O rastro sujo do ciclone

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REPORTAGEM

DOMINGO 6.7.2008 JORNAL ABC Henrique Prieto/Divulgação

HORROR: o aspecto das árvores em São Leopoldo impressiona quem desconhece o Rio dos Sinos e causa revolta em quem quer preservá-lo

O rastro sujo do ciclone Gabriel Guedes

A maior cheia do Rio dos Sinos desde 1965, decorrida de um ciclone, completa dois meses nesta semana com uma triste lembrança: o lixo. Trata-se de mais uma tragédia, notável aos olhos e talvez tão prejudicial quanto a mortandade de 106 toneladas de peixes em 6 de outubro de 2006. Os detritos – sacolas plásticas, garrafas pet e restos de isopor – se acumulam entre galhos de árvores e arbustos, especialmente no trecho entre Campo Bom e Sapucaia do Sul. São milhares de fragmentos. Algo incontável, segundo o presidente do Instituto Martim Pescador, Henrique Prieto. A paisagem assombrosa revela ainda a falta de responsabilidade da população com o lixo. Também não há nenhum sinal de que os resíduos sejam retirados das margens. No dia 29 de junho, conta Prieto, o barco catamarã do Martim Pescador partiu de São Leopoldo para Porto Alegre, num roteiro chamado Caminho dos Imigrantes. Nos 15 primeiros quilômetros, até a localidade de Pesqueiro, em Sapucaia, muitas árvores ainda resistiam ao lixo pendurado. “A gente, que luta tanto pelo rio, fica bastante triste com esta situação”, lamenta. A extensão do problema é tão grande que a equipe do Martim Pescador desistiu de contar a quantidade de sujeira em uma área de 50 metros quadrados. Tanto é que prefeituras da região e o Estado, questionados pelo ABC Domingo, não sinalizaram qualquer possibilidade de limpeza, classificando a operação de “impossível”. “Sempre fazíamos um trabalho depois das cheias. Mas agora não deu nem para fazer isso”, argumenta Prieto. Por semana, o mangote instalado sob a ponte da BR-116, em São Leopoldo, retém cerca de 10 mil garrafas de plástico, oriundas de 16 dos 32 municípios da bacia hidrográfica. Em 2007, São Leopoldo recolheu 120 toneladas de lixo do rio, e Novo Hamburgo 30 toneladas dos arroios, sem contabilizar os mutirões realizados por entidades da sociedade civil.

Diego da Rosa/GES

Fábio Winter/GES

A fORÇA DO CLIMA Um ciclone extratropical que se formou no Estado em 2 de maio causou chuva torrencial e resultou na maior cheia dos últimos 43 anos no Vale do Sinos. Em Novo Hamburgo, o nível normal, de 3,80 metros acima do mar, chegou a 7,97 com a força das águas. Em São Leopoldo, o sistema de diques de 8 metros de altura que protege a cidade foi posto à prova quando o rio alcançou a marca dos 7,40 metros. Cerca de 2 mil pessoas foram atingidas pelas águas e vendavais.

O RIO DOS SINOS E OS IMPACTOS DO PLÁSTICO O Rio dos Sinos nasce em Caraá e desemboca no delta do Jacuí, em Canoas, totalizando 190 quilômetros de extensão e abrangendo 32 municípios, como Campo Bom, Gramado, Igrejinha, Novo Hamburgo, São Leopoldo, Sapucaia do Sul, Taquara e Três Coroas, com população total estimada em 1.248.714 habitantes. Os principais usos da água na bacia estão destinados ao abastecimento público, utilização industrial e irrigação. O maior problema encontrado atualmente é o despejo de efluentes industriais e principalmente domésticos sem tratamento nos cursos de água no seu trecho médio-baixo. Agra-

va a situação o lançamento de resíduos sólidos, como sacolas plásticas, garrafas pet, isopor, couro e borracha. As sacolas plásticas na mata ciliar, segundo o diretor da Secretaria Municipal de Meio Ambiente de São Leopoldo, Joel Garcia Dias, prejudicam a fauna, provocando engasgo, sufocamento e enforcamento em animais. “O que foi exposto pelo rio é na verdade o que é normalmente jogado pela população”, justifica. O plástico é um material que leva entre 100 e 500 anos para se decompor. O isopor leva cerca de 8 anos e o nylon, 30 anos.

“Daqui a 50, 100 anos, iremos encontrar estas sacolas plásticas nas árvores desde esta última enchente”, estima o presidente do Martim Pescador, Henrique Prieto. As sacolas de supermercados usadas como sacos de lixo não podem ser recicladas em qualquer lugar. Somente em São Leopoldo, 80% das sacolas se tornam sacos para este fim. Encontrando-se sujas, viram rejeito e acabam depositadas em aterros sanitários em células para materiais de rápida decomposição, que não é o caso do plástico. Conseqüentemente, a célula esgotará rapidamente sua vida útil.

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O exemplo de Lajeado Em Lajeado, no Vale do Taquari, a moda é ir às compras do diaa-dia usando sacolas ecológicas. Até o momento já foram disponibilizadas para os lajeadenses cerca de 10 mil sacolas de pano desde 5 de junho de 2007. A iniciativa funciona de forma simples, conforme a secretária do Meio Ambiente do município, Simone Schneider. “Basta passar na Secretaria do Meio Ambiente ou na sede da prefeitura de Lajeado e trocar um quilo de alimento nãoperecível pela sacola de pano”, explica. A medida é pioneira no País e já está sendo copiada, como em Teutônia, também no Vale do Taquari. “Não temos a intenção de extingüir as sacolas de plástico, mas sim diminuir o consumo exagerado da população lajeadense em relação a esse material”, explica Simone. Contudo, no Vale do Sinos, se depois da enchente não houve medidas práticas para amenizar os impactos dos resíduos sólidos arrastados, as apostas se voltam para medidas preventivas. “É preciso uma mudança de atitude, ações contínuas. O consumidor, o cidadão também deve ser responsável pelo ambiente. Mas é claro que também é preciso reduzir o uso de sacolas plásticas e implementar políticas públicas para uso destes recursos”, resume a coordenadora de Educação Ambiental da Secretaria Estadual do Meio Ambiente, Lilian Zenker. “Não há o que fazer. É um visual desagradável, mas que tem maior impacto de denúncia do que ambiental”, avalia o diretor de Licenciamento da Secretaria de Meio Ambiente de São Leopoldo, Joel Garcia Dias. “Não temos como limpar o rio. A demanda é monstruosa. Na realidade, queremos que a população se dê conta de que o lixo nos arroios é prejudicial. Mas estamos implantando o tratamento de esgoto, que irá minimizar os impactos no Rio dos Sinos”, esclarece o titular da Secretaria de Meio Ambiente e Planejamento Urbano de Novo Hamburgo, Alvicio Klaser Neto. “Estamos à disposição para um mutirão para limpar o rio. O que seria ideal. Mas o melhor é que o lixo não fosse para os arroios”, finaliza o diretor da Secretaria de Meio Ambiente de Sapucaia do Sul, Rafael Stroher. Henrique Prieto/Divulgação

CONTRASTE: na Estação Ecológica, em Sapucaia do Sul, o lixo ficou retido nas árvores em uma área de preservação permanente e difícil acesso


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