Revista Missão Salvatoriana (Abr/Mai/Jun) 2022

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/editorial CARO LEITOR DA MISSÃO, SEJA BEM-VINDO! Com grande satisfação e alegria retornamos com uma nova edição, novos assuntos, mas sempre com o mesmo firme propósito de bem comunicar. Assim como vemos na palavra do Provincial sobre o anúncio que nasce de uma experiência e que gera experiência, o que temos experimentado nós compartilhamos aqui. A comemoração de um ano da solene celebração da beatificação de nosso fundador Pe. Jordan é abordada nas páginas 04 e 05, com uma profunda reflexão assinada por Pe. Paulo José Floriani, sds. A educação como um todo, superando os desafios que ainda hoje persistem e pedem a mobilização global, é o tema no caderno Comunição. Essa matéria trata sobre o olhar que o Papa tem sobre o assunto. Nossa matéria central traz luz sobre questões de crises mundiais e o chamado ao protagonismo perante tal cenário.

/sumário /4 Pe. Jordan /6 Aconteceu /8 Educação /9 Comunicação /10 Principal /13 Secundária /14 Espiritualidade /16 Comunidades /17 Testemunho /19 Infantil

/expediente

Provincial: Pe. Francisco Sydney Macêdo Gonçalves, sds Editor: Pe. Carlos Jobed Malaquias Saraiva, sds As matérias não assinadas são de responsabilidade do editor.

Vinde, Espírito Santo, na Solenidade de Pentecostes! É o “ruído como de vento forte” que permanentemente causa um efeito renovador na Igreja e por meio da Igreja no mundo. Veja mais nas páginas 14 e 15. Esses e todos os outros conteúdos foram especialmente preparados para que, além de uma boa leitura, sejam de grande proveito para a sua caminhada de fé. Desejamos uma excelente leitura!

SUGESTÃO DE CONTEÚDO redacao@agenciaarcanjo.com.br www.agenciaarcanjo.com.br facebook.com/agenciaarcanjo 47 3227-6640

EDIÇÃO Mario Augusto Arcanjo DIAGRAMAÇÃO Letícia Sales REVISÃO Ana Luíza Sanches

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R E V I S TA M I S S Ã O S A LV AT O R I A N A


/palavra do provincial

Uma experiência de Deus Caro Leitor, Quando falamos em Família Salvatoriana, o que vem logo ao nosso pensamento? Sei que a pergunta é ampla e que podemos respondê-la desde de uma perspectiva histórica, estrutural ou carismática. Para respondê-la, parto da dimensão histórica. É importante lembrar que a ideia de criar uma Sociedade Apostólica e Internacional remete ao tempo em que o Bem-aventurado Francisco Jordan se preparava para ser ordenado presbítero, acredita-se que no verão de 1875. A confirmação que deveria fundar se deu justamente quando viajou à Terra Santa, no primeiro semestre de 1880. No retorno, partilhou com o Papa Leão XIII seu sonho. Este encontro com o Papa foi tão importante que o Bem-aventurado fez questão de registrar em seu Diário Espiritual. Ele dizia que os membros da Sociedade deveriam “empenharse e esforçar-se para que todas criaturas racionais conheçam mais e mais o Deus verdadeiro e aquele que ele enviou, Jesus Cristo, a fim de que vivam santamente e sejam salvas”. Faço questão de recordar o que disse o Bemaventurado Francisco Jordan, fundador do que chamamos hoje de Família Salvatoriana, no dia 08 de dezembro de 1893: “Há 12 anos, mais ou menos nesta hora (09h), estávamos reunidos em três, no quarto em que falecera Santa Brígida, e ali a Obra teve, concretamente, seu início. Há 12 anos, certamente um curto espaço de tempo, mas que abundância de graças, quantos benefícios o Senhor concedeu à nossa Família, numa época tão materialista e tão decadente! No lugar dos “três” de 12 anos atrás, são hoje “trezentos” os que pertencem à nossa Família espiritual. E, ao invés do pobre “quartinho” em que falecera Santa Brígida, a Sociedade já está presente em três continentes!” (Alocuções 06).

Podemos afirmar sem medo de errar que o Bem-aventurado Francisco Jordan tinha claro que o seu sonho era formar uma Sociedade Internacional onde se pudesse somar as forças vivas da Igreja, sem excluir ninguém, independente da condição social, faixa etária, grau de instrução, de que parte do mundo a pessoa morasse ou a posição que ocupasse na Igreja. A busca era a de que todos os batizados fossem conscientes de serem conclamados a participar de sua obra. A pergunta que segue poderia ser: “Qual seria a missão destas pessoas?”. A resposta é clara: a exemplo dos apóstolos, os salvatorianos e salvatorianas devem anunciar que o dom da vida eterna passa pelo encontro com o único e verdadeiro Deus revelado em Jesus, o Salvador. Um anúncio, portanto, que exige a experiência que gera experiência. É tendo presente este contexto que a Família Salvatoriana formada por religiosas (irmãs), religiosos, padres e leigos convida você a compartilhar com seus amigos e conhecidos o mês de junho que costumamos chamar de Mês Salvatoriano.

Pe. Francisco Sydney de Macêdo Gonçalves, sds Diretor-Provincial

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/Pe. Jordan

Um ano de graça! Um futuro com novos compromissos Pe. Paulo José Floriani, sds

Bem diria o poeta Mário Quintana:

A vida é o dever que nós trouxemos para fazer em casa. Quando se vê, já são seis horas! Quando se vê, já é sexta-feira! Quando se vê, já é natal… Quando se vê, já terminou o ano… Quando se vê, perdemos o amor da nossa vida. Quando se vê, passaram 50 anos! Agora é tarde demais para ser reprovado… Se me fosse dado um dia, outra oportunidade, eu nem olhava o relógio. Seguiria sempre em frente e iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas… Seguraria o amor que está à minha frente e diria que eu o amo… E tem mais: não deixe de fazer algo de que gosta devido à falta de tempo. Não deixe de ter pessoas ao seu lado por puro medo de ser feliz. A única falta que terá será a desse tempo que, infelizmente, nunca mais voltará.”

A vida é uma tarefa vivida na intimidade da casa da existência de cada um de nós, sujeita à famigerada velocidade do tempo e de suas consequências impressas em nossos corpos na história. Certamente muitos de nós gostaríamos de contar com a possibilidade de poder mudar uma decisão tomada em determinado momento, mas já é tarde demais para nos recriminar, o tempo foi dado e já é parte do passado. O problema é que tantos tempos passados continuam a marcar o presente e a cercear futuros. 4

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/Pe. Jordan

Acabamos de completar um ano da solene celebração da beatificação de nosso fundador, ocorrida na Basílica de São João de Latrão. Certamente este evento, que passa a ser parte do passado, continua a influenciar no presente e a deixar seus traços, fortemente presentes no futuro de nossa vida e apostolado. Uma pandemia jamais imaginada impediu uma maior presença em Roma de membros da Família Salvatoriana. O profundo desejo de celebrar in persona este marco histórico foi tolhido do horizonte de vários salvatorianos. Poderíamos ler este fato desde uma perspectiva absolutamente apostólica: justamente no evento de sua beatificação, é como se nosso Fundador nos chamasse a nos deixar guiar pelo Espírito de Deus e a usar dos modernos meios de comunicação para permitir ao maior número possível de pessoas a possibilidade de viver esta experiência desde o lugar onde se encontravam. Um expressivo e histórico exercício de “usar de todos os modos e meios para unir todos os povos, todas as raças, todas as línguas em um só e único canto de louvor ao Deus único e verdadeiro e a seu Filho encarnado...”. O fato também pode ser lido por uma ótica eclesiológica: celebrar a beatificação de Jordan na Basílica de Latrão é como uma confirmação da eclesiologia jordaniana — fidelidade à Igreja Universal na irmandade pluricultural das Igrejas Locais. É uma verdadeira convocação para testemunhar a universalidade de nosso chamado na Igreja, com a Igreja e na Igreja, desde a Mãe de todas as Igrejas, de modo a SER IGREJA.

Na homilia deste dia, o Cardeal Vigário de Roma, Angelo de Donatis, frisou três aspectos centrais da vida e obra de Jordan, que são absolutamente importantes de serem retomados após um ano deste evento: 1) Meditar as Escrituras: viver da Palavra até se tornar Palavra encarnada na história, como fez Jesus, o Filho de Deus no qual somos filhos adotivos. Pe. Jordan era profundamente um homem da Palavra. Nosso carisma é um mergulho existencial na Palavra, historicamente lida desde os sinais dos tempos. Isso nos convoca hoje a uma apaixonada imersão na profundidade da Palavra, tornando nossas vidas a gramática desta Palavra para todos os homens e mulheres deste tempo. 2) Abraçar a universalidade da missão: Pe. Jordan lutou com todas as forças para nunca fechar possibilidades para nosso apostolado, convencido de que era a força do Espírito-Amor quem ditaria os caminhos a serem trilhados para abraçar o maior número possível de pessoas. Isto hoje exige de nós a capacidade do constante discernimento do Espírito, desde a leitura atenta dos sinais dos tempos, não sendo meros repetidores de respostas já dadas e de práticas apostólicas petrificadas. 3) Viver a Comunhão Apostólica: Pe. Jordan a expressa perfeitamente na tarefa de “somar todas as forças” em prol da missão, tendo sempre por exemplo os apóstolos. Não se pode imaginar um salvatoriano isolado, fechado em si. É a nossa vida de comunhão interna e apostólica o maior testemunho de quem é o Deus único e verdadeiro. Isto hoje nos conclama a ser verdadeira Família Apostólica. Que esta mensagem continue a nos provocar, ampliando nossos olhares para novos horizontes que interpelam nossa presença e nos convocam a revitalizar nossa forma de ser e de agir, tornandonos testemunhas históricas da santidade de nosso fundador.

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/aconteceu

Ordenação Diaconal Michael Regnatus Henerico, sds No sábado, 19 de março, em missa presidida por Dom Ângelo Ademir Mezzari, RCJ, Bispo Auxiliar da Arquidiocese na Região Ipiranga, houve a Ordenação Diaconal de Michael Regnatus Henerico, sds, religioso Salvatoriano, na Paróquia Nossa Senhora Aparecida, Setor Vila Mariana. O agora Diácono Michael nasceu na Tanzânia, e desde os 12 anos já atuava como coroinha, sempre em contato com os Salvatorianos, que estão em seu país desde 1955, com instituições educacionais, centros de saúde, fazendas, paróquias, seminários e outras ações apostólicas. Em 2005, iniciou seu acompanhamento vocacional com os religiosos salvatorianos. No final de 2008, começou o processo formativo na Sociedade do Divino Salvador, vindo terminar seus estudos com os Salvatorianos aqui no Brasil. Professou seus Votos Perpétuos na Paróquia em agosto de 2021. Atualmente o Diácono Michael está trabalhando na Paróquia Nossa Senhora Aparecida. Secretaria Provincial

““

Tua Palavra é lâmpada para os meus pés e luz para o meu caminho.” Salmo 119,105

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/aconteceu

Semana Santa Jovem Instituto Mãe do Salvador Do dia 15 a 17 de abril, no Instituto Mãe do Salvador, foi vivenciada a Semana Santa Jovem. Depois de dois anos sem atividades presenciais, esse encontro foi uma grande motivação para a juventude. Participaram jovens da Paróquia Bom Jesus dos Aflitos (Parangaba), da Paróquia São José (Vila-Pery) e da Paróquia Imaculada Conceição (João XXII), além dos jovens de Caucaia, região metropolitana de Fortaleza, Pacoti (região serrana) e de outras paróquias da cidade de Fortaleza. A SSJ busca, através dos mistérios pascais, anunciar o Divino Salvador à Juventude, de forma leve, profunda e reflexiva, através de dinâmicas, formações, orações e espiritualidade. Pedimos que o Divino Salvador, que vive e reina em nossos corações, nos abençoe, proteja e anime a juventude. Jn. Claudio Serralheiro, sds.

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/aconteceu

Simpósio De Apostolado Salvatoriano Entre os dias 03 e 05 de maio de 2022, aconteceu na Sede Provincial dos Salvatorianos em São Paulo o I Simpósio de Apostolado Salvatoriano. Iluminados pelo tema: “Gestão e Espiritualidade” e com o lema: “O Carisma Salvatoriano enquanto presença e atualidade em nossos Apostolados”, religiosos salvatorianos que desenvolvem os seus apostolados em obras espalhadas pelo Brasil, refletiram temas importantes para a aplicação, vivência e atualização do carisma salvatoriano em nossas atividades apostólicas. No dia 03, os trabalhos do simpósio foram abertos com uma santa eucaristia presidida pelo Pe. Samuel Alves Cruz, sds, coordenador da Comissão de Apostolado Salvatoriano, que naquele dia celebrava também o seu natalício. Após a missa e o jantar, todos se dirigiram para o auditório da Sede Provincial, onde foi abordado o primeiro tema dentro da área da Espiritualidade: o da “Sinodalidade”, que teve como assessor o Pe. Antônio de Lisboa Lustosa Lopes, do clero da Arquidiocese de São Paulo, professor universitário na área de Teologia Pastoral e Missiologia, e ecônomo da Região Episcopal Ipiranga. No dia 04 de maio, nos dedicamos à área da gestão, abordando na parte da manhã o tema: “Administração Paroquial”, que teve como assessor o Pe. Everton Fernandes de Moraes, membro do clero da Arquidiocese de São Paulo, chanceler do Arcebispado e diretor e professor da Faculdade de Direito Canônico São Paulo Apóstolo. Na parte da tarde, sendo assessorados pelo Pe. Carlos José Virillo, membro do clero da Diocese de Jundiaí, onde atua como ecônomo e pároco do Santuário Diocesano de Nossa Senhora Aparecida, foi trabalhado o tema da “Responsabilidade Social e da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD)”. No dia 05, tivemos a presença do Pe. Rafael Vieira, SCJ, especialista na área de psicologia e logoterapia, e mestrando em espiritualidade e desenvolvimento humano, o qual nos ajudou a refletir o tema: “Espiritualidade no Pós-pandemia”. Após esta última palestra, rendemos graças a Deus com a celebração eucarística de encerramento, presidida pelo Pe. Bruno Retore, SDS, secretário-provincial. O I Simpósio de Apostolado Salvatoriano foi um momento muito especial de encontro fraterno entre os confrades e de aprendizado, tendo em vista a nossa melhor qualificação para a missão que herdamos do nosso Pai Fundador, o Bem-aventurado Francisco Jordan. Agradecemos a presença de todos os confrades, além do empenho e a generosidade de todos os envolvidos.

Pe. Samuel Alves Cruz, sds Coordenador Provincial da Comissão de Apostolado Salvatoriano

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/aconteceu

Peregrinação no Ano do Bem-aventurado Francisco Jordan De 09 a 24 de maio de 2022, aconteceu a peregrinação por ocasião do Ano do Bemaventurado Francisco Jordan, contando com a participação de paroquianos da Paróquia Nossa Senhora Aparecida de Moema - São Paulo, e tendo como acompanhantes espirituais o Pe. Samuel Alves Cruz, sds, e o Pe. Rafael de Araújo Nolli, sds. Esta peregrinação foi programada para acontecer em 2021, quando participaríamos também da celebração de Beatificação do Pe. Francisco Jordan, mas não foi possível por conta da Pandemia do COVID-19. Vale ressaltar que foi o único grupo que manteve a viagem, dentre os que planejavam peregrinar por ocasião da beatificação do Fundador da Família Salvatoriana. Inicialmente o grupo visitou a Itália, passando por Roma, Cássia, Assis, Nápoles, Pompéia, Florença, Veneza, Ilhas de Murano e Burano, e Pádua; em seguida, partiu para Portugal, onde passaram por Fátima, Coimbra, Porto e Lisboa. Foram dias de muita oração, espiritualidade, emoção, conhecimento, convivência e cultivo de boas amizades. Foi muito especial celebrarmos em lugares místicos e tão especiais para o catolicismo, tais como Cássia, na Basílica de Santa Rita, na Porciúncula em Assis, nas Basílicas de Santo Antônio em Pádua - Itália e Lisboa - Portugal, e em Fátima. No entanto, não podemos deixar de dar um destaque especial à visita à Casa-Mãe dos Salvatorianos em Roma, onde fomos muito bem acolhidos pelo nosso superior-geral, Pe. Milton Zonta, sds, e pudemos celebrar a Santa Eucaristia junto ao relicário em que se encontram os restos mortais do nosso venerável Pai-fundador, beatificado há um ano atrás. Encerramos a nossa peregrinação com o coração agradecido por todas as experiências vividas. Tudo para a maior glória de Deus, por intercessão do Bem-aventurado Francisco Jordan! Pe. Samuel Alves Cruz, sds Coordenador Provincial da Comissão de Apostolado Salvatoriano

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/educação

A Igreja e o Pacto Educativo Global A educação sempre foi um tema pertinente e de sumo interesse para a ação evangelizadora da Igreja. Afinal, evangelizar, essência da Igreja, tem por finalidade anunciar a Boa Nova de Jesus Cristo, o Divino Salvador, considerando que os valores contidos na palavra de Jesus desencadeiam também na pessoa humana um processo educativo ininterrupto e global. Esse processo deve sempre ser considerado como humanista, com fundamento integral e totalizante das dimensões fundamentais da vida humana.

No dia 15 de outubro de 2020, o Papa Francisco convocou a Igreja e a todo mundo, instituições diversas, denominações religiosas e governos, para uma ação solidária em prol de uma educação humanista visando a transformação da sociedade. A ideia é discutir, mobilizar e tornar o Pacto uma realidade concreta na vida das pessoas, fomentando a criação de políticas educacionais e internacionais.

Esta iniciativa possui sete compromissos principais: colocar a pessoa no centro de cada processo educativo; ouvir as gerações mais novas; promover a mulher; responsabilizar a família; se abrir à acolhida; renovar a economia e a política e cuidar da casa comum. O Papa Francisco, no dia 05 de outubro de 2021, disse no Vaticano, no encontro de Religiões e Educação, Pacto Educacional Global: “se no passado, mesmo em nome da religião, se discriminaram as minorias étnicas, culturais, políticas e outras, hoje queremos ser defensores da identidade e dignidade de toda a pessoa e ensinar as novas gerações a acolherem a todos sem discriminações”. Dentro desse contexto em discussão, quero frisar dois termos que acredito ser importante considerar quando falamos em educação: os termos “processo” e “integral”. Hoje, na abordagem pelos educadores de políticas educacionais adequadas para a educação da pessoa humana, sobretudo na infância, adolescência e juventude, urge entendermos que educação envolve e toca o ser humano por inteiro e deve ser processual, isto é, não podemos reduzir a aprendizagem e desenvolvimento da pessoa a apenas um período de tempo e a uma visão conteudista (estudar e assimilar conteúdos) e mercantilista (educação em vista do mercado de trabalho). A educação deve ser, portanto, inclusiva, globalizante e conscientizadora de cidadania. E porque não dizermos também promotora da dimensão espiritual do ser humano? Isso é um ponto discutido pelo Pacto Educativo Global. Pe. Carlos Jobed Malaquias Saraiva, sds Coordenador da Equipe de Comunicação 10

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/comunicação

Escutar com o ouvido do coração! O Papa Francisco, em ocasião do 56º Dia Mundial das Comunicações Sociais, nos fez um grande e profundo convite: escutar com o ouvido do coração. Podemos nos questionar a o que o pontífice se refere e como isso interfere em nossa vivência cotidiana. Com isso, perceberemos que a resposta não parece ser um simples sentimento ou apenas um relato de sua santidade. Escutar com o ouvido do coração é colocar-se inteiro, sem medidas, sem discriminação, mas com profundo desejo de conhecer, reconhecer e perceber quem nos fala. Queremos anunciar o Salvador e, para tal devemos, como Ele, ouvir.

A escuta corresponde ao estilo humilde de Deus.”

Naquela passagem do cego Bartimeu (Mc 10, 46-51), que estava às margens da sociedade, abandonado, perdido, sem esperança, Cristo o ouve. Primeiro ouve seu grito e tendo-o ouvido, para, faz com que se aproxime, pergunta “O que queres que eu te faça?”, escuta com atenção, percebe-o e depois faz com que a salvação aconteça. Aqui vemos claramente o Divino Salvador sendo ouvinte atento dos profundos desejos da humanidade. Nas palavras do Papa: “a escuta corresponde ao estilo humilde de Deus.” Jesus vê e escuta não apenas aquele cego, mas as nossas cegueiras, as nossas irresponsabilidades, a nossa falta de escuta dos clamores de uma sociedade perdida na instantaneidade e na busca desenfreada de poder, que gera guerras e morte. Tenhamos consciência do alerta de nosso pontífice, reconheçamos que “a escuta é o primeiro e indispensável ingrediente do diálogo e da boa comunicação.” Sejamos ousados; escutemos as diferenças; saiamos do comodismo. “Oferecer gratuitamente um pouco do próprio tempo para escutar as pessoas é o primeiro gesto de caridade”, diz o Papa. Por fim, para nós que nos dispomos a conhecer e tornar conhecido o Divino Salvador, cabe o ouvir com nossos corações, com a docilidade de perceber os clamores da sociedade e levar, como o Beato Francisco Jordan, o amor que tudo pode transformar, pelos meios e modos que a caridade de Cristo inspirar.

Asp. Djalma Rodrigo P R O V Í N C I A S A LV AT O R I A N A B R A S I L E I R A

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/principal


/principal

Uma questão complexa Qual é o papel que devemos exercer perante a realidade de um mundo em crise? Crise na saúde mundial, crise econômica, guerra, acontecimentos que se sucedem e trazem um clima de incerteza, preocupação e até medo. Some-se a tudo isso, que já é suficientemente complexo, a crise de fé crescente principalmente nas novas gerações. É justamente em momentos como esses que a esperança precisa ser propagada por aqueles que a carregam.

Tempos de crise, tempos de oportunidade Em uma mensagem dirigida aos jovens em março deste ano, o Papa Francisco diz o seguinte: “As crises superam-se juntos, não a sós. E as crises põem-nos à prova para sairmos melhores. Iguais não se sai das crises: saímos melhores ou piores. E o desafio que se coloca hoje é para sairmos melhores!”. A unidade sempre foi um ponto fundamental nos ensinamentos de Jesus para os Apóstolos que, consequentemente, ensinaram para as primeiras comunidades e assim sucessivamente. Mas não trata-se de um mero “estar juntos”, é uma permanência sólida em torno de uma fé convicta com vínculos sustentados pelo Espírito Santo, o mesmo que consola e alimenta a viva esperança entre os irmãos e irmãs. E é dessa unidade que transborda luz para que toda a sociedade também encontre conforto e direção. Nunca pela imposição, pela força das palavras, mas sempre pelo testemunho, pela aproximação e pela caridade. É dessa forma que o protagonismo cristão chega aos corações como a mesma mansidão que a de Cristo.

Firme posicionamento A relação conflituosa que vemos entre nações e seus governantes em âmbito mundial também é reflexo dos mais diversos tipos de divergências nos mais diversos tipos de assuntos, o que é extremamente potencializado pela velocidade da informação e de comunicação que a tecnologia nos permite. Isso pode e deve aproximar, mas é extremamente segregador se usado sem caridade, sem respeito e sem abertura ao diálogo. Parece até que o melhor, perante a realidade que se apresenta, seria evadirse, não envolver-se. Mas é justamente esse o meio que pede iluminação, novidade. As relações pedem tempero, o que temos todos como vocação: “ser sal e luz.” (Mateus 5,1317). Um firme posicionamento, sempre irrigado pela caridade, se faz necessário.

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/principal

Um resposta convicta Portanto, se uma questão resultante de momentos conturbados exige de nós uma resposta imediata, a fé, a esperança e a caridade são a certeza que podemos propagar, participando ativamente da sociedade em que estamos inseridos.

Oh, como é belo quando se pode dizer de cada um de vós que é um mensageiro da paz!” Padre Jordan Agência Arcanjo

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/secundária

Falando em mãe, falando de Maria É impressionante a vida em curso. O milagre da vida acontecendo diante dos nossos olhos, a beleza de Deus se revelando em cada gesto, em cada sorriso, e nem sempre estamos atentos a perceber esta dádiva maternal ocorrendo junto de nós. Observar que uma mãe passa o dia todo a fazer comida, limpar a casa, sair para o trabalho, dando assistência a todos e cuidando de si, é perceber que há muito amor envolvido no SERVIÇO, na ATENÇÃO e no AMOR FRATERNO. De fato, em se falar de uma Mãe, é claro que chegamos ao colo de Maria. Mulher de um SIM sem igual. Mulher, mãe, amiga, companheira, ao ponto de suportar a cruz e ser luz para os homens. De tanto amor e tanta doçura, a tua mãe, minha e de toda a humanidade, de diversos ritos, culturas, credos... Elas todas praticam um amor que reflete o olhar de Deus aqui na humanidade. Elas são portas abertas ao céu, são refúgios para nossas lágrimas nas quedas, são perfumes que nos levam às recordações. Roguemos ao Bom Deus por cada Mãe Maria. Por cada uma que nos apresenta a Mãe do Salvador. Por cada uma que perdeu tempo conosco para servir a Deus. Que Ele vos abençoe!

Praticam um amor que reflete o olhar de Deus aqui na humanidade.”

Pe. Célio Roberto dos Santos, sds

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/espiritualidade

Pentecostes

A solenidade de Pentecostes ocupa um lugar de destaque na vida litúrgica da Igreja. Foi a partir desse grande evento que a Igreja realmente deslanchou apostolicamente e se estendeu pelo mundo inteiro.

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/espiritualidade

A Bíblia realça a importância da Solenidade de Pentecostes na vida e missão da Igreja (cf At 2,1-11). Naquela memorável Festa de Ação de Graças pela colheita, a multidão reunida foi surpreendida por um repentino e forte vendaval. Esse “ruído como de vento forte” iria repercutir fortemente na vida e missão da Igreja através dos tempos. Esse acontecimento bíblico não veio de supetão. João Batista já batizava com água, preparando os caminhos do Senhor. Os profetas haviam anunciado a vinda do Messias que batizaria não apenas com água, mas com água “no Espírito Santo”. É o anúncio do Batismo cristão, instituído por Jesus Cristo (cf Mt 28,19-20). Como no tempo de Jesus Cristo e dos Apóstolos, nós também recebemos o Espírito Santo no Sacramento da Crisma. Por ele somos ungidos para anunciar Jesus Cristo com nosso modo de ser e de agir. Em outros termos, somos ungidos para agir como apóstolos de Jesus Cristo, ou seja, como “agentes de pastoral”. E isto se aplica tanto à nossa vida pessoal e familiar, como também ao contexto comunitário e social em que vivemos e atuamos. Com efeito, o Sacramento da Crisma constitui nosso solene “Pentecostes”. A exemplo dos primeiros cristãos, também nós somos ungidos no Espírito para nos deixarmos impulsionar por Ele como verdadeiros discípulos e apóstolos de Jesus Cristo. Em outros termos, somos ungidos e enviados a seguir Jesus Cristo como discípulos e apóstolos, ou seja, como cristãos comprometidos com a causa do Evangelho em nossa vida pessoal, comunitária e social. Pensemos nisto ao celebrarmos a liturgia de Pentecostes. Que o Espírito Santo nos ilumine para sermos, de fato, fiéis ao compromisso com Jesus Cristo, assumido em comunidade, no Sacramento da Crisma, que é o Sacramento da Confirmação de nossa fé em Jesus Cristo. Boa festa de Pentecostes!

Pe. Arno Bosing, sds

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/comunidades

A Justiça, a Paz e a Integridade da Criação A JPIC faz parte de nossa vida e missão. É um compromisso profético proposto pelos Capítulos Gerais da Sociedade, da Congregação e da Assembleia Internacional da ADS, de realizar e despertar a consciência de que a Justiça, a Paz e a Integridade da Criação fazem parte de nossa missão de atender às interpelações do Evangelho de Jesus Salvador na defesa da dignidade humana, que recria fraternidade, promovendo mais respeito para toda a criação divina. Promovendo o bem viver, estamos em consonância com as diretrizes da Declaração da Família Salvatoriana e com as orientações do Papa Francisco para sermos uma Igreja em saída.

Envolvendo pessoas em nossa missão, colaboramos com quem se compromete com a promoção da verdade, da justiça e da defesa da vida, fazendo a opção preferencial pelos pobres e por aqueles e aquelas cuja dignidade humana não é reconhecida. Tornamos as verdades eternas da palavra de Deus e nossa fé acessíveis às pessoas de qualquer cultura, raça, etnia, classe social, nacionalidade e religião. Vivenciamos o espírito de diálogo em ambientes interculturais, interreligiosos e interconfessionais.” (Declaração da Família Salvatoriana)

Nessa linha de atuação de uma ação evangelizadora inserida nas realidades sociais culturais sempre permeada pela espiritualidade Salvatoriana, procuramos trazer reflexões que nos conduza a ações em vista a concretizar a proposta da Igreja pela opção preferencial pelos pobres. Equipe - Justiça, Paz e Integridade da Criação.

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Compromisso salvatoriano em consonância com a Igreja


/testemunho

Tu me seduziste, Senhor, e eu me deixei seduzir.” (Jr. 20,7)

Foi-me solicitado um breve relato do ‘porquê’ de eu hoje ser padre e salvatoriano. A minha reação foi repentina e disse que ‘não faria’, pois me sinto sem graça de expor algo que é muito pessoal e íntimo, principalmente quando alguém pede para dar um testemunho. Perdoem-me, eu acho (não é o famoso achismo) que o testemunho é algo vivencial, faz parte do dia a dia da vida, do jeito e modo de ser de cada vivente nesta terra. Basta apenas perceber a rotina da pessoa. Às vezes os testemunhos que eu tenho ouvido e visto, são muito lindos e emocionantes diante de uma plateia ansiosa para bater palmas. Mas, e depois, o chão da vida irá confirmar ou não a veracidade dos fatos de um testemunho. E nem sempre são harmoniosos. Diante desta minha colocação, peço desculpas por minhas inconsistências e contradições ao tentar manifestar a gênese do meu itinerário vocacional. Tentarei ser sincero e real aos fatos que, muitas vezes, o tempo os fez empoeirar no esquecimento. Os meus pais José Retore e Assumpta Sonda Retore, netos de italianos, eram agricultores sobre as terras lindas e maravilhosas nas escarpadas montanhosas da Linha Travessão Bonito, comunidade pertencente à Paróquia Santo Antônio de Nova Pádua, cujo pároco era o Pe. Antonio Alessi, de Flores da Cunha, RS. Ali nascia um menino do recém casal José e Assumpta, o ‘piazinho’, Bruno. E lá fui batizado em 06/10/1948.

O testemunho de vivência religiosa do seu José e Assumpta é marcante em todos os sentidos para mim e para os meus irmãos. Haja vista que o meu pai foi seminarista diocesano por alguns anos, isto vim a saber depois de padre. A lida na colônia, trabalhar nas terras rústicas, cheias de mata virgem, tudo a ser feito, sem recursos mecânicos, não era nada fácil iniciar quase do ‘nada’. As sementes eram escassas, lembro-me que das melhores espigas de milho ou de trigo e arroz, ou mudas de mandioca e vinhas, faziam-se reservas para o próximo plantio na primavera ou no frio do inverno. Nós, ainda crianças, quando começavamos a andar, já íamos com o pai para roça aprender a manusear o cabo da enxada ou o arado tracionado por uma égua e um burro. Outros iam com a mãe aprendendo a lidar com as coisas de casa, isto é, cuidar dos animais, da horta e outros serviços. Vivi com eles até que, com 11 anos, entrei no Seminário de Videira. Até então, nunca, jamais havia sonhado em ser um dia padre ou coisa parecida. É verdade que o meu pai sempre foi contra eu entrar no seminário de Videira, ele achava que devia ser padre secular, que ele chamava de “circular”, e eu não entendia o porquê. Hoje entendo.

Sob promessas de terras mais planas em Videira, SC, meus pais colocaram num caminhãozinho todo o patrimônio material, eu e o meu segundo irmão Rosalino no ventre da minha mãe aos 6 meses de idade. Vieram com dois dias de viagem para se fixarem nas terras de Rio Tigre até o dia de hoje. Ano após ano a família Retore crescia em número de filhos até completarem 11 irmãos e 4 irmãs. Infelizmente tenho 4 irmãos falecidos e os meus pais. P R O V Í N C I A S A LV AT O R I A N A B R A S I L E I R A

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/testemunho Um fato que me chama atenção foi quando, eu ainda pequeno com 7 a 8 anos, eu segurava um palanque de madeira em pé para o meu pai bater com a “mafa”, em português maio, feito de madeira, até o palanque penetrar na terra, e depois esticar o arame farpado para cercar o parreiral e soltar os porcos. Ocorre que, ao me levantar, apoiei com a mão esquerda e o pai com o maio nas alturas descia feito raio e lá se foi o meu polegar esquerdo em pedaços feito bife. Em casa, deitado, o pai e a mãe choraram. Fomos de carroça ao hospital e o Dr. Mosa Quatro amputou 50% do polegar esquerdo. Na volta do último curativo, na tarde de inverno nevando, eu descalço já perto de casa um padre vinha a cavalo de Rio Tigre para Videira e ao encontrar meu pai disse “o que foi Bepe (José)?”. Aí a história foi contada, mas um detalhe me chama atenção, o padre disse que eu ainda poderia ser padre porque foi o polegar esquerdo, se fosse o direito não poderia. Não sei o porquê. Envergonhado, disse depois ao meu pai e mãe que não queria ser padre. Assim o pai ficou mais feliz, a mãe não. Outro detalhe, demorei para aprender a falar, a primeira fala foi o italiano dialeto que nada tem a ver com o da Itália. Foi muito sofrido quando entrei na escola de Rio Tigre. Eles falavam, e eu? Quando cheguei em casa disse ao pai que não iria mais porque eles falam o brasileiro. Voltemos, eu nunca senti um chamado do alto como muitos falam, não há um fato marcante no meu despertar vocacional, a não ser àquele do padre a cavalo, até pode ser. Apenas sei que o pai estava muito envolvido com a catequese, sempre ligado ao Pe. José Mathias Wild, sds, nas formações catequéticas, nas associações rurais e cooperativas e nas formações aos colonos, isso causava muita ausência na família e desgosto à minha mãe, com uma penca de filhos, todos eles cheios de energia. Ainda bem que nessa época existia o “anjo da guarda”, pois eles eram o alívio da minha mãe. Ouvi várias vezes da mãe se queixando que o pai estava mais com os padres e menos em casa, especialmente na época das safras de colheita. E eu entrar no seminário? Sei lá quais foram as razões, comecei a pensar nessa tal coisa de entrar no seminário. Talvez por causa daquela imagem ainda viva em mim do pai a pé e de botas, eu descalço voltando sob fraca neve de inverno e o padre a cavalo “o que foi Bepe, ele ainda pode ser

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padre”. Será isso? Não poderia ter tido um sinal com incenso, velas e vestes bonitas? Não foi o meu caso. Enfim, comentei com a minha mãe, e ela ficou feliz. Mas... fale com o teu pai. Eu? Não vou. Não vai dar certo. O pai precisa de mim, pois o mais velho sou eu com 11 anos, o Rosalino ajuda a mãe, o Ivo nasceu e faleceu no mesmo dia, Clemente (falecido em 1963), Nelson, João, Maria, Arlindo e Gentil eram muito pequenos. E agora? Voltei e pedi conselho à mãe. “Filho, tente falar, diga ao teu pai que você quer entrar no seminário”. Lá fui e disse “pai quero ir pro seminário”, tudo isso em dialeto. O pai não disse nada, não me respondeu, olhou-me assustado e lá fui eu, catei a enxada e fui limpar o milho. Passaram-se uns dias, o pai disse-me se eu queria mesmo ir para o seminário e deixar os demais irmãos em casa. “Nós não temos dinheiro para pagar a mensalidade no seminário. Tem que comprar roupa, só tinha sapato da primeira comunhão, cadernos e roupa de cama”, ele disse. Em casa tudo era em comum, irmãos dormiam no sobrado da casa de madeira e as irmãs no quarto térreo. Só me lembro que um belo dia, o pai disse que estava tudo certo, mas queria que entrasse no seminário diocesano. Aí eu disse que entraria no seminário de Videira, onde nós íamos a pé descalços todos os domingos de manhã à missa, e perto da bica d’água da cantina do Andreazza, lavávamos e enfiávamos os pés nas sandálias ou alpargatas. Assim foi. Quando tudo estava pronto, fui de carroça cheia de dornas (bigunchos) de uva e uma mísera mala completava um biguncho. Era o dia 01/03/1960, entrava solenemente no último ano de seminário feito de madeira em Videira. Aos domingos, nós


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seminaristas íamos em fila para missa na Igreja Matriz, e lá via o pai, a mãe e meus irmãos, mas não podia sair da fila. Isso era um sacrifício. Muitas vezes achei que o pai estava com a razão, “seminário? Em casa é melhor”. E a coragem me faltava para pegar a pequena mala e voltar para Rio Tigre. Aliás, certos medos são coisas do Espírito do alto. Nas férias? Aí o pai cobrava de mim, porque no seminário se aprendia muita coisa e precisava ensinar aos meus irmãos menores. Ele sabia, porque no seminário dele aprendeu o que eu não sabia. As férias eram repletas de trabalho na enxada, na foice, no arado, na colheita, fazer taipas, cerca de arame farpado e aí vai. O maior sustento na minha família era a Fé, a Oração, o Catecismo, a reza do terço todas as noites, as rezas na capela de Rio Tigre, e isso tudo me deu força para continuar. Muitas vezes, nas férias, em conversas com meus irmãos dizia que voltaria para casa. A resposta sempre foi contrária. Agradeço a cada um deles pelos “nãos” recebidos. A história não para. Dois anos de Videira, e faço questão de citar o Pe. Humberto Scopel que me acolheu no seminário perto da Igreja Matriz. Também o Pe. Zago que deu continuidade no novo seminário, antigo hospital. Estes dois padres e os demais marcaram a minha trajetória. Com mais coragem, apesar da dor e distância, despedi-me dos pais e dos 6 irmãos. Nunca imaginei viajar de trem por 40 horas feliz, junto com os outros colegas, num vagão de luxo com bancos de madeira super duros da RVPSC, à frente ia a furiosa e fogosa Maria-Fumaça, toda feliz soltando ora fumaça preta ou branca, ora centelhas de carvão, até parecia um enorme turíbulo agitado nos trilhos para não se distrair do destino que estava levando os seminaristas cheios de saudade.

Os padres Egídio e Eugênio nos acolheram no Jordaniano em 1962. Fiz os estudos ginasiais até a 3ª série em regime de internato. As mudanças vinham aos poucos. A 4ª fiz no atual Colégio de Jundiaí. Nossa, que alegria estudar fora do Jordaniano, mesmo fazendo, nem sempre, 5 a 7 km a pé. Nesse período do Ginásio, quando ia de férias sempre conhecia um irmão novo, assim foi com Gentil, Pedro (falecido em 1962), Zélia, Lino, Alcides e Izabel. O Colegial Clássico eu fiz da mesma forma, Jordaniano e Jundiaí. No 3º ano, com o novo formador, o Pe. Claudino Vanz, novas ideias, e com surgimento de vocações adultas, experiência nova, fomos morar em uma casa pequena, em comunidade. Houve sim conflitos sérios de relacionamento com vocacionados adultos. Aliás, fui convidado a sair (dispensado) do seminário. Parei, pensei e concluí que os argumentos apresentados não eram suficientes para eu aceitar o dito “você não serve para vida religiosa”. Da mesma forma aconteceu com o parecer de um psicólogo. Para acalmar os ânimos da minha turma, nesta época estávamos em Campinas (1970), inventaram um estágio. Lá fui eu e o João Bressan (permita-me citar teu nome) para Videira fazer estágio. Os outros foram para outros locais. Pensei comigo “é agora que não voltarei nunca mais”. Enquanto lecionava à noite, uma aluna minha, enfermeira no hospital, disse que a minha mãe estava tendo uma filha, a Clarice, minha irmã caçula. E eu continuei a aula com medo da bronca da diretora. Após a aula, lá fomos eu e os alunos. Chegada a hora de voltar ou ficar, algo me dizia para eu voltar. Aliás, os meus familiares estranharam a minha decisão de voltar. Acreditavam que o meu irmão Nelson, seminarista, fosse seguir até o fim, mas não eu. Fiz o noviciado no antigo Escolasticado de Indianópolis, concluindo no Instituto Padre Jordan, Vila Mariana, cujo mestre foi o Pe. Lauro Spohr, sds. Votos religiosos e suas renovações ocorreram sempre de forma simples e sem muita cerimônia. Hoje tudo mudou. Durante o primeiro ano de Teologia foi complicado. Colega meu disse-me que estava voltando à Videira e eu no corredor do ITESP, disse “vou embora agora”, e que o Pe. Spolti, nosso formador, não saiba. Quero manifestar publicamente a minha gratidão ao Pe. Spolti pela sua dedicação a nós formandos. Apesar de algumas divergências, ele nunca fugiu ou se omitiu na condução do IPJ.

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Retiro de Ordenação, aqui foi o meu cálice da amargura. Naquela semana que antecede à Ordenação, fui a Tangará fazer o Retiro. Numa quintafeira, após andar entre os trilhos de ferro contanto dormente por dormente, eu me perguntava: “vale a pena se ordenar? E se não der certo? O que farei?”. Na volta do almoço fiz esse questionamento ao Pe. Romero, santo padre. Ele calmamente me pergunta: “agora, neste momento o que pensa?”. “Eu quero me ordenar, mas se não der certo, como fica? Veja, Pe. Romero, muitos formadores meus deixaram o sacerdócio, inclusive alguns me aconselharam a não seguir”, respondi eu. E ele disse: “Bruno, futuro não importa, o que importa é hoje, e se hoje você tem certeza, ordene-se. Amanhã é outra história. Apenas confie em Deus”. Respirei fundo e o restante do retiro foi muito leve. Hoje estou com 49 anos de vida religiosa e 45 de sacerdócio, apesar de muitas crises, altos e baixos. Muitos apostaram na minha saída durante a teologia, mesmo após recém ordenado em Conchas. Aliás, tentaram me dispensar durante a Filosofia. Outros achavam que não chegaria a um jubileu. Enfim, bem ou mal, entre inquietações, posso dizer que estou aqui. E ninguém está “aqui” de graça, algo sempre

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está me seduzindo, como diz Jeremias em 20,7 “tu me seduziste, Senhor, e eu me deixei seduzir”, foi o lema que escolhi e, eu o recordo sempre e das palavras do Pe. Romero. Finalizando, ninguém se faz padre ou religioso sozinho. Aos meus falecidos pais e quatro irmãos que estão na casa do Pai, a minha gratidão pelo testemunho e vida deles para eu perseverar. Aos dez irmãos e irmãs, com suas esposas, esposos e filhos, manifesto a minha gratidão. Recebam as bênçãos do Bem-aventurado Francisco Jordan. E aos meus confrades formadores, falecidos e vivos, minha gratidão. Aos demais confrades, amigos, benfeitores e colaboradores posso dizer, sem medo, se sou padre salvatoriano é graças às orações dedicadas para a minha continuidade como Salvatoriano e Sacerdote. “Bem ou mal, o que importa é que estou aqui”, assim me dizia um diretor espiritual que eu tinha, “tu me seduziste, Senhor e eu me deixei seduzir” Pe. Bruno Retore, sds


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