pais também não tiveram essa educação e que a escola vê a matéria como algo que alivia o peso de uma rotina

Pietra Paola Garcia

Q

uem não se lembra da época da escola, dos desenhos abstratos, da famosa atividade de “ligar os pontos”, das reproduções de formas geométricas, dos rabiscos com os olhos fechados, dos estudos sobre a arte rupestre, enfim, das aulas de Arte? Hoje, a disciplina é obrigatória no currículo escolar do aluno. Sabe-se que ela deveria estar lado a lado com outras áreas como matemática, química, português, história e geografia. Apenas deveria. Segundo informações do Conselho Nacional de Educação, arquivadas no portal do MEC há alguns anos, a Arte estava incluída na grade escolar com o título de Educação Artística, considerada como atividade educativa e não necessariamente como disciplina, descrita na revogada Lei nº 5.692/71 de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Ainda segundo o Conselho, a consequência disso “foi a perda da qualidade dos saberes específicos das diversas formas de arte, dando lugar a uma aprendizagem reprodutiva”. Atualmente, a disciplina está com o título “Arte”, mas pouca coisa mudou. O acadêmico de licenciatura em Artes Visuais, Mauro Sérgio Santos Filho, acredita que na visão dos alunos, dos professores e dos próprios órgãos administrativos, ainda não

Leandro Cardoso, professor de Artes

Itajaí, novembro e dezembro de 2013


Educação

Rendimento no ensino superior está em queda Pouco discutido, o analfabetismo acadêmico vem se agravando com o aumento do número de estudantes Wagner Heinzen Wagner Heinzen

Cerca de um milhão de estudantes concluíram o curso superior em 2011

médio (antigo 2º grau), foi de 84,5%; de reprovação, 13,1% e a taxa de abandono chegou a 9,6%. Não à toa, essa fase escolar tem disparado o sinal vermelho com os índices alcançados junto ao Ideb, quando em 2009 pontuou 3,6 e em 2010, 3,7 – ele vai até 10. A conclusão é de que existe um grave problema, ou como descreveu em outubro de 2012 o jornal Diário Catarinense: “As pesquisas e estatísticas que o comprovam, mais que preocupantes, são assustadoras”. Dos alunos que terminam o ensino médio, 30% seguem para o ensino superior. Advogado e há um ano professor, Pedro* diz que por gostar de conversar e trocar ideias aceitou dar aulas em uma instituição de ensino superior do litoral de Santa Catarina. A experiência tem sido desafiadora. Ele cita como exemplo o uso de celulares durante as apresentações de conteúdo: “Não é uma questão de ser bom ou mau aluno, mas uma questão séria de educação, educação e respeito inclusive com o professor que está ali na frente desempenhando seu papel profissional”. Pedro* se torna mais enfático quando alerta para a desatenção dos alunos que estão frequentando as instituições: “É preocupante que tirando um ou outro, os estudantes vem exercendo um comportamento que beira a mediocridade”. Em 2012, uma pesquisa divulgada pela ONG Ação Educativa, em colaboração com o Instituto Paulo Montenegro, ligado ao Ibope, demonstrou que 38% dos estudantes de nível superior no país não dominam habilidades básicas de

leitura e escrita. Este é o analfabetismo acadêmico, braço do analfabetismo funcional, “conceito que engloba aqueles que não conseguem utilizar a leitura e a escrita para se inserir plenamente na sociedade, compreendendo a realidade e o significado dos fatos, o que caracteriza a verdadeira ‘exclusão social’”, escreveu em artigo no jornal Diário do Litoral, em agosto de 2012, Álvaro Brandão, bacharel em Direito e mestre em Ciência Jurídica na área de concentração em fundamentos do direito positivo. “Os resultados indicam que o notável aumento da escolarização verificado nas últimas décadas ainda não se traduz em desempenho minimamente satisfatório em habilidades básicas, como ler e escrever, e isso num ambiente em que essas etapas do aprendizado já deveriam ter sido plenamente superadas, isto é, nas universidades”, discorre Álvaro. “A exigência aos alunos baixou de nível assustadoramente, e com isso o ensino entrou em queda vertiginosa”, escreveu em artigo na revista Veja, de outubro, a ex-professora universitária e escritora Lya Luft. Em entrevista ao caderno de Cultura do Diário Catarinense, em agosto, em que o debate era sobre o papel exercido pela instituição no preparo do aluno para a transição ao mundo adulto, o escritor e ex-professor universitário Cristovão Tezza apontou o ensino básico como o detentor da grande carência brasileira: “Eu acho que tudo que fosse possível dentro dos recursos na educação brasileira deveria ser colocado no ensino básico, porque o bom aluno melhora

tudo que vem depois. O bom aluno melhora a universidade”. Diante da necessidade de pensar, escrever, argumentar, elaborar conceitos, ser contra ou a favor com embasamento, compreender dilemas e consequências históricas, significantes e significados, a atividade mental no ensino superior é testada o tempo todo. Um exemplo prático e realista acontece no ‘aprendizado colaborativo’, o famoso trabalho em grupo. Flaviano Lorenzon, recém-formado em Biologia no Rio Grande do Sul, chama a atenção para o tipo de aluno que não faz sua parte, mas se pendura nos outros para se dar bem. O fato de o grupo ceder a esse analfabetismo não ajuda a corrigir o problema. “Existe uma gravidade no próprio indivíduo que se esconde atrás do seu pseudointelectualismo enquanto não sabe nem a soma de dois mais dois”. Sam Pickering, o professor que inspirou o filme ‘Sociedade dos Poetas Mortos’, disse em entrevista publicada em caderno especial na Folha de São Paulo em junho de 1993, que soa maravilhoso reunir pessoas que possuem habilidades diferentes para trabalharem juntas. Mas se todas não trabalharem “a verdade é que isso é ótimo para quem não é tão bom, mas péssimo para os alunos melhores, principalmente porque eles acabam fazendo tudo”. Neste ponto, Sam conclui que “os programas educacionais deveriam se concentrar mais no reconhe-

cimento da gama de talentos que um aluno pode ter”. Pelo medo de ser um professor que não agrada, o comportamento desrespeitoso por parte dos alunos nas instituições passa a ser ignorado. Evitando identificação, pelo menos três professores ouvidos por esta reportagem afirmam que “sim”, para evitar conflitos, eles dão notas boas a alunos que sequer mereceriam ser aprovados. No contraponto, de enfrentamento, Sam Pickering revelou: “Eu digo à minha classe que vou insultar todos os grupos étnicos e todas as religiões antes do final da aula. Não chego a fazê-lo, mas digo isso porque não quero que eles concordem com tudo que digo. Não me importo se eles me odiarem, quero que eles tenham alguém contra quem possam testar suas ideias. Falo para eles chegarem um passo além dos lugares comuns”. Ir além do lugar comum pode ser entendido também como a consciência de que a escola, em todos os níveis, ainda é a instituição que mais pode contribuir para que uma pessoa atinja seu pleno potencial. É preciso que os processos de aprendizagem – englobando instituições, professores e alunos – atentem para a crise na educação, que também é uma crise de existência, aumentando lacunas em toda a sociedade. Lya Luft, na conclusão de seu artigo, sinaliza que caso continue esse processo de antieducação, teremos problemas sérios nos próximos anos, muito piores que os já existentes. Wagner Heinzen

Eu sempre tive muita sorte com os meus estagiários”. A frase, dita por André*, um jornalista de São Paulo que já chefiou revista semanal na maior editora do país e esteve na produção de reportagens especiais para um dos principais telejornais do horário nobre, expõe a qualidade, ou a falta dela, dos estudantes de ensino superior que estão em sala de aula e ao mesmo tempo entram no mercado de trabalho. Mas por que a palavra ‘sorte’ entrou na questão? Quando o tema desta reportagem foi apresentado ao profissional, entrou em discussão o comportamento dos acadêmicos. Segundo o Ministério da Educação (MEC), no ano passado foram matriculados no ensino superior de graduação 7.037.688 estudantes, um número 4,4% maior que em 2011. Destes, 2.747.089 eram calouros e pouco mais de 1 milhão concluíram os estudos. Ainda de acordo com o MEC, entre 2001 e 2010 houve crescimento de 110% no número de matriculados. Com tamanha abertura para se ampliar o nível de aprendizado, problemas começaram a aparecer. Se por um lado o governo federal apertou o cinto para que seja oferecida qualidade nas 2.416 instituições brasileiras (o Enade 2012 avaliou 1.646 instituições), de outro lado está o nível dos estudantes que chegam ao curso superior. “A má qualidade de educação é o exterminador do futuro da criança brasileira”, declarou em entrevista à revista Istoé Dinheiro há quatro anos Viviane Senna, presidente do Instituto Ayrton Senna, empenhada em melhorar gestão e qualidade do ensino no país. Para tal afirmação, Viviane se baseou em dados como o de que o Brasil tem um atraso de 247 anos, no comparativo entre crianças que concluíam a 8ª série (final do ensino fundamental, antigo 1º. grau), em equivalência aos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, (OCDE), grupo que reúne as nações mais desenvolvidas do mundo. “De cada dez alunos que concluem a 8ª série somente dois sabem o que deveriam saber nesse nível de escolaridade em língua portuguesa. É muito sério”, declarou. O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) 2011 revelou que a taxa de aprovação nacional no ensino

Cena do filme ‘Sociedade dos Poetas Mortos’ estrelado por Robin Williams

*Nome fictício, usado para preservar a identidade do entrevistado

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Cobaia

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Especial

Meteorologia é vital para quem está no mar Barcos se tornam modernos e atletas mais técnicos, mas observar a natureza nunca sai de moda no esporte náutico Raquel Cruz

Raquel Cruz

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andeiras tremulam insistentemente à beira da bacia de Paul Vatine, em Le Havre, na França. O frio de 2°C e a chuva que cai quase que ininterruptamente na cidade francesa há dias deixa um clima de tensão misturado com ansiedade. A expectativa é divida entre público, jornalistas vindos de diferentes partes do mundo e toda a equipe dos 88 atletas que participam de uma das mais longas corridas transatlânticas, a Transat Jacques Vabre. O próprio nome do lugar é uma homenagem ao velejador francês Paul Vatine, que desapareceu durante a edição de 1998, ao enfrentar o mar mexido. No dia da partida, enquanto os barcos começam a se afastar de

A principal

característica que um bom velejador precisa ter é

paciência, porque

A diferença de temperatura é um fator que motiva os velejadores. Eles vão para o hemisfério Sul em busca do calor

para ele controlar

do barco e o comportamento das nuvens no céu, já que uma tempestade é prevista logo para os primeiros dias. Acompanhar a meteorologia é indispensável para o esporte que tem um elemento da natureza como força propulsora: o vento. Mas outros fatores interferem na decisão dos velejadores, como velocidade das rajadas e direção. Ao longo dos anos, os barcos ficaram mais sofisticados e com maior rendimento. Os atletas estão cada vez mais experientes e treinados para encarar situações extremas. Contudo, quando se trata das condições da natureza, nem tudo é passível de controle. Pelo contrário, chuva, vento, ondas ou a falta de tudo isso pode mudar o rumo de uma competição náutica. Não é à toa que antes de levantar velas, muita pesquisa prévia e estudos cartográficos são feitos. Para a décima primeira edição da regata francesa Transat Jacques Vabre, não foi diferente. Meses antes de ser dado o tiro de largada, uma equipe se dedicava a pensar as condições meteorológicas que os atletas poderiam enfrentar. Neste ano, em especial, o cuidado de Manfred Rampspacher e Sylvie Viant, diretores esportivos e de prova da regata, é redobrado, já que Itajaí é o destino mais longo

a vela, precisa

esperar que o vento sopre de uma boa direção

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primeiros dias de travessia, pelo Canal da Mancha até a costa sul de Portugal. “Com a chegada do outono [no Hemisfério Norte], temos pressões, correntes de vento e tempestades que vêm regular-

mente do Atlântico”, explica Viant. Nessa região, completa Rampspacher, é onde os barcos correm o risco de enfrentar as maiores ondas, principalmente no trecho da costa da Bretanha, leste da

Dias antes e durante a Transat Jacques Vabre, vários boletins meteorológicos são anunciados Cobaia

Itajaí, novembro e dezembro de 2013

Alexis Courcoux

terra firme e se dirigir à linha onde será dada a largada, um dos velejadores parece inquieto esperando a sua vez na fila. Thibaut Vauchel-Camus é integrante do veleiro “Solidaires en Peloton”, barco de menor porte, que leva mais tempo para completar o percurso. “A diferença de temperatura é uma motivação para mim. Nós vamos em busca do calor”, brinca com quem fica no cais francês e o vê se afastar lentamente. A empolgação do atleta é com a previsão de muito calor e temperaturas próximas dos 30˚C no destino: pela primeira vez, em 20 anos, a prova para em Itajaí (SC). A partir da costa brasileira, o tempo deve ser predominantemente ensolarado e permanecer assim até o Sul do Brasil. Antes disso, a atenção dos competidores se divide entre a posição das velas

escolhido em 20 anos da competição: 5.400 milhas náuticas ou quase 10 mil quilômetros. A dupla de diretores acredita que o trecho mais difícil entre Le Havre (Fr) e Itajaí se dá logo nos


Raquel Cruz

Karine Mendonça

No dia da partida, o clima era de frio e chuva em Le Havre

Sylvie Viant e Manfred Rampspacher, diretores esportivos e de prova da regata

Raquel Cruz

França. Outro ponto crítico, explica, é na Linha do Equador, entre o litoral de Marrocos e Senegal. Antes e depois da linha que marca o ponto 0 de latitude, esclarece Viant, os ventos alísios empurram os barcos com maior velocidade que a média do restante do percurso. Já no ponto exato da linha, praticamente não há vento e os velejadores precisam encontrar uma estratégia para sair da “zona morta”, chamada de Doldrums. Quem passa pela calmaria, dá o seu relato: “Ufa! Estamos fora do marasmo! Pegamos uma zona sem ventos de mais de 75 milhas e levamos mais de 24 horas para conseguir superá-la. Agora, os ventos alísios nos levam para o Brasil e o mar está lindo”, comemora Sam Manuard pelo rádio do veleiro de 40 pés BET1128. Para a diretora de prova, conhecer o mar e ter resistência física e psicológica não basta para ser vencedor: “A principal característica que um bom velejador precisa ter é paciência, porque para ele controlar a vela, precisa esperar que o vento sopre de uma boa direção”, comenta quem tem mais de 20 anos de experiência no esporte. Viant e Rampspacher fazem contato com os velejadores a cada quatro horas durante uma competição como essa. Na pauta, quem está no mar compartilha o que avista da escotilha e, quem está em terra, repassa previsões sobre as próximas horas.

Raquel Cruz

O vento é o elemento da natureza que movimenta e caracteriza esse tipo de prova

Planejamento é necessário

Loïc Lingois é um dos mais experientes nas equipes de terra e diz que o desgaste mental é grande

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Cobaia

Não é só quem está no mar que “sofre” com as condições meteorológicas. Por traz do revezamento constante dos velejadores, uma equipe fica em terra acompanhando cada nova previsão. No caso da Transat Jacques Vabre, os boletins da MéteoFrance, órgão oficial das condições do tempo, são aguardados por todos como quem acompanha um lance imperdível de final de copa do mundo. “O estresse quando os barcos partem é muito grande durante toda a duração do percurso. Nós ficamos angustiados se os velejadores fazem contato com a gente

fora do horário combinado, porque é sinal que alguma coisa está errada”, conta Loïc Lingois, chefe da equipe do Safran, barco da categoria IMOCA (veleiro de 60 pés, similar aos que passaram por Itajaí durante a Volvo Ocean Race de 2012). Lingois é um dos mais experientes nas equipes de terra. Os vincos fundos que traz na pele do rosto lhe dão ar de quem já viu e viveu situações nada fáceis. Atuante na vela desde o início da década de 90, ele garante que não há quem sofra mais desgaste mental que eles durante uma prova desse porte: “Nós ficamos no controle de duas vidas em meio ao mar, é muita responsabilidade”. A receita para vencer uma prova desse porte depende de fatores diversos: preparo físico e mental, consumo e controle de mantimentos a bordo, preservar a embarcação e administrar de forma inteligente todos esses recursos. Tudo isso, no entanto, é influenciado diretamente pela forma como se interpreta uma informação meteorológica. Essa é a opinião de Pietro D’Ali, velejador do barco Fantástica, da Itália. Para ele, a previsão do tempo é fundamental não só por questões de segurança, mas também para se vencer uma regata ou conseguir um bom resultado. “É uma ciência que evoluiu muito e existem muitas informações a mais do que existiam no passado. Existem programas de navegação que combinados com o rendimento do barco podem traçar rotas vantajosas”, acredita o italiano. No final das contas, a angústia vira alegria ao ver, no ponto de chegada, a felicidade dos velejadores ao alcançarem o objetivo. A Transat Jacques Vabre 2013 teve uma parada estratégica em Roscoff (oeste da França) 24 horas depois da largada, quebras de casco e de mastro durante o percurso. Além do relato de dezenas de atletas sobre o quão é sofrido passar por uma tempestade. Mas tudo é compensado com um banho de Champagne entre os navegadores cada vez que um novo barco atraca no píer de destino.

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Saúde

É preciso cuidado até para ser saudável Apesar de importantes para a saúde, em excesso, alimentos naturais representam ameaças Mariana Feitosa

V

Mariana Feitosa

Mariana Feitosa

grupos de propriedades similares, alguém com alergia a nozes também terá problemas com castanhado-Pará, por exemplo.

Quanto custa?

que procuram por algo específico, e aí está um perigo, o das pessoas que consomem alimentos diferentes sem uma orientação nutricional devida. Como alerta a nutricionista, isso é tão perigoso quanto a automedicação, visto que cada organismo é diferente do outro. Para Elizete, a palavra de ordem no consumo é moderação. - A castanha, por exemplo, faz muito bem à saúde, mas, em contrapartida é muito gor-

Mariana Feitosa

antioxidante e anti-inflamatória. Nesses produtos esconde-se também uma ameaça velada. - As pessoas pensam que podem bebê-los indiscriminadamente, e isso não é verdade. Eles contêm tanino, substância que inibe a absorção de ferro, por exemplo. Alerta a nutricionista Roseli Rossi. Ela completa dizendo que como os líquidos aceleram o metabolismo, não são indicados a pessoas com problemas cardíacos ou hipertensos, e também devem ser evitados por grávidas e lactantes já que a cafeína pode afetar o bebê. A jornalista Aline Mendes, viciada em academia e alimentação saudável, diz baseada em sua própria experiência ingerindo doses pequenas do chá todos os dias que quem tem insônia não deve tomá-lo após as 16h, pelo teor de cafeína que inibe o sono. Em Itajaí, as lojas de produtos naturais já são muitas e se espalham por vários bairros da cidade. Em uma consulta à lista telefônica, é possível contar mais de quinze endereços. No mercado público de Itajaí, fica uma das bancas mais tradicionais. Dona do estabelecimento há 17 anos, Elizete Aparecida Lopes Paulo reúne conhecimento empírico com o de cursos e especializações em produtos naturais e tratamento com alimentos. Ela conta que orienta clientes

Mariana Feitosa

erdes, marrons, amarelos, arredondados, compridos. Uma miscelânea de cores e formas entre sementes e folhas. Quatro tipos de linhaça, três tipos de castanha três? Por que três? Olhando, são todas iguais! Uma casa de ervas é o playground dos adultos saudáveis e o paraíso de qualquer estudante de gastronomia. Este é um daqueles ambientes que pede tempo, não necessariamente livre, mas “em off ” com o mundo, para aguçar o paladar e fazer um agrado à saúde. Estudo feito pela Universidade de Otago, na Nova Zelândia, atesta que a ingestão diária de duas castanhas-do-pará eleva em 65% o teor de selênio no sangue. Ainda não acreditou no poder dos grãos? Pois saiba que, para chegar à quantidade de selênio de uma castanha-do-pará (5 gramas), você teria que consumir, em média, o equivalente a 16 pães franceses (50 gramas cada), ou 100 copos de leite (200ml cada), ou ainda 10 ostras (33 gramas cada). Porém, nem só do que é bom vivem os naturais. É preciso tomar cuidado com as quantidades na ingestão deste tipo de produto, já que nenhum excesso é benéfico. Os chás verde e branco, por exemplo, ambos extraídos da planta Camellia Sinensis, ficaram populares por suas propriedades que previnem contra diversos tipos de câncer, emagrecem, podem diminuir o colesterol ruim e têm ação

durosa. Por isso não pode ser consumida em excesso. Bastam duas unidades por dia. Em uma lista feita pelo jornal Estadão, as castanhas e nozes estão entre os alimentos que respondem por 90% dos casos de alergias alimentares. A nutricionista Tatiana Zanin diz que é preciso ficar atento aos primeiros sintomas, como placas vermelhas na pele, inchaço nos lábios e na língua, e até vômito e diarreia. Os testes para diagnóstico são feitos através do contato com a pele ou da ingestão de pequenas porções para encontrar o agente causador. Como os alimentos dividem-se em

Outro critério questionado é o custo elevado que se pode ter para manter uma alimentação à base de produtos naturais. A reportagem visitou as casas especializadas de Itajaí e calculou uma média de preços dos principais produtos citados pela nutricionista Tuane Stopassoli Deschamps como fontes ricas de fibras que auxiliarão no funcionamento de todo o organismo. Ela diz que apesar de haver quantidades indicadas, é necessário que o paciente realize uma consulta para que o nutricionista possa captar seu objetivo real e indicar a fibra adequada. Uma alternativa rápida sugerida pelo Cheff Gustavo Piffer é a de fazer uma farofa torrando todos os grãos de sua preferência no fogo, e utilizá-la até o fim mantendo conservada em um pote fechado. Poderão ser consumidas duas colheres da farofa por dia.

• Castanha do Pará – duas por dia • Linhaça – duas colheres por dia • Chia - quase não tem gosto, pode ser facilmente adicionada à salada e ao prato na hora do almoço e dar de presente mais ômega 3 do que peixes e linhaça, mais cálcio que o leite, magnésio, potássio e proteínas. Uma colher de sopa dia • Aveia – 25g por dia • Chá verde – no máximo 500ml por dia • Granola natural – 25g por dia

Para garantir a saúde é recomendado o consumo diário de grãos em pequenas medidas

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Saúde

Termogênicos: ameaças ou benefícios? Descubra o que são e como agem os produtos que prometem a queima rápida de gordura Marina Baldissera

L

gênico eram tonturas, dores de cabeça, perda de apetite, tremedeira, além da habitual animação gerada pela substância. O vendedor de suplementos esportivos e acadêmico de educação física, Roberto Carlos de Souza, relata que a procura por termogênicos proibidos no estabelecimento onde trabalha é muito grande. Segundo ele, os queimadores de gordura ilegais ganharam fama ao proporcionar resultados mais rápidos, sendo que, aproximadamente três em cada dez pessoas buscam essas versões. “Orientamos que não são mais vendidos no Brasil por já terem ocasionado mortes e por causarem dependência. Mesmo assim, as pessoas fazem cara feia, dizem que é mentira e vão procurar em outro lugar”. Souza afirma que apenas duas em cada dez pessoas que desejam adquirir termogênicos proibidos acabam aceitando as versões legalizadas em nosso país. Além disso, acrescenta que poucos clientes que procuram por termogênicos realmente precisam emagrecer, sendo a maioria do grupo composto por mulheres. Diego Furst, instrutor físico de uma academia de musculação, percebe o uso de termogênicos como uma febre que se dissemina boca a boca. “A pessoa quer tomar porque o amigo disse que é bom, que teve resultado, sem levar em conta a alimentação ou a rotina de exercícios da pessoa”. O profissional relata que, apesar de auxiliarem na perda de peso, não indica os queimadores de gordura proibidos a seus alunos pelo fato de não aprovar os efeitos nocivos causados por eles.

Termogênicos causam sérios danos à saúde e podem levar ao vício

“Esses termogênicos tiram o sono e inibem o apetite, e isso vai totalmente contra aquilo que nós, educadores físicos, pregamos, que é uma alimentação correta e um descanso adequado”.

Como os termogênicos agem no organismo Quando ingeridos, os termogênicos atuam sobre o sistema nervoso, gerando uma série de alterações fisiológicas no organismo. De acordo com a nutricionista Débora Cristina de Souza, além de agirem em órgãos como o coração, os pulmões e o fígado, os termogênicos provocam uma série de alterações fisiológicas. “Aumento dos hormônios adrenalina, insulina e cortisol, elevação da pressão arterial e dos batimentos cardíacos são alguns dos efeitos colaterais desses produtos”. Os queimadores de gordura que possuem a efedrina e a dimetilamilamina em sua composição podem, até mesmo, levar à morte de seus usuários.

Marina Baldissera

Marina Baldissera

não está administrando nenhum termogênico, relata que comprava as versões proibidas dos produtos em estabelecimentos especializados em suplementação. “Bastava conhecer o dono ou o vendedor do local”. Segundo ele, a indicação do produto veio de um personal trainer, e depois de apenas uma semana de uso aliado a atividade física, os resultados já eram visíveis. A estudante universitária de 19 anos, Cristina Santos, administrou o produto OxyElite Pro para auxiliar na perda de peso. “Emagreci seis quilos em um mês fazendo uso do termogênico e malhando”. Ela descreve que sentia mais energia para realizar os exercícios e que, após sua ingestão, conseguia aguentar cargas maiores nos aparelhos de musculação. Segundo Cristina, o efeito foi rápido, mas funcionou juntamente com uma alimentação saudável. “O que eu posso dizer é que o Oxyelite realmente funciona, mas não age sozinho. Tem de haver uma dieta balanceada e malhação diária, caso contrário, de nada adianta”. Por outro lado, os relatos desses usuários também servem para confirmar a agressão que os termogênicos causam ao organismo. A estudante, que já passou mal após a ingestão do produto, conta que seu coração disparou e seu corpo apresentou tremedeiras. “Quando acontece esse tipo de reação bate um desespero. Você está tomando um remédio proibido e não sabe o que fazer quando a resposta é diferente da esperada”. Reis também já se sentiu mal ao fazer uso do produto, principalmente quando o administrava em jejum. Segundo ele, os sintomas causados pelo termo-

Marina Baldissera

ipo6 Black, Oxyelite Pro, Yellow Hornet, Super HD, Hyper Fx, Roxylean, Black Mamba e Hellfire. Esses são os nomes de alguns produtos que o comerciante João Reis*, de 20 anos, já utilizou para acelerar a queima de gordura. Os termogênicos, substâncias que auxiliam na perda de vários quilos em um curto período de tempo, viraram uma febre nas academias de musculação brasileiras. Mas, o que muitas pessoas não sabem, ou parecem ignorar, é o fato de que esses produtos, longe de serem milagrosos, causam graves danos à saúde de seus usuários. Por possuírem em sua composição substâncias prejudiciais ao organismo, como a efedrina e a dimetilamilamina – conhecida também como DMAA -, muitos termogênicos têm sua comercialização proibida no Brasil. A nutricionista funcional esportiva, Débora Cristina de Souza, explica que esses componentes possuem propriedades equivalentes a anfetaminas, podendo levar ao vício. “A dimetilamilamina e a efedrina foram vetadas por não existirem estudos conclusivos sobre sua dosagem segura”. Mas, a proibição desses termogênicos não impossibilita a sua compra. Muitos brasileiros adquirem o produto em sites da internet e até mesmo em lojas de suplementos que efetuam a venda ilegalmente. O modelo e consultor nutricional, Marcos Silva, de 24 anos, usa produtos termogênicos não legalizados há mais de seis anos, e revela que sempre adquiriu os queimadores de gordura em sites de países estrangeiros onde essas substâncias são legalizadas. Já Reis, que no momento

Exercício físico e alimentação balanceada é o ideal para perder peso

Emagrecimento saudável

Queimadores de gordura ilegais são populares pelo resultado rápido

* Os nomes dos usuários foram alterados

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No Brasil, os termogênicos são fabricados à base de cafeína – uma substância estimulante que acelera o gasto calórico no organismo - e não possuem restrições de compra ou venda. Porém, segundo a nutricionista, os efeitos das versões brasileiras são muito inferiores aos dos componentes ilegais. “Isso faz com que as pessoas abusem nas doses de cafeína, resultando em efeitos colaterais, o que é preocupante em relação à saúde desses indivíduos”. Apesar de não serem recomendados, segundo a nutricionista, estudos recentes têm demonstrado que o uso de termogênicos à base de cafeína são boas opções para redução das taxas de gordura corporal quando aliados à prática da atividade física e controle de peso. Por estimularem o sistema nervoso, esses produtos levam ao aumento da degradação das moléculas de gordura, resultando em um maior consumo de calorias por parte do organismo. Ela revela ainda que, desde que a pessoa continue a se exercitar e a se alimentar de forma correta, não existe o risco de engordar após a interrupção do uso do produto.

Cobaia

A dica da nutricionista para quem busca um bom rendimento sem o uso de termogênicos é unir exercícios diários a um cardápio saudável e balanceado. Além disso, para aqueles que desejam incluir alimentos termogênicos naturais em sua dieta – como café, gengibre e chá verde -, a profissional deixa um conselho: “Consultar um nutricionista para modificar sua alimentação de maneira que auxilie a queima de gordura sem prejudicar a saúde”.

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Saúde

Alimentos industrializados: os novos vilões Descubra quais são os riscos de uma dieta baseada em produtos que passam por processos de industrialização Cynthia Badlhuk

como obesidade, hipertensão, problemas renais e diabetes. Essas comidas aumentam o açúcar e as gorduras no sangue e, também, levam ao aumento da pressão arterial. Em consequência disso surgem placas de gorduras nas artérias, que podem levar ao infarto. “Já o alto consumo de sal induz a problemas sérios nos rins e a aumento da pressão, que, por sua vez, eleva a chance de infarto e acidente vascular cerebral”, esclarece Etienne. A nutricionista afirma que na hora de comprar produtos industrializados é importante observar a quantidade de sódio, pois esse mineral aumenta a pressão arterial. A recomendação é que se consuma até 2 mil mg de sódio diariamente. Também é importante notar se o alimento possui gordura trans porque é a que mais aumenta o colesterol. “O organismo tem dificuldade de metabolizá-la e normalmente a armazena na região abdominal, aumentando o risco de várias doenças. O ideal é nunca consumi-la”, complementa a nutricionista. Quando você for comprar um alimento industrializado sempre olhe nos rótulos qual é o percentual de cada nutriente contido numa porção. Evite os que possuem mais de 10% da quantidade diária recomendada de sódio e gordura saturada, aconselha Etienne.

Robert Jesus

plicações sérias para a qualidade da dieta básica dos brasileiros, pois, normalmente, os produtos industrializados apresentam em sua composição excesso de sal, gorduras saturadas e açúcar. O jornalista David Zinczenko, autor do livro “Eat This, Not That” (em tradução literal ‘Coma isto, não aquilo’,) destaca ainda que essas comidas têm altos níveis de conservantes, corantes e outras substâncias sintéticas. David faz uma análise e determina os piores alimentos da indústria alimentícia: nuggets, sanduíche de salame, hambúrguer, sanduíches feitos com pão integral, balas coloridas, salgadinhos e batatas chips. “Nos dias de hoje é quase impossível não se alimentar de produtos assim”, conta Robert Alves, web designer, de 21 anos. Robert começou a se preocupar com uma dieta mais saudável quando a balança revelou o peso das opções erradas. Ele se livrou de alguns vícios como a ingestão de doces, refrigerantes, salgadinhos, que o deixavam o dia inteiro com a sensação de mal estar. Com a mudança de hábitos, sentiu melhoras na saúde, no fôlego e emagreceu 15 quilos em 5 meses. A nutricionista Etienne Jacques Antonelli Ramírez, de 31 anos, explica que uma alimentação à base de produtos industrializados pode causar doenças comuns

Robert Jesus

S

eis horas da manhã. Um trabalhador comum acorda, levanta, lava o rosto, escova os dentes e o cabelo, coloca uma roupa aceitável para trabalhar. Abre a geladeira, come qualquer coisa que achar na frente e, atrasado como sempre, corre para não perder o horário. Chega ao trabalho e vê as horas se arrastarem. Faz um lanche no meio da manhã, trabalha mais um pouco e almoça o que o dinheiro no bolso consegue pagar. Volta a trabalhar, bebe duas xícaras de café, come um pacote de bolacha e toma mais uma caneca de chá. Chega em casa e janta tudo o que ficou com vontade de comer no almoço, mas que não tinha dinheiro suficiente para pagar. Mais um dia se passou para no próximo começar tudo de novo. A rotina e a corrida contra o tempo condicionam muitas pessoas a se preocuparem pouco com sua alimentação. Comem o que é mais prático, rápido e muitas vezes, são conquistadas por fotos publicitárias. A Pesquisa de Orçamentos Familiares do IBGE, feita sobre o consumo alimentar nos domicílios do país, revela que o brasileiro dá preferência à comida industrializada, como pães, embutidos, biscoitos, refrigerantes e congelados. Juntas essas opções já respondem por 18,4% das fontes alimentares. Esse fato tem im-

A praticidade de consumo é um dos atrativos da comida industrializada

Produtos Naturais Frutas e verduras são essenciais para a nossa vida, pois possuem várias vitaminas, minerais e fibras que atuam, principalmente, no nosso sistema imunológico e digestivo. Sem o consumo delas haveria mais incidência de doenças. Rillary de Jesus, de 18 anos, estudante de nutrição na Universidade Católica de Santa Catarina, afirma que vegetais frescos ajudam a prevenir praticamente todas as doenças, como cardiovasculares e cânceres de mama, próstata, estômago e esôfago. Ela destaca ainda que mesmo que os produtos industrializados contenham grande número de nutrientes, não significa que o organismo irá sorver todos eles. Já se o produto consumido é natural, o organismo absorve mais fácil e em maior quantidade esses nutrientes.

Davies and Starr

Em frutas e legumes a quantidade de vitamina e fibras é maior e mais facilmente absorvidas, pelo organismo

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Cobaia

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Comportamento

A faceta mais humana das redes sociais Caráter interativo das mídias sociais pode extrapolar mundo virtual e ajudar na preservação de vidas

de casa, havia um forte cheiro de podre no ambiente e pela janela via-se seu corpo deitado na cama, sem se mover. Os vizinhos logo acionaram os Bombeiros e a Polícia Militar. O dono do imóvel usou sua chave reserva para abrir a porta aos socorristas, que ao adentrarem à quitinete, constataram de imediato o que as circunstâncias já sugeriam: o homem havia morrido por causas naturais. Segundo a irmã da vítima, como não havia marcas de agressão e a família relatou ao IML que ele tinha problemas cardíacos, além do alcoolismo, não foi feita necropsia. Marco Antunes tornava-se naquele momento mais um número nas estatísticas de um fenômeno cada dia mais freqüente em Itajaí: a morte desassistida em isolamento social. O caso relatado tem semelhanças com, pelo menos, cinco ocorrências atendidas pela PM de Itajaí de janeiro a 15 de novembro deste ano. Comparando esses seis registros, as similaridades mais comuns são o fato de os corpos das vítimas (que moravam sozinhas) serem achados em elevado estado de decomposição e a falta de convívio

Banco de Imagens

prato de macarrão com carne moída, já frio e rodeado de insetos em cima da mesa da cozinha, revela que o alimento havia sido preparado há mais de um dia. O aroma apetitoso da refeição já fora vencido pelo cheiro de morte que pairava em uma unidade de um conjunto de quitinetes no bairro São Judas, em Itajaí. Sobre a cama no quarto deste imóvel, na fria manhã de 10 de julho deste ano, foi achado o corpo de um senhor de 68 anos, já em avançado estado de decomposição. Marco Antunes (nome fictício da vítima) era um sujeito sociável e benquisto entre os moradores das quitinetes vizinhas à sua. Porém, por causa do alcoolismo que o vitimava há décadas, o senhor, que já havia sido expulso da casa de familiares e pensões, preferia se resguardar em seus aposentos a ter que se expor aos demais quando não estava em período de abstinência alcoólica. A vizinhança costumava respeitar seu isolamento, porém, na manhã daquela quarta-feira havia sinais de que algo diferente se passara na quitinete de Marco: fazia dois dias que ele não saía

Luciano Pinheiro

Conjuntos habitacionais abrigam vizinhos que mal se veem

A correria do dia a dia interfere nas interações pessoais

Itajaí, novembro e dezembro de 2013

Luciano Pinheiro

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Luciano Pinheiro

As praças são bons locais para se iniciar um contato social

social que elas apresentavam em seus últimos dias de vida. A partir dessa constatação, surgem questionamentos sobre os motivos que fazem uma pessoa isolar-se da sociedade e de que maneira é possível reverter essa sucessão de óbitos por falta de assistência. A primeira orientação para se preservar a vida serve para todos os cidadãos: prevenir-se de doenças por meio de acompanhamento médico contínuo. Segundo Alessandro Scholze, médico comunitário de áreas carentes, as causas mais frequentes de morte súbita são problemas cardiovasculares e câncer. O especialista em medicina da família orienta a quem achar uma pessoa desacordada a lhe prestar os primeiros socorros e chamar logo o SAMU ou os bombeiros. “Os socorristas são treinados para prestar atendimento adequado à vítima e, em certos casos, tentar reanimá-la com o desfibrilador. Como no Brasil, infelizmente, não há uma educação médica ampla a todos, só eles podem usar este tipo de equipamento.” O psicólogo André Thieme explica que o isolamento social remete a causas peculiares de cada indivíduo e pode inclusive ser patológico. Em linhas gerais, o comportamento está ligado a traços da personalidade de cada pessoa e às experiências interpessoais pelas quais ela passou. Além desses, outro fator que tem cooperado para o distanciamento pessoal nos últimos anos é o uso excessivo da internet, que faz com que os usuários prefiram os relacionamentos sociais cibernéticos aos físicos. Em termos patológicos, o Cobaia

especialista afirma que o comportamento anti-social pode estar ligado a algum transtorno psíquico como depressão, autismo leve e suas variações ou aspectos emocionais em desequilíbrio. “Para o diagnóstico e tratamento correto de quaisquer dessas disfunções, é necessário o acompanhamento de um profissional qualificado a decifrar os quadros psicológicos de cada paciente e assim ajudá-lo a manter uma vida social saudável”, explica Thieme. A cidade de Itajaí, onde ocorreu o óbito relatado na abertura dessa reportagem, tem recebido nos últimos anos uma forte onda de migrantes que vêm de outras regiões em busca de trabalho. Com a chegada dessas pessoas, cria-se uma série de fenômenos socioculturais na comunidade em que elas se instalam. Os mais nocivos são o surgimento de xenofobia entre pessoas de mesma nacionalidade e o isolamento social que estes novos moradores do município sofrem pela rejeição dos nativos ou por medo da parte do recém chegado. O professor de psicologia André Thieme ressalta que, embora a xenofobia (rejeição a estrangeiros) seja um sentimento natural do ser humano motivado por sua necessidade de viver em grupos e garantir a sobrevivência, ela não pode ser aceita dentro de uma sociedade democrática e globalizada como a nossa. “Temos separação de grupos por times de futebol, interesses, aptidões, naturalidade, cor de pele e outros segmentos, porém, em nenhuma circunstância isso pode ser usado como pretexto para into-

lerância!”, enfatiza o psicólogo. Uma estratégia social que pode ser aplicada em Itajaí para criar uma rede de solidariedade entre vizinhos vem do outro lado do mundo. Segundo Dongéles Gonçalves, policial militar há 20 anos e entusiasta do conceito de Polícia Comunitária, a sociedade japonesa tem um sistema de rede social exemplar em que líderes comunitários cadastram e visitam permanentemente os moradores de sua jurisdição. “A ideia podia ser trazida para o nosso contexto. Poderiam ser eleitos cidadãos engajados com o bem-estar de sua comunidade para manter contato permanente com os moradores de conjuntos de quitinetes, quartos, casas ou apartamentos e assim garantir que essas pessoas sejam assistidas em caso de necessidade. Minha sugestão é que a Câmara de Vereadores lance um projeto de lei neste sentido humanitário para que diminuam as mortes de pessoas solitárias que nós, policiais, estamos acostumados a ver”, sugere o Cabo Gonçalves, que em duas décadas de PM esteve sempre em contato próximo com a comunidade. Todas as orientações de especialistas apontam, portanto, para a necessidade de manutenção de uma rede de solidariedade e interação entre as comunidades. A ideia é que os princípios das redes sociais – como a interação contínua -, hoje tão apreciados no mundo virtual, possam ser incorporados às relações humanas entre vizinhos e amigos. Dessa maneira, podem-se gerar estratégias eficazes para que os cidadãos vivam por mais tempo, gozando de saúde e inseridos ativamente em sua comunidade.

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Comportamento

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Gravidez na adolescência aumenta em Itajaí Profissionais da saúde apontam o desejo de mudar de vida como principal motivo da maternidade precoce Waltermiriam dos Santos

É porque me

falavam que na

primeira vez não se usava camisinha porque não se

engravida. Eu fui ouvir os outros e aconteceu o que aconteceu

lhor explica o comportamento do pai da criança. Segundo Nelci, desde o início deixou claro quanto à responsabilidade que o rapaz deveria ter. “Eu disse a ele que a minha filha não iria sair de casa, porque não é necessário casar só porque tem um bebê, mas a paternidade ele teria que assumir”, relatou. Com isso, o pai arrumou um emprego, uma vez que nem trabalhava, nem estudava. Nelci também teve a primeira filha quando era ainda adolescente. Engravidou do namorado aos 15 anos. Mais tarde, casou-se com outro homem que a ajudou a criar sua filha. Mesmo tendo vivido a experiência de engravidar na adolescência, teve crise nervosa ao se deparar com o fato de que sua filha mais nova engravidara aos 13 anos de idade. A sua preocupação é que a filha continue a estudar e siga a sua vida. A garota também se planeja para o futuro. “Desejo acabar o

terceiro, fazer minha faculdade, arrumar um trabalho e oferecer um futuro bom para mim e para a minha filha”, sonha. Quanto ao namorado, afirma que ainda não planejaram nada e pretendem deixar assim por um período. “Penso em casar, mas no momento prefiro ficar com minha mãe por mais um tempo”, esclarece.

Gravidez inesperada A vida sexual da jovem mãe, agora com 14 anos, começou cedo, no mesmo mês em que completou 13 anos. A sua “primeira vez” foi com o primeiro namorado, com quem já estava há um ano. Como tinha orientação sexual em casa, da mãe que lhe falava tudo, e também da escola, sempre usou o preservativo. Mas foi na primeira relação que engravidou. “É porque me falavam que na primeira vez não se usava camisinha porque não se engravida.

Eu fui ouvir os outros e aconteceu o que aconteceu”. A menina só descobriu que estava grávida após cinco meses, quando cessou o seu ciclo menstrual. “Minha primeira reação ao saber que engravidei foi chorar muito e negar até o último que eu estava grávida, até cair a minha ficha”. Apesar do choque, a garota garante que até pode ter se arrependido em algum momento, mas depois não tem como se arrepender quando a pessoa pensa que vai ter aquele bebê consigo.

Maternidade precoce De acordo com a enfermeira do centro de saúde do bairro Promorar, Danira Schweigert, a gravidez na adolescência aumentou no decorrer dos anos. Naquela região percebe-se dia a dia que meninas cada vez mais novas ficam grávidas. “Uma época eram garotas de 15 e 16 anos que enWaltermiriam dos Santos

companhada da agente de saúde Fátima Campos, de 41 anos, chegamos ao domicílio da adolescente de 14 anos que mora com sua mãe, duas irmãs e o cunhado. Enquanto aguardávamos na sala, em frente à televisão que transmitia a novela das 19h, a garota apareceu vinda de um dos dois quartos da casa de madeira, e com ela um bebê de dois meses. Rosto de menina, 50 quilos, 1,60m de altura, a garota entregou a criança à avó materna. Após nos cumprimentar, sentou-se no sofá onde estava a sua mãe e irmã, e então fixou o seu olhar na novela, como a trama fosse o seu maior interesse naquela hora. Olhando-a, mal podíamos acreditar que aquela adolescente franzina, de cabelos pretos e rentes ao pescoço, já era mãe. Impossível negar, lá estava o nenê, de cor branca, olhos escuros, e sempre com sorriso nos lábios, diante dos nossos olhos, a esbanjar saúde. A mãe da criança transparecia sentir-se bem, como em uma ocasião em que, em sua casa, com sua família, recebia visitas. Após alguns instantes de conversa nos dispomos a conhecer um pouco mais sobre aquela jovem mãe, afinal, era por este motivo que estávamos ali, em uma noite chuvosa. Sem se esquivar ou demonstrar nenhum desconforto, a jovem se mostrou pronta a contar a sua história. A chegada da filha mudou muito a sua vida. “Eu saía direto com meu namorado, com minhas amigas. Agora eu não saio tanto assim. Fico mais em casa com minha família”, relatou a adolescente. Dois meses antes de o bebê nascer, a futura mãe já tirava licença maternidade e precisou parar os estudos. Durante os quatro meses ela ficou sem estudar e só agora retornou, com a certeza de recuperar o tempo perdido até o fim do ano. Para ir à escola de manhã, é a sua mãe quem cuida da criança, enquanto está sem trabalhar. A partir do próximo ano o bebê será matriculado em uma creche. Nos horários em que não está na escola, é a adolescente quem cuida da filha, com a ajuda do pai da criança, 19, a quem chama de namorado. O rapaz mora com os pais e visita a filha quando sai do trabalho e nos fins de semana. “É ele quem compra tudo, quem me ajuda em tudo. Graças a Deus até hoje nunca faltou nada para ela”, diz a jovem. É Nelci Elaine dos Santos, 37, mãe da adolescente, quem me-

Muitos casos de gravidez na adolescência são intencionais. A vontade de mudar de vida e construir uma família é um dos fatores para a gravidez precoce

*Nome fictício, usado para preservar a identidade do entrevistado

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Cobaia

Itajaí, novembro e dezembro de 2013


ninas para conversa com médicos na unidade de saúde. A experiência de trabalho da psicóloga Joseane com adolescentes em Itajaí levou-a a concluir que muitas meninas de baixa renda veem na gravidez uma possibilidade de mudar de papel. “Sair daquela situação de adolescente que incomoda em casa, com suas questões próprias de adolescente, para outra situação em que se torna mãe”, explica a psicóloga. Desta forma, a menina passa a ser vista de outra maneira pela família e sociedade. Neste caso, a gravidez torna-se uma saída para a garota que já vem de muitos anos de reprovação escolar. Não se encaixa mais dentro daquela turma do ensino regular, pois já está mais velha que os demais da turma. E ainda a adolescente não pode trabalhar e tem como uma alternativa ser mãe e constituir uma família, esclarece Joseane. Esta realidade também é percebida pela enfermeira Danira, quando afirma que muitas querem engravidar com o objetivo de mudar de vida, por desejar ter uma família. “De repente, em casa, tem as suas famílias grandes e então surge a perspectiva de ela formar um novo lar. De ter o espaço dela, a casinha dela”. Outro fator apresentado pela

enfermeira é que o cognitivo das adolescentes parece não conseguir captar que uma relação sexual pode levar a um filho. Por serem muito novas, levam o caso na brincadeira. “Às vezes não querem fazer uso de preservativos ou às vezes é da própria idade, é a irresponsabilidade”, afirma. Mesmo com toda orientação elas abandonam ou esquecem-se de tomar os métodos anticoncepcionais. Segundo Danira, outra contribuição é o fato de que algumas mães não veem a gravidez das suas filhas como problema. “Estes dias questionei uma mãe e ela falou: Não, a minha filha está encaminhada, vai ter uma família, um lar, uma situação estável e uma pessoa para provê-la”. Para a enfermeira, uma menina de 13 anos grávida não está encaminhada. Ainda outra situação apresentada por Danira é quando o pai abandona e a avó materna assume aquela criança. Neste caso, a adolescente acha muito fácil ter um filho. Vai largar, voltar para a balada e ter outro filho. “A mãe, com a proteção, prejudica o amadurecimento da própria filha. Na grande maioria é isso que acontece”, informou. Para a enfermeira, o que falta mesmo é a conscientização, responsabilidade, envolvimento da própria família para evitar este

número crescente de adolescentes grávidas. “Nós cumprimos o papel como profissionais da área da saúde, de fornecer o método, orientar, mas aquele acompanhamento direcionado eu acho que falta em casa”, avalia. Já a assistente social Gilmara aponta o fato de que muitas adolescentes acreditam que a gravidez precoce nunca vai acontecer com elas. Com isso, descuidam na prevenção e engravidam. Além deste possível fator, Gilmara acredita que a vergonha de assumirem a vida sexual e adquirirem preservativos em uma unidade de saúde é um dos principais fatores da falta de prevenção, o que se reverte em uma gravidez precoce. Por ainda serem crianças, por falta de discernimento, elas engravidam.

Gravidez precoce planejada Aos 16 anos e grávida de seis meses, a menina, junto ao seu companheiro com quem convive há quase dois anos, ser mãe. Nunca gostou de ir a baladas. Ia à igreja com a mãe e sempre usou preservativos desde quando passou a ter uma vida sexual ativa. Segundo a adolescente, costumava receber orientação sexual em casa e na escola. Embora tenha parado os estudos e ainda sonhe em concluir

o ensino médio e cursar uma faculdade, a garota afirma que em nenhum momento se arrependeu de estar grávida. Para o futuro, também espera oferecer uma vida melhor ao seu filho.

Afastamento dos estudos A consequência mais comum da gravidez na adolescência é que a maioria deixa a escola, e com isso o sonho de um futuro melhor. De acordo com a assistente social Gilmara, muitas dessas meninas já não vão bem na escola e a grande maioria abandona os estudos no meio do caminho. O cuidado que precisam dispensar ao bebê durante a gravidez e após o parto, deixa as garotas ainda mais desestimuladas a continuarem a estudar. A interrupção dos estudos, necessários para a construção de uma carreira profissional, é o grande impacto observado pela psicóloga Joseane, em vários casos. “Alguns trabalhos que já foram realizados com adolescentes que tiveram bebê, apontam justamente isso, o quanto elas gostariam de continuar nos estudos e não podem porque precisam cuidar da criança”. Para a psicóloga, este é o impacto mais prejudicial à vida destas jovens, o que interfere também em sua vida profissional.

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gravidavam. Agora, meninas com 13 e 14 anos já têm filho,” ressalta Danira. Segundo a enfermeira, o número chega a ser gritante. As conversas, esclarecimentos e orientações oferecidos por profissionais daquela unidade de saúde se revelam insuficientes para evitar que muitas jovens engravidem tão novas. Além disso, Danira esclarece quanto às estatísticas. Estas mostram que, após o primeiro filho, um ano depois, as meninas engravidam de novo. Outro fato apresentado por Danira é de que há muitos casos de abandono por parte dos companheiros, por serem jovens também. É comum os garotos acompanharem até o parto. Abandonadas, logo em seguida muitas adolescentes arranjam outro companheiro e, assim, surge outra gravidez. “É o que mostra a nossa realidade”, afirma a enfermeira. Além disso, a grande maioria das meninas são filhas de mães solteiras. A assistente social do Lar Fabiano, que realiza um trabalho social com as famílias e acolhe gestantes, afirma que no último ano aumentou o número de adolescentes grávidas em seu projeto. “Acredito que o sexo está muito banalizado”, diz. Em seu grupo há algumas adolescentes com idade entre 13 e 16 anos. Elas são dos bairros Imaruí, Promorar, Nossa Senhora das Graças e Vila da Paz. Esta realidade se revela ainda em outros lugares, países. No dia 30 de outubro deste ano, o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), divulgou o documento “O Estado da População Mundial 2013”. Ali, revela que a cada ano 7,3 milhões de meninas com menos de 18 anos têm filhos em países em desenvolvimento. Dois milhões destas adolescentes têm menos de 14 anos.

Falta prevenção Informar sobre a importância do uso de preservativos para evitar uma gravidez precoce é um dos focos de profissionais da saúde no município. Orientações são levadas às escolas, às ONGs e projetos sociais de forma geral, que envolvem não só adolescentes, mas também as suas famílias. Para facilitar e incentivar o cuidado, preservativos são distribuídos de forma gratuita nas unidades de saúde. Mas, o que a realidade mostra é que outros fatores têm sobressaído e levado muitas meninas a serem mães cada vez mais cedo. De acordo com a psicóloga Joseane Delvan, um trabalho realizado com adolescentes em situação de vulnerabilidade, na região da grande Florianópolis, mostrou que, em muitos casos, a gravidez é intencional. Segundo Joseane, a mesma realidade se reflete em Itajaí. “Não é falta de informação como muitos pensam”, ressalta. Danira, enfermeira da unidade de saúde do bairro Promorar, informa que naquela localidade a equipe realiza trabalhos de prevenção nas escolas, com orientações através de palestras. Na ocasião, discorrem sobre métodos, sexualidade em geral. As agentes de saúde também orientam em suas visitas e encaminham as me-

Nos países em desenvolvimento, a cada ano, 7,3 milhões de meninas com menos de 18 anos têm filhos. Dois milhões dessas mães têm menos de 14 anos

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Cobaia

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Esporte

Liberdade: a sensação do voo livre Com as instruções certas, voar de parapente de um jeito seguro é mais fácil do que você imagina Pricilla Vargas

Arquivo Hans Peder

passou a fazer parte da minha vida. Não consigo nem me imaginar muito tempo longe do voo livre”, conta o professor de Comunicação, Hans Peder Behling, que voa de parapente há mais de 20 anos. De um modo geral não existem grandes restrições para praticar o esporte, já que não são necessárias muitas habilidades físicas, apesar de exigir certo nível de coordenação motora. Jovens a partir de 16 anos já podem começar no esporte, mas com autorização dos pais. A primeira coisa a fazer quando se tem vontade de voar, é procurar uma escola de voo credenciada pela ABP (Associação Brasileira de Parapente). Quem explica isso é Roberto Luiz Serpa, instrutor de voo da

Arquivo Iago Ohlson

Voo de térmica permite alcançar grandes altitudes e distâncias

escola Tribo do Vento, de Itajaí, que existe há 17 anos e atende anualmente em média de seis a oito alunos. Ao contrário de Hans, que fez curso com um instrutor habilitado, Thiago Ohlson, de 24 anos, não passou por nenhum tipo de treinamento. Há cinco anos, o guarda-vidas quis saber mais sobre o voo livre, então foi conhecer uma rampa de decolagem e um pouco mais do esporte, assim nasceu sua paixão por voar. Thiago comprou o equipamento e treinou sozinho aproximadamente três meses. O rapaz foi à rampa várias vezes para assistir às decolagens e aprender a dominar a vela – parapente – fez perguntas e pediu orientações para muitas pessoas, mas na prática, aprendeu a voar sozinho. Como Thiago, muitas pessoas têm vontade de voar, mas não têm coragem de praticar a atividade por causa dos mitos criados em torno do esporte. Hoje o rapaz sabe da importância da instrução adequada e conta que sofreu um acidente grave no início de 2013, quando decidiu voar mesmo com o tempo muito nublado, perdendo o controle do equipamento na hora das manobras. Thiago se chocou contra a rampa em alta velocidade e fraturou a coluna. Mesmo após o acidente, o rapaz não desistiu do voo de parapente e sempre que está de folga e as condições climáticas são favoráveis, pega seu equipamento e vai até a rampa. “Voar pra mim é liberdade, é ver o mundo lá de cima. Ver o lugar onde você mora de uma forma que poucos imaginam. Não tem outra explicação, só voando pra ter a noção de como é lindo e prazeroso. Quem experimenta voar, nunca mais quer parar”.

Lazer e esporte

As escolas acompanham o aluno durante os primeiros 50 voos

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O Brasil registra vários recordes mundiais relacionados ao voo livre, o que mostra que nosso país está preparado para ganhar cada vez mais espaço nesta área, com praticantes do esporte experientes e qualificados. Thiago pratica a atividade por hobbie, mas tem vontade de participar de competições. Ao contrário de Hans, que já participou de campeonatos, mas atualmente pratica o voo livre somente por lazer. Para os dois, uma coisa é certa: entre os benefícios do voo livre, as amizades construídas ao longo dos anos fazem parte das principais gratificações do esporte. Cobaia

Arquivo Iago Ohlson

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vento bate no rosto, a adrenalina está a mil, você treme da cabeça aos pés, borboletas alvoroçadas embrulham seu estômago, a mente fica vazia, ou melhor, em estado de estupor, praticamente um nirvana, onde todo o seu corpo está focado em apenas um objetivo: voar! Essas são algumas das emoções descritas por quem pratica voo livre e busca no esporte uma maneira de se exercitar e, principalmente, de se libertar. Para muitas pessoas, voar tem um efeito anti-stress, já que durante a atividade, o praticante precisa ficar completamente focado e por consequência se desliga de todos os pensamentos e preocupações. “Voar já deixou de ser um sonho e

Tipo de voo lift. Os outros são de térmica e de acrobacia

Mas, e os equipamentos? São indispensáveis: Parapente / Paragliders / Vela Selete: cadeirinha do piloto Paraquedas de emergência Roupas adequadas Mosquetão Capacete Acessórios eletrônicos - Rádio comunicador - GPS para registros de vôo - Variômetro para indicação de taxas de subida e descida Vale ressaltar que é de extrema importância que os equipamentos utilizados nos voos passem por uma vistoria anual.

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