a cor secreta dessas praças

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a cor secreta dessas praรงas matheus pazos



[...] mudou de cara e cabelos mudou de olhos e risos mudou de casa e de tempo: mas estรก comigo estรก perdido comigo teu nome em alguma gaveta (Ferreira Gullar, in: Poema sujo)



anĂşncio



negativo do poeta quando jovem revestir de coisas velhas secretas amontoadas a servir desculpas sob farrapos limpos porém nunca dignos vida lançada a esmo azar lançado ao claro movimento cego de grito sem deus. sem rota. tristeza temperada no frio setembro anunciando futuros repetição inútil do mesmo vitorioso estado de outrem sempre alheio. nunca reflexo. prodigiosamente calado intempestivo porque pródigo só.


miragens respigam telhados contas espalhadas na porta céus no rasante pisoteados cravando destino inofensivo necessariamente livre. particularmente seco. inundações a obliterar verbos de cólera estancar a nódoa lavar o colarinho arrumar a cama aquela cujo ranger espera o sono fiel.


missiva a um poeta em chamas a Campo Santo Leituga

gritas num oco do mundo surdo ao rude apelo em cruz credo inerte ao idioma pagão. danças aquela mesma música avesso da pele que assusta canto escancarado en la noche oscura, matilha acuada e alerta. caminhas entre cinzas, tu outrora império ou profeta caos destruindo a falsa beleza aquela que aprisiona aquela que diminui tu: hermes para tempos esquecidos de tudo abertos ao nada iluminas o chão com o dedo certeiro para os céus.


ex nihilo disse: do rascunho relegado ao canto mata borrão faço vida. ignorada por planos faraônicos babilônios rasteira chance de beleza anseia entretanto fazer do traço um sinal, causa discreta novidade. animada embriaguez contra natureza ou destino de lixo. disse: eis o que sou isso é dado forma sopro vida.


de beata uita a Arthur de Bulhões

se pudesse calava verbum mentis esquizo diálogo solilóquio. nada a dizer além da imanência precisa carne, osso, ruga hora pontuada verdade descoberta. recuo prudente mundo virtuoso inventado declínio a priori anunciado ausência sorridente do engano sobre si.


grito da lápide Here lies One whose Name was writ in Water Keats’ tombstone a Affonso Manta

De pedra extraviada lançada a esmo fora da rota castigada para nunca acontecer. Imprestável, não usam como arma ou amuleto avessa ao polimento deseduca “per absentiam” forma, matéria,pudor. De tropeço, trave entulha naves perturbando apocalíptico estorvo passadas angelicais. Objeto não-existente liricamente corta ingênuos poderes de construção.


Die Bildung



maio Do not go gentle into that good night. Rage, rage against the dying of the light. Dylan Thomas

frio de maio invade todos os cantos a dispensar crueldades pintadas sonhos de Miró, projetos de Dalí repetição inútil em viagens esquecidas 'do pó vieste, ao pó voltarás'. inquietação no cruzar de pernas aquecimento impossível quando se é miserável forçando rumo àquele sítio em dezembro musicado em conjunto, melodia destilada vida açucarada sempre no mesmo domínio convite de sorrisos em naturezas cinzas. casa de móveis tristes tudo é solidão palavra estranha a rimar com saudade bater de portas nomes invocados leito vazio clama bagunça proibida às cobertas. tudo está devidamente reto, tudo está devidamente imóvel tudo está devidamente seco, tudo está devidamente morto Assim como eu e tu.


I De costas para o mundo ela partiu. Dispensou adere莽os, posses cortes e nomes de senhor. Descumpriu preceitos e cuspiu nas crendices da v贸. Partiu certa dos rumos que tomava e usava um vestido que traduzia bem aquela palavra decorada na escola: libertas.


II Transeunte convicta do desejo que incide da beleza implícita pele, passos, fuga. Pernas cobiçadas sinal da ressaca mar, rua, sertão. Revira olhares ao entortar esquinas e fazer dos bares signos de contemplação.


III Prometeu, pretérita, retornar dar meio passo volta e meia foxtrote ou xaxado Polido sapato na espera joelhos bambos pés errados aflição no ritmo do disco. Não voltou. Esqueceu talvez os passos Arrumou descompromisso Inventou no presente o desdenhar.


IV A thing of beauty is a joy for ever: Its loveliness increases; it will never Pass into nothingness... Keats

na ventania prevista ponte suspensa para recém nascida treva firme antes trêmula. sempre ela vizinha do lado avesso do rio profundo jamais vista no raso olhar. entidade divina quase capiroto encarnado pela fragrância humana presente ao castigo nunca inalado. surpresa lança ao sentido sonho real à procura vã deste febril espírito. la belle


V poema para as senhoras deste tempo aos olhos de Bárbara Jardim

Lançada no breu violando círculos em busca do rosto perdido, guardado no mesmo canto. Presa ignorava pavor [des]coberto à luz fosca da mais triste das faculdades Reconstruía saídas num bailar assassino impulsivo, cru sobre o chão, sua morada.


VI Enlouqueci, um girassol nasceu na minha boca Affonso Manta

instrumento afiado justo canhoto lado ouvido oco em dó. fingimento digno velórios caducos enterro de Lázaro bêbado bisavô. trotando chinela raízes na poeira coice e ferida encardida memória. vestido frangalho sumido no mapa cismado projeto lúcido de pedra. grita entre babas dança sem ritmo sangra escondido tudo para a moça fugida no sul.



promessa



fuga poética desgastada portentosa imagem oferecida ao grande público sentimento degustado percorrido entre bocas mãos alimento para gerações críticos amantes exercícios. outro lado nunca revelado não há voz e resposta Beatriz, Laura, Teresa ventre sedutor da Andaluzia todas caladas no verso retidas no olhar poético aquele que tudo devora segredos agora sussurrados ao vento do sucesso impresso. prova cabal da ilusão vaidosa caçador perverso de olhares urge certeiro elevar homenagens cantos universais ao mundo rompendo um acordo assaz antigo provas de amor dispensam anúncio.


ponto cego Un soir, j'ai assis la Beauté sur mes genoux. – Et je l'ai trouvée amère. – Et je l'ai injuriée Rimbaud

a querino sintaxe reticente oscila desconexo visgo demarca errático método minado despido falseado ligeiro riscado alheio cansaço urgente alvo certeiro obviedade nunca cozida equivocada raiz castiga.


pesquisa dominical A verdadeira ternura não se confunde com alguma coisa. É silenciosa Anna Akhmátova

poeta solitário a galope trafega em praças objetivamente evitadas. drummondiano de corpo bandeiriano de alma vislumbra atônito versos espalhados em bocas servidos para copos cupuaçu gelado, açaí trópicos felizes. contempla encantamentos diversão em imagens gestos naturais aos ouvintes casal cúmplice decorando sua voz e ritmo. sobre si recai sinais de incômodo bicho fora do ninho


os versos devem trafegar cruzar afetos, embalar sussurros o poeta, no entanto, ĂŠ substrato forma dat esse nada mais.


charmaine Eu farei arte, não para, mas sobre você Keaton Henson

sem gagueira o chiste gritado esforço míope pela neblina contempla ridículo dissimula conjuntos dissonante composto estranho ao tímido olhar distante manias de woody allen por godard sobre truffaut excuse me, so sorry je t'adore na diferença de nós dois.


porto alegre recôncavo, dirias seguridade ao maleável destinou abismo frenético, ousas natureza quebradiça ventura inominável onde voar é possível duvidas rosto voz chão tudo é muito simples tudo é muito livre singular tradução do leve cais presságio feliz repousar.



Publicado em dezembro de 2013 (1ª edição, ebook) Capa, fotografia: julia filardi rubro passo (2011)

candeeirocafe.wordpress.com


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