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Geraldo Pereira

No centenário de nascimento de um dos maiores sambistas de todos os tempos, morto precocemente aos 37 anos, a importância da sua obra é celebrada

do_ Rio ■ ilustração_ Lan

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Um grande cronista. Um analista fino dos costumes, das contradições, do racismo intrínseco da nossa sociedade, do machismo. Um pioneiro do samba sincopado. Um influenciador de grandes criadores e intérpretes do nosso país, de João Gilberto a Nelson Sargento. Geraldo Pereira foi tudo isso e, no entanto, talvez você nunca tenha ouvido falar nele.

Nascido há um século — em 23 de abril de 1918, em Juiz de Fora (MG) — e morto apenas 37 anos depois, no Rio, onde se estabeleceu e fez uma carreira prolífica, com 77 (ou 78) canções registradas, ele é autor de canções famosíssimas e muitas vezes regravadas. Mas, por um desses mistérios da vida, muitas delas não são associadas a ele. “Escurinho” (que fala sutilmente de racismo), “Acabou a Sopa”, “Ela Não Teve Paciência”, “Falsa Baiana” e tantos outros clássicos saíram da pena e da mente do mestre, “um craque do samba sincopado, da Lapa de Francisco Alves, Mario Reis, Orlando Silva, aquela rapaziada que, entre as décadas de 1940 e 1960, frequentava aquele bairro boêmio do Rio”, como define Rildo Hora, gaitista, maestro, violonista, arranjador, compositor e produtor e grande conhecedor da obra de Pereira.

João Gilberto usou sambas de Pereira — “Bolinha de Papel” entre eles — para criar a batida típica da bossa nova que revolucionou a MPB. Daí dizer-se que Pereira foi um sambista “bossa-novista”.

“Ele se debruçava muito bem sobre os dois principais códigos da MPB: a melodia, na qual frequentemente fazia uso da síncope, que é propriedade de inverter os tempos fortes para os tempos fracos; e a letra, na qual perpassava com clareza situações inusitadas de sentimentos universais, aliados a observações do cotidiano carioca”, elogia Euclides Amaral, poeta e pesquisador de MPB e autor, entre outros, do livro de ensaios “Alguns Aspectos da MPB”.

VEJA MAIS! O cartunista Lan, autor das históricas caricaturas de lendas da nossa música expostas na Casa UBC (inclusive desta, de Geraldo Pereira, aí acima), relembra um momento curioso em que se apresentou sobre um palco ao lado do sambista. Confira num vídeo exclusivo da UBC!

VEJA MAIS! O cartunista Lan, autor das históricas caricaturas de lendas da nossa música expostas na Casa UBC (inclusive desta, de Geraldo Pereira, aí acima), relembra um momento curioso em que se apresentou sobre um palco ao lado do sambista. Confira num vídeo exclusivo da UBC!

ubc.vc/VideoGeraldo

Lenda na criação, lenda na morte

Geraldo Pereira foi um gigante da nossa música que, para o grande público, quase desapareceu. Mas seu desaparecimento físico, sua morte, numa noite fresca da Lapa, não se esquece nos círculos boêmios da nossa música — seja a história verdadeira ou ficcional. Como conta em detalhes o livro “Almanaque do Samba” (Jorge Zahar), uma briga besta por um copo de chope desencadeou a internação do sambista alto, magro e elegante que frequentava os principais botecos do bairro. Só que a briga teria sido com ninguém menos que o malandro dos malandros Madame Satã, que, numa célebre entrevista ao diário “Pasquim”, nos anos 1970, admitiu ter desferido o golpe que levou Pereira ao chão, e no qual ele bateu a cabeça no meio-fio. O grande sambista morreria em 8 de maio de 1955, virando lenda, assim como Satã.