Revista Viração - Edição 93 - Fevereiro/2013

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Projeto da Morte O projeto é uma ação do Departamento Nacional de Obras Contra a Seca (DNOCS) e, segundo o site do órgão, está orçado em 280 milhões de reais, recursos do Ministério da Integração Nacional. É parte de uma série de projetos de combate à seca pensados pelo governo durante a ditadura militar e tirado da gaveta em 2008. Em agosto de 2012, a Ordem de Serviço foi assinada, ato que autorizou o início das obras. Os moradores da Chapada vivem na angústia e na incerteza de perderem suas terras e de não saberem ao certo se serão prejudicados ou beneficiados. A área será loteada em cinco zonas e dividida entre empresas, técnicos, agrônomos e pequenos e médios agricultores para a produção de fruticultura irrigada para exportação. Contudo, serão cinco empresas multinacionais que farão a gestão dos lotes. Enquanto conversávamos no carro a caminho dos assentamentos, Francisco Agnaldo de Oliveira Fernandes, de 26 anos, agricultor familiar sem terra do Vale do Apodi, licenciado em geografia pela Universidade Estadual do Rio Grande do Norte (UERN) e tesoureiro do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais do Apodi (STTR), nos conta a incoerência dessa divisão. “O DNOCS não especifica quais são as cinco empresas, mas apenas os sistemas de produção. A área será dividida em lotes de oito hectares, o que faz parecer que o projeto é para o pequeno agricultor. Mas ele não vai ter a liberdade de produzir o que quer”, afirma. Agnaldo explica que já está determinado no projeto o que deve ser plantado em cada uma das cinco áreas: culturas como cacau e uva, que são desconhecidas dos agricultores locais. “Nossa experiência não dá para isso”, afirma ele, o que implica que para fazer esses cultivos, será preciso grande investimento e assistência técnica, que, em geral, os pequenos agricultores não possuem. Além do mais, por não serem frutas da região, não são adaptadas ao clima local e requerem mais insumos químicos na produção. O DNOCS justifica a escolha dessas culturas por estudos

técnicos realizados nos anos 1980, completa o geógrafo, mas os agricultores não têm acesso a esses “estudos”. Na época em que o projeto foi pensado não havia tantas comunidades rurais na área como atualmente. Com a retomada da ação nos anos 2000, os órgãos governamentais se depararam com centenas de famílias, a maioria assentadas pelo Instituto Nacional de Reforma Agrária (Incra) após anos de luta pela posse da terra. O DNOCS irá desapropriá-las, pagando indenização. As primeiras delas serão as da Agrovila Palmares, pois os terrenos serão usados para dar apoio ao restante das obras. Ademar Alves Neto, agricultor e criador de pequenos animais na Palmares, sobre a indenização, desabafa que “é uma coisa que a gente sempre pergunta [aos representantes do DNOCS], mas não há um fato real. Dizem que vamos ser indenizados. A gente pergunta o preço e não sabem. Outra vez já disseram que era 700 reais por hectare, mas é uma história muito variada”. Cada morador da agrovila tem cerca de 11 hectares, o que representaria cerca de 7.700 reais de indenização para toda uma família. Quem poderia reconstruir uma vida com esse valor? Essa é uma das razões que motivou o apelido Projeto da Morte entre os agricultores de Apodi. O intensivo do agrotóxico é outro motivo.

Agricultores de Apodi, movimentos sociais e grupos de defesa dos direitos humanos realizam protestos contra o Projeto da Morte

Jackson Angell

Alessandro Muniz

O uno vermelho ficava mais empoeirado a cada metro da estrada, enquanto Agnaldo (à direita) e Francisco Antônio, o Tantico, nos levava às comunidades rurais da Chapada do Apodi (RN)

Revista Viração • Ano 10 • Edição 93 21


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