Aleitamento materno: mais do que um ato de amor

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REPORTAGEM

DOMINGO 26.7.2009 JORNAL ABC

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Aleitamento materno

REPORTAGEM

DOMINGO 26.7.2009 JORNAL ABC Arte Diogo Fatturi/GES

Fotos Gabriel Guedes/GES-Especial

Daqui a sete dias, 120 países, entre eles o Brasil, celebram a Semana Mundial da Amamentação, que neste ano trata do aleitamento materno em catástrofes. E justamente num dos Estados mais propícios a desastres naturais, como enchentes e temporais severos, é que os bebês são menos amamentados. Os índices gaúchos de aleitamento são os mais baixos do Brasil. Quando 100% das crianças deveriam exclusivamente mamar até os 6 meses de idade, em Porto Alegre, este índice é de apenas 6,5% e no País é de 11%. A pior colocação, segundo estatística do Ministério da Saúde. Mas é uma situação que pode ser contornada inspirada em bons exemplos, que deverão refletir na próxima pesquisa sobre o tema, que será divulgada pelo ministro da Saúde, José Gomes Temporão, no dia 3. Os dados da 2a Pesquisa Nacional de Prevalência de Aleitamento Materno nas Capitais Brasileiras e Distrito Federal, que serão divulgados na próxima semana, são ainda um segredo. Na capital gaúcha, a coordenadora local do levantamento, a médica Elisabete Lemos Silveira, limitou-se a dizer que houve um incremento nos índices. A presidente do Departamento de Aleitamento Materno da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), Graciete Vieira, acredita que não é desta vez que o Brasil atingirá números toleráveis. A última pesquisa é de 1999 e foi divulgada em 2001. Graciete diz que os índices de aleitamento não crescem devido a práticas culturais do País. “No Sul e no Norte, há interferência de outras fontes nutricionais, como adição de água, chás e leite na dieta do bebê, que deveria ser exclusivamente amamentado até pelo menos os 6 meses de vida”, aponta. Para a médica, há muitos bons motivos para se insistir pela amamentação. Um deles é o reforço do vínculo afetivo entre mãe e bebê. “A criança se sente mais seguro e confortável”, demonstra. Mas Graciete afirma que há estudos assegurando que o leite da mãe consegue nutrir sozinho uma criança até os 6 meses e a protegê-la de várias doenças e infecções. “Um bebê sempre bem amamentado, garante proteção extra a doenças que surgem em enchentes”, exemplifica. Por isso, amamentar é muito mais que um ato de amor, é proteger seu filho, até mesmo dos momentos de fúria da natureza.

Amamentação esbarra na licença-maternidade balha. “Eu sei que quanto mais tempo o bebê amamenta, ele fica mais protegido. Mas 4 meses de licença-maternidade é pouco. Até porque a gente precisa trabalhar”, expõe Meire. A licença-maternidade é uma renda, no mesmo valor da remuneração, fornecida pelo governo à mulher trabalhadora. O benefício, é concedido obrigatoriamente nos 4 meses consecutivos ao parto, quando a mãe precisa se dedicar exclusivamente ao bebê.

Contudo, o período é insuficiente para que se cumpra o período mínimo de aleitamento exclusivo, que é de 6 meses. A partir de 2010 entra em vigor a lei que permitirá a empresas conceder mais 2 meses em troca de incentivo fiscal. Mas o casal está disposto a superar este empecilho. “Tentaremos conciliar. Se dará um jeito. Porque o leite trará uma série de vantagens à saúde do Lucas”, empenha-se Goetz.

“Ela nem quer mamar, só quer ficar junto” A mãe da Lua sabe muito bem do que ela gosta. Com um ano e um mês de idade, tudo o que a pequena leopoldense quer é um colo. E isso ela encontra quando se alimenta com o leite materno provido de sua mãe, a decoradora de festas Sabrina Schweig, 31 anos. “Muitas vezes ela nem quer mamar. Só quer ficar junto”, revela Sabrina. Lua mamou exclusivamente do peito até o quinto mês, quando, por causa do trabalho, Sabrina passou a oferecer outros alimentos para sua filha. “Hoje ela mama duas vezes por dia. Geralmente uma no almoço e outra na madrugada”, conta. Por tanto tempo se nutrindo do peito, Sabrina já notou os benefícios. “Ela (Lua) está super-resistente. No primeiro inverno, somente com leite materno, ela não teve nada. Nem mesmo um resfriado. E isso é muito bom”,

frisa. Contudo, para chegar perto do que a Organização Mundial da Saúde (OMS) preconiza, Sabrina teve que ignorar muitas sugestões que surgiam de parentes e amigos. “Muita gente me falou para dar água e chá, por exemplo. São geralmente bons conselhos, mas não dá para levar ao pé da letra”, pondera. Para valer, a decoradora tem cuidado da dieta por causa da lactação. “Sei que de tudo que me alimento pode interferir no sabor do leite”, adianta. Até o quinto mês, Sabrina, por exemplo, não comia feijão. “Não sei se isso era certo, mas eu achava que aumentava a cólica nela (Lua)”, ilustra. Se depender de mãe e filha, esta relação será bastante duradoura. “Se eu puder, darei de mamar até os 3 anos ou mais da Lua”, planeja.

Canoas

César Barbosa-PMC/Divulgação

benefícios reconhecidos pelas mães

EM TEMPO: o casal Goetz não cansa de curtir o pequeno Lucas, que com 40 dias tem mamado bastante

Casados há 8 anos, Rodrigo, 28, e Meire Goetz, 27, ganharam Lucas há 40 dias. O filho é fruto do planejamento familiar do casal de Novo Hamburgo. Por enquanto tudo é curtição. Os Goetz não param de curtir o garoto mamando. Agora paira a preocupação de como será daqui a 3 meses, quando acaba o período de licença-maternidade de Meire. Pais de primeira viagem, eles têm uma livraria no Centro de Novo Hamburgo, onde Meire tra-

PARA AMAMENTAR MAIS As três maiores cidades da região estão determinadas a fixar boas práticas do aleitamento materno. Medidas como acompanhamento domiciliar, atuação de grupos interdisciplinares e a busca pela excelência no atendimento à criança deverão incrementar os índices de amamentação no futuro.

mais do que um ato de amor Gabriel Guedes

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Motivos para desmamar, como dores, fissuras e sangramento nos seios, não faltam. Contudo, reconhecendo que o leite materno é um alimento completo, muitas mães têm superado estas dificuldades em nome da saúde da sua prole. Aguardando ainda por algumas semanas para dar luz ao seu filho, Angélica da Silva Rodrigues, 20 anos, de São Leopoldo, já estava ciente de sua missão. “Recebi instruções e pretendo levar a amamentação à risca”, conta ela, que esteve nesta semana no Hospital Centenário por achar que tinha chegado a hora do parto. A mãe de Vítor, nascido na quarta-feira em São Leopoldo, Shirlei Pinheiro, 21, já sabia dos benefícios. “Dá mais união entre mãe e filho”, comenta. Para a hamburguense Neivani Michaelsen, 28, mãe de Marcos Henrique, que nasceu na quinta no Hospital Municipal, será nova chance para amamentar bem uma criança. “É o meu terceiro filho. Uma mamou até os 3 anos e outra apenas até o primeiro mês. Era prematura. Agora este vai mamar direitinho”, almeja.

Nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) futuras mamães participam de grupos de gestantes e após o parto, elas e os bebês têm consultas bimestrais. Agentes comunitários de saúde também realizam visita mensal às casas das mães, orientando a forma correta de oferecer o peito e monitorando o crescimento da criança. É o

Claudia Leitte e o filho Davi estrelam campanha Reprodução

HORA DO ACONCHEGO Em meio à correria da última sexta-feira, Sabrina dedicava 30 minutos do seu horário de almoço para amamentar Lua, que também usufruía do colinho

A cantora baiana Claudia Leitte é a madrinha da Semana Mundial da Amamentação 2009 no Brasil, que ocorrerá entre os dias 1o e 7 de agosto. Como madrinha, ela e o filho Davi, de 6 meses, aparecem no material de divulgação da campanha, como no cartaz reproduzido acima. O tema desta edição é o aleitamen-

to em situações de calamidade. Segundo a Sociedade Brasileira de Pediatria, nestas situações a mãe, tensa ou estressada, não consegue amamentar. Assim como aumenta o risco de inserção de outros leites, resultando em desmame. Pelo País, várias entidades estarão organizando eventos alusivos à semana.

o Esforço nos Hospitais privados Em Novo Hamburgo, os hospitais privados têm concentrado esforços em torno da causa do aleitamento materno. No Hospital Regina, há cerca de um ano e meio foi criada a segunda sala de amamentação. A primeira é dentro da UTI Neonatal. Segundo a idealizadora, enfermeira Janaína Castagnino, o local é feito para melhor conforto das mães. “Contamos com vácuo-extratores para esgotamento da mama. Mas também fornecemos orientações e sanamos dúvidas”, destaca. O serviço é aberto à comunidade, pagando apenas cerca de R$ 15,00 pela eventual utilização de descartáveis. O Hospital da Unimed Vale do Sinos incentiva a prática com um Curso de Gestantes, ministrados por médicos pediatras, ginecologistas e obstetras. A iniciativa também é aberta à comunidade.

caso de Rosimeri Alves, mãe de Victor, que recebeu na sexta-feira visita de uma agente de saúde da UBS do Mato Grande (foto). Em junho o prefeito Jairo Jorge sancionou lei que amplia a licença-maternidade para funcionárias públicas, de 120 para 180 dias. Medida que atende a necessidade de amamentação exclusiva.

Novo hamburgo Uma amizade duradoura. Há 11 anos, mães e bebês hamburguenses recebem a atenção do programa Amigos do Bebê, desenvolvido pela Secretaria Municipal de Saúde. O programa reúne profissionais da enfermagem, nutricionismo, assistência social e psicologia, que fazem todo o acompanhamento dos primeiros meses do lactante. Segundo a coordenadora, Camila de Andrade Brum, o trabalho começa dentro do Hospital Municipal de Novo Hamburgo e prossegue nas UBS. Apesar de mãe experiente, a dona de casa Marlene Antunes da Silva já está recebendo recomendações para melhor amamentar o seu quinto filho, uma menina que até a última sexta-feira ainda não havia recebido um nome (foto). São Leopoldo

O principal movimento em defesa da amamentação ocorre no Hospital Centenário. A instituição quer ser Hospital Amigo da Criança, título concedido pelo Ministério da Saúde para quem fomenta o aleitamento materno. Segundo o responsável pela iniciativa, pediatra neonatologista Leandro Nunes, a meta é mobilizar funcionários para que sigam os dez passos

Fábio Winter/GES

que mudarão condutas e rotinas no combate ao desmame precoce. Depois de dar a luz Esthefany na última quarta-feira, Deise da Silva Pedroso, sob orientação de uma técnica de enfermagem (foto), recebeu dicas de como proceder no aleitamento materno, numa das primeiras etapas em busca da certificação que somente 16 hospitais gaúchos possuem.


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