Velo #0

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EDIÇÃO #0 | DISTRIBUIÇÃO GRATUITA

FIXED GEAR Como a bicicleta de roda fixa ganhou adeptos em Porto Alegre e a série de ilustrações de Adams Carvalho BICI CAFÉ Um lugar descontraído para tomar um bom café e calibrar a bici FELLINI Bicicletas ganham vida nova e nome de divas do cinema 1


CAPA Ilustração de Adams Carvalho PRODUÇÃO DE CONTEÚDO CS PRESS | Comunicação e Conteúdo PROJETO E DIAGRAMAÇÃO CS PRESS | Comunicação e Conteúdo CONTATO velo@cspress.com.br DISTRIBUIÇÃO Gratuita PERIODICIDADE Bimestral IMPRESSÃO Impressos Portão Edição #0 Porto Alegre | 2013 www.facebook.com/revistavelo revistavelo.wix.com/velo Todos os artigos assinados e fotografias são de responsabilidade única de seus autores e não refletem necessariamente a opinião da revista.

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A invasão do

pedal

Ela é recordação quase unânime da infância. Proporcionou momentos de diversão, e nos fez levar, talvez, os primeiros tombos importantes. Saída direto do baú das memórias, a bicicleta passou a fazer parte do dia a dia das grandes cidades e das discussões pela busca de uma maneira mais sustentável, saudável e gentil de conviver em grandes centros. Trocar os motores pelo pedal , diminuir o número de carros nas ruas, tornar os deslocamentos mais prazerosos e investir na mobilidade urbana são assuntos que agora pautam as rodas de conversa, desde aquelas no bar entre amigos, até entre gestores públicos. Foi a percepção de que este movimento está tomando força, junto à vontade de difundir a cultura da bicicleta e incentivar o seu uso como meio de transporte, que nos motivou a criar a revista Velô. A cada número queremos inspirar ainda mais os ciclistas e conquistar novos, ainda tímidos. Dicas para conviver no trânsito, histórias de vida inspiradoras que a bike ajudou a transformar, conteúdos relevantes, agenda de eventos, encontros e pedaladas, tudo isso queremos trazer a cada edição. Aqueçam os pedais!

da redação

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nesta edição

6 Vulp, o primeiro bici café de Porto Alegre

20 A coluna Porto Alegre Cycle Chic conferiu a Massa Crítica de agosto

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Fellini ReCycles transforma bikes antigas em divas do cinema

Fixas conquistaram os bike messengers de Porto Alegre e viraram símbolo de cultura urbana


colaboradores

DEB DORNELES

Fot贸grafa e cicloativista. Assina a coluna Porto Alegre Cycle Chic.

GABRIELA GUERRA

Analista de neg贸cios e apaixonada por bici.

PEDRO ARGENTI

Analista de marketing e jornalista, mora em Genebra desde 2012.

MAURO BELO Rep贸rter e professor de ingl锚s, morador da Zona Sul de Porto Alegre.

LUCAS COLNAGHI Estudante de arquitetura e ciclista.

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lifestyle

Café sobre rodas Cafés e bicicletas, o que eles têm a ver? A melhor resposta seria: tudo. Nos últimos anos os bike ou bici cafés se espalharam pelo mundo, principalmente na Europa e nos Estados Unidos. No Brasil, onde a bicicultura avança e ganha cada vez mais adeptos, os cafés especializados em receber ciclistas também começam a aparecer. Em Porto Alegre, o primeiro foi inaugurado em junho, o Vulp Bici Café. “O café é uma bebida energética, perfeita para quem precisa pedalar todos os dias”, explica Isadora Lescano, uma das propritárias do Vulp. Desde que vendeu seu automóvel, em 2011, a alegretense adotou a bike como meio de transporte. Hoje a bici representa mais do

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que isso. É também prazer, estilo de vida e trabalho. Foi através da bike que Isadora conheceu as sócias Tássia Furtado e Silvia Pont, outras aficcionadas pela magrela e tudo que ela significa. O Vulp Bici Café, que une cafeteria, bar, loja e oficina do it your self no mesmo lugar. “Nós nos conhecemos na Cidade da Bicicleta, que é um espaço mais social. Sentíamos falta de um lugar comercial, onde pudéssemos ter uma área de convivência e ao mesmo tempo trazer essa cultura urbana da bike. Foi aí que começamos a pesquisar referências para montar o Vulp. Como todas amamos café, a escolha foi natural”, conta Isadora, que é formada em Jornalismo.


Crédito: Sabrina Silveira

Promover a cultura urbana da bici em um espaço descontraído e regado a café. Esse é objetivo do Vulp Bici Café em Porto Alegre

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Crédito: Sabrina Silveira

O estilo de vida sustentável que a bike proporciona elas levaram para dentro do café. Utilizando móveis reciclados, elas montaram e pintaram o ambiente. Foram dois meses procurando um endereço especial, arborizado, plano e com pouco tráfego de carros. Endereço escolhido, casa montada, três certificados de barista e era hora de abrir as portas. Cada uma delas estaciona uma single speed (marcha única) no bicicletário do Vulp. Garantem que hoje é preciso uma tormenta para optar por outro meio de transporte. O motivo disso elas têm na ponta da língua: não dependem de horários de ônibus, não ficam presas no trânsito, não contribuem para poluir o ambiente e aproveitam todos os dias a sensação

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única do vento no rosto. “Nós não somos contra o uso do carro, só acreditamos que as pessoas poderiam repensar quando usam o automóvel para percorrer curtas distâncias. E observamos muitos veículos com apenas uma pessoa. Muitos não se dão conta de como é bom andar de bicicleta”, conta Isadora, que se diz uma motorista mais tranquila depois que começou a usar a bike no trânsito. A designer recém-formada Silvia, que até pouco tempo tinha receio de andar de bike entre os carros, conta que hoje tem mais medo dos pedestres e de outros ciclistas. “Já sofri acidente com outras bikes. Andar de bicicleta no trânsito exige muita atenção”. Sílvia é dona


sobre o Vulp de três bikes. Além da single, guarda em casa uma Peugeot e uma Caloi Poti, presente de uma amiga, com a qual estreou nas ruas da Capital. Todas guardam lembranças da bike desde pequenas. Tássia costumava pedalar até a escola todos os dias em Canoas. Na praia do Cassino, a bike era transporte até para ir à balada. Quando mudou-se para Porto Alegre, aderiu ao ônibus. Há dois anos, trabalhando em uma produtora de vídeo, decidiu aventurar-se no trânsito. E não parou mais. “A bike não é um transporte individualista, pelo contrário, é agregadora. Nos permite interagir mais com as pessoas na rua, aproveitar mais a cidade”.

Lá você encontra oficina equipada, roupas e acessórios, cafés orgânicos (com opção de leite vegetal de amêndoas), bebidas geladas, petiscos e bicicletário.

como encontrar Rua Miguel Tostes, 845. Aberto nas terças, quartas e quintas das 13h às 20h, sextas e sábados das 13h às 22h, e domingos das 14h às 20h. Contato: 51 3086.0098 9


Crédito: Björn Lexius - www.wearetraffic.de

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Estilo fixa de pedalar Simples e leves, as bicicletas fixas conquistaram adeptos no mundo inteiro, tornaram-se sĂ­mbolo de cultura urbana e hoje invadem as ruas de Porto Alegre 11


Crédito: Marcius Andrade

Nem todos se adaptam a ela, mas quem consegue não larga mais. A bike fixa — também conhecida como pinhão fixo, fixed gear ou fixies — saiu das pistas de ciclismo para o trânsito das grandes capitais e tornou-se símbolo da cultura urbana da bicicleta. Com um sistema simples, que não inclui freio, marcha ou câmbio, a fixa é descrita como uma extensão do ciclista, que tem controle total dos movimentos. O modelo começou a ser utilizado fora das pistas pela primeira vez nos Estados Unidos e na Europa pelos couriers, ou mensageiros, que precisavam de agilidade e baixo custo de manutenção. Aos poucos, conquistou adeptos no mundo inteiro. Em Porto Alegre, as fixas

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começaram a aparecer há apenas três anos e, seguindo a tradição, são as preferidas entre os bike messengers da Capital. Douglas Coêlho de Lima, 26 anos, é um deles. Este ano ele virou um dos personagens da série de We Are Traffic, do fotógrafo alemão Björn Lexius. “Eu uso a bicicleta fixa todo dia. Ela é a minha ferramenta de trabalho, mas também é meio de transporte e diversão”, diz ele. Leve e rápida, a bike conquistou Douglas. “Sempre tem uma estranhamento quando se anda de fixa pela primeira vez: a mecânica da bike é diferente, você fica um pouco tenso já que ela não para de girar. Sua relação com ela é diferente, sente outros músculos trabalhando. Você reaprende a andar de bicicleta”, explica.


Aline Br. More é colega de trabalho de Douglas e também tem uma forte relação com a fixa. “Eu ando de fixa para trabalhar e no meu dia a dia. É a minha total independência de ir e vir. Amo o visual limpo dela, no estilo ‘menos é mais’, foi isso que me fez apaixonar no começo”, conta Aline, que faz o conserto das próprias peças quando necessário. “Mas o vício veio mesmo de sentir essa integração do corpo com bicicleta”. Há três anos, Aline teve dificuldades de achar uma fixa à venda em Porto Alegre. Depois de se deparar com os altos preços para trazer uma do exterior, optou por montar a própria com ajuda de amigos. SIMPLICIDADE A fixa é a mais simples e primitiva das bicicletas. É assim que Eduardo Macedo, proprietário da Gaúcha Bike, define o modelo. “As pessoas fazem um monstro, acham que a fixa é difícil, mas na verdade é a mais fácil”, explica ele. A bicicleta de pinhão fixo é uma das variações da single speed, que também pode ser contra pedal (que trava as rodas quando pedalada para trás) ou roda livre (que possui catraca e freio manual). Montando fixas há três anos, Macedo diz que a estética é o que mais chama a atenção dos adeptos em Porto Alegre. Com um visual minimalista, e grande variação de cores, as fixas ainda são menos visadas para roubo, justamente por não terem muitas peças e serem mais personalizadas e fáceis de identificar. Os custos de manutenção são quase nulos, segundo ele, quando bem reguladas essas bikes só demandam cuidados com os pneus. A recomendação dele para quem está começando é não abusar da velocidade, usar

“Eu ando de fixa para trabalhar e no meu dia dia. É a minha total independência de ir e vir. Amo visual limpo dela no estilo ‘’menos é mais’’, foi iss que me fez apaixonar no começo”,

Crédito: Marcius Andrade

“Eu ando de fixa para trabalhar e no meu dia a dia. É a minha total independência de ir e vir. Amo o visual limpo dela no estilo ‘menos é mais’, foi isso que me fez apaixonar no começo” Aline Br. More

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pedaleiras, ter um banco confortável e, principalmente, trocar experiências com outros ciclistas e participar de grupos de passeio.

DE CASA PARA O TRABALHO O modelo de bike fixa acompanha o designer Luiz Paulo Cagol Neto há dois anos e meio. Apesar de conhecer a fixa há pouco tempo, é capaz de discorrer sobre a história desta desde o surgimento, com detalhes. Quando estreou de bicicleta no trânsito de Porto Alegre usava uma velha companheira mountain bike. Não durou muito. Em poucos meses procurou por modelos mais urbanos e descobriu a fixed gear em pesquisas na internet, experimentou e não largou mais. Desde então já está na terceira configuração do modelo. “A fixa é uma extensão do teu corpo. Nós controlamos cada movimento. É como correr ou caminhar. E o fato de não ter freio exige muito mais atenção e reflexo”, alerta ele. “No começo ela cansa, mas a gente se acostuma

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com o giro”. Como meio de transporte, a fixa acompanha Luiz de casa ao trabalho todos os dias. Em raras ocasiões, como em dias de temporal, opta pelo ônibus. Ao contrário da maioria dos ciclistas, adora a hora do rush no trânsito. “É quando os carros estão em uma velocidade mais baixa, quase parados, e eu consigo mostrar aos motoristas como a bike pode ser mais rápida”, conta ele. Luiz ainda participa das corridas conhecidas como Alley Cat, na capital e região metropolitana. Criada em Toronto, no final da década de oitenta, essa modalidade de corrida urbana espalhou-se e ganhou adeptos em vários continentes a partir de 2000. Como principal característica, as corridas envolvem bikes fixas e os ciclistas não têm acesso ao trajeto antes de iniciar a corrida. Os grupos se organizam informalmente, pela internet, e o objetivo mais importante não é a competição, e sim a participação.


O designer Luiz Paulo usa a fixa no dia a dia e participa das corridas Alley Cat na Capital CrĂŠdito: Sabrina Silveira

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entrevista

fixed gear Para o ilustrador Adams Carvalho, colaborador da Folha de S. Paulo e das editoras Globo, Abril e Ática, a bicicleta se tornou praticamente uma religião. E foi daí que surgiu a inspiração para uma série de ilustrações que ele criou, chamada Fixed Gear. Formado pela ECA-USP, Adams já realizou exposições em museus e galerias no Brasil e no exterior. Ele conversou com a Velô e contou um pouco sobre esse trabalho:

Velô: O seu trabalho retrata muitos ambientes urbanos e pessoas. De onde surgiu a inspiração para a série Fixed Gear? Foi um projeto pessoal ou comercial? Adams Carvalho: Eu comecei a desenvolver essas ilustrações quando adotei a bicicleta no meu dia a dia. Percebi que as bicicletas começaram a se tornar uma extensão de mim mesmo, da minha personalidade, viraram um estilo de vida e quase uma religião. Acredito ainda que o cenário das fixed gears é um ambiente muito interessante visualmente: associa cultura pop, moda, tatuagem, design e mobilidade. Vida, arte e bicicleta se integram perfeitamente, como uma coisa só.

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Velô: Como foi a elaboração desses trabalhos? Pode descrever um pouco do processo? Adams: Uma das coisas que me interessa na cultura da bicicleta é a sua simplicidade, em especial a de roda fixa. Esse é o elemento principal que busquei trazer para os desenhos, com poucos traços, cores simples, leveza, agilidade e ambiente minimalista. Velô: Alguns desenhos também viraram animação. Qual foi o objetivo? Adams: Eu fiz dois projetos de animação nos quais aparece a bicicleta: um videoclipe do cantor Thiago Pethit (Essa Canção Francesa, 2009) e um promo para a marca tre3e fixed, em 2013. Ainda tenho um projeto para um curta inspirado no cineasta francês Jacques Tati, envolvendo o uso da bicicleta também.

Velô: Como é a sua relação com a bicicleta no dia a dia? Adams: Eu uso quase que exclusivamente a bicicleta como transporte. Não tenho carro, e ônibus me dá preguiça.

Velô: Você acredita que a bike possa ser uma solução ou alternativa para melhorar o transporte urbano nas grandes cidades? Adams: Apesar de o transporte público ser o principal e grande meio de locomoção para uma cidade mais humana e igualitária, acredito que a bicicleta é a mais rápida, eficiente, econômica e saudável modalidade de transporte.


“Percebi que as bicicletas começaram a se tornar uma extensão de mim mesmo, da minha personalidade, viraram um estilo de vida e quase uma religião” 17


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Quer conhecer mais trabalhos? Acessa ffffixas. tumblr.com e vimeo.com/ adamscarvalho 19


Massa Cr铆tica: Encontros e Reencontros A Massa de agosto ocorreu no dia 30 e foi presenteada por um daqueles veranicos que s贸 Porto Alegre tem. O resultado foi o encontro de novos e antigos participantes. Confere as fotos desse pessoal.

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fotos Deb Dorneles

www.portoalegrecyclechic.com

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eu pedalo

finais felizes por Gabriela Guerra

Eu admito que tenho uma tendência a sempre acreditar nos finais felizes. Na reviravolta que coloca tudo no seu lugar, nas pessoas que transformam a realidade, nos ideais. E quando falo da minha vida não é diferente. Assim foi quando comprei minha bicicleta. Depois de adulta, foi ela a minha primeira. A verdade é que tenho uma tendência a acreditar muito no poder do coletivo — já falei que acredito nos finais felizes, né? —, e por isso achei que ter um carro era uma incoerência sem tamanho. Então, depois de mais de sete anos andando dentro daquela caixinha, eu decidi trocá-lo pela bici. Escolhi a cor, a roda, a buzina colorida e me imaginei andando por aí, de vestido esvoaçante e florzinhas coloridas na minha cestinha. Não precisou de muitos dias para que a realidade me desse um tapa na cara. Na minha visão, existem dois pontos importantes. O primeiro é a consciência de que sua bicicleta é também um meio de transporte, e que grandes poderes trazem grandes responsabilidades. Me dei conta de que precisava estudar e entender quais eram as formas mais seguras de andar com ela por aí. Sempre me preocupei muito com a minha segurança enquanto andava na rua e, especialmente, com as pessoas com quem dividiria a rua. Acho que só a consciência e a prática vão te dando essa segurança.

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O segundo ponto importante é o respeito. O trânsito virou uma guerra. O que vejo, no dia a dia, é que se as pessoas olhassem um pouquinho mais para o lado, a vida de todo mundo seria mais simples. Está de bicicleta e vai atravessar a rua na faixa de segurança? Desce e empurra a bici. Os pedestres vão se sentir — e de fato vão estar — mais seguros. Está chovendo e estás de carro? Perde 30 segundos e deixa o pedestre que está com as meias encharcadas atravessar. Enquanto dirige, está vendo que tem um ciclista por perto? Pensa em como fazer para que ele se sinta seguro. Mantenha a distância. Sorria. Ele está diminuindo o número de carros por aí e te ajudando a chegar mais rápido em casa. Esse é o cenário que eu gosto de inventar na minha cabeça, mesmo que esteja bem longe do que vemos hoje em dia. Por esses dias eu dividi a ciclovia com uma moto, que entrou voando e quase me derrubou. Talvez o maior segredo seja mesmo manter o equilíbrio e seguir acreditando, dialogando e buscando entender e respeitar o espaço das outras pessoas. Explicando o nosso lado, expondo nossos medos. Motoristas, por favor, nos respeitem. Pedestres, por favor, nós também precisamos de espaço. Amigos ciclistas, façamos também a nossa parte. Agora vamos deixar o vento bater no rosto, erguer a cabeça e seguir. Um dia a gente chega lá.


Ilustração Anıl Kılıç

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reciclagem

Bikes antigas se transformam em sonhos de consumo para os adoradores do estilo retr么 24

Cr茅dito: Sabrina Silveira


as DIVAS DO PEDAL Leila Diniz, Ursula Andress, Sophia Loren, Brigitte Bardot e Zezé Motta estão morando na Cidade Baixa, em Porto Alegre. Não, não. Não são as divas do cinema. Tratam-se de cinco bicicletas, recicladas com requinte de detalhes e cuidados dignos das estrelas que são. Os responsáveis pelas verdadeiras obras de arte são o arquiteto Cristian Illanes e o jornalista Sérgio Mendes Moreira. Hoje a dupla formalizou o hobby pela reciclagem de bikes e criou a marca Fellini ReCycles. “A nossa intenção é começar a comercializar as bicicletas em breve, mas para isso precisamos nos desapegar delas”, brinca Illanes. Quando se visita a casa do arquiteto é possível entender o apego às bikes. Elas estão por

todos os lados, inclusive na cozinha e na sala. São praticamente membros da família. A ideia dos nomes surgiu da esposa de Illanes, a advogada Letícia Lugin, que apelidou sua antiga magrela — um modelo Ipanema, clássico da Monark — de Audrey Hepburn. Mas é na oficina da casa de Moreira que o trabalho começa. “Não é um restauro, o conceito correto é o de reciclagem. Não consiste em consertar peças antigas que não funcionam, nós misturamos as peças antigas com novas, com tecnologia de ponta” explica ele. Todo o processo é sustentável, com tratamento dos resíduos gerados pela reciclagem. Até hoje já foram feitas oito bikes, duas já vendidas - Bètte Davis e Audrey Hepburn. A

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ideia agora é começar a alugar as criações para composição de cenários ou vitrines. “O diferencial das bikes da Fellini é que, além de bonitas e em estilo retrô, são confortáveis e leves”, defende Illanes. Os custos de produção de uma bike ainda são bastante elevados, pois é preciso uma verdadeira caçada por peças específicas e tempo para restauração de outras. Por isso, eles já consideram criar bikes totalmente novas e personalizadas. Para o arquiteto, muitas pessoas acabam comprando bikes que não são as ideais para a usar no dia a dia devido às propagandas de bicicletas esportivas. “Uma bike leve, híbrida, aro 700 e com algumas marchas é o ideal na minha opinião”. Illanes usava muito a bicicleta para ir à faculdade, depois usava mais a passeio. Há dois anos voltou a pedalar no dia a dia por motivos de saúde e mobilidade. O

Divulção/Fellini ReCycles

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carro quase não sai da garagem, mas ainda é necessário, principalmente devido à chegada do primogênito. Na casa de Sérgio, o carro perdeu a vaga na garagem por causa da oficina. Mas ele não se importa. O jornalista diz que ficou conhecido na vizinhança por causa do Genésio, seu cachorro, hoje com 10 anos, que o acompanha em todos os passeios de bicicleta. Ambos concordam que a circulação de bicicletas na capital tem aumentado nos últimos anos e que isso tem contribuído para reduzir o estranhamento das pessoas nas ruas, mas isso também depende muito da postura dos ciclistas. Para Illanes, apesar de o trânsito de Porto Alegre ser conhecido por ser nervoso e conflitante com as biciletas, “há um movimento que tem conseguido modificar essa cultura de conflito”, afirma ele.


Acima, Sérgio Moreira, Cristian Illanes e Letícia Lugin. À esquerda, a bike apelidada de Zezé Motta Crédito: Sabrina Silveira

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inclusão social

magrelas para todos Duas bicicletas antigas e já sem uso, a vontade de fazer o bem e os pedidos de alguns alunos especiais foram os ingredientes necessários para que Josué Aguiar e Janete Soares dos Santos começassem um projeto que proporcionaria a alegria de pedalar a muitas pessoas. O vice-presidente da Federação Gáucha de Xadrez e a psicopedagoga comandam a ONG Embrião, em Alvorada (RS), há 15 anos. Eles se dedicam à educação ambiental e ao ensino de xadrez em escolas da região. Foi em uma

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das aulas de xadrez ministradas para deficientes visuais que surgiu uma reivindicação: os alunos queriam participar dos passeios ciclísticos organizados pela ONG na cidade, como a tradicional colheita da marcela que acontece todos os anos e reúne cerca de 300 ciclistas durante a madrugada. “Começamos a pensar em como tornar essa vontade dos alunos uma realidade. Juntamos duas bicicletas que não usávamos mais e fizemos um esboço de como gostaríamos que ficasse. Levando em conta a segurança dos ciclistas, e executamos


Josué se dedica integralmente à ONG Embrião, que está proporcionando o prazer de pedalar a deficientes visuais, muletantes e cadeirantes.

Crédito: Sabrina Silveira

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o projeto com o auxílio de uma serralheria”, conta Josué. O resultado foi o modelo batizado com o nome ODKV (o de cá vê), composto por duas bicicletas independentes, interligadas, e que têm os movimentos de curvas controlados apenas pelo manuseio do guidão, sem solicitar o equilíbrio. Uma das bicicletas é pedalada pelo deficiente visual e a outra por um guia, que dá as coordenadas. A repercussão foi tão positiva que, com a ajuda de voluntários que doaram bikes usadas, ferramentas e outros materiais, a ONG conseguiu produzir e presentear todos os deficientes visuais de Alvorada. As bicis foram aprefeiçoadas pelo voluntário Adalberto Fortes, conhecido como o Mágico das Bicicletas, e também foram desenvolvidos modelos adaptados para muletantes e cadeirantes, que são comandadas pelos movimentos das mãos. Para manter o projeto, a ONG precisa de doações. “Há bastante voluntários dispostos a ajudar, mas por uma questão de condições financeiras acabamos não conseguindo ir buscar todas essas doações”, explica Josué. Além de Alvorada as bicicletas adaptadas já chegaram a Venâncio Aires, Santo Antônio da Patrulha, no interior do Estado, e Aracaju, em Sergipe. Também já existem demandas para as cidades de Torres e São Sepé. Recentemente, a Embrião fez uma parceria com o grupo Pedal Curticeira para levar as ODKVs a Rio Grande e Pelotas. “Já recebemos ligações de pessoas interessadas em comprar as bikes para outras cidades, mas não queremos vender a ideia, queremos encontrar parceiros como este, que reproduzam o projeto em suas regiões”, comenta Josué.

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SOBRE A ONG Oficinas de educação ecológica, aulas de xadrez, recolhimento de pilhas, baterias e outros lixos tecnológicos e recolhimento de óleo de cozinha.

COMO AJUDAR A ONG precisa de doações de bicicletas usadas e também quer encontrar interessados em levar o projeto a outras cidades. Caso você possa contribuir, entre em contato pelo telefone 51 3483.2914 ou pelo e-mail ongembriao2010@gmail.com. As entregas das doações devem ser feitas na rua Jaguari, 515, no bairro Vila da Figueira, em Alvorada.


pedal seguro Dicas de cuidados com a bici que garantem a sua segurança e a vida longa da magrela.

SELIM

cesto

Ao ajustar o assento, certifique-se de que deixou cerca de 10 cm do cano para dentro do quadro.

O peso ideal para carregar no cesto é de 5kg. Não ultrapasse este peso para não perder estabilidade e nem sobrecarregar a bici.

Não suba ou desça cordões de calçada sem antes descer da bike. Isso pode danificá-la com o tempo.

Não carregue passageiros no guidão, pois este não foi preparado para suportar o peso. Além disso, é perigoso para ambos.

calçadas

guidão

RODA TRASEIRA Não freie constantemente derrapando com a roda traseira. Não é seguro e reduz a vida útil do pneu.

Não tente regular o freio sozinho. Um freio mal ajustado pode te deixar na mão quando mais precisar.

freio

Fonte: Mejor en bici | Buenos Aires Ciudad

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Stock Photos

Anjos no trânsito Quem ainda tem receio de se arriscar no trânsito pode contar com a ajuda de Bici Anjos. Eles são voluntários que acompanham o ciclista em sua primeira pedalada pela cidade, dão dicas de manutenção e equipamentos, indicam os trajetos mais seguros e ensinam como se comportar na pista para evitar acidentes. O modelo, que já existe em vários países, começou a fun-

cionar na Capital em 2011 e já atendeu mais de 150 pessoas. Neste ano foram 56 ciclistas, sendo 80% mulheres e 20% homens. A faixa etária é em torno de 6% até 17 anos, 50% de 31 a 49 anos, 34% de 31 ao 59 anos e 10% acima dos 50 anos. São 23 voluntários no total. Precisa de ajuda? Entra em contato com o pessoal pelo site www.bicianjo.wordpress.com.

bike boy Fazer entregas rápidas, baratas e sem ônus ambiental. Essa é a proposta das empresas de bike boys que estão surgindo no Brasil. A pontualidade na entrega é garantida pelos ciclistas profissionais 32

que buscam e entregam documentos, pacotes e caixas por toda a cidade. Em Porto Alegre, duas empresas já prestam o serviço: Pedal Express pelos telefones 51 3212.2254 ou 8433.0311 e Vélo Courier 51 3013.1070 ou 9711.4167.


da agen Café solidário Uma iniciativa uniu as vontades de pedalar e de ajudar o próximo. O Bike Café, projeto do Instituto Aromeiazero, de São Paulo, lançado em maio deste ano, destina parte da receita das vendas dos cafés para projetos sociais relacionados à bicicleta. Onde encontrar? Vulp Bici Café (Rua Miguel Tostes, 845), e Loja Online (facebook. com/bebabikecafe).

22/09 | Dia Mundial Sem Carro Surgido na França em 1997 com a proposta de conscientizar os cidadãos sobre os prejuízos do uso excessivo do carro como meio de transporte, o Dia Mundial Sem Carro conquistou força em várias cidades do mundo. Durante todo o dia vale usar as bikes, as pernas ou qualquer transporte coletivo! Fique ligado nas pedaladas em grupo programadas para o dia, já tem duas confirmadas - uma saindo do Largo Zumbi dos Palmares e outra do Parque da Redenção.

27/09 | Massa Crítica

Divulgação Bike Café

App Colaborativo O Itinere é um aplicativo que vai mapear as rotas das pedaladas por todo o Brasil, formando um grande banco de informações e um mapa cicloviário com os pontos por onde os ciclistas mais passam. O projeto está em fase de desenvolvimento. Saiba como funcionará o aplicativo no site: www.benfeitoria.com/itinere.

Uma celebração da bicicleta como meio de transporte! O encontro acontece no Largo Zumbi dos Palmares, na Cidade Baixa, em Porto Alegrea partir das 18h15. Informações: www.massacriticapoa.wordpress.com

Passeios semanais | PoaBikers Organizados pelo PoaBikers, os passeios servem tanto para quem quer melhorar sua performance com a bike quanto para quem ainda é um ciclista tímido nas ruas de Porto Alegre. É só chegar em um dos pontos de encontro no horário combinado. Veja no site as datas e locais: www.poabikers.com.br 33


bike shop

Pulga

Divulgação

É gaúcha, de Sapiranga, uma das marcas de bici que tem dado o que falar. Lançada em agosto de 2012, durante a Expo Bike Brasil, as magrelas fixas da Black Flea chegaram ao mercado em fevereiro deste ano. São 17 modelos que se diferenciam pelas cores vibrantes e peças, divididos em três linhas - Free Rider, Street e Rush -, todos indicados para uso urbano. Confira os preços no site: www.blackflea.com.br.

Respeite

Divulgação

A plaquinha abaixo é um recado para fixar na bike. A peça pode ser personalizada e encomendada no site www.respeiteumcarroamenos. com.br. Custa R$ 25.

Little Lifter O Walnut Studiolo criou o The Little Lifter, uma alça de couro para quem precisa carregar a bike. Custa U$ 36 pelo site www.walnutstudiolo.com. Reprodução

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Bom, bonito e do bem

Divulgação

Regata com reflexivo

A bolsa para cestinha e a capa de selim protegem e dão um toque especial à magrela. As peças são produzidas com reaproveitamento de tecidos e comercializadas pela Rede Asta, que atua em comunidades de baixa renda do Rio de Janeiro, transformando a vida de produtoras e artesãs. Este kit custa R$ 47,52 na loja online (www.redeasta.com.br).

A regata Atacama, da Cycle Land, foi elaborada em malha de camada dupla e possui acabamento de tecido refletivo, para as gurias que pedalam à noite. O preço na loja online (www.cyclelandstore.com.br) é R$ 69,90. Lá você encontra outras peças pensadas para os bikelovers, como essa calça da foto. Divulgação

Bike para Colorir Personalizar as cores de cada parte da bicicleta e receber em casa. Essa é a proposta da Color Bikes. O cliente colore online e faz o pedido pelo site www.colorbikes. com.br. O preço é R$ 1.390. Divulgação

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zona sul

fôlego para longas distâncias Mauro Belo Schneider

Conhecido como um “bairro distante” para alguns porto-alegrenses, a Zona Sul é destino certo para quem gosta de pedalar. Com o Guaíba como paisagem, a prática do esporte na região tem seus diferenciais em relação ao restante da cidade. “Na Zona Sul temos as melhores rotas ecológicas. Todos os nossos pedais rurais são feitos ali”, conta Mauro Guerra, um dos organizadores do grupo de ciclistas Pedalegre. Pedalando há mais de 30 anos, e com experiência sobre duas rodas em cidades como Belo Horizonte, São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba, Estocolmo, Copenhague e Londres,

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ele considera que Porto Alegre, finalmente, começou a despertar para o ciclismo. “Ainda temos muitas questões políticas e de interesses envolvidas, o que complica. As condições do que já existe atende a premissa, mas temos locais sem manutenção e com uso de tinta não apropriada para se pintar as ciclofaixas”, aponta. Roberta Prestes foi criada na Zona Sul, mas é moradora do bairro Bom Fim desde que saiu da casa dos pais. Nos finais de semana, no entanto, tem o hábito de visitar a família. E de bike, claro. “Ir do Bom Fim até a Zona Sul é sempre um desafio delicioso, pois requer


Crédito: Sabrina Silveira

tempo e fôlego. Eu gosto muito. A primeira vez que fiz o trajeto foi muito marcante”. Os motivos: por ser o primeiro longo percurso — o que representou uma quebra de barreiras — e pelo fato de se conhecer outros ciclistas enquanto pedalava. “Tem também o bônus de perceber a cidade de outra forma, pois o caminho é longo e requer muita atenção em todo o tempo. Assim, a gente vê coisas diferentes de quando está de carro ou de ônibus”, completa. Apesar do benefício da aproximação com o Guaíba, a região também tem seus pontos negativos. Roberta, que vai ao trabalho todos

os dias de bicicleta, avisa que a Zona Sul é o local com o pior asfalto para o deslocamento. Sem contar que, segundo ela, os motoristas respeitam menos os adeptos do meio de transporte naquela área do que em bairros como Cidade Baixa e Bom Fim. Se existem motorizados que acham a Zona Sul um bairro distante do resto da cidade, o exemplo de Guerra mostra que quem realmente curte usar a bicicleta para como meio de transporte não vê problema nisso. No ano que vem, por exemplo, ele fará 1.200 km na França. “Enquanto não chega a hora, vou me divertindo por aqui”, brinca.

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conexão

Genebra de bicicleta Pedro Argenti

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Genebra foi uma das primeiras cidades europeias a promover o uso de bicicletas como alternativa para o transporte urbano. À moda suíça, em que tudo se resolve por meio de referendos, os genebrinos votaram em 1989 a favor da construção de 100 km de ciclovias. Mais de 75% da rede cicloviária hoje é com-

posta de pistas inteiras ou faixas dedicadas exclusivamente aos ciclistas. A administração pública mantém um mapa atualizado das ciclovias na cidade e no cantão de Genebra. Um projeto da Cruz Vermelha de Genebra iniciado em 2001 deu origem à associação Genèveroule, que empresta bicicletas gratuitamente para passeios de até quatro horas e aluga bicicletas para uso cotidiano. Genèveroule é uma inciativa nãogovernamental que conta com patrocinadores como a prefeitura de Genebra. Seus objetivos são promover a atividade física, proteger o meio ambiente e criar oportunidades e condições de transporte para quem busca reintegrar-se ao mercado de trabalho.


Crédito: Pedro Argenti

Apesar de ter pouco menos de 200 mil habitantes, Genebra está rodeada pelo território francês e atrai muitos trabalhadores pendulares do país vizinho que buscam melhores salários na Suíça. Cruzar a fronteira de bicicleta é uma opção prática e barata, conta Sabine Lefebvre, que trabalha em um salão de beleza próximo ao aeroporto de Genebra. “Sou francesa e vivo em Ferney-Voltaire, um vilarejo próximo ao aeroporto. Vir ao trabalho de bicicleta é mais rápido que pegar o ônibus”. Entre maio e outubro, quando o tempo está agradável nesta região, passeios de bicicleta às margens do Lago Léman são obrigatórios para quem está de visita. É possível conhecer todo o cantão de Genebra,

pedalando entre vinhedos e pequenas fazendas. Para quem gosta de ir mais longe, a companhia férrea suíça (CFF) aluga bicicletas em suas principais estações e permite retirada e devolução em qualquer ponto. Uma dica de passeio ciclístico é pegar o trem de Genebra a Lausanne, alugar uma bicicleta da CFF e andar até Montreux, num percurso leve de 20 km com uma duração média de 1 hora e 20 minutos, com vista para as montanhas de Évian, na margem francesa do lago. Depois é só devolver a bike, pegar o trem de volta a Genebra e dar mais umas voltas no lado oposto do lago, apreciando a vista para o Jet d’Eau (o famoso jato d’água) com uma bike gratuita do Genèveroule.

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