Revista Viração - Edição 44 - Agosto/2008

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V iRAÇÃO Ano 5 · no 44 Agosto/2008 · R$ 5,00 www.revistaviracao.org.br

Mudança,

atitude e ousadia jovem

POLÍCIA: Dizem que eles protegem, será?

JUVENTUDE

Falando de política para o mundo

Sem crise na

prevenção Reportagem especial sobre a 3aa Mostra de Saúde e Prevenção nas Escolas


Vira pelo Brasil

Veja quem faz a

Associação Imagem Comunitária Belo Horizonte (MG) – www.aic.org.br

Casa da Juventude Pe. Burnier Goiânia (GO) www.casadajuventude.org.br

Universidade Popular – Belém (PA) www.unipop.org.br

Ciranda Curitiba (PR) – www.ciranda.org.br

Centro Cultural Bájò Ayò João Pessoa (PB)

Catavento – Fortaleza (CE) www.catavento.org.br

Companhia Terra-Mar Natal (RN) – www.ciaterramar.org.br

Agência Uga-Uga – Manaus (AM) www.agenciaugauga.org.br

Centro de Referência Integral de Adolescentes Salvador (BA) – www.criando.org.br Girassolidário – Campo Grande (MS) www.girassolidario.org.br

Diretório Acadêmico Freitas Neto Maceió (AL)

Fundação Athos Bulcão Rede Sou de Atitude Maranhão Brasília (DF) – www.fundathos.org.br São Luís (MA) – www.soudeatitude.org.br Jornal O Cidadão Rio de Janeiro (RJ)

Virajovem Vitória – Vitória (ES)

Grupo Atitude – Porto Alegre (RS)


Agência Jovem de Notícias: MAIS UMA MISSÃO CUMPRIDA!

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desafio foi cobrir a 3a Mostra Nacional Saúde e Prevenção nas Escolas, que rolou nos dias 24 e 25 de junho, em Florianópolis (SC). E a galera, como sempre, arrasou na cobertura diferenciada do evento, dando um toque especial em todo o material produzido. Foi a primeira vez que o pessoal do Consórcio da Juventude Aroeira, de Floripa, faz a cobertura de um evento, e eles cumpriram com muita responsabilidade e envolvimento o papel de repassar tudo o que aconteceu. Foi uma experiência única e cheia de descobertas. O mais legal é ver que as/os jovens levam a sério essa parada de prevenção. Elas e eles encaram o problema com muita força, seja como portadores de alguma doença, ou convivendo com quem as têm. Não podemos esquecer de agradecer a quem apoiou e tornou possível este encontro. Quem conhece os problemas causados pela falta de informação e prevenção sabe da importância de alertar e conscientizar a garotada para o sexo seguro e o tratamento das dsts. E isso deve sim chegar às escolas, já que também é delas o papel de formação do cidadão.

Boa leitura! VIRAÇÃO é publicada mensalmente em São Paulo (SP) pelo Projeto Viração da Associação de Apoio a Meninas e Meninos da Região Sé de São Paulo, filiada ao Sindicato das Empresas Proprietárias de Jornais e Revistas de São Paulo; CNPJ (MF) 74.121.880/0003-52; Inscrição Estadual: 116.773.830.119; Inscrição Municipal: 3.308.838-1

ATENDIMENTO AO LEITOR Rua Augusta, 1239 – Conj. 11 Consolação – 01305-100 – São Paulo – SP Tel./Fax: (11) 3237-4091 / 3567-8687 / 9946-6188 HORÁRIO DE ATENDIMENTO das 9 às 13h e das 14 às 18h E-MAIL REDAÇÃO E ASSINATURA redacao@revistaviracao.org.br assinatura@revistaviracao.org.br

QUEM SOMOS

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iração é um projeto social de educomunicação, sem fins lucrativos, criado em março de 2003 e filiado à Associação de Apoio a Meninos e Meninas da Região Sé. Recebe apoio institucional da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e da Agência de Notícias dos Direitos da Infância (Andi). Além de produzir a revista, oferece cursos e oficinas de capacitação em comunicação popular feita para jovens, por jovens e com jovens em escolas, grupos e comunidades em todo o Brasil. Para a produção da revista impressa e eletrônica (www.revistaviracao.org.br), contamos com a participação dos conselhos editoriais jovens de 21 capitais, que reúnem representantes de escolas públicas e particulares, projetos e movimentos sociais. Entre os prêmios conquistados nesses quatro anos estão o Prêmio Don Mario Pasini Comunicatore, em Roma (Itália), o Prêmio Cidadania Mundial, concedido pela Comunidade Bahá’í. E mais: no ranking da Andi, a Viração é a primeira entre as revistas voltadas para jovens. Participe você também desse projeto. Veja, abaixo, nossos contatos nos Estados. Paulo Pereira Lima Diretor da Revista Viração – MTB 27.300 CONHEÇA OS 21 VIRAJOVENS EM CAPITAIS BRASILEIRAS • Belém (PA) – pa@revistaviracao.org.br • Belo Horizonte (MG) – mg@revistaviracao.org.br • Brasília (DF) – df@revistaviracao.org.br • Campo Grande (MS) – ms@revistaviracao.org.br • Cuiabá (MT) – mt@revistaviracao.org.br • Curitiba (PR) – pr@revistaviracao.org.br • Florianópolis (SC) – sc@revistaviracao.org.br • Fortaleza (CE) – ce@revistaviracao.org.br • Goiânia (GO) – go@revistaviracao.org.br • João Pessoa (PB) – pb@revistaviracao.org.br • Maceió (AL) – al@revistaviracao.org.br • Manaus (AM) – am@revistaviracao.org.br • Natal (RN) – rn@revistaviracao.org.br • Porto Alegre (RS) – rs@revistaviracao.org.br • Recife (PE) – pe@revistaviracao.org.br • Rio de Janeiro (RJ) – rj@revistaviracao.org.br • Salvador (BA) – ba@revistaviracao.org.br • São Luís (MA) – ma@revistaviracao.org.br • São Paulo (SP) – sp@revistaviracao.org.br • Teresina (PI) – pi@revistaviracao.org.br • Vitória (ES) – es@revistaviracao.org.br

Apoio Institucional


MAPA da

QUE FIGURA Cartão virtual no portal da Vira: www.revistaviracao.org.br DULCINA DE MORAES Conselho Editorial Eugênio Bucci, Ismar de Oliveira, Izabel Leão, Immaculada Lopez, João Pedro Baresi, Mara Luquet e Valdênia Paulino

RG

Equipe Pedagógica Aparecida Jurado, Cássia Vasconcelos, Isabel Santos, Juliana Rocha Barroso, Maria Lúcia da Silva, Nayara Teixeira, Roberto Arruda, Robson Oliveira e Vera Lion Diretor Paulo Pereira Lima paulo@revistaviracao.org.br Equipe Adriano Sanches, Bianca Pyl, Camila Caringe, Carol Lemos, Cristina Uchôa, Gisella Hiche, Rafael Stemberg, Rassani Costa, Sálua Oliveira, Vitor Massao e Vivian Ragazzi

• SEM PRESSÃO 6 Aquela perguntinha clássica “O que você quer ser quando crescer?” te irrita ou você adora falar sobre o que pretende estudar? Veja o que jovens de São Paulo e Maceió acham dela

mina

Jackeline Nigri

• POLÍTICA NA VEIA 12 Prova de que a juventude é ligada em política é o resultado do 3o Simpósio Internacional sobre a Juventude Brasileira (JUBRA), que rolou em Goiânia (GO). Dá uma olhada nas propostas da galera!

Administração/ Assinaturas Thays Alexandrina Midiadores da Vira Acássia Deliê (Maceió – AL), Alex Pamplona (Belém – PA), Gardene Leão de Castro (Goiânia – GO), Graciema Maria (Natal – RN), Ionara Talita da Silva (Brasília – DF), Ismael Oliveira (Teresina – PI), Ivanise Andrade (Campo Grande – MS), João Paulo Pontes e Bruno Peres (Porto Alegre – RS), Lizely Borges (Curitiba – PR), Maria Camila Florêncio (Recife- PE), Marcelo Monteiro de Oliveira, Maxlander Dias Gonçalves, Patrícia Galleto, Thiago Martins e Vitor Bourguignon Vogas (Vitória – ES), Niedja Ribeiro (João Pessoa – PB), Pablo Márcio Abranches Derça (Belo Horizonte – MG), Raimunda Ferraz (São Luiz – MA), Renata Souza (Rio de Janeiro – RJ), Renata Gauche e Clarissa Diógenes (Fortaleza – CE), Scheilla Gumes (Salvador – BA) e Eric Silva e Ubirajara Barbosa (São Paulo – SP) Colaboradores Lentini, Márcio Baraldi, Natália Forcat, Novaes, Paloma Klysis e Sérgio Rizzo

• PREVENÇÃO SE APRENDE NA ESCOLA 18 A 3a Mostra Saúde e Prevenção nas Escolas contou com a cobertura da Agência Jovem de Notícias, que relatou todos os momentos do evento • INSPIRAÇÃO NA NATUREZA 29 Uma dica de filme é o longametragem Na Natureza Selvagem. Confira a crítica sobre a história real do jovem mochileiro no Alasca

Virajovens e suas relações amigáveis com a máquina de distribuição de preservativos nas escolas

• BASTA À VIOLÊNCIA 34 Movimento MS Contra a Violência discute a responsabilidade cidadã e realização de ações de prevenção na família e na educação

Consultor de Marketing Thomas Steward Projeto Gráfico IDENTITÀ Adriana Toledo Bergamaschi Marta Mendonça de Almeida

• IMAGENS QUE VIRAM

Fotolito Digital SANT’ANA Birô

• VIRA VIROU

Impressão

Divulgação Equipe Viração E-mail Redação e Assinatura redacao@revistaviracao.com.br assinatura@revistaviracao.com.br Preço da assinatura anual Assinatura Nova R$ Renovação R$ De colaboração R$ Exterior US$

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48,00 40,00 60,00 50,00 Revista ViRAÇÃO · Ano 6 · nº 44

• ECA Edu Moraes

Jornalista Responsável Paulo Pereira Lima – MTB 27.300

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• MANDA VÊ

• MAIS IGUAL • GALERA REPÓRTER • NO ESCURINHO • VIRARTE • PARADA SOCIAL • RAP DEZ

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MODA JUVENIL INSTITUTO SÓCIO-EDUCATIVO JUVENIL, Trindade (GO), via correio eletrônico

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rabalhamos com jovens e temos cinco anos de caminhada. Muito temos feito pelos direitos da juventude em nossa cidade. Agora, conseguimos um espaço pra montar a nossa sede, onde já estamos executando alguns projetos de qualificação profissional, lazer, cidadania e informática. Gostaríamos de saber se é possível o envio de revistas de edições passadas para a nossa biblioteca comunitária. Informamos que no momento não temos recursos financeiros, mas possivelmente em breve vamos assinar esta revista, que já esta virando moda no meio juvenil. Aproveitamos para parabenizar os editores da revista.

FRANCISCO DA SILVA JÚNIOR, via e-mail

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ostei muito da maneira como vocês se dispuseram a abordar a questão do vírus HIV e as doenças sexualmente transmissíveis na 3ª Mostra Saúde e Prevenção nas Escolas, um assunto restrito por tantos tabus. A medida adotada gera uma real possibilidade para a diminuição do número assustador de adolescentes acometidos por dsts por pura falta de informação apesar de estarmos na era da comunicação digital. Nossos jovens precisam ser notados, assistidos e amparados pelas autoridades e também receberem atenção na formação enquanto cidadãos.

A Vira entra no debate de gêneros e levanta a bandeira da igualdade, que deve estar também na forma de escrever. Por isso, todas as palavras que tiverem variação de feminino e masculino iremos incluir os dois gêneros, e não somente o masculino. Por exemplo: a/o jovem, o/a professor/a e assim por diante, de forma que contemplaremos a todas e todos!

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ANDREZA RODRIGUES DE VASCONCELOS, via portal da Vira

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oxa... achei muito legal o trabalho de vocês... queria parabenizar todos que fazem parte dessa coisa louca...que ao mesmo tempo é muito demais....

Mande seus comentários sobre a Vira Vira, dizendo o que achou de nossas reportagens e seções. Suas sugestões são bem-vindas! Escreva para nosso endereço: Rua Augusta, 1239 – Conj. 11 Consolação – 01305-100 – São Paulo (SP) Tel: (11) 3237-4091 / 3567-8687 / 9946-8166 ou para o e-mail: redacao@revistaviracao.org.br Aguardamos suanº colaboração! 44 · Ano 6 · Revista ViRAÇÃO

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Quando terminamos o Ensino Médio, um monte de questões vêm à cabeça, como “O que eu vou fazer? Que curso superior eu vou seguir?” Como se não bastasse esse monte de dúvidas que a gente tem, ainda vem toda a pressão familiar para saber o que vamos escolher como profissão. É uma fase complicada, ainda mais para quem não tem a menor idéia do que pretende estudar. É claro que tem gente que já sabe desde pequenininha/o qual profissão é sua cara. Muitas/os não titubeiam na hora de decidir. Pior é para quem gosta de um monte de coisas? Dura escolha! Mas nada de ansiedade – o que importa é ter tranqüilidade no momento da decisão, pesando bem os prós e contras de cada área. Os Conselhos Jovens da Vira em São Paulo e Maceió saíram às ruas para ver o que se a galera já escolheu o que pretende fazer da vida. Confira! ADRIANA CARVALHO, ANA CLARA ORIQUES, ARIANE FERREIRA, BRUNO CASTRO, CLÁUDIO MOTTA JUNIOR, DIEGO PEREIRA, DIVA LOURENÇO, EMERSON CASTRO, ERIC SILVA, FÁBIO ROGÉRIO, KLEBER SANTOS, LETÍCIA DOS SANTOS, MAINARA BASTOS, NAYARA COUTINHO, RAFAEL OTAVIANO DA SILVA, RENAN CARVALHO e SIMONE NASCIMENTO, do Virajovem São Paulo COSTA,, da Redação RASSANI COSTA ARIANA LAYSSA e LAYS GOMES GOMES,, do Virajovem Maceió (AL)

JÚLIO CÉSAR DE SOUZA GOMES, 22 anos, de São Paulo (SP)

E você, que profissão pretende seguir? JOYCE CLARA CLARA,, 15 anos, de Maceió (AL) “Eu acredito que o jovem não é capacitado para escolher algo tão importante tão cedo. Por isso ainda não escolhi minha futura profissão.”

“Estou terminando o colegial e quero fazer curso técnico em eletrônica, é uma área que eu gosto e quero trabalhar.” HELDER ITIRO ALVES, 18 anos, aluno do primeiro ano de Desenvolvimento de Jogos, de São Paulo (SP) BRUNA SANTOS LACERDA, 14 anos, de São Paulo (SP) “Quero fazer Gestão Ambiental, porque meu pai me influenciou um pouco, mas também é uma área que eu gosto e que o mercado de trabalho vem se expandindo muito.”

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“Escolhi o curso de Desenvolvimento de Jogos por gostar muito, e o mercado nesta área está crescendo, mas ainda não me preocupei em saber qual o salário de um programador. Faço porque gosto, e não me via fazendo outro curso. Sou viciado em jogos, gosto deste ramo, de fazer histórias e de fazer as pessoas se divertirem.”


SER OU NÃO SER

ANA BEATRIZ ALVES FERREIRA, 14 anos, de São Paulo (SP)

Medicina, Webdesign, Turismo, Direito... o leque de cursos universitários é grande. Por isso, não é de se estranhar que a busca por uma profissão seja complexa: é um investimento para toda a vida. Dálhe indecisão! Pra ajudar a galera, existem recursos como guias de profissões, com explicações sobre mercado de trabalho, LEONARDO BRANZA VIEIRA, 18 anos, médias salariais e dicas de cursa Publicidade, de São Paulo (SP) quem já está na área, e tes“Escolhi Publicidade porque acho que dá dinheiro, tes vocacionais que podem mas no começo é difícil. Hoje, o trabalho que faço ser feitos via internet ou como estagiário não tem nada a ver com o curso. presencialmente, com o auTrabalho fazendo retoque de fotos, e não é bem o xílio de psicólogos. Alguque eu quero, mas sei que com o tempo irei mas escolas fazem testes aprender mais e entrar na minha área. Mesmo no final do ensino fundaassim, não escolheria outro curso. Eu não faria mental e no ensino médio. administração, por exemplo.” Nesses testes, são levados em consideração a personalidade, habilidades e gostos LAYS GOMES, 16 anos, da/o jovem. de Maceió (AL) Mesmo assim, muita gente “Se o jovem tivesse mais assistência seria mais acaba escolhendo motivado pefácil escolher uma profissão. Mesmo assim já los desejos dos pais, e não pedecidi o que vou fazer: Arquitetura.” los seus. “A influência dos pais ainda é grande e nem sempre o jovem está pronto para a decisão de prestar o vestibular”, afirLUCAS SOUZA, 16 anos, ma Vera Lúcia de Mello, psicóde Maceió (AL) loga de São Paulo (SP). Esta imposição, segundo Vera, pode aca“Ainda não escolhi minha profissão, mas acho certo ter que fazer bar desmotivando a/o jovem e levá-la/o a ser essa escolha agora, porque aos um mau profissional por conta da escolha pre17 anos você já deve ter algo em cipitada. Outra característica comum de quem se mente pra sua vida.” leva pela opinião dos pais é a escolha de profissões tradicionais, que muitas vezes não se enquadram mais no cenário atual ou que nada têm a ver com elas/eles. Para não se arrepender mais tarEm Busca da de, o ideal é olhar para si mesma/o Profissão – qual e escolher algo que realmente teé a sua Trilha? nha a ver com seu temperamento. “Ele é o grande aliado para indicar O livro, uma a profissão certa”, finaliza. publicação da Divulgação

“Quero fazer Biologia, porque desde criança gosto de animais e de aventura, e depois que conheci mais a matéria no colégio, escolhi ser bióloga e sei que dependendo do local que eu for trabalhar, eu poderei ter um bom salário.”

Editora Senac/São Paulo, com distribuição exclusiva da Editora Ática, foi escrito pela jornalista Liliana Iacocca, com ilustrações de Michele Iacocca. De uma forma divertida as autoras instigam a reflexão para definir qual é a melhor profissão para escolher, sem muita pressão, o que costuma marcar esse momento.

TÁ na MÃO • Orientação vocacional online www.estudantes.com.br/ vocacional/ nº 44 · Ano 6 · Revista ViRAÇÃO

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Agora vale a vida

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fotos e texto: PALOMA CARRIEL, do Virajovem Curitiba (PR) *

s meninos e meninas destas fotos representam um Brasil que dá certo. São crianças e adolescentes que outrora tiveram seus direitos violados. Alguns já moraram nas ruas, outros estavam no trabalho infantil. Contudo, apesar das enormes dificuldades que já passaram sorriem, brincam, jogam bola. São resilientes, ou seja, capazes de vencer as dificuldades, os obstáculos, por mais fortes e traumáticos que elas sejam. A história delas/deles começou a mudar quando algumas pessoas passaram a dar prioridade absoluta para a nossa infância. As crianças que moravam nas ruas ganharam uma casa na Chácara Os Meninos de 4 Pinheiros, localizada em Mandirituba (PR) e reconhecida pelas Nações Unidas (ONU) em 2007 como uma das melhores instituições na área da infância. As crianças que antes estavam no trabalho infantil participam hoje do Programa Catavento, desenvolvido em uma parceria entre a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a Ciranda – Central de Notícias dos Direitos da Infância e Adolescência. Hoje, têm aulas de Capoeira, Dança, Educomunicação, Teatro e Artes Visuais. Estas garotas e garotos são a prova que o Estatuto da Criança e do Adolescente deve ser tirado do papel, para garantir que nossas crianças tenham direito à saúde, educação, família, mas principalmente tenham o direito de serem apenas crianças. Como disse o poeta Thiago de Mello em Os Estatutos do Homem, fica decretado que agora vale a vida!

IMAGENS que viram 8

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* Integrante de um dos Conselhos Jovens da Vira, presentes em 21 Estados do País (pr@revistaviracao.org.br)


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JOÃO FELIPE BRAGATO, GLEICIANE DA SILVA, CARLA DE ASSIS CORRÊA, ANA CAROLINA HONORATO MARCIELE DOS SANTOS SOARES, PAULO ROBERTO B. ROCHA, ANTÔNIO CARLOS CIQUEIRA, TAINARA DO NASCIMENTO DA SILVA e JACIARA SANTOS DA SILVA, do Virajovem Vitória (ES)*

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uriosidade é o que não faltou para as/os jovens das escolas municipais Eliane Rodrigues dos Santos e Tancredo de Almeida Neves, do bairro São Pedro, em Vitória (ES), quando correram atrás para interagir e discutir sobre a questão da gravidez na adolescência. A galera mostrou que se interessa sobre o assunto e que não se prende aos tabus tão comuns ao tema. Perguntas instigantes e desafiadoras foram feitas pelas/os próprias/ os alunas/os a uma profissional de Medicina e uma jovem mãe, Thaiana do Nascimento da Silva, aluna da Escola Municipal de Ensino Fundamental Tancredo de Almeida Neves. Leia o que rolou na entrevista com Thaiana.

Qual foi a sua reação quando descobriu que estava grávida? Na hora fiquei muito nervosa. Até pensei em tirar, só que minha mãe me deu todo

Informar para não remediar

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o apoio. Contei para ela que estava grávida e o meu pai não me quis mais em casa, então pensei em tirar, mas Deus me deu essa coisa linda que estou cuidando.

jovens fizeram perguntas à médica obstetra Antônia de Oliveira Campos:

Qual é o risco do parto com relação à idade? mulher que enAs primigestas gravida pela E o pai da criança? muito jovens e as Bom, ele cuida mais idosas são primeira vez. direitinho. Está trabalhanas que têm maior do, dá as coisas a ele... probabilidade de prénatal e parto de alto risco. EntendeE as dificuldades? Como fica se por primigesta precoce aquelas a escola com o tempo corrido? que engravidam antes dos quatorze As dificuldades são muitas. anos, e de primigestas idosas Estou fazendo 15 anos e voltarei aquelas que engravidam após a estudar em junho. os 37 anos aproximadamente.

PRIMIGESTA

Por que não se preveniu? Bom, na hora a gente estava se beijando, daí ele falou que a primeira vez não engravida, então acabei indo e engravidei. E foi isso que aconteceu, foi tudo muito rápido e esquecemos da camisinha.

Quais riscos que se pode correr na gravidez? Os riscos vão depender principalmente do acompanhamento desta gestação, e se existe alguma doença anterior à gravidez que possa complicar o parto. Atualmente

E daqui pra frente? Vai tomar os devidos cuidados? Já procurou um médico para se prevenir? Vai ser diferente. Vou tomar os devidos cuidados, vou tomar remédio e usar camisinha. Já tenho marcado uma consulta ao médico. Conte um pouco de como é sua rotina. É difícil. O bebê dorme o dia todo, mas na madrugada ele chora muito e tenho de levantar. Tem hora que eu não agüento, aí eu falo: ‘Mãe pega ele, por favor mãe!’ É bastante difícil. Você está fazendo 15 anos. O que você pensava que ia acontecer no seu aniversário de 15 anos? Eu queria uma festa mas a minha vida agora é meu filho. Tem algum conselho para dar para as adolescentes? Sim. Prevenir-se bastante e usar camisinha. ABRINDO O JOGO Continuando com suas dúvidas e curiosidades sobre o tema, as/os

Galera de olho na prevenção da gravidez não planejada finalidade de impedir a ovulação. Até 12 horas de esquecimento preconiza-se tomar a pílula esquecida e retornar a rotina de tomada normal. Após 12 horas pode-se até continuar o uso, porém é aconselhável adotar um método de barreira como o preservativo masculino ou feminino. Qual o melhor preservativo? Não existe marca melhor de camisinha. Apenas o vencimento deve ser observado. Todos os preservativos em distribuição no Brasil passaram por testes de qualidade do Ministério da Saúde antes da comercialização.

Se a mãe estiver com alguma doença pode passar para o leite? Sim. A principal causa hoje para não se amamentar é a mãe soropositiva (portadora do vírus HIV), que, mesmo fazendo uso de coquetel contra a doença, não os exames de deve amamentar seus Termo popularpré-natal vêm filhos, por aumentar o risco mente usado para diminuindo a de contaminação. uso de dois ou três cada dia os Abordar a temática da medicamentos. riscos de morte gravidez na adolescência é materna e fetal, urgente. Este é um tema mesmo em casos que deve ser considerado graves como hipertensão arterial como de saúde pública, e, mais do (pressão alta), diabetes etc. que isso, deve ser abordado pelo poder público em formas de polítiQual a conseqüência do cas públicas diversas que contemesquecimento de uma pílula? plem e insiram esta temática no Há risco de gravidez? âmbito do sistema educacional, Existe, sim, o risco de gestação tendo em mente a relevância de com o esquecimento. A pílula foi uma abordagem informativa concebida para uso contínuo com e não preconceituosa.

COQUETEL

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Alienados

Rolou em Goiânia (GO) o 3º Simpósio Internacional sobre a Juventude Brasileira para provar que a galera discute política sim! Entre debates subjetivos, números nada animadores, a galera trocou idéias e apontou quais os temas mais importantes

que nada! NÚMEROS QUE ASSUSTAM Gardene Leão de Castro Mendes*

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s e os jovens brasileiras/os somam 34 milhões, cerca de 20% da população, segundo a pesquisa do Projeto Juventude, feita pelo Instituto Cidadania. A mesma pesquisa mostra números nada animadores sobre a realidade da juventude no Brasil. Os dados sobre a renda mostram a condição de pobreza das/os jovens. Apenas 41,3% vivem em famílias com renda familiar per capita de mais de um salário mínimo, sendo que 12,2% vivem em famílias com renda até de ¼ do salário mínimo. Para piorar quando o assunto é Educação ou mercado de trabalho os dados não melhoram. Menos da metade (45%) dos/as jovens estudam, enquanto 6% estão no mercado de trabalho de trabalho, 5% estão ocupados/as ou 11% estão procurando emprego. Apenas um quarto deles está incluso: estuda e trabalha ou procura emprego. A pesquisa também revelou que 11% da juventude brasileira já sofreu diferentes formas de violência física. “Cerca de 20% dos/as jovens entrevistados já foram assaltados, enquanto 46% perderam algum parente ou amigo de forma violenta”.

AS EXPECTATIVAS DO JUBRA Gardene Leão de Castro Mendes e fotos Aurisberg Leite Matutino*

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abertura do Simpósio Internacional de Juventude (Jubra) contou com a participação de mais de 800 professoras/es, pesquisadoras/es, estudantes e profissionais de diferentes áreas do conhecimento e de atuação. Segundo Lourival Rodrigues, coordenador da Casa da Juventude e um dos organizadores do Jubra, o simpósio superou a meta planejada, com mais de 800 inscrições. A professora Sônia Margarida Gomes Souza, presidente da comissão organizadora do Jubra e coordenadora do Instituto Dom Fernando da Universidade Católica de Goiás, onde rolou a abertura, falou sobre a importância de se discutir sobre juventude nos dias atuais. Segundo ela, as/os jovens são muitas vezes interpretadas/os equivocadamente por Revista ViRAÇÃO · Ano 6 · nº 44

vários setores da sociedade. “As/os jovens são sujeitos de direitos; contudo, muitas vezes não têm os mesmos atendidos”. Rafael Prosdocimi Bacelar, 25 anos, relatou que quer compartilhar conhecimentos, já que é mestrando da UFRJ e tem um estudo sobre a participação política da juventude. “Há, na sociedade, um estereótipo sobre a juventude, considerada alienada e sem participação política. Mas isso não é verdade.” Letícia Alves de Oliveira, 20 anos, também está empolgada com a participação no evento. “Gostei da diversidade dos assuntos abordados. Eles abrem muitas possibilidades. Também quero ver as opiniões das/os diferentes pesquisadoras/es, profissionais e estudantes.”


SUBJETIVAÇÃO EM DEBATE Hugo Cassimiro, Jaciara Reis, Junio Sousa, Kássia Valéria e Lucas Emmanoel e fotos de Erick Correa*

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ompreensões de mundo diferentes estiveram presentes na mesa Processos de Subjetivação na Adolescência e Juventude. As pesquisadoras Glacy Roure (Universidade Católica de Goiás), Lucia Rabello (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e Maria Tardin Cassab (Universidade Federal Fluminense) mostraram suas visões sobre o tema. Glacy, compreende a juventude como um fenômeno cultural, leu seu texto sobre as identidades no Orkut. Para ela a nossa identidade é real, é o que dizemos ser. Somos o que dizemos que somos. Assim, o que dizemos ser no Orkut é uma realidade de quem a diz, mesmo sendo apenas dessa pessoa. Pensando a juventude de um jeito semelhante ao de Karl Marx, Lucia Rabello trouxe uma palavra/conceito

SÓ NO GÊNERO Hugo Cassimiro*

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eixo temático Sexualidade e Gêneros tratou só da questão de gênero, esquecendo o debate sobre a sexualidade. A compreensão de gênero como construção das relações sociais entre diferentes sexos foi o foco da apresentação de Vanildes Gonçalves sobre jovens da Renovação Carismática Católica. Em outros trabalhos acompanhados durante o evento, a categoria gênero serviu apenas para organizar os dados estatísticos em meninos e meninas, estando ausente uma leitura mais aprofundada dessa relação. A maioria das pesquisas apresentadas era sobre adolescentes (12 a 18 anos) e poucas sobre jovens (19 a 29 anos).

para a conversa. Trata-se dos “afetamentos” prováveis e possíveis da juventude. Os prováveis são aqueles existentes de forma concreta na sociedade capitalista de consumo, que nos afetam e pelos quais nos deixamos afetar. São as relações sociais que vivemos dia a dia e que nos limitam como jovens. Já os possíveis afetamentos são aqueles presentes nas contradições dessa sociedade e nos quais podemos vislumbrar caminhos para a mudança. Nossas potencialidades pessoais e sociais. Já Maria Tardin Cassab ressaltou a destituição da fala de jovens como limite de envolvimento político. Lembrou que algumas análises e estudos tendem a restringir grupos juvenis em limites rígidos de comportamento, deixando de visualizar as relações e experiências desses/as jovens de forma mais ampla e coagindo para uma atuação apenas dentro desses limites. Segundo a professora, uma noção predominante nesses tempos entre jovens desconsidera a percepção da vida como histórica, ou seja, que considere que vivermos entre passado e futuro e que nosso presente não é a única coisa existente. Suas considerações apontam para uma vida apenas no presente.

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*Integrantes de um dos 21 Conselhos da Vira presentes em 21 Estados brasileiros (go@revistaviracao.org.br)

TÁ na MÃO • Instituto Cidadania www.institutocidadania.org.br

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Jornalismo poético como formação

OU

AILTON MARQUES*

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QUAL O POEMA PRA AGORA?

u não escolhi trabalhar como jornalista (não me atrevo a dizer, “ser jornalista”). Ser só poeta só no Brasil é um caminho para a indigência. Para a mendicância. O jornalismo, então, me pegou pelo bolso. E eu o segurei pelo uso (po-) ético (embora preciso) das palavras, aprendido enquanto escrevinho meus poemas. Não tenho formação como jornalista e não tenho idéia de como se forma um poeta. Estou em constante (de) formação e faço disso um leme e um lema. Quando Ailton, sempre simpático e sorridente, me propôs uma entrevista sobre

JAMES MARTINS*

I V ! COMUNICAÇÃO POPULAR

ão escolhi trabalhar com jornalismo, o jornalismo me escolheu! Nunca fiz faculdade, na verdade eu só sou poeta, mais eles não têm o que reclamar de mim, o que faço, faço bem feito.” Eu escolhi entrevistar James Martins, escritor e poeta, não porque ele escreve versos bonitos ou frases de efeito em seu programa de rádio semanal. A escolha dele como entrevistado se deu porque ele trabalha com jornalismo sem possuir um certificado que ateste e o habilite a trabalhar na área. O mesmo serve para mim. Por meio de uma formação para atuação

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fotos: Rassani Costa

Vocação para jornalismo

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Salvador (BA)

James Martins

*Poeta, escritor e comunicador popular. Comanda um programa semanal de rádio em Salvador

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minha atuação como jornalista eu achei que isso não servisse para nada. Mas diante da explicação de que ele queria enfocar a contradição entre isso e a minha vida como poeta, e o fato de eu ser um jornalista sem diploma, aí passei a achar que sim, talvez saísse algo. O papo acabou sendo bom. Leve. E eu fui me deixando levar e acabei gostando de responder às perguntas. Algumas delas exigiam respostas engraçadas, quase sacanas, e eu as dei. No fundo eu sinto sim um certo orgulho de não ter passado pela academia, afinal o mundo precisa de um componente diferencial pra seguir respirando. Equilíbrio. Esta é a palavra. Mas admiro grandes escritores acadêmicos, doutores e coisa e tal. Não pretendo ser modelo de ninguém. Mas creio que o fato de eu cumprir bem a minha jornada de jornalista (e eu realmente faço bem e não preciso ser modesto) deve servir para se repensarem alguns conceitos e preconceitos. Provar que é bom poeta é mais difícil. Quando Aílton me perguntou qual a poesia pra agora, minha boca se encheu de respostas (o que quer dizer que eu talvez não saiba) e eu tive um pouco de vergonha porque nunca mais escrevi um poema. Mas aquele poemeu sobre fazer poesia é bom e ajudou na hora. Pra encerrar: Trabalho vem do latin ‘tripalium’ (três paus): instrumento usado para subjugar os animais e forçar os escravos a aumentar a produção. Mas escola vem de skholé, que é o ócio. Ou seja, quanto mais se estuda, menos torturante o trabalho fica. Vira quase ócio. Ócio produtivo. É uma boa equação.

James Martins

“Enquanto as pessoas vão para as faculdades fingir e buscar a qualquer custo só um diploma, eu estudo. Leio Dante, ouço jazz, assisto filmes de Júlio Bressane e converso com as pessoas na rua e aprendo!”

(Ailton Marques)

Vai Vai ao espaço ilimitado e indefinido dos astros Denotar os pútridos e os pusilânimes Vai Vai ao encontro de crono mandarim E pinta de nanquim a história Pois tudo vai deperecer Menos a dilaste E a demência do poeta.

Quando propus-me a escrever Mandaram-me procurar um estilo Não achei-o desestilo (James Martins)

“Muito do que eu faço como jornalista eu aprendi com meu adestramento com as palavras”

* Monitor de rádio do Ateliê de Artes Multimídia do CRIA, em

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comunitária na área de rádio, eu comecei a desenvolver um trabalho com áudio que é fortemente influenciado pela poesia. Louco isso, não é? Jornalistas que nunca experimentaram as cadeiras das universidades... algo novo... Besteira! Isso não tem nada de surpreendente: Nelson Rodrigues, Diniz Ventura e muitos outros escritores se transformaram em jornalistas não pela vida acadêmica, mas sim pela vida prática. O próprio Cuíca de Santo Amaro (cordelista de Salvador), era um poeta que veiculava histórias verídicas utilizando jornalismo literário de maneira espirituosa e bem-humorada. Eu perguntei a ele: “Lula não tem uma formação acadêmica, você também não. Você se considera o Lula da comunicação?” Ao que ele respondeu: “Não, não. Lula é demagógico e usa da não-formação como bandeira política. Pelo contrário, acho até uma desvantagem, e não faço apologia a não estudar, estudem! Só optei por não me formar e pronto!” E a sua poesia? “Minha poesia é ligada ao passado ‘sem figurino de época’ e sem parecer uma novela das seis.”


ECA

PALOMA KLISYS*

A

buso de poder, tortura, assassinato, desvalorização da vida, imposição da violência como algo “natural” e cotidiano. Isso aqui ô, ô, é um pouquinho de Brasil iá , iá... Imagine-se em casa, curtindo seu jantar, quando de repente, depois de ser surpreendida/o pelo som de fortes rajadas de metralhadora, você se vê deitada/o no chão, com as mãos pavorosamente pousadas protegendo a cabeça à espera de alguma agressão iminente. Essa cena faz parte da vida de muitas famílias cariocas que conheci com a fotógrafa Iolanda Huzak durante o processo de pesquisa para a publicação do nosso livro escrito a partir do ECA e da distância do que reza a lei e a prática. Em fevereiro de 2003, no ônibus a caminho do desfile das Escolas de Samba Mirim, crianças e préadolescentes moradores do Morro do Macaco, em Vila Isabel, intercalavam seu canto entre o enredo do samba e do “Bonde do Crime com o funk do Azulão. A situação de risco e a vulnerabilidade das crianças e adolescentes que moram em morros e subúrbios da cidade do Rio de Janeiro é uma constante desde o início da história da formação da cidade e suas divisões territoriais entre a elite e o povo. No mais, mesmo com todas as polêmicas e absurdos recentes como o assassinato de três jovens negros com participação direta de policiais e militares, a negligência reina e tudo continua como a música “Rio 40 graus”, conhecida na voz de Fernanda Abreu. A presença de facções interferindo de modo incisivo no dia-a-dia das comunidades e a possibilidade de obtenção de status e ascensão social através do envolvimento com o tráfico de drogas são uma realidade. Somado a má distribuição de renda, à violação de direitos básicos que comprometem o exercício do direito ao desenvolvimento integral de jovens, temos alguns dos mais explosivos componentes do círculo vicioso há muito instituído, cuja manutenção também é feita via alienação e omissão da opinião pública e da sociedade civil. Depois de uma semana do assassinato dos jovens do Morro da Providência, o Conselho Nacional de Juventude, bem como a Secretaria Nacional de Juventude, se silenciam diante do fato. Poucos são os que denunciam ações abusivas praticadas por policiais encapuzados. Membros da comunidade do Morro da Providência saem às ruas e em resposta ao grito de justiça recebem bombas de gás lacrimogêneo. Enquanto isso, uma pergunta continua no ar: quem policia a polícia? O exército, de acordo com a Constituição de 1988 não deve ser responsável pela segurança pública. Quando pensamos que a situação tornou-se tão grave que seremos obrigados a produzir mudanças no sentido

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sa Sou Ivo

Saiba sobre seus direitos e deveres, garantidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente

de afirmação do direito ao respeito, a vida e a dignidade, constatamos que o quadro, apesar de crítico e insustentável, permanece e ganha contornos de perversidade. A alteração da atual configuração que nos coloca no papel de reféns, nos desafia a inventar novos meios de participação na elaboração, execução e fiscalização do cumprimento de políticas públicas. Para tanto é necessário rompermos com a cultura de delegar poderes e responsabilidades. Até aí, nenhuma novidade. Quem está disposto a fazer isso? Mais uma questão difícil que só pode ser respondida no coletivo. Resta saber qual é o grau de violência e passividade que seremos capazes de suportar. Se não está satisfeita/o e se não quiser que uma máscara de oxigênio faça parte do seu kit de cidadão disposta/o a fazer valer seus direitos, organize-se, constitua redes e rebele-se. A violência não é o único caminho. Lentini

Quem policia a polícia

DE OLHO NO

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*Paloma Klisys é escritora, autora de Drogas: qual é o barato e Do avesso ao direito paloklis@hotmail.com


STELA GUEDES CAPUTO*

A escola em

Esta conta seção c patroc om o do Un ínio icef

Livros didáticos católicos discriminam religiões afro-descendentes e levam o criacionismo para as escolas

disputa

A

fotos: Ângelo Costalonga / Revista Missões

proveitando a brecha aberta através da lei estadual 3.459/2000, que regulamentou o Ensino Religioso como confessional no Rio de Janeiro, no final do ano passado, a Arquidiocese lançou quatro livros didáticos católicos de ensino religioso. A coleção é coordenada por dom Filippo Santoro, Bispo da Educação e do Ensino Religioso e ilustrada também pelo cartunista Ziraldo. “O lançamento desses livros do Ensino Religioso Confessional e Plural das Escolas Públicas do Rio de Janeiro é muito importante porque indica uma perspectiva na qual se comunica uma mensagem muito clara, um conteúdo”, afirmou dom Filippo Santoro, em matéria publicada no jornal O Testemunho da Fé, em agosto de 2007. As obras representam um retrocesso em importantes conquistas de educadores e educadoras preocupada/os com a diversidade do país. A maioria das ilustrações tenta garantir uma “aparência politicamente correta”, mas, na verdade, reproduz estereótipos sobre as populações afro-descendentes. Além disso, desrespeitam a Constituição, burlam a própria lei do Ensino Religioso e também discriminam religiões afro-descendentes. Na página 56, do volume A Igreja de Cristo, por exemplo, diz o texto: “A umbanda não faz uso de sacrifícios de animais em seus rituais, porque respeita a vida e a natureza”. Para Mãe Beata de Yemonjá, Yalorixá do Ile Omiojuaro, em Miguel Couto, na Baixada Fluminense, a afirmação é totalmente sem sentido. “O candomblé faz oferenda e mesmo se os padres disserem que queriam fazer um livro plural, eles, mais uma vez, colocam lenha na fogueira. Além disso, o mundo não se limita a Jesus, aliás, sacrificado pelo Deus cristão, ou não?” O senador Marcelo Crivella, ex-bispo da Igreja Universal do Reino de Deus e pré-candidato do PRB à Prefeitura do Rio, deve sacramentar a aliança com o PTB, que apresenta como candidato a vice o ex-deputado estadual Carlos Dias, ninguém mais, ninguém menos que o autor da lei do Ensino Religioso Confessional do Rio. A escola, nesse momento, representa um mercado religioso a ser dividido e conquistado por esta aliança que deixa de lado antigas divergências em benefício de interesses religiosos e políticos estratégicos dentro e fora da escola. Logo depois de assumir, o ex-secretário de Educação do Rio, Nelson Maculan, declarava aos jornais, no dia 13/4/2006, que pretendia acabar com o ensino religioso confessional e nunca mais tocou no assunto. Parece que o problema também não existe para a nova secretária Tereza Porto. O silêncio só interessa aos setores envolvidos na aliança católico-evangélica, que, devagar e em surdina conseguiu acabar com a laicidade do Estado do Rio. Aos professores e professoras que defendem que escola não é lugar de qualquer religião, nenhum silêncio interessa. É hora de voltar a fazer barulho.

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* Jornalista, Doutora em Educação e professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ)

nnºº 44 44 ·· Ano Ano 6 · Revista ViRAÇÃO

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Mais informação,

Jovens do Programa Saúde e Prevenção nas Escolas - Adyl Carlos - Luciano Henrique da Silva - Lucas Nascimento da Silva - Leonardo Azevedo - Fernando Alves - Fátima Ribeiro - Mauro Lima dos Santos - Paulo Cipriano da Silva - Anderson César - Paulo Roberto Jovens da Revista Escuta Soh! - Oséias Cerqueira - Paula Catuaba - Thyago Victor - Edson Santos

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UNICEF/BRZ/Jackeline Nigri

UNICEF/BRZ/Jackeline Nigri

equipe

Olha a equipe afinada que tocou esse barco!

Agência Jovem de Notícias

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alar sobre prevenção nunca é demais. A galera da Vira acredita nisso e organizou uma Agência Jovem de Notícias durante a 3a Mostra Saúde e Prevenção nas Escolas, que rolou em Florianópolis (SC) nos dias 24 e 25 de junho de 2008. A agência bombou: 40 pessoas, entre jovens do Programa Saúde e Prevenção nas Escolas do Brasil inteiro, Agentes de Comunicação do Consórcio Social da Juventude Aroeira de Floripa, educomunicadores e coordenadores deram um gás e não perderam nenhum segundo da Mostra. O resultado está aqui: selecionamos um aperitivo do que foi a cobertura, que está toda registrada no site exclusivo da Agência Jovem: www.revistaviracao.org.br/spe. E o pessoal foi criativo: tem notícias, entrevistas de rádio e até poesias! A 3ª Mostra Saúde e Prevenção nas Escolas foi organizada pelo Ministério da Saúde e o Ministério da Educação em parceria com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), com o objetivo de promover a troca de experiências e informações sobre iniciativas de educação preventiva e de promoção da saúde de adolescentes e jovens, realizadas em todo o país.

Agentes de Comunicação do Consórcio Social da Juventude Aroeira – Florianópolis (SC) - Bruna Souza - Jessica Cardoso Venancio - Crislaine Fatima de Souza - Daiany Cristina Lopes - Geane Rosa - Dariana Maria Campos - Cristiane Laurizete Pereira - Jaqueline Machado dos Santos - Leandro Braian de Souza - Vanessa Fachini - Alex da Costa - Daymon Fabiano Educomunicadores - Celina Sales - Jorge Jr. Coordenação - Paulo Lima, Revista Viração - Daniela Ligiéro e Alexandre Amorim, Unicef - Adriana Maricato de Souza, Ministério da Educação - Amanda Nogueira de Oliveira, Catavento Comunicação e Educação Juventude em ação na 3ª Mostra de Saúde e Prevenção nas Escolas


UNICEF/BRZ/Jackeline Nigri

menos nóia O ministro da Saúde, José Gomes Temporão, anunciou que o governo federal vai produzir e distribuir 400 máquinas de preservativos para escolas que fazem parte do programa Saúde e Prevenção nas Escolas (SPE). “Um dos grandes desafios do combate à aids é o acesso à educação sexual nas escolas e o incentivo ao uso de camisinhas”. O programa, no entanto, ainda têm desafios, como garantir informação ampla, romper estigmas e preconceitos e ampliar o acesso a medicamentos, além da educação sexual.

PRA ENTENDER

Para que serve o Programa Saúde e Prevenção nas Escolas (SPE)? - Para contribuir com a redução da infecção pelo HIV/dsts e os índices de evasão escolar causada pela gravidez na adolescência (ou juvenil), na população de 10 a 24 anos; - O programa estimula a participação dos jovens nos espaços de formulação e execução de políticas públicas de prevenção das dst/aids e do uso nocivo de drogas; - Para instituir a cultura da prevenção nas escolas e na comunidade.

Eu Posso Eu posso cantar, sorrir. Posso transar, ser feliz! Fazer o amor sem limites Fazer o que quero e sempre quis... Beijar várias mulheres Como faz nas rosas O beija-flor... Senti-la por dentro e por fora Fazer do frio o calor! Posso tudo nessa vida No limite do amor Faço tudo com cuidado, Busco a emoção, sinto o prazer Livre da aids Ou de outra dst... Eu faço tudo isso Porque tenho convicção Que a vida passa, Mas continua a prevenção

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DISCRIMINAÇÃO SE REDUZ Agência Jovem de Notícias

COM INFORMAÇÃO A galera aproveitou o SPE para entrevistar Daniela Ligiéro, coordenadora de projetos do Unicef. Confira a entrevista!

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Quanto mais informação se tem, mais se reduz o preconceito? A informação é o primeiro passo e sem ele é impossível seguir adiante, mas eu não acho que é o único passo. Com informação você começa a entender melhor a realidade. Mas é importante o contato. E a partir do momento que você conversa, entende um pouco mais a realidade do outro pela própria experiência de convivência. É mais um passo para ajudar a reduzir esse estigma. E com relação à cobertura dos adolescentes? Você acredita que eles sejam maduros o suficiente tanto para fazer a cobertura do

evento quanto para discutir algo tão sério e necessário? Sem dúvida. A grande sacada do Programa Saúde e Prevenção nas Escolas foi isso. A inclusão e a participação dos jovens em todos os níveis. Ter a cobertura jovem da Viração no evento mostra que não só os jovens são capazes, como são criativos e nos ensinam como falar sobre certos temas. Acho que a gente pode aprender com eles.

Na abertura da 3a Mostra Nacional Saúde e Prevenção nas Escolas (SPE), a Agência Jovem de Notícias bateu um papo com a representante do Ministério da Educação, Maria do Pilar Silva. Quais as maiores dificuldades enfrentadas no desenvolvimento do SPE no contexto atual? Primeiro, aprender a trabalhar intersetorialmente. Temos dificuldades para trabalhar com outros ministérios, com outros departamentos. Depois, a própria concepção dentro das escolas. É preciso que a escola dê importância a esse assunto, e que ela não ache que é um assunto transversal. Trata-se de um assunto que tem que ficar em todas as conversas, em todas as aulas. Nós temos que mudar nossa forma de trabalhar internamente e seduzir a escola, para que ela perceba a importância desse projeto para seus alunos. Afinal, o SPE é projeto ou programa? Olha, eu ligo pouco para a questão burocrática. Sendo um projeto ou programa, ele tem que sair do papel e virar realidade, chegar ao dia-a-dia de cada jovem brasileiro. Isso é o que nos interessa: que todos os meninos e meninas saibam por que prevenir, como prevenir, para que tenham uma vida saudável e oportunidades de escolha.

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Agência Jovem de Notícias

É preciso seduzir a escola

Você acredita que o estigma e a discriminação estão sendo reduzidos por meio do SPE? Sim. As coisas mais importantes que apareceram no programa foram a relevância de trabalhar não só a prevenção das dsts/aids no SPE, mas também a questão dos jovens vivendo com HIV na escola. Como esses jovens, que já são soropositivos, são tratados na escola e como eles se incorporam nas atividades do SPE? Até agora a gente não tinha dado a atenção necessária a esse grupo, e foi uma reivindicação dos próprios jovens com HIV levar esse tema para o SPE. A questão da educação e da informação são essenciais para fazer isso.

A cobertura da Mostra foi feita pelas/os meninas e meninos da Agência Jovem de Notícias


PARADA POLÍTICA

L

ogo depois da 3a Mostra Saúde e Prevenção nas Escolas, aconteceu o 7o Congresso Brasileiro de Prevenção às dst/aids, também em Florianópolis (SC). No encerramento do evento, as organizações Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV/aids no Brasil (RNP+), Movimento Nacional das Cidadãs Posithivas (MNCP) e Rede Nacional de Jovens Vivendo com HIV/aids (RNJVHA), elaboraram dois manifestos. Um foi lido pela ativista Camila Pinho, do Grupo Vhiver, de Belo Horizonte (MG) e integrante da revista Escuta Soh! O outro foi apresentado pela Rede Nacional de Jovens Vivendo com HIV/aids. Confira trechos dos documentos abaixo.

MANIFESTO PÚBLICO DA RNP+, MNCP E RNJVHA PELA INCLUSÃO SOCIAL DAS PESSOAS VIVENDO COM HIV/AIDS* As pessoas com HIV/Aids inseridas na Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV/Aids (RNP+), no Movimento Nacional das Cidadãs Positivas (MNCP) e na Rede Nacional de Jovens Vivendo com HIV/Aids (RNJVHA), firmam, conjunta e historicamente, a defesa de uma política de inclusão social que garanta a melhoria da qualidade de vida das Pessoas Vivendo com HIV/Aids (PVHA) para além das esferas da saúde e da assistência. (...) Entendemos que o exercício pleno da cidadania relaciona-se diretamente com os direitos humanos, ao acesso às políticas públicas sociais do Estado brasileiro, em consonância com o Artigo 6º da Constitui“São ção Cidadã de 1988 (“São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição” Constituição”), vinculada a uma resolutiva rede de proteção social social. Estamos a alguns passos de sermos encarados e encaradas como criminosos. Transformar a transmissão do HIV em crime hediondo, como sinalizam alguns parlamentares, pode traduzir que cidadãos e cidadãs brasileiros só aprendem com punições. Somos contra esta postura política que aumenta o estigma, o preconceito e a discriminação, que insiste em separar “saudáveis” de “insalubres”. (...) A RNP+, o MNCP e a RNJVHA, reivindicam ainda, o respeito à saúde sexual e aos direitos reprodutivos das PVHA, com ênfase à política de atenção integral à saúde da mulher, atendendo às especificidades sem discriminação de gênero, raça, cor, credo, etnia, religião e orientação sexual. No que se refere à realidade de adolescentes e jovens vivendo com HIV/Aids, precisamos que sejam incluídos e incluídas pelo projeto Saúde e Prevenção nas Escolas (SPE).

OFICINA EM CASA FLUTUANTE

U

ma oficina sobre dsts/aids numa casa flutuante. Isso mesmo! É o que rola no projeto Oficinas de Prevenção às dsts/aids com adolescentes e jovens nas escolas públicas de Tefé (AM). Quem conta essa história para a Agência Jovem de Notícia é o jovem Maís Souza. Ele apresentou sua iniciativa no primeiro dia da 3a Mostra Nacional Saúde e Prevenção nas Escolas. Maís participa do Saúde e Prevenção nas Escolas desde 2006 e faz parte do Grupo Gestor Estadual no Amazonas. Como o projeto funciona? Rola por meio do SPE juntamente com a Secretaria de Saúde. A gente realiza oficinas preventivas nas escolas estaduais e municipais. Uma coisa que dá super certo é uma oficina realizada em uma casa flutuante no lago de Tefé. E como vocês fazem pra trabalhar com esses estudantes? A gente utiliza vídeos educativos, dinâmicas, apresentações teatrais.

Ainda em relação a adolescentes e jovens vivendo com HIV/Aids institucionalizados em Casas de Apoio Apoio, são necessárias políticas de desinstitucionalização, de suporte e apoio, para que não sejam tutelados e abandonados ao completarem determinada idade e conseqüentemente viverem nas ruas. Reivindicamos a formulação de uma política que promova jovens e adolescentes vivendo com HIV/Aids à categoria de cidadãos e cidadãs. Queremos que adolescentes e jovens que vivem com o HIV/Aids sejam respeitados integralmente como pessoas humanas que são, mediante políticas públicas favoráveis às suas necessidades. (...) Posto isso, a efetivação de uma política de inclusão social garantirá substancialmente a melhoria da qualidade de vida das Pessoas Vivendo com HIV/Aids (PVHA) para além da Saúde e da Assistência. Se antes nos escondíamos para morrer, hoje nos mostramos para viver!!! Texto lido por Camila Pinho. Jovem-mulher-lésbica vivendo com HIV, do Grupo VHIVER de Belo Horizonte (MG), ativista nos três movimentos descritos neste manifesto, no encerramento do VII Congresso Brasileiro de Prevenção às DST/Aids. * A íntegra pode ser conferida no site da RNP+: http:/ /rnpvha.org.br/modules/news/article.php?storyid=610) nº 44 · Ano 6 · Revista ViRAÇÃO

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JOVENS VIVENDO COM HIV/AIDS QUEREM Leia, a seguir, o documento que jovens vivendo com HIV/aids leram na cerimônia SER INCLUSOS NO SPE de encerramento da III Mostra Nacional Saúde e Prevenção nas Escolas

O

SPE é um grande programa no qual acreditamos ser uma possibilidade de transformação social. Reconhecemos sua importância para desmistificar assuntos referentes à diversidade sexual, relações de gênero, raça e etnia e deficiências física e mental. Isso será facilmente encontrado no guia de adolescentes e jovens para a educação entre pares. O grande problema é que ele não aborda como é viver com HIV/Aids dentro das escolas, dando a entender que o público-alvo é constituído apenas por soronegativos e que nas escolas não há soropositivos. Somos jovens que vivem com HIV/Aids e estamos sim inseridos no processo educacional. Sabemos que o grande problema é quando a preocupação está voltada para as conseqüências que a Aids traz para a sociedade e nos esquecemos dos traumas que a sociedade causa aos jovens que vivem com HIV/Aids. Sentimos na pele a violência arrasadora do preconceito, da exclusão e do abandono; sentimos as marcas físicas e psicológicas da lipodistrofia lipodistrofia. Por isso fazemos prevenção: para evitar que outros jovens não se submetam a tamanho sofrimento; lutamos também pelo reconhecimento e pela conquista de espaços que nos são notavelmente cabíveis. Estamos aqui para reivindicarmos a maior participaA galera soltou ção dos jovens que vivem com HIV/Aids na construção das o verbo no mural propostas do SPE e também na sua execução: (acima) e trocou • Participação dos jovens que vivem com HIV/Aids É o nome dado às muexperiências na na elaboração de um guia atualizado que nos danças na forma do 3a Mostra SPE inclua em suas propostas de trabalho, visto corpo nas pessoas em que o atual, mais uma vez, não contemtratamento com copla as nossas demandas; quetel anti-HIV. A pa• Capacitação de um número considerá vel de jovens que vivem com HIV/Aids lavra lipodistrofia sigpara atuarem pelo programa. nifica acúmulo de gorHá algum tempo muito se questionou: dura, mas as mudan“Onde estão os jovens soropositivos”? preconceito contra ças corporais nas pesPois é, estamos aqui, nacionalmente organizapessoas que vivem soas com HIV incluem dos e dispostos a levarmos até as últimas com HIV/aids não só a aquisição, conseqüências nossa luta por uma sociedade mas também a perda sem aidsfobia discriminação e estigmas

LIPODISTROFIA

AIDSFOBIA

de gordura.

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Palco

Assessoria de Imprensa

GALERA REPÓRTER

O Potiguar Fernando Luiz

Social AMANNDA LAMA, ALEXANDRE MUNIZ e JOSIMARA FARIAS, do Virajovem Natal (RN)*

C

erca de 60 crianças e adolescentes matriculados na escola, com reforço escolar, merenda e atividades extras que valorizam sua arte. Esta é a realidade do Futuro Feliz, projeto desenvolvido há cinco anos em Mãe Luíza, na periferia de Natal, e que tem como pilares arte, cultura e educação. O idealizador de tudo é Fernando Luiz, um cantor conhecido por seu estilo brega, que se uniu ao amigo Cícero Ramos na tentativa de fazer algum trabalho social. Tudo começou com o Show das Comunidades, um espetáculo no estilo ‘caça talentos’, que ele realiza no subúrbio da capital potiguar e nas cidades do interior do Estado. Fernando esteve na Terramar e numa conversa contou um pouco de sua trajetória que já tem mais de 15 anos de sucesso.

Como é o Show das Comunidades? Faço o show desde o ano 2000. Ele é financiado pela Lei Djalma Marinho (uma lei estadual de incentivo à cultura) e com isso não cobro nada do público. O espetáculo dura em torno de quatro horas e está dividido da seguinte forma: primeiro, eu faço o meu show e depois cedo o espaço para quem quiser se apresentar e mostrar sua arte. Já cadastrei mais de 200 talentos, entre cantores, bandas, grupos de dança.

Ele se utiliza da arte e do entretenimento para promover mudança social, dando espaço e oportunidades para as/os jovens mostrarem seus talentos e usá-los na transformação da realidade. Conheça a história do potiguar Fernando Luiz Tá todo mundo aí nº 44 · Ano 6 · Revista ViRAÇÃO

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E como começou o Futuro Feliz? Bem, num desses shows em Mãe Luíza, eu conheci o Cícero, que já dava aula de reforço para crianças, mas era um trabalho solitário. E eu também tinha uma vontade de fazer alguma coisa pela comunidade. Eu me identificava com Mãe Luíza de tanto passar por lá para deixar minha filha na escola. Com ajuda de amigos, alugamos o centro social do bairro e começamos a estruturar melhor as aulas. Depois de cinco anos, são cerca de 60 crianças e adolescentes, todos matriculados em escolas públicas. Mas as crianças gostam das aulas ou só vão porque a mãe manda? Não, elas gostam. No início foi um pouco difícil. Tinha muito aluno rebelde, que ia mal na escola. Mas depois eles melhoraram e hoje nossos índices são maravilhosos, com mais de 90% de aprovação. No entanto, o que realmente fez as crianças freqüentarem as aulas foi a merenda. Se não tem merenda, elas desaparecem. Infelizmente é assim. Participar do projeto aumenta a auto-estima delas.

Aprendizado

muitas crianças se ausentarem. Outra dificuldade é o local. Nós não recebemos nenhum tipo de ajuda do Governo. Até porque, para isso, precisamos ter uma sede própria e nós não temos. Há dois anos, E as mães? Elas recebemos a doação de pedem alguma um terreno e estamos orientação? buscando parcerias Claro que pedem e com empresas de procuro ajudar como construção, sindicatos, Mãos à obra posso. A realidade em para começarmos a Mãe Luíza é muito dura. O bairro já evoluiu, mas ainda levantar a nossa sede, nosso canto, mas isso ainda vai é muito difícil viver lá. E as mães nos agradecem sempre levar algum tempo. O problema do centro social é que por manter os filhos e filhas delas com o tempo ocupaele não nos oferece a estrutura que precisamos. Mesmo do. Se mantivermos o tempo dessas crianças ocupado, lá o projeto funciona de forma precária, porque o centro mais chances elas têm de ter um futuro melhor. possui problemas estruturais e isso acaba prejudicando o projeto. E tem mais alguma atividade além do reforço escolar? A bola da vez é a ecologia. Seu projeto faz alguma coisa pelo meio ambiente? Sim. Conseguimos um patrocínio recentemente e montamos uma oficina de percussão para adolescentes Indiretamente, sim. Boa parte dos meus shows é ao ar de 12 a 14 anos. Compramos instrumentos, contratamos livre, em área descoberta, e onde ele acontece, faço um um professor, e fizemos uma parceria com uma escola plantio de mudas. Esse período de chuvas dificulta um do bairro pra nos ceder um espaço para os ensaios. É o pouco as coisas, mas sempre que dá certo, fazemos um Bate Farol! E outra coisa: eles aproveitam a aula para plantio. E, outra coisa, também não é fácil conseguir extravasar a energia. Além da oficina, existem também pessoas dispostas a cuidar das mudas. É todo um um grupo de dança e um coral sendo articulados. Eu processo. Mesmo assim, gosto de fazer. continuo realizando o Show das Comunidades e, às Como você ver a questão cultural em Natal? vezes, eles também participam. A cidade tem um potencial muito grande. Nossos Quais as maiores dificuldades do projeto? artistas são bons, artistas têm idéias, projetos, mas não Primeiro, manter a merenda. Nesse semestre, conseguem se lançar no cenário regional ou nacional. Há aconteceu de alguns dias faltar a merenda e nós vimos uma cultura de se valorizar o produto externo.

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A TRAJETÓRIA DO PROJETO NAS PALAVRAS DE FERNANDO LUIZ

H

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AFORÇA DO TALENTO POTIGUAR

á oito anos, quando tivemos a idéia de criar um projeto para descobrir talentos nas comunidades de Natal, a primeira objeção que tivemos que enfrentar junto à diretoria da ANDAR foi esta: quase todos achavam que fazer shows com artistas desconhecidos em bairros afastados não daria público, principalmente em um projeto chamado Show das Comunidades. Contornada esta dificuldade, seguimos em frente e realizamos o primeiro Show das Comunidades no dia 08 de março de 2002. No ano seguinte, quando criamos o jornal Talento Potiguar, também enfrentamos rejeição, pois muitos achavam que o terDiscutindo Ação Social mo “Talento Potiguar” era uma expressão sem apelo comercial. Como Mas isso não vem melhorando? das outras vezes, insistimos na nossa idéia e lanDe uns quatro anos para cá, houve uma grande çamos o jornal. melhora, uma maior articulação dos mecanismos Em 2003, nosso projeto foi aprovado pela Lei do governo. Mas os artistas comunitários não têm Djalma Maranhão e a partir de então o Show acesso a essas ferramentas. Não existe ‘inclusão das Comunidades conseguiu se firmar. cultural’ no Estado. Por isso, estamos atrás de Atualmente, o projeto Talento Potiguar – Show Pernambuco, Bahia e Ceará. Além disso, muitos artistas natalenses se acomodaram e não buscam das Comunidades mantém o projeto educaciocrescer, ir além Brasil afora. Nossos artistas precisam nal Futuro Feliz, em Mãe Luiza e contribui para a se interiorizar e se exteriorizar mais. divulgação e valorização da nossa arte e da nossa cultura, através da revista Talento Potiguar e E você faz sua parte com o Show das contribui com o meio ambiente através do proComunidades? jeto ‘Sementes do Amanhã’. Em 2008, realizaTambém. Os espetáculos são veiculados por uma mos nosso maior sonho: conquistamos um esafiliada da rede Record, todos os domingos, às 10h paço na TV, com a criação do programa Talento da manhã. Então, além de oferecer uma oportunidaPotiguar, que vai ao ar pela TV Tropical nas made para as pessoas se apresentarem no palco, ainda mostro isso para o Rio Grande do Norte todo. nhãs do Domingo. Agora, o projeto Talento Potiguar – Show das *Integrantes de um dos Conselhos Comunidades lança o CD Volume 04, com os taJovens da Vira, presentes em 21 Estados do lentos descobertos nas comunidades durante o País (rn@revistaviracao.org.br) ano de 2007, e com a participação de vários artistas de renome da música potiguar. O lançamento de mais um CD representa para nós a certeza de que nossa luta em defesa da nossa arte e da nossa cultura está colhendo os frutos de um trabalho que começou como um desafio e que se desenvolve como uma missão que cumprimos com dificuldades, mas sobre tudo com garra e determinação. • Site do Fernando Luiz: www.fernandoluiz.com Fernando Luiz

TÁ na MÃO

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Edu Moraes

Trajetória

Nobre

A Ashoka celebrou o ingresso de novos empreendedores sociais da América do Sul em 24 de junho, no Memorial da América Latina, em São Paulo. O encontro contou com a participação de mais de 650 pessoas e apresentações de grupos de dança de projetos sociais juvenis. Confira a história de um deles! 26

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CAMILA CARINGE, da Redação

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o começo era tudo farra, elas admitem sorrindo. “Ah, é legal ter um monte de amiga, sair pra dançar, participar de festival”, diz Amanda Fusco, ao lado da companheira e amiga Jamile Barbosa. “A gente criou um laço afetivo muito grande. E era muito divertido.” Elas começaram a dançar cedo. Amanda há 14 anos; Jamile, há seis. Ambas têm 20 anos hoje. A mãe da Amanda é professora de jazz e dança contemporânea. E as coisas foram ficando mais sérias. Freqüentavam aulas nas tardes de segunda a sexta.


Saíam da escola, que fica na zona norte da capital paulista, e já iam direto pra aula de dança. “No primeiro ano, tinha aula de sábado, depois era no domingo o dia inteiro”, conta Amanda. Foi aí que decidiram montar um grupo de apresentações. E esse grupo precisava de um nome. A idéia veio de uma propaganda de carro. “A gente estava assistindo à televisão, eu e minha mãe, e aí passou um carro assim, bem bonito, que se chamava Insígnia. Aí minha mãe falou: ‘Nossa! Olha, que bonito!’. Procuraram no dicionário e gostaram do significado: digno de nobreza. Não é que o nome pegou?!. Do Insígnia nasceu a proposta de dar aulas de dança. Amanda e Jamile, junto com mais duas amigas, criaram e escreveram o projeto dentro do Programa Aprendiz Comgás (PAC), uma das organizações parceiras da Ashoka no Programa Geração MudaMundo que apóia propostas de jovens agentes de transformação e a proposta seguiu. A idéia de inscrever o projeto no PAC veio de um amigo, que já tinha participado com uma equipe de teatro. “Aí, a gente resolveu particiEdu Moraes par. Fomos chamadas para a entrevista e passamos”, lembra Jamile. Quando começaram o desenvolvimento do projeto, não tinham idéia do trabalho que teriam e do alcance de seus esforços. Depois, veio a etapa para formalizar a proposta em um documento estruturado, com cara de projeto mesmo. “Lá, a gente começou a escrever, passamos por vários processos. Até chegar no que temos hoje demorou bastante.” A partir daí, as meninas começaram a estabelecer objetivos, justificativa, plano de ação, cronograma de atividades, indicadores de avaliação... Ufa! “Nós fizemos a justificativa umas nove vezes e em todas a gente achava que estava ruim”, confessa Amanda. E mesmo depois que acabou o curso no PAC elas ainda reformularam a justificativa outras vezes.

complicado”, conta Jamile. A falta de tempo e de recursos financeiros para manter o projeto sempre foi o grande desafio. Ao começarem a carreira as dificuldades eram menores: “Naquela época era mais fácil, os pais não pegavam tanto no pé e não havia tantas responsabilidades”. Quando cresceram, e não podiam viver da dança tiveram que ir trabalhar com outras coisas. Segundo elas, participar do Geração MudaMundo serviu para questionar as ações e quebrar a rotina. Amanda ressalta que quando você faz sempre a mesma coisa, não consegue encontrar um objetivo novo dentro daquilo que já tem. Você pensa “já dei minha contribuição” e isso basta. Mas não é o suficiente. Participar de uma mobilização que ajude a fixar metas fez com que o grupo tomasse fôlego. “E foi mesmo um gás, pensar de novo em estrutura, no que você quer com aquilo, no que é importante pra sua vida, se é importante de verdade, e também os contatos. Eu acho que os seminários foram os pontos altos”, diz Amanda.

VIDAS QUE DANÇAM O Dança da Vida existe desde 2005 e leva a arte para crianças e adolescentes de 7 a 17 anos do Parque São Carlos. O objetivo é beneficiar 50 crianças e adolescentes, mas por enquanto cerca de 15 participam das aulas. Levar este grupo ao encontro dos novos empreendedores sociais da Ashoka no Memorial da América Latina foi uma boa experiência. “A gente viu nosso trabalho sendo reconhecido. No final, o público aplaudiu de pé e é raro isso acontecer”, diz Jamile. O grupo nunca tinha se apresentado para tantas pessoas de uma só vez. E a reação do pessoal animou a galera. “A gente não esperava.” Quando falam sobre os próximos desafios, respondem sem pestanejar: conseguir dar continuidade ao projeto. Amanda e Jamile fazem faculdade de Educação Física e trabalham. Ou tentam. “Procuro trabalhar com dança, dando aula e recebendo por isso, mas é

Outro ponto que se aprimorou, de acordo com Jamile, foi o tema super delicado da tal da sustentabilidade financeira do projeto. Elas não pensavam nisso. Apenas viam a possibilidade de patrocínio, buscar alguém que pudesse bancar sempre que precisavam comprar sapatilhas ou roupas de dança para as crianças. “Depois do GMM, começamos a pensar como podemos fazer pra que a gente mesmo possa conseguir.” Amanda fala do resultado de tanta reflexão. “O que a gente quer é continuar passando isso pra outras pessoas. Sabemos que aquelas meninas que passaram pelo projeto não vão ser bailarinas profissionais, esse não é o objetivo delas. Mas ver a importância que teve isso, mostrar que são capazes e que têm auto-estima para saber que, mesmo não sendo rica, eu posso fazer alguma coisa que eu quero, que eu vou correr atrás e vou conseguir, é gratificante.”

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nº 44 · Ano 6 · Revista ViRAÇÃO

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GIOVANIA MONIQUE DO CARMO CARMO,, do Virajovem Belo Horizonte (MG)* fotos PRODUTO TOSCO

Jovem rapper monta produtora independente e abre espaço para que jovens artistas possam produzir discos e videoclipes

em

Belo Horizonte A

palavra Tosco vem do latim tuscu, que significa aquilo que não é lapidado nem polido, podendo significar também grosseiro ou malfeito. Você deve estar achando estranho começar esta matéria com a definição da palavra, mas não se assuste porque vamos explicar. Esse foi o nome escolhido para a produtora de Clebin dos Santos, de 25 anos, rapper e educador social, morador de Belo Horizonte (MG). Em entrevista ao Virajovem Belo Horizonte, Clebin conta como criou a Produto Tosco, seu selo musical. A Produto Tosco foi criada por Clebin em 2000, integrante de diversos movimentos ligados à cultura hip hop, como o grupo Rep em Fatos. A idéia era encontrar artistas que tinham o interesse de gravar suas músicas, mas que não tinham oportunidades de gravar, devido ao custo elevado de uma produção musical. No início, a Produto Tosco articulou várias gravações com grupos de rap, funk, axé e sertanejo. Naquela época, a produtora atendia especialmente aos jovens artistas da comunidade Vila Maria, de Belo Horizonte, onde Clebin

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dos Santos, o idealizador do projeto, vive até hoje. A iniciativa surgiu do desejo de dar visibilidade às produções de grupos musicais da sua comunidade. A sustentabilidade da produtora se dá por meio de um sistema de trocas. Os grupos que não podem pagar com dinheiro, pagam da forma como podem, por exemplo, com a doação de equipamentos, CDs ou trabalhos diversos. Assim, a Produto Tosco garante o espaço de produção e a manutenção dos materiais básicos para o funcionamento da produtora. Segundo Clebin, como a produção é independente, é impossível conseguir recursos para viabilizar todas as produções. Para ele, o termo independente não cabe para a Produto Tosco, uma vez que eles conseguiram estabelecer parcerias com

outros grupos musicais e também com a ONG Associação Imagem Comunitária (AIC). Para este ano, Clebin pretende colocar em prática vários projetos. A idéia é transformar a Produto Tosco em uma produtora audiovisual também. “Queremos abrir espaço para a produção de clipes, portfólios, releases audiovisuais, tudo que puder fazer com música, mas também visualmente”, explica Clebin. Além disso, ele pretende lançar até o final do ano a coletânea Melodia Descompassada, com músicas de vários grupos de BH e buscar recursos para conseguir uma nova sede, que hoje funciona na sua casa.

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* Integrante de um dos Conselhos Jovens da Vira presentes em 21 estados do País (mg@revistaviracao.org.br)

TÁ na MÃO • Contato com a Produto Tosco: produtotoscoproducoes@yahoo.com.br ou clebinref@yahoo.com.br • Para curtir as produções, acesse: www.myspace.com/ produtotoscomidias, www.myspace.com/ produtotoscobases •You Tube procurar por produto tosco bh.


QUE FIGURA

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CINTIA MONTESINO, do Virajovem Curitiba (PR)*

Dulcina de Moraes o teatro corria nas veias

E

la ganhou notoriedade nacional, influenciou artistas, ditou moda, tinha trânsito e respeito na alta sociedade e no meio político. Tudo isso numa época em que a TV não dominava as casas ou ditava as celebridades de nossa cultura. Estamos falando da atriz Dulcina Mynssen de Moraes Azevedo, que chegou na “boca de cena” do mundo em 3 de fevereiro de 1908 na cidade de Valença (RJ), durante uma excursão de seus pais, os atores Átila e Conchita de Moraes, que viajavam apresentando um espetáculo de teatro. A estréia profissional de Dulcina foi em 1923, aos 15 anos, no espetáculo Travessuras de Berta, pela Companhia Brasileira de Comédia no teatro Trianon. Nunca mais parou. Criou com o seu marido e companheiro de trabalho, o ator Odilon Azevedo, a Companhia Dulcina-Odilon em 1934. Como atriz, atuou em peças como A Doce Inimiga, A Marquesa de Santos, O Imperador Galante, Lua Cheia, Cleópatra, mas foi como a Sadie Thompson, da peça Chuva de Somerset Maugham (1945) que Dulcina seria imortalizada.

Dulcina inovou a cena nacional com os seus caprichosos figurinos (muitas vezes copiados pelas senhoras da época), na cenografia e na iluminação. Além disso, extinguiu dos palcos a figura do “ponto”, um profissional que “soprava” o texto para as atrizes e atores. Além de exímia intérprete, diretora e produtora, Dulcina sempre foi preocupada com a formação do artista. Tanto que criou em 1955 no Rio de Janeiro a Fundação Brasileira de Teatro, que mantinha a Academia de Teatro da FBT voltada para a formação de artistas e técnicos de teatro. Dulcina é sempre lembrada como uma mulher empreendedora. Em 1972, encantada com a criação da nova capital, resolve transferir para Brasília (DF) a sede da FBT e criar a Faculdade de Artes Dulcina de

Moraes, entre as primeiras instituições voltadas para a formação superior na área. A faculdade que leva seu nome já graduou mais de 2 mil profissionais das áreas de teatro, artes visuais e arte-educação. Já o Teatro Dulcina de Moraes foi inaugurado em 1980. Dulcina “viajou” (forma como se referia à morte) em 28 de agosto de 1996, em Brasília, deixando um importante legado material e simbólico para nossa cultura. Em 2008, Brasília comemora o Centenário de nascimento da atriz. “Sempre vivi do teatro, no teatro, com o teatro e para o teatro”.

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*Integrante de um dos 21 Conselhos Jovens da Vira espalhados pelo País (pr@revistaviracao.org.br)

TÁ na MÃO • Dica de livro sobre a atriz Dulcina e o teatro de seu tempo tempo,, do autor e ator Sérgio Viotti, Editora Lacerda, 2001 • Site da Faculdade Dulcina de Moraes www.fadm.com.br nº 44 · Ano 6 · Revista ViRAÇÃO

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NO ESCURINHO SÉRGIO RIZZO, crítico de cinema

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Na natureza

selvagem

A

s perspectivas de futuro sempre foram muito boas para o jovem Christopher McCandless. Vinha de uma família abastada e acabava de se formar em uma boa universidade. O sonho americano parecia ao seu alcance. Apesar disso, preferiu abandonar tudo o que a sociedade já havia lhe proporcionado – inclusive o próprio nome – e, apresentando-se a todos como Alex, decidiu começar outra vida. Durante cerca de dois anos, perambulou como mochileiro pelos Estados Unidos. Sua última parada foi um ônibus abandonado no Alaska, onde morreu sozinho, em 1992. Possíveis respostas para a atitude radical de McClandess podem ser encontradas no livro-reportagem Na Natureza Selvagem, do jornalista norte-americano Jon Krakauer, que se especializou em livros sobre aventureiros e suas jornadas alternativas, como No Ar Rarefeito e Sobre Homens e Montanhas. A partir dos depoimentos da família, de amigos e pessoas que encontraram McClandess (ou Alex) durante a viagem, Krakauer reconstituiu seu caminho. O que o moveu, conclui-se pelo livro, foi uma negação radical da sociedade de consumo, mais um profundo (e talvez inexplicável) fascínio pela vida na natureza e também pela biografia de poetas errantes. Esses elementos dão origem a uma espécie de manifesto neo-hippie no filme Na Natureza Selvagem, escrito (a partir da reportagem de Krakauer) e dirigido pelo ator Sean Penn (Sobre Meninos e Lobos, 21 Gramas), e um dos longas-metragens mais premiados da última temporada nos Estados Unidos. Penn demonstra nutrir, a exemplo de Krakauer, simpatia e curiosidade por McClandess (interpretado por Emile Hirsch, de Alpha Dog e Speed Racer). Em seu lugar, é provável que muitos tratariam o personagem como um desmiolado que perdeu a razão, mas o cineasta recria sua história com poesia e romantismo. O resultado é que o público, principalmente o jovem, se identificará com as razões (muitas das quais silenciosas) e a ternura desse aventureiro solitário em sua cruzada pela paz de espírito.

Fotos: Paramount Pictures do Brasil

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Revista ViRAÇÃO · Ano 56 · nºº 44


o

som encantado do interior de Goiás

“CHEGA DEVAGAR, ARUÊ”

“M

Fotos: Divulgação

ãe do Rosário, venha ver meu povo, o Raizêrus veio trabalhar, pelos caminhos enfrentei batalhas, depois da guerra consegui chegar...”. É chegando devagarzinho, pedindo licença, bem do jeito goiano, que o grupo Raizêrus vem colorindo os sons da nossa folia, terra. Um tronco de guariroba vira caixa de folia atabaque; da taboca faz-se um pífano pífano; do buriti com areia grossa surge o pau-de-chuva pau-de-chuva. Assim vários instrumentos são criados a partir de possibilidades do cerrado. Caxixi, sanfona, maraca, tambor, berimbau, flauta de cano PVC, marimba de ripas jogadas fora, cavaquinho de lata de doce e cordas de anzol fazem os sentidos viajarem e descobrirem nossa ancestralidade, exaltando as origens do povo do cerrado, dos brasileiros. “Conhecendo a minha cultura, tirando preconceitos da minha cabeça”, Juninho, de 18 anos, contrabaixista e vocalista, encontra no grupo sua base de conhecimento, apoiado em um lugar sadio de se conviver. Daniel Melo, voz, violão, viola e percussão, ressalta que “a cultura local seja a principal e não secundária.” E isto se percebe nitidamente nas influências musicais como a congada congada, o batuque, o cururu cururu, moçambique – que permeiam as canções, numa pesquisa de diferentes dialetos indígenas e africanos como o craó e camalongo. “Perspectiva humana, social e fraterna”. Janaina Ferreira, de 26 anos, vocal e percussão, expressa assim a vocação do Raizêrus que, nas releituras de músicas da cidade de domínio popular, bem como de composições próprias e músicas descritivas, se valem da cultura oral que é repassada por moradoresanciãos da cidade, como o “Seu” José Carlos e João Pitalunga, já falecido.

“O sol desenhou na mata uma janela de luz, a juriti bateu asa rasgando o ar da manhã...” É na Cidade de Goiás, tendo como pano de fundo a Serra Dourada, região rica em fauna e flora, que o Raizêrus, em meio “às incertezas que tecem a vida”, mostram a potencialidade musical da cultura brasileira em detrimento ao que os meios de comunicação de massa insistem em impor como regra de mercado. “A luz pura como o sol e a lua...” Rafael Antonio, 18 anos, percussão e voz, sintetiza a integração do Raizêrus com o público: na simplicidade e alegria das cirandas e danças de roda. “Se eu tivesse uma boa voz, assim como eu sei cantar, eu vivia pelo mundo, comendo sem trabalhar...” O grupo se apresenta em eventos da pequena Cidade de Goiás e prepara o lançamento do CD Pedindo Licença. Contatos com essa galera pelo www.musicexpress.com.br/raizerus; raizerus@hotmail.com. *Integrante de um dos 21 Conselhos Jovens da Vira espalhados pelo País (go@revistaviracao.org.br)

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TODOS OS SONS TODOS

Raizêrus:

CARLOS OTTO, JOSSIER BOLEÃO e LÍGIA MARTINS MARTINS,, do Virajovem Goiânia*

PRA ENTENDER GUARIROBA: espécie de palmeira comum em Goiás CAIXA DE FOLIA: também chamada de caixa de guerra ou caixa do Divino, é um tambor com duas membranas de pele animal esticadas por cordas. TABOCA: bambu típico da Amazônia PÍFANO: instrumento musical indígena parecido com a flauta BURITI: planta da família das palmeiras PAU-DE-CHUVA: instrumento de percussão com forte presença em cerimônias religiosas CAXIXI: espécie de chocalho, de origem africana MARIMBA DE RIPAS: instrumento de percussão semelhante ao xilofone CONGADA: manifestação folclóricareligiosa com influência afro-brasileira CURURU: dança folclórica típica da região Centro-Oeste MOÇAMBIQUE: dança africana com versos em louvor a São Benedito nº 44 · Ano 64 · Revista ViRAÇÃO

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VIRA R ARTE

ELIS LUA, de Recife (PE), mora em São Paulo (SP)

O avesso da

Veneza

Imagens do grafiteiro Gejo onde a tinta pegou nenhum mendigo. Recife esconde sua realidade, lama, fome e os urubus. A metrópole não pára e as famílias em bandos circulam a cidade em busca de resto de alimentos para garantir mais um dia de sobrevivência. A miséria não é mais de uma minoria, nem só da periferia. Ela atinge a todos, nos cerca, nos pede socorro. Urge que a nossa passividade saia do calor do frevo e que o pedaço sujo de pastel recolhido do lixo não seja nem almoço, café ou jantar de pessoas que habitam essa cidade. UM POUCO DE COR NAS RUAS O grafiteiro Gejo, de São Paulo, começou a atuar nas ruas com frases de protesto, em 1986. Nesta época também começava a se identificar com a cultura hip hop. Hoje, Gejo, conhecido internacionalmente, grafita em diversos suportes. Como ele mesmo diz, “onde a tinta pegar.” Confira o trabalho dele! *Integrante de um dos 21 Conselhos Jovens da Vira espalhados pelo País (pe@revistaviracao.org.br)

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Revista ViRAÇÃO · Ano 56 · nº 44

P

ela janela do quarto, assisto o que leio nos jornais, nos livros. Na calada, meninos morrem de fome. A miséria da cidade ainda é uma imagem camuflada. Uma coisa é ler que as pessoas estão comendo lixo ou morrendo de fome. Outra é ver, na nossa frente, bocas, mãos e corpos que, com agilidade, examinam os sacos de lixo à procura de migalhas de comida. Nas madrugadas da “Veneza Brasileira”, famílias vagueiam em busca de alimentos. Cotidianamente a cidade acorda, mas o menino na calçada, esparramado ao lado da imundície do lixo, ninguém nota. A foto sai no jornal, no livro, porém nunca no cartão postal que todos olham. Entre pontes, praias e a grande festa de carnaval, a cidade não se apresenta tão mal. O logo da cidade sai colorido, com suas pontes sorrindo e abaixo delas


SEXO E SAÚDE ERIC SILVA, do Virajovem São Paulo*

Mudança, atitude e ousadia jovem

Nesta edição, o ginecologista Marino Provatto Júnior, de São Paulo (SP), responde dúvidas sobre sexualidade

?

Tive minha primeira relação sexual há uns cinco meses. Por que será que não sinto prazer? Janaína, de 17 anos

É normal demorarmos para ter uma ereção logo depois que ejaculamos pela primeira vez? Rodrigo, de 18 anos

A questão do prazer, principalmente para a mulher, é mais delicada. É como se fosse um treino, o prazer não é imediato, diferentemente do que acontece com o homem. É preciso ter conhecimento do corpo e a participação do parceiro, porque a resposta orgástica é mais lenta mesmo. Isso se deve a questões fisiológicas. É importante fazer as preliminares para intensificar as respostas de prazer sexual. A mulher tem como parâmetro o homem, mas é diferente. Para o homem é mais rápido. Eles são opostos, principalmente quando jovens. Os homens têm excitação e chegam ao orgasmo mais rápido. Pode ser que isso esteja acontecendo. O parceiro precisa saber disso e aprender a se controlar um pouco.

É normal. O período refratário, ou seja, o tempo que demora até o corpo se recuperar da primeira relação, é necessário para que haja outra. Isso é saudável e é normal que seja assim. Não existe tempo determinado, físico. O corpo não é uma máquina. O que é preciso é se conhecer e respeitar o tempo do corpo e o período refratário, ou seja, sem ereção. Varia um pouco. Nos mais jovens esse período é menor. Em torno de 30 minutos. Mas o mais importante é que ele respeite o que o corpo diz e entender que não existem limites. O importante é ter uma vivência sexual adequada.

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Forcat Natália

*Um dos Conselhos Jovens presentes em 21 estados do País (sp@revistaviracao.org.br)

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Luta contra a violência

KLEBER GUTIERREZ GUTIERREZ,, do Virajovem Mato Grosso do Sul (MS)*

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anto se fala em violência na mídia que isso acaba se tornando algo banal. No entanto, tem muita gente interessada em mudar essa situação. É o caso do movimento MS Contra a Violência, que visa promover “uma cultura de paz através da prevenção e do combate efetivo a todas as formas de violência”. Liderado pela Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional de Mato Grosso do Postura cidadã contra a criminalidade Sul (OAB/MS), com o apoio de organizações da sociedade civil, o movimento ganhou forma em abril de 2007, fruto de uma passeata que reuniu cerca de 2 mil pessoas com o propósito de sensibilizar o poder público e exercer uma postura cidadã frente aos crimes cometidos em Mato Grosso do Sul. A proposta cresceu e deu lugar a uma conferência regional de onde saíram propostas que buscavam dar uma solução para o problema no Estado. A partir daí criou-se um Fórum que acompanha a implementação das propostas, tendo por base ações de prevenção na família, educação (cultura, esporte e lazer), educação no trânsito e projetos alternativos ou complementares. De acordo com o coordenador do Movimento MS Contra a Violência, Gustavo Giacchini, este é “um movimento da sociedade, trabalhando a conscientização e responsabilidade de cada um nas questões de segurança, promovendo a cultura da paz.” A partir da experiência de Mato Grosso do Sul, a discussão ganhou o País e influenciou o surgimento de um movimento maior, o “Brasil contra a Violência”. OAB/MS

OAB/MS

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Mรกrcio Baraldi

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