3 minute read

Onda latina

Movida a reggaeton, a música produzida em outros países da região e cantada em espanhol volta a tomar o Brasil de assalto

por_ Alessandro Soler ■ de_ Madri

Advertisement
Juanes, Luis Fonsi e J Balvin: fenômenos mundiais

Juanes, Luis Fonsi e J Balvin: fenômenos mundiais

Despacito (ou devagarzinho), uma nova onda de música latina está chegando e se instalando entre os brasileiros. Não que essa fiebre seja coisa nova. A relação entre os sons produzidos no Brasil e os que criam povos vizinhos remonta a tempos imemorais — muito antes da colonização europeia —, e a musicalidade de outros países da região sempre influenciou a nossa. (Como se esquecer do bolero, que, em maior ou menor grau, marcou a trajetória de Elizeth Cardoso, Altemar Dutra, Dalva de Oliveira, Nelson Gonçalves e Chico Buarque?).

Mas veio a segunda metade do século 20, consolidou-se uma óbvia hegemonia rítmica nacional nas rádios — e TVs e web —, e virou coisa rara ouvir, pelo menos em ampla difusão, os sons latinos contemporâneos. Se Julio Iglesias precisou cantar em português para “pegar” no Brasil, Rick Martin, Shakira e alguns outros abriram passo ao castelhano. Aí bastou juntar a explosão da música latina nos Estados Unidos com a cultura de massa globalizada que, ¡zas!, estava pavimentado o caminho de nomes como Luis Fonsi (de Porto Rico, autor do avassalador “Despacito”), Juanes (Colômbia), Maluma (Colômbia), J Balvin (Colômbia) — os dois últimos, parceiros de Anitta em canções com as quais a carioca vai batalhando seu próprio salto internacional.

A coisa, em geral, funciona mais ou menos assim: adicione reggae, salsa e algum som local a uma base eletrônica e você terá o reggaeton, a explosiva mistura de sotaque caribenho que move os bailes — ou pachangas — em diversos países da região e até na Europa. Na Espanha, por exemplo, pachangueo, o ato de ir às pachangas, já virou quase sinônimo de festa.

Por aqui, a mistura com ritmos locais é a chave que abre as portas. Assim descreve a cena Walter Kolm, dono da WK Entertainment, um dos principais escritórios de representação da música latina nos Estados Unidos e empresário de Maluma e do também colombiano Carlos Vives. “As plataformas de streaming de música e vídeo ajudaram a globalizar a música como nunca antes. E as colaborações entre artistas abriram fronteiras de países difíceis de entrar, como o Brasil. O exemplo perfeito é o Maluma, com suas colaborações com Anitta e, mais recentemente, Nego do Borel. O tema ‘Corazón’ domina as paradas e se mantém em primeiro em rádios globais”, ele descreve. “As colaborações garantiram espaço ao Maluma e participação como headliner em festivais brasileiros como VillaMix. Mas o que realmente importa é ter boa música para mostrar. Assim fica mais fácil entrar.”

Maluma e Anitta: parceria com estrela local para entrar num mercado “difícil”

Maluma e Anitta: parceria com estrela local para entrar num mercado “difícil”

Ney: “O Brasil é de costas para a América Latina”

Um observador agudo da nossa música, e intérprete de inesquecíveis canções em espanhol, entre elas uma bela versão de “Vereda Tropical”, do mexicano Gonzalo Curiel, crê que as pontes que a internet pode estender têm alcance limitado. É Ney Matogrosso, que resumiu a questão em entrevista ao portal Calle2: “Quando eu era criança e vim morar no Rio, se ouviam nas estações de rádio músicas do mundo inteiro. Música francesa, portuguesa, espanhola, argentina. Aí nós perdemos o contato. O Brasil é de costas para a América Latina e anseia pela América do Norte. Eu acho isso uma chatice.” Ele não está só. Apesar do alcance ainda limitado da música latina — se comparada aos hits em inglês e ao nosso próprio mainstream verde-amarelo —, um número crescente de pessoas que tem se balançado em pachangueos país afora mostra que esse jogo pode estar mudando.