Edição 99

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Uma publicação do Sinepe/RS

Nº 99 / Ano XVII / Agosto 2013

Edição especial

CONFER ÊNCIAS

Conheças as ideias apresentadas pelos especialistas presentes no evento

EX POEDUC AÇ ÃO

Veja as empresas que par ticiparam de uma das maiores feiras do país


para


crescer. CHEGOU A NOVA COLEÇÃO DA EDUCAÇÃO INFANTIL DO SISTEMA POSITIVO DE ENSINO O Sistema Positivo de Ensino preparou uma coleção que vai auxiliar o trabalho de professores e de crianças de 0 a 5 anos. Um material completo, interativo e lúdico. Conte com essa confiança para oferecer o melhor às crianças. Saiba mais sobre a nova coleção: · Alfabetização Matemática · Livro de Arte para crianças · Mais links no Portal Positivo · CD de músicas, histórias e sons · Educação Física para cada um dos grupos

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EDUCAÇÃO SE FAZ COM CONFIANÇA.


EDITORIAL

12° Congresso na Educação em Revista Muitos são os desafios que se impõem aos professores que hoje estão em sala de aula. Como trabalhar com as novas tecnologias que já fazem parte da vida dos alunos? E as novas mídias, podem contribuir com a aprendizagem? Como fica a avaliação nesse novo contexto? E o que esperar do futuro, com o avanço cada vez mais veloz da ciência e da tecnologia? O modelo de escola que temos hoje ainda vai existir? Estes questionamentos foram amplamente debatidos durante o 12º Congresso do Ensino Privado Gaúcho, realizado em julho, em Porto Alegre. Com o tema “A maestria do professor na arquitetura da aprendizagem”, o evento reuniu 2.700 pessoas em três dias de muita reflexão e aprendizagem. Para que o evento não fique somente na memória dos educadores que estiveram presentes, a Educação em Revista faz um especial do que ocorreu nesses três dias, publicando um resumo do que foi falado pelos especialistas durante a programação*. Para preservar a essência do conteúdo, apresentamos as principais falas dos palestrantes na íntegra, por meio da transcrição das conferências. Esse formato de texto, pouco usado pela Educação em Revista, aproxima o leitor das ideias principais dos conferencistas de forma fidedigna e permite relembrar os momentos marcantes desse grande evento. Para nós é um grande desafio resumir em poucas páginas o rico conteúdo apresentado, mas acreditamos que, assim, a mensagem do Congresso ficará presente nas instituições de ensino, podendo ser lembrada e relembrada no seu trabalho diário. Esperamos que esse material sirva de estudo, reflexão e apoio pedagógico, enriquecendo ainda mais o trabalho que já é desenvolvido pelas instituições. E também que gere inquietação para realizar as mudanças necessárias na nossa educação. Para que os textos aqui publicados possam ser disseminados a todos os educadores da sua instituição, a Educação em Revista inaugura, a partir desta edição, um novo serviço na sua seção dentro do portal do Sindicato. No endereço www.sinepe-rs.org.br/site/informacao/educacaoemrevista, os associados poderão baixar a revista em pdf, na íntegra, ter acesso completo aos seus conteúdos e compartilhar com seus colegas por e-mail. Leia, divulgue, socialize, ajude-nos a disseminar as informações geradas por esta publicação! E boa leitura! Carine Fernandes Editora da Educação em Revista

* As conferências do Frei Betto e do José Bologna não foram autorizadas para divulgação, por isso não foram publicadas nesta edição.

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Expediente Edição: Carine Fernandes (MTB 15449) Produção: Carine Fernandes e Patrícia Gastmann (MTB 15.336) Capa: Dulce Magalhães/ Foto Bruno Alencastro Fotos do evento: Bruno Alencastro Diagramação: Prya Estúdio de Comunicação Conselho Editorial: Prof. Osvino Toillier, Prof. Hilário Bassotto, Prof. Flávio D’Almeida Reis, Profª Mônica Timm de Carvalho, Profª Naime Pigatto, Prof. Ruy Carlos Ostermann, Prof. Pedro Luiz da Silveira Osório e Prof. Carlos Jahn.

DIRETORIA

Presidente: Osvino Toillier 1º Vice-Presidente: Hilário Bassotto 2º Vice-Presidente: Flávio Romeu D’Almeida Reis 1º Secretário: Vanderlei Langoni de Souza 2º Secretário: Maria Helena Lobato 1º Tesoureiro: João Olide Costenaro 2º Tesoureiro: Wilson Ademar Griesang Suplentes: 1º Suplente: Mônica Timm de Carvalho 2º Suplente: Oswaldo Dalpiaz 3º Suplente: Adélia Dannus 4º Suplente: Delmar Backes 5º Suplente: Olavo José Dalvit 6º Suplente: Bruno Eizerik 7º Suplente: Adelmo Germano Etges

CONSELHO FISCAL Titulares: Ruben Werner Goldmeyer Luiz Fernando Felicetti Valderesa Moro

Suplentes: 1º Suplente: Isaura Paviani 2º Suplente: Maria Angelina Enzweiler 3º Suplente: Anelori Lange Coordenador da Assessoria de Comunicação e Marketing: Prof. Osvino Toillier Assessora de Comunicação e Marketing: Luciana Moriguchi Jeckel Assessora de Imprensa: Carine Fernandes Assistentes de comunicação: Bruna Ricardo e Marcele Wolf Estagiária: Patrícia Bernardo

Missão:

Representar e congregar as instituições do ensino privado na promoção de sua qualificação permanente, diferenciação e sustentabilidade.

Visão:

Ser referência como instituição no cenário educacional brasileiro, reconhecida pela eficiência na representação sindical e proposição de novos significados ao setor.

Valores: • Compromisso com o Associado • Ética e Transparência • Competência • Cultura da Inovação • Responsabilidade Socioambiental

FALE CONOSCO Redação Cartas, comentários, sugestões, matérias: educacaoemrevista@sinepe-rs.org.br Anúncios e assinaturas E-mail: comercial@sinepe-rs.org.br Fone: (51) 9330-6763 Informações Fones: (51) 3213-9090 | www.sinepe-rs.org.br Educação em Revista não se responsabiliza por ideias e conceitos emitidos em artigos ou matérias assinadas, que expressam apenas o pensamento dos autores, não representando necessariamente a opinião da revista. Por motivos de espaço e clareza, as cartas e artigos poderão ser resumidos.


Fotos Bruno Alencastro

PA IN EL

Escola, inovação e sociedade – onde fica a maestria do professor?

CESAR NUNES Para novas aprendizagens, professores significativos K ÁTIA SMOLE Avaliação em tempos de novas aprendizagens

MARCELO FREITAS As mídias na arquitetura da aprendizagem

PAT R ÍC I A PEC K Mídias: Oportunidades e ameaças na convivência familiar

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JOSÉ CORDEIRO A Tecnologia do Futuro e o Futuro da Tecnologia: Implicações para a educação DULCE MAGALHÃES

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Liderança e maestria no contexto das relações educacionais

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JADERSON DA COSTA

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Como pode a neurociência ajudar o professor?

BASTIDORES Confira os principais momentos do evento

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Orquestra Filarmônica da PUCRS recebeu os congressistas na abertura do evento

Congresso do Ensino Privado Gaúcho discute a maestria do professor

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e 17 a 19 de julho, 12 especialistas de renome da educação brasileira estiveram reunidos para discutir os desafios da educação, em especial a atuação do professor nos dias de hoje, sua relação com as novas tecnologias e a sociedade e seu papel enquanto líder. Com o tema “A maestria do professor na arquitetura da aprendizagem”, o Congresso do Ensino Privado Gaúcho reuniu 2.700 participantes, entre professores, orientadores e gestores escolares, no Centro de Eventos da PUCRS, em Porto Alegre. O evento contou, ainda, com uma palestra gratuita sobre segurança digital para os pais, apresentada pela advogada, especialista em direito digital e idealizadora do Movimento Família Mais Segura na Internet, Patrícia Peck Pinheiro. Entre os destaques da programação estiveram o teólogo e filósofo Frei Betto,

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o venezuelano, professor na Singularity University da Nasa (EUA), José Cordeiro, a Ph.D. em Filosofia Dulce Magalhães e o psicólogo e fundador da Ethos Desenvolvimento, de São Paulo, José

Bologna. O Congresso também inovou ao apresentar um painel no estilo de um programa de debate, mediado pelo jornalista Tulio Milman. Com o tema “Escola, inovação e sociedade – onde fica a maestria do

Dalpiaz destacou o desejo de aprender dos educadores


professor?”, a discussão contou com a participação do vice-presidente da Sociedade Brasileira de Gestão do Conhecimento e CEO da Mettodo - Reflexão Estratégica, Jerônimo Lima, do Pró-Reitor de Pesquisa, Inovação e Desenvolvimento da PUCRS, Jorge Audy, e da psicóloga, doutora em Educação e diretora do Include, Marisa Eizirik. Durante o debate o público pôde interagir com mensagens e perguntas pelo twitter do Tulio Milman e foram apresentados depoimentos, registrados no centro de Porto Alegre, sobre o papel do professor nos dias de hoje. Questões como avaliação, novas aprendizagens, mídias e neurociência também foram debatidas no evento. Além das conferências, o público também pode conferir a Expoeducação, feira de produtos e serviços do setor educacional. Instalada em um espaço de 950m² no Centro de Eventos da PUCRS, 36 empresas apresentaram novidades na área pedagógica, administrativa, de tecnologia educacional, móveis escolares e acessórios sustentáveis (conheça as empresas participantes no especial da Expoeducação, encartado nesta edição). Para o coordenador do Congresso, Oswaldo Dalpiaz, o que mais chamou a atenção no evento foi ver o enorme desejo dos professores pelo aprendizado. “Tivemos um público muito receptivo e todos buscando ampliar sua capacidade de

Toillier: é preciso valorizar a figura humana do professor

George Campos / USP

se renovar. Existe esperança na educação defensores de valores da era moderna, feita por educadores assim”, destacou. Para como a instituição da família”, lembrou ele, o saldo das conferências foi perceber Ramos. “Falar em adaptação das aulas o quanto precisamos equilibrar o ingresso por meio de recursos tecnológicos já das tecnologias na sala de aula com a figura instiga a pensar o segundo semestre”, essencial do professor, como um mediador completou Nascimento. Olga Chelkanoff, nessa revolução. “Em meio à tecnologia, de Porto Alegre, ficou feliz em perceber que é apenas um instrumento, emerge a nos discursos que o afetivo e o emocional figura humana do professor”, concordou o ainda são os grandes pilares da educação. presidente do SINEPE/RS, Osvino Toillier. Já Amanda Moreira, orientadora eduO dirigente avalia que o Congresso é um cacional, participou pela primeira vez do momento de grande celebração, pelas dis- Congresso e gostou mais das conferências cussões pertinentes ao setor e os encontros que focaram nos cuidados que os profissioque proporcionam tantas trocas de saberes. nais do ensino devem ter com a própria vida. Os professores Mauro Ramos e Edison “É importante evoluir em aspectos técniNascimento, de Pelotas, consideraram cos, mas não podemos esquecer que o ser essencial na programação o contraponto humano é quem faz a educação acontecer, e de pensadores. “Tivemos especialistas ele precisa de equilíbrio”, disse. A também totalmente interligados aos conceitos orientadora Genoveva Guidolin, que cospós-modernos, mas também aqueles tuma marcar presença nos congressos do SINEPE/RS e exerce a profissão há 44 anos, ficou bastante surpresa com as previsões de futuro que viu: “Os alunos têm outros meios de buscar informações, mas continuo acreditando que só o professor transfere conhecimento”, avaliou. Alguns dos principais temas discutidos no evento foram destaque na mídia. O programa Manhã Bandeirantes, da rádio Bandeirantes (AM 640) foi transmitido direto do Congresso, no dia 18 de julho. Estiveram com o apresentador, João Garcia, os palestrantes Marcelo Freitas, consultor em Gestão Educacional; Cesar Nunes, doutor em Filosofia e Educação e professor da Unicamp; e José Cordeiro, cientista e professor na Singulatiry University da NASA. Do SINPE/RS, participaram o presidente, Osvino Toillier, e o coordenador do Programa Manhã Bandeirantes foi transmitido direto do Congresso Congresso, Oswaldo Dalpiaz.

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césar nunes

Para novas aprendizagens, professores significativos C é s a r N u n e s*

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alar sobre educação para educadores é um desafio muito grande, porque nós todos conhecemos educação. Ficamos três anos numa graduação, quatro anos numa licenciatura e transformamos a educação em objeto de estudos. Conhecemos a escola como estudantes, depois como objeto de reflexão e a conhecemos como vivência profissional. Mas é forçoso lembrar que nos tempos em que vivemos tudo muda rapidamente e o conhecimento cumulativo lança desafios cada vez maiores à sociedade e à civilização humana. Precisaremos, com coragem, admitir que tudo que sabemos não é suficiente para decifrar o momento histórico. Eu acho que o SINEPE/RS propicia uma grande situação provocativa para que todos nós tenhamos a coragem de dizer que precisamos aprender com o nosso tempo, com as novas tecnologias, com as novas disposições sociais, para que possamos conservar, renovar as nossas vestes e ao mesmo tempo a nossa identidade civilizatória, social e institucional. Acredito que a metáfora das vestes me ajuda muito porque fui chamado a fazer uma palestra numa cidade chamada Nilópolis. Eu tive que falar na quadra da BeijaFlor de Nilópolis, a escola campeã do carnaval. E ali, confesso a vocês, no entusiasmo daquele momento, eu disse: “Tomara que um dia a educação brasileira seja tão importante que ela seja tema de escola de samba campeã, para fazer o brasileiro pensar que a mais importante dimensão social é a educação, depois da família, evidentemente”. A hora em que eu disse isso um cidadão pediu a palavra e disse: “Professor Cesar Nunes, no ano que vem já está escolhido e no próximo ano já está indicado, mas daqui a três anos eu lhe prometo, vai ser educação o tema da Beija-Flor”. Ele foi ovacionado por uns três minutos. Eu fiquei encantado, imaginei que tinha convencido alguém em posições estratégicas a fazer uma educação nacional. Depois de três anos estávamos eu e minha família esperando a Beija-Flor entrar e, na hora em que ela entrou, o tema era Roberto Carlos. Desculpem-me, eu não tenho nada contra Roberto Carlos e não tenho nada a favor também, para ficar bem claro. Agora, entre a promessa falsa e minha desilusão, a vaidade chegou até a presunção.

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A função da escola é humanizar. Não inspirem a prática de suas escolas somente na estreiteza da lei”


Eu pensei comigo, talvez eu seja convidado para ser um assessor da Beija-Flor, tenho que dar algumas ideias para a comissão de criação. E eu peguei um caderno velho e estava lá, a materialidade dessa presunção. Eu tinha desenhado a primeira ala. Todo mundo vestido de preto porque os primeiros professores do Brasil foram os jesuítas da Companhia de Jesus. E eu colocaria um carro alegórico para materializar essa primeira ala da educação brasileira, um carro aberto e em latim escrito, “ratio studiorum societate Jesus”, programa de ensino da Companhia de Jesus, que foi a primeira diretriz curricular do Brasil. Apesar de todo respeito que tenho, eu sou filho da Pontifícia Universidade Católica, estudei 14 anos no seminário, então consigo olhar e fazer uma crítica à educação religiosa que eu recebi. Não é uma crítica acusatória, é uma crítica afetiva e humanista. Os jesuítas tinham uma matriz curricular para o seu tempo, para a época colonial. Na segunda ala do meu desfile frustrado estavam 200 pessoas de jaleco verde-oliva. Isto porque a segunda grande tradição pedagógica brasileira

vigente foi na República Brasileira de 1889. O primeiro Ministro da República se chamou Luis Pereira Barreto, e o segundo, ministro Benjamin Constant. E como Ministro dos negócios do interior, da saúde e da educação, ele tem uma parte de um discurso que eu coloquei na minha tese de doutorado, uma pérola. Escreve assim: “Chega de um país de noviços, não faremos um país moderno com uma escola-convento que produz súditos e fiéis, súditos do imperador que foi embora, fiéis à igreja que se separou do Estado; agora com a República enterraremos a escola convento e, a partir de agora, a escola será o quartel da pátria”. Triste, professores, não é? Nós saímos de uma instituição ordenadora, religiosa, e entramos numa instituição ordenadora, estatal, autoritária, positivista. Depois da escola do Benjamim Constant, a terceira roupa que eu coloquei no meu desfile frustrado foi da escola de Getúlio Vargas que começou em 1930 e foi até 1971. Ele criou uma escola autoritária, voltada para a industrialização do momento. Seletiva, meritocrática, darwinista. Até hoje nos ressentimos do modelo que parece que a seriedade de uma escola está pelo

rigor das provas e a gente sabe que não é essa correlação direta, avaliação é uma diagnose e não pode ser um mecanismo de ajuste de contas. A quarta escola brasileira começa em 1971 e vai a 1996. Quem é que matou a escola brasileira, senhores? Jarbas Gonçalves Passarinho. Enterrou a escola, grupo escolar, enterrou o ginásio, esvaziou o currículo, fez uma escola alambrado, de assistência social compensatória, uma escola taylorista e fordista. Ele rebaixou 60% do salário do professor em um ano. Por quê? Porque de 1971 pra cá o professor passou a ser, na escola pública, cuidador de crianças, assistência social e, na escola chamada de particular, acentuou-se a ideia de que a escola particular tem que ser produtora do sucesso para o vestibular e para o trabalho. Eu acho que essas são coordenadas fundamentais, nós temos que fazer nossos alunos passarem no vestibular e conseguirem um emprego, serem produtivos. Mas, antes disso, a escola particular tem que reassumir sua função humanizadora, passar na universidade da ética, da autonomia, da autoestima, da felicidade, do cuidado,

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césar nunes

do ambientalismo, dos novos direitos sociais, da responsabilidade, da nutrição saudável, e isso precede o conhecimento de uma mera aprovação nas pouquíssimas vagas públicas. Para mim, a função da escola é humanizar. Não inspirem a prática de suas escolas somente na estreiteza da lei. A LDB tem 63 artigos e 31 emendas, ela está morta, é uma lei que é mais uma orientação jurídica mínima. E nem joguem a escola como uma escola que tem que fazer o controle de mão de obra para a terceira fase do capital neoliberal. Deixem o mercado seguir a sua trilha, deixem o estado fazer o seu papel. Onde é que a escola de educação básica particular, ao meu ver, deve inspirar seu projeto pedagógico: na marcha dos direitos sociais do Brasil, na marcha da sociedade civil brasileira. mestres, industriários, comerciários, Nós, pais, temos o dever moral e até estão sentadinhos. De vez em quando ético de gerar as melhores condições para a estreia boa dos filhos na família, eles começam a derrubar coisas no intervalo da primeira aula, aí um deles mas vocês têm um poder que é quase vem e diz: “Professora, o que você divino. Vocês poderão gerar na escola a estreia boa dos filhos dos outros. vai dar para nós hoje?”. Outros falam: Para humanização, para afetividade, “Professora, não dá aquilo de ontem porque tava chato, para autoestima. E dá aquilo da semana isso é um poder que Escrevam no passada”. Eles estão nós temos. O Paulo coração e nas falando de maneira Freire dizia que promuito simples, mas fessor e profeta vêm mentes das se eu fosse traduzir da mesma raiz, mas se for comparar procrianças, porque de forma acadêmica eles estão dizendo fessor com profeta eu os próximos 80 assim: “O que que diria que professor vocês, professor e é maior que o profeanos da vida professora, em nome ta, porque o profeta do Rio Grande da humanidade, em prevê o futuro, o pronome da civilização, fessor o constrói com estão sentados em nome do Estado, as crianças sentadinhas a sua frente. nas salas de aula em nome da minha família, trouxeram Quero mandar um de vocês” para plantar no meu recado para o futuro coração, na minha do Rio Grande. Não alma? Estou aberto para vocês, eu fico precisam escrever cartas e colocar em mais tempo diante de vocês do que de caixa de titânio como dizia o Mario meu pai e de minha mãe”. Quintana, escrevam no coração e nas Eu já vi muita paisagem na vida, mas mentes das crianças, porque os próeu nunca vi paisagem mais linda que o ximos 80 anos da vida do Rio Grande olhar de uma criança confiante no proestão sentados nas salas de aula de vocês. Os futuros prefeitos, advogados, fessor, na escola e na família. Por isso,

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eu diria a vocês, se vocês quiserem uma nova arquitetura da aprendizagem e banhar as vestes em uma nova roupagem eu vou dar um exemplo pra vocês. Eu dava uma música para meu filho. “Minha dor é perceber que apesar de termos feito tudo o que fizemos ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais”. Ele falou assim: “Pai, esta música é linda, viu, mas parece que ela dá sempre uma ré na vida, você volta a ser sempre como os pais”. Eu fiquei chateado, mas ele tinha razão. Aí, dois dias depois, ele falou assim: “Pai, escuta, esta música aqui vai tirar a culpa que a Elis Regina pôs no seu coração. E me deu Pais e Filhos, do Renato Russo. “Você culpa seus pais por tudo, isso é absurdo, são crianças como você, o que você vai ser quando você crescer”. Uma maestria da arquitetura do passado e como arquitetura da aprendizagem do passado, venha segunda-feira de batina preta, venha terça-feira de jaleco verde-oliva, na quarta-feira de jalequinho branco, venha quinta-feira de professor proletarizado vitimista e chorão e venha sexta-feira de professor tecnologista. Mas se você quiser uma outra roupa pedagógica para uma nova maestria da aprendizagem, eu acho que


essa roupa tem que ser constituída, o pano eu já sei. Estatuto da Criança e do Adolescente, Estatuto do Idoso, lei Maria da Penha, lei da sustentabilidade, código ambiental são os novos direitos sociais. E os fios que vão tecer e as linhas eu sei, a criança real, a mulher, o negro o índio, o deficiente, o idoso, os homo afetivos. E os tecelões somos nós, que temos que tecer as roupas nesta década e nas próximas. Só que as roupas justas do passado a gente sabe fazer, roupas democráticas a gente vai demorar para fazer, nós vamos fazer apertada, curta demais, mas fazendo uma por ano, a cada geração de alunos aprenderemos a fazer uma roupa que fique boa neles e vamos aprender a fazer uma para nós também. Professores que avaliam mais a cooperação do que a excelência, a meritocracia. E se forem cristãos haverão

de pensar na frase de Jesus: “Sereis Ela não vem da França, não vem da julgados pelo que fizerem aos últimos, Finlândia, ela não vem de lugar nenhum, não aos primeiros”. Porque amar uma ela vem se a gente conseguir repassar criança que tem hábitos de higiene a nossa tradição pedagógica, a Escola adequados, pai e mãe bem constituídos, Parque do Anisio Teixeira, a pedagogia que te traz uma laranja, essa não preci- da liberdade e da autonomia de Paulo sa de muita pedagogia para amá-la. Mas Freire, e olhar uma escola que prepara uma criança que não tem a mãe e o pai para viver e ser feliz. Àqueles alunos bem constituídos, que hoje vive diante mais difíceis, desafiadoras, dê muito de uma televisão amor, olhe nos olhos apelativa, sexuadeles. Adélia Prado Educar é um lizante, precoce, até hoje diz: “Até mercantilista, hehoje eu sei quem me gesto de amor, donista, carregado olhou com olhar de não um piegas de computadores confiança quando eu e máquinas que era criança porque ‘sentimentaloide’” eu era criança mas querem o gamemaníaco. Essa não era boba, eu criança é um desafio para você, é para sabia quem confiava em mim”. ela que você é educador, para humaniEu sei que a educação, a escola e a zar, para elevar a criança à felicidade sociedade brasileira deveriam ser bem da autoestima, para um dia disputar em melhores e têm todas as condições de condições humanas plenas o seu lugar serem. A nossa maestria do professor na sociedade. Agora, para que isto tem que ser outra, não a do passado. A aconteça, eu vou dar como pauta po- arquitetura da aprendizagem tem que lítica e pauta pedagógica o estribilho ser outra, a partir dos novos direitos da música do Renato Russo. “É preciso e dos novos deveres sociais. Mas isso amar as pessoas como se não houves- não impede que eu repita sobre a nossa se amanhã, porque se você parar pra vida, sobre o papel do professor, sobre a pensar, na verdade não há”. escola, “é bonita, é bonita e é bonita”, e Educar é um gesto de amor, não um é a mais bela de todas as profissões da piegas ‘sentimentaloide’ como muita humanidade, porque consiste em recriar gente falou. Amor que liberta do egoís- em uma única criança a humanidade inmo, da ignorância, da ditadura, do senso teira e plenamente. comum, de uma televisão perversa. Então, professores queridos, a maestria *Doutor em Filosofia e Educação, coordenador do Grupo de do professor tem que fazer a sua roupa. estudos Paideia, palestrante e conferencista internacional

Dicas do palestrante: • É preciso aprender com o tempo atual, com as novas tecnologias, com as novas disposições sociais. • A escola particular tem que reassumir sua função humanizadora. • Deve-se fazer os alunos passarem no vestibular, conseguirem um emprego, mas antes disto eles devem passar na universidade da ética, da autonomia, da autoestima, da felicidade... • Não se pode inspirar a prática da escola somente na estreiteza da lei. • Professores devem avaliar mais a cooperação do que a excelência, a meritocracia. • Educar é um gesto de amor.

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JOSÉ lUIS CORDEIRO

A tecnologia do futuro e o futuro da tecnologia: implicações para a educação J o s é L u i z C o r d e i r o*

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u trabalho como diretor da Venezuela pelo Projeto Milenium, que é a divisão futurista das Nações Unidas, e também sou professor de uma nova universidade fundada pela Nasa e pelo Google, na Califórnia, onde eu moro. Eu estudei nos Estados Unidos no MIT (Massachusetts Institute of Technology). Eles criaram agora um centro de inteligência coletiva, pois acreditam que a inteligência, quando trabalhamos juntos, pode ser melhor que a inteligência das pessoas isoladas.

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Estão acontecendo muitas coisas na área de hardware e software educativo, existem muitas inovações. Por exemplo, MIT criou o opencourseware, a primeira universidade do mundo, no ano 2000, que começou a distribuir gratuitamente todo o conteúdo dos cursos universitários da universidade. Temos também um projeto com a Universidade Harvard para que as pessoas possam fazer os cursos assim com outras universidades. Ontem eu estava falando com brasileiros que estão cursando aulas pela internet. O Brasil é o segundo país do mundo onde mais se estuda pela internet. É incrível. Depois dos

Estados Unidos, é o Brasil. Eu trabalho muito também no Japão e Coreia, que são líderes tecnológicos mundiais. Na Coreia do Sul estão usando robôs para ensinar inglês, porque os robôs têm paciência infinita e podem falar com muitos sotaques diferentes. Eles também eliminaram, a partir deste ano, os livros na escola básica coreana, só usam tablets. Em mais cinco anos isso também vai acontecer nas universidades. Vão acabar os livros na Coreia. Outro país fascinante na área educativa é a Finlândia. Há 15 anos criou o conceito ‘life long learn’, educação para toda a vida, em


que os professores têm novas responsabilidades como facilitadores da aprendizagem. Em espanhol nós dizemos “o diabo sabe mais não por diabo, mas por ser mais velho”O mesmo ocorre com os professores, eles sabem mais por serem experientes, mais do que por serem professores. Toda a experiência acumulada dos professores é fundamental. Porque no mundo moderno, as crianças sabem mais de tecnologia do que os professores, mas o professor tem muita experiência, muito conhecimento e é um facilitador do processo de aprendizagem. Outra novidade na área da tecnologia são os aparelhos para ler a mente. No Brasil, há um cientista que está trabalhando com isso, Miguel Nicolelis. O aparelho se chama Mindwave, e a companhia que o está desenvolvendo é a Neurosky. Estas tecnologias também permitem saber se os estudantes estão aprendendo. Vocês podem monitorar em tempo real se os estudantes estão aprendendo as coisas que vocês ensinam. Em 2009, a Nasa e o Google decidiram criar uma universidade para ensinar as novas

tecnologias e compreender como elas vão MIT, que escreveu o livro The Singularity Is mudar o mundo. E elas vão mudar mesmo Near. Ele diz que entre os anos 2029 e 2045 os seres humanos nos próximos 20 anos. teremos computadores com mais poder que Isso vai acontecer por meio da singularidade o cérebro humano. tecnológica, quando a inteligência artificial Isto está acontecendo em todas as áreas, vai alcançar a inteligência humana. Nós es- não só com computadores, mas também na timamos que a inteligência artificial entre os biologia, com o genoma humano. Eu fui o anos 2029 e 2045 vai primeiro venezuelaalcançar os níveis de no que sequenciou o Estimamos que inteligência humana. genoma cinco anos atrás. A singularidade tecTodos vocês aqui vão sea inteligência nológica vai permitir a quenciar seus genomas artificial entre imortalidade das pesnos próximos cinco a soas, tanto o hardware dez anos, quando será os anos 2029 e quanto o software muito barato. Com 2045 vai alcançar isso, poderemos ver as humano. Esta ideia está se propagando probabilidades das difeos níveis de porque o mundo é rentes enfermidades que inteligência cada vez mais global podemos desenvolver e interconectado e segundo os genes. Todo humana” porque as coisas estão mundo vai conhecer o acontecendo cada vez seu genoma com um mais rápido e continuamente. O conceito da chip para sequenciar genomas. Você irá cosingularidade tecnológica e dos avanços dos locar uma pequena parte de seu corpo num computadores é estudado por muitos cien- chip, como um pouco de sangue, pedaço de tistas como Ray Kurzweil, engenheiro do unha ou saliva, e poderá saber de que irá

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JOSÉ lUIS CORDEIRO

morrer. Fascinante, não? Não para morrer, mas mais que curar, prevenir as doenças. No futuro, a medicina será preventiva. O primeiro projeto genoma humano começou em 1990 e terminou no ano 2003, ou seja, levou 13 anos e custou um bilhão de dólares. Hoje, no ano de 2013, custa um pouco menos de 2 mil dólares, e nos próximos anos o preço vai cair a menos de cem dólares. Eventualmente, em 15 ou 20 anos irá custar cerca de dez dólares e todas as pessoas vão sequenciar seu genoma. Outro exemplo são os telefones celulares. Agora, estamos na quarta geração de telefones celulares. Nos próximos anos vamos ter a quinta geração com telefones holográficos que terão projeções holográficas. Hoje, os telefones celulares já traduzem. Eu poderia utilizar o meu telefone e falar espanhol e ele traduziria para o português ou chinês, russo... É incrível o que os celulares fazem hoje em dia, traduzem em tempo real. O mundo passou por três grandes revoluções. A primeira foi a agrícola, quando o recurso principal era o recurso natural; depois passamos pela revolução industrial, em que o principal recurso era o recurso financeiro; agora, estamos iniciando a terceira grande revolução da humanidade, a revolução do conhecimento, da inteligência, onde o principal não é o recurso financeiro ou o recurso natural, mas o recurso humano, as pessoas, o conhecimento, a criatividade. Esta é a revolução mais democrática que existe, porque nem todas as pessoas têm recursos financeiros, mas todas têm cérebro, a coisa mais importante do futuro. Os cientistas estão trabalhando hoje para parar o processo do envelhecimento. Na minha universidade na Califórnia, um colega está trabalhando nisso. Ele diz que o envelhecimento é uma doença, mas uma doença curável. Nos próximos 20 ou 30 anos vamos curar o processo de envelhecimento. Não só deter o envelhecimento, como rejuvenescer as pessoas. Esse cientista criou um prêmio que se chama o Prêmio do Rato Matusalém, para criar ratos imortais. Os ratos são muito parecidos com os humanos. Compartilhamos 90% dos genomas. Os ratos vivem dois anos, então se podem fazer muitas experiências com eles. Atualmente, existem ratos que estão vivendo seis anos, ou

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jogo Jeopardy. Um deles escreveu um livro seja, três vezes mais que sua vida normal e “Como Ganhar o Jogo Jeopardy”. E vocês em boas condições. sabem o que o computador Watson fez? Leu Vamos falar rapidamente sobre as quatro o livro. Watson nasceu com o Wikipédia na tecnologias do futuro. A National Science memória e continua aprendendo. Foundation dos Estados Unidos, que é o Outro computador da IBM foi o Deep Blue, equivalente ao Ministério de Ciência e o primeiro computador que venceu uma parTecnologia do Brasil, está trabalhando nas tida de xadrez 15 anos atrás e custou cem miquatro grandes tecnologias do futuro: a lhões de dólares. Vocês sabem quanto custa nanotecnologia, que estuda os átomos. A hoje? Dez dólares. E você pode comprar biotecnologia, que estuda as células. A infopela internet. O mesmo irá acontecer com tecnologia, que estuda os bits, e a cognotecWatson. Watson que custou mais de cem nologia, que estuda os neurônios. A nano e milhões de dólares ira custar dez dólares, e bio são o hardware da vida, e info e cogno será um aplicativo de smartphone. A IBM formam o software da vida. A nano e info é a parte artificial. A bio e cogno é o lado natural, ou seja, nanotecnologia é a biotecnologia artificial, e vice-versa. As duas juntas são o hardware da vida, e info e a cogno, o software da vida no mundo real. Também devemos considerar que o mundo virtual está se misturando com o mundo real. Se vocês virem as crianças, hoje, elas misturam o mundo real com o mundo virtual. Também temos computadores cada vez mais baratos e poderosos. No Uruguai, todas as crianças têm um laptop de cem dólares, é um projeto do MIT e chama-se One Laptop Per Child, um computador por criança. O Uruguai é o primeiro país do mundo em que todas as crianças têm seu computador. E há outros países em que inclusive as crianças já estão conectadas à internet. Algo interessante sobre inteligência artificial é o que aconteceu com um computador da IBM Estamos vivendo chamado Watson. Em 2011, ele venceu o jogo Jeopardy, um jogo uma era incrível com de conhecimento tipo ‘Quem Quer Ser Um Milionário’. Mas tecnologias mágicas esse jogo tem muitas piadas, que irão curar todas as ironias, músicas, e as pessoas diziam que os computadores não doenças e depois prevenicompreenderiam essas coisas. las, inclusive a mais Bom, Watson ganhou de dois humanos, Ken e Brad, que eram terrível delas, que é o os dois humanos que já haviam ganhado mais dinheiro no envelhecimento”


A singularidade tecnológica vai permitir a imortalidade das pessoas, tanto o hardware quanto o software humano”

está trabalhando em um aplicativo que fará o papel do médico. Você poderá fazer consultas e ele lhe dará o diagnóstico. E tudo estará conectado à rede:os carros, o forno micro-ondas a roupa, os óculos, telefones. O presidente do Google disse que em 2020 todo mundo estará conectado à internet banda larga gratuitamente, 24 horas, em todas as partes do mundo. Começaram agora com uma prova na Nova Zelândia, que se candidatou a fazer a experiência com o Google. Estão lançando balões que vão criar uma rede flutuante sobre o país que irá conectar toda a população à internet gratuitamente. Depois da Nova Zelândia buscarão outros países que estiverem no mesmo paralelo. Isto é uma oportunidade incrível para o Rio Grande do Sul, que está mais ou menos na mesma latitude que a Nova Zelândia. E os robôs também estão se transformando em humanoides. Eu tenho visto como os robôs estão evoluindo a cada ano. No MIT, os cientistas estão trabalhando para aprender e compreender os sentimentos dos robôs. O Congresso da Coreia do Sul está trabalhando em um projeto de lei para dar direitos humanos aos robôs, porque nos próximos dez anos eles serão quase iguais aos humanos e irão querer direitos. A discussão no Congresso da Coreia é se os robôs terão somente direitos ou direitos robóticos. Os telefones celulares hoje em dia possuem câmaras que são tão poderosas quanto

os olhos humanos. A capacidade de um olho humano é de dez megapixels, mas já existem telefones que possuem câmeras superiores a dez megapixels. Acho que vocês não vão querer trocar seus olhos por uma câmara digital, mas sabem quem quer fazer isso? Os cegos. Eles irão começar a implantar olhos biônicos, melhores que nossos olhos. Estas tecnologias estão nascendo para ajudar pessoas que têm problemas e doenças. Tudo isso é uma filosofia da ciência e da tecnologia para transcender as limitações humanas, que se chama transumanismo. É o humanismo tradicional com ciência e tecnologia. Nós somos macacos evolucionados 1% a mais. Como eu disse, a diferença entre um chimpanzé e um ser humano é de apenas 1% do genoma, e nós não somos o fim da evolução. A evolução continua, porém, agora não só biologicamente, mas também

tecnologicamente. O ser humano não é o fim da evolução. As religiões asiáticas, budismo e hinduísmo acreditam na contínua evolução e melhora dos seres humanos. Mas nós somos o fim da evolução e seguimos evolucionando com cuidado para não terminarmos assim. Os próximos anos serão fascinantes. Nos próximos 10, 20, 30 anos vamos ver coisas mágicas, coisas incríveis, vamos curar todas as doenças como o antigo Superman, Christopher Reeve, que foi paraplégico. Em cinco ou dez anos, os cientistas poderão curar essa doença. Estima-se que em 15 anos o Parkinson será curado e em 15 a 20 anos o Alzheimer. Estamos vivendo uma era incrível com tecnologias mágicas que irão curar todas as doenças e depois irão preveni-las, inclusive a mais terrível delas, que é o envelhecimento. Iremos ver a morte da morte. Vocês são professores da primeira geração humana imortal. Os jovens de hoje, se eles se comportarem bem, formarão parte da primeira geração humana imortal. *Professor na Singularity University, NASA Research Park (EUA). Diretor pela Venezuela do Projeto do Milênio

Dicas do palestrante: • Estamos vivendo a terceira grande revolução, que é a do conhecimento, onde o principal não é o recurso financeiro ou o recurso natural, mas o recurso humano, as pessoas, o conhecimento, a criatividade. • Os alunos da Educação Básica da Coreia do Sul não usam mais livros, só tablets. • A singularidade tecnológica vai permitir a imortalidade das pessoas, tanto o hardware quanto o software humano. • As tecnologias irão curar todas as doenças e depois irão preveni-las.

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kátia S mole

Avaliação em tempos de novas aprendizagens

A

K á t i a S m o l e*

avaliação é um tema que está muito em evidência. Especialmente depois que o Brasil começou a fazer as avaliações em larga escala no sistema de ensino público, para saber como os nossos jovens e crianças estão depois de passarem um tempo na escola. E isso acabou também indo para a escola particular. Eu tenho me preocupado muito com a escola tecnológica, dos livros digitais, das mídias educacionais e da chamada escola digital. E estudando um pouco fora do Brasil e também aqui, eu tenho ficado impressionada com as coisas que eu tenho visto e que envolvem avaliação. Por exemplo, a plataforma que se chama aprendizado coletivo. está na Internet e é gratuita. Ajuda a fazer a tarefa de casa, a resolver questões, principalmente para alunos da segunda metade do Ensino Fundamental até o Ensino Médio. Então, você entra nessa plataforma e digita lá: eu tenho que resolver um problema xis e eu ponho o problema, dou um enter, em pouco tempo alguém que está conectado (ela funciona como Facebook), dá a resolução. Aí você pode pensar: “Nossa, até isso, meu aluno vai ter alguém que faça a lição de casa para ele!”. Acontece que a inteligência dessa tecnologia é tão interessante, porque ela tem acoplado um sistema de avaliação, que avalia o tipo de pergunta que é feita e a frequência. Então, se você entrar lá pode ver a quantidade de gente disposta a te dar respostas, ou a quantidade de perguntas e respostas que você tem para Matemática, Física, Química... Todos podem dar respostas, podem ser um professor, um pai, um aluno. Então, a avaliação está se tornando tão importante porque eu posso programar uma plataforma para me ajudar a avaliar o

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que o aluno sabe e o que o aluno não sabe. Se a escola continuar praticando avaliação do jeito que pratica, vai ficar cada vez mais para trás. A avaliação está enredada em um sistema. Está diretamente relacionada com a didática, o tipo de aula. O tipo de escola que eu sou determina o tipo de avaliação que eu faço. Uma outra coisa que interfere é o tempo. Uma coisa é você fazer um determinado tipo de avaliação se você é professor da Educação Infantil ou do Ensino Fundamental, outra coisa é se você é professor de Espanhol e tem uma aula por semana. Eu vou contar uma história pessoal. Eu cresci na periferia de São Paulo, na região do Capão Redondo e Jardim Ângela. Meu pai era funileiro que mal tinha terminado a quarta série (que hoje seria o quinto ano), e minha mãe é uma costureira que estudou um pouquinho mais, com três filhos para criar. A

gente estudava em uma escola pública de tábua na beira de um córrego. Eu nunca vi meu pai lendo um jornal, não porque meu pai não soubesse ler, mas sim porque não tinha dinheiro. Vocês já imaginaram se a escola tivesse dito: “Os pais da Kátia precisavam ler em casa, comprar livros, ela não tem exemplo vindo de casa”. Pense em alguém que está no Jardim Ângela e que chega a fazer doutorado na USP. Estando no Jardim Ângela as chances de sair para o Ensino Médio já são mínimas, imagina chegar no doutorado. Como se chega? Quem me fez gostar de ler, me apaixonar pela escrita, escrever bem, que me propiciou chegar aonde eu cheguei foi a escola. Todos os professores que me fizeram aprender a ler e escrever. Esse é o poder da escola. Se eu fosse professor de mim mesma, eu diria: “Olha que legal, esse é o poder que eu tenho”. O que é avaliar? Avaliar é uma ação


exigente e trabalhosa, dá um trabalho danado, mas é intransferível. Pode obter dados, mas dados não são suficientes para fazer avaliação. Eu preciso de gente pensando, e a pessoa que é mais capacitada para fazer avaliação é o professor, ele é capacitado tecnicamente, ele convive com os alunos, é ele quem dá aula. A avaliação também é um poderoso sistema de comunicação. Isso é uma coisa de que nós precisamos ter muita consciência. Logo vai sair o maldito ranking do Enem. É um desespero, até eu passo mal quando vai sair o ranking porque está cheio de problemas. As notas do Enem, do jeito como elas são feitas, com Teoria de Resposta ao Item, não dá para ranquear ninguém. O Enem não avalia a escola. O Enem avalia o aluno. Então, tem uma porção de coisas que está errada, aquilo incomoda. Por que incomoda? Porque comunica. Quando eu dou a nota eu comunico, quando eu digo para vocês o que eu penso a respeito da aprendizagem dessa classe, eu comunico. Existem três coisas que podem acontecer com a comunicação. A primeira é ser uma comunicação absolutamente branda, ineficiente. Eu tirei cinco e você também. O que significa esse cinco? Não faço a menor ideia. Não sei o que eu sei, não sei o que eu não sei, só sei que eu tirei cinco. Eu lembro uma vez que eu cheguei para conversar com minha coordenadora na escola e falei pra ela: “nossa, olha só, de novo a Mariana tirou uma nota vermelha, está muito difícil.

Ela não passou de quatro e meio”. Minha coordenadora disse: “Kátia, tem dois jeitos de olhar para isso. Um é: de novo ela tirou uma nota vermelha, e o outro é: mas da outra vez ela não passava de dois e agora ela teve quatro e meio, é um progresso muito significativo”. De um modo geral nós olhamos para a comunicação que vem da avaliação só pelo que falta, e não aquilo que já tem. Nós deveríamos fazer um panorama igualmente importante com o que falta e aquilo que já tem. A outra face que falta da comunicação é perguntar por que está indo mal, por que você não fez a tarefa de casa, por que você não estuda? O que está acontecendo? Essa conversa tem que ser feita com o aluno, tem que se planejar com ele as ações que nós vamos fazer, é assim que eu vou envolvendo esses meninos e meninas usando a comunicação. Agora, o que a avaliação ainda não é? A meu ver, a avaliação ainda não é ética. Primeiro porque ela é muito obscura, o aluno nunca sabe direito como está sendo avaliado, nem por que ele está sendo avaliado. Façam uma pequena reflexão pessoal de quando vocês eram alunos e seus professores os avaliavam por participação. Vocês sabiam o que era isso? Mas, aposto que avaliam seus alunos por participação. Como é que eu avalio, que nota eu dou? O grau de subjetividade da avaliação é imenso. Não tem problema, avaliação da escola tem uma subjetividade. O problema é quando a

Se a escola continuar praticando avaliação do jeito que pratica, vai ficar cada vez mais para trás”

subjetividade é maior do que a razão. Vamos dar um exemplo. Existem escolas que tem um processo louvável. Então, tem o conselho de classe, a gente discute, discute, discute e fala: “O Flávio só em História que não está bem. Em Matemática ele está lá mais ou menos, mas até tirou um cinco. Não vamos reprovar o Flávio em História. Vamos fazer assim: ele vai para o ano seguinte e nós vamos ajudá-lo”. Isso é perfeito, é uma escola que está preocupada com o aluno. Não fosse o caso de a Vera ser a professora do Flávio no ano seguinte e chegar para mim e falar: “Kátia, você que deu aula de História para o Flávio?”. E aí eu vou dizer: “Foi, por quê?”. “Eu queria saber...” E ela nem termina a pergunta e eu já respondo: “Eu falei que ele devia ter sido reprovado, mas o conselho aprovou”. Isso é antiético, era melhor e mais justo que ele tivesse sido reprovado. Se é para pôr o aluno para frente e largá-lo a sua própria sorte,

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kátia S mole

Se é para pôr o aluno para frente e largá-lo a sua própria sorte, reprova. É menos dolorido”

reprova. É menos dolorido. Então, o que a avaliação ainda não é? Ela ainda não é de responsabilidade de diversos atores. Nós estamos com um problema muito grande, a avaliação hoje na escola, especialmente na escola particular, está polarizada entre professor e família. O sujeito da avaliação não é a família, é o aluno. Não é para a família que vai a informação, é para os alunos. Antes da reunião de pais eu preciso chamar os alunos e dizer para eles: “Vem aí uma reunião de pais, o que eu vou conversar com seus pais?”. Acabou um conselho de classe, tem que sair um responsável para chamar os alunos e conversar. Vamos começar a falar dos instrumentos de avaliação. Então, vamos pegar uma história real do Davi, que está no segundo ano,

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na prova de Ciências. Como devemos tratar os animais selvagens? Se vocês fossem uma criança de 7 anos, o que vocês responderiam? Eu já imagino uma criança de 7 anos entrando na selva, acariciando uma cobra, um leão e o Davi disse: “Bem, tem que tratar bem”. E ele teve errado porque a reposta era com carinho. Qual a diferença de tratar bem e tratar com carinho? Faz sentido essa pergunta? Não avalia nada de Ciências. Então, a minha pergunta para vocês é: que tipo de conhecimento essa questão avalia, quais as habilidades cognitivas que são exigidas e qual é a concepção de Ciências que está se passando em uma prova dessas? Da Educação Infantil ao Ensino Médio, nós precisamos pensar em um homem que evolui pela avaliação e ajudá-lo, porque todos têm direito a ter uma boa escola. Essa é a vocação da avaliação. A vocação da avaliação é uma aposta otimista, ela não quer pegar ninguém na curva, não desconfia que o aluno é um safado, que de vez em quando eles tentam ser. Faz parte. O Gardner diz que nós não nascemos com consciência do bom, nem do belo, nem do verdadeiro. Essa consciência se forma por meio da educação que acolhe as novas gerações. Então, um aluno vai tentar burlar, é papel dele, e nós vamos trazer para cá e vamos trabalhar com isso, porque isso é valor. O aluno vai tentar

colar e nós vamos trazer para cá e ensinar para ele o certo. Não é para passar a mão na cabeça. Você não pode entregar qualquer trabalho, tem que fazer de novo, professor não tem que aceitar tudo. Avaliação é um jeito de o professor dizer: eu me importo com o que você não sabe e, portanto, eu não quero você heterônomo. Você não tem que perguntar para mim o que você não sabe, eu tenho que te ajudar a saber o que você não sabe. Eu também não quero que seja uma independência caótica, cada um por si e Deus por todos. De fato nós queremos uma autonomia, e autonomia significa interdependência, significa que eu crio uma situação de sustentabilidade. Às vezes, falo para os coordenadores e diretores de escola, e quando eu trato de avaliação eles dizem assim: “Aumentamos a nota para sete, nossa escola ficou forte, agora se não tiver sete, é reprovado”. E eu digo: “Que beleza!”. No primeiro bimestre isso funciona que é uma maravilha, 90% dos alunos com nota vermelha. Sustenta isso? Vai chegar até o quarto bimestre com esse nível de exigência. Se tiver que reprovar 70% dos seus alunos, vai reprovar? O que vocês respondem? Não sustenta. Quem é que em sã consciência faria isso? Sabe o que vão começar a fazer? O primeiro


nós temos que ser esbimestre é duro; o Não avaliamos pecialistas nisso, mas é segundo relaxa um só conhecimento, pensar nisso. Um aluno pouco; terceiro um que tirou cinco e outro pouco mais, e no mas também aluno que tirou cinco, quarto, sabe o que eles sabem a mesma os meninos dizem? o tipo de coisa? Não sei. É inte“Esquenta não, no pensamento que ressante porque avaliar primeiro bimestre é pensamento e habilidaassim mesmo, depois o aluno faz” de é muito difícil, você tudo se resolve”. teria que quase entrar Porque a escola não na cabeça do aluno. Os sistemas digitais, tem um programa de avaliação. E isso não as plataformas adaptativas virão com essa é tarefa do professor, é projeto de escola. possibilidade porque eles têm um sistema Professores, primeira coisa do primeiro de programação para ver o tempo que você dia de aula, de qualquer bimestre, é você demorou naquela atividade, quantas tentatisocializar com seus alunos o que eles têm vas você fez, que tipo de resposta você deu, que aprender, e não é a lista do que você se você chegou mais perto, se você chegou vai dar. É o que é inegociável entre tudo mais longe. Fornece para o professor o reque você vai ensinar, o que é inegociável latório que mostra o pensamento, qual é a que eles aprendam. Segundo item, como complexidade do que o aluno está pensando. eles serão avaliados. E não é para fazer Quando vocês chamam as famílias assinar e engavetar. Eu não preciso assinar nada. Contrato didático não é isso, para conversar, se coloquem no lugar do anota e ao longo do bimestre vai voltando. outro. Não deem informações vagas, do tipo “seu filho não sabe ler nem escrever”. O coordenador pedagógico tem papel Puxa, bacana! Você está me dizendo que importante, de ajudar a sua equipe a fazer ele não sabe ler nem escrever? Eu vou esse planejamento, decidir como vai ser sair daqui e vou pôr na aula particular. feita essa avaliação. Eu também preciso considerar diferen- O pai e a escola são educadores parceiros, mas quem ensina a ler e a escrever ças e interesses. Os alunos não vão todos é a escola, quem ensina Física, Química, maravilhosamente bem. Nós temos que Matemática, História, Geografia, Artes, Psicólogo não ensina, fonoaudiólogo não pensar o seguinte: nesta escala, do que eu Educação Física, Espanhol, etc. é a escola. ensina, eles apoiam, não fazem a tarefa da não abro mão que todos aprendam, isso é um marco na avaliação que se chama ava- O primeiro sujeito que precisa se pergun- escola. A quem cabe perguntar “e eu com tar o que eu faço com essa avaliação, o isso?”. É a escola. liação por rubrica. Ou seja, pense em tudo que eu faço com esses dados que vêm que você quer aprender e põe aquilo que é da avaliação é a escola, o segundo é o * Coordenadora do grupo Mathema. Doutora em ensino mínimo que você não quer que seu aluno saia de série nenhuma sem saber, de qual- aluno. A família é parceira. Não ensina. de Ciências e Matemática, Mestre em Didática. quer disciplina. Abaixo disso está ruim, vou ter que fazer recuperação. Acima disso estão aqueles que vão fazer mais. Dicas da palestrante: Eu não preciso aprender como se eu fosse ser geógrafo, não é tudo de Geografia que • Fique atento às novas ferramentas digitais que podem colaborar com a avatodos vão aprender. Qual a essência, proliação, como a plataforma de aprendizado coletivo. fessor? Quando você está dando aula no • Olhe para a comunicação que vem da avaliação não só pelo que falta, mas quarto ano, qual a essência de Português, pelos avanços do aluno. qual a essência de Matemática? • As informações sobre a avaliação devem ir primeiro para o aluno. Depois Não avaliamos só conhecimento, mas serem comunicadas para a família. também o tipo de pensamento que o aluno • Socialize com seus alunos o que eles têm que aprender. faz. É bem interessante o que a gente tem • O primeiro sujeito que precisa se perguntar o que eu faço com essa avaliação, o aprendido com a resposta da Teoria da que eu faço com esses dados que vêm da avaliação é a escola. O segundo, é o aluno. Resposta ao Item. Não estou falando que

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M arcelo freitas

As mídias na arquitetura da aprendizagem

C

M a r c e l o F r e i t a s*

omo todo mineiro, eu gosto de contar um caso. Então eu queria começar falando de uma experiência que tive. Uns cinco ou seis anos atrás, adquiri um daqueles smartphones e baixei um daqueles jogos. Fui para escola buscar meu filho e enquanto ele não saía, fiquei tentando aprender aquele jogo. Levei uns 20 minutos para entender a lógica. Não consegui chegar ao final do primeiro nível. E aí meu filho entrou no carro e eu falei: “Olha, eu consegui baixar um joguinho aqui para você, vê o que você acha, vê o que consegue. Eu já estou ficando bom no negócio, mas não cheguei no final do primeiro nível”. Depois de uns 20 minutos, quando estávamos chegando, eu perguntei para ele: “E aí, Rafa, conseguiu? Entendeu o jogo? Já conseguiu chegar ao nível um?”. E ele disse: “Eu passei do três agora”. Ele tinha 7 anos, e de lá para cá, eu venho acompanhando essa evolução com grande curiosidade. Como isso veio se desenvolvendo, como ele veio entendendo essas coisas, como ele aprendeu? Porque, afinal de contas, eu tinha quebrado a cabeça e não passado do primeiro, e em 20 minutos ele já estava no terceiro e dando show no negócio, sem nunca ter visto ou aberto aquele jogo. Fui percebendo algumas características dessa aprendizagem. Uma delas é a intuição. Eles seguem uma lógica naturalmente, independentemente de conhecer ou não, de ter algum parâmetro. Nada, eles seguem pura e simplesmente a intuição. Uma outra coisa é que eles não tem medo de errar. Quando a gente compra um equipamento logo pensamos “tem que ler o manual”, e vai lá e olha como mexe. Na hora em que eu estou terminando o primeiro capítulo, ele já ligou, já baixou, já fez e aconteceu. Outra coisa que eu percebi é que eles aprendem muito entre eles próprios, ou entre determinada comunidade virtual. Entram em grupos de discussão sobre o jogo e, ao mesmo tempo, durante o próprio jogo, interagem entre si, colocam uma música no ouvido, ligam o Skype para o grupo conversar... Agora, eu queria falar sobre o conceito de mídia. Muitos fazem um elo direto com a tecnologia. Mídia é meio, então, necessariamente nós não estamos falando de tecnologia. Eu até perguntei para uma pessoa que estava conversando comigo há pouco: “Você acha que professor é mídia”? Ela até se espantou: “Como assim?”. Não é um meio quando a gente está falando de conhecimento, de educação? Professor não é um meio? Porque é também gente, mídia não é só televisão, é só computador não é só livro. Mídia é o que une as partes, é o meio. E o que a gente percebe hoje, é que às vezes esse meio está se transformando em uma coisa maior do que meio. Ela está vindo

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Acredito que o nosso papel, agora, como educadores, é pensar fora do quadrado”


quase como um fim, e é preciso tomar muito cuidado com isso. Essa mídia, esse meio, tem que ser tratado de forma relativa. A sala de aula também é mídia ou não? Não é ali dentro que as coisas acontecem? E eu pergunto para vocês, por que ela não pode ser de outro jeito? Por que não a repensamos de outra forma? Ela não poderia ser adaptada como uma lanhouse? Porque é isso que as crianças estão acostumadas a enxergar. E daí a gente coloca as crianças na sala de aula, todo mundo enfileirado, com o professor falando, e ainda queremos que ela preste atenção, que aprenda. Não está na hora de a gente repensar essas coisas? Porque independentemente do recurso que se usa, e aí que tem que ser entendida a mídia, ela não é um fim em si mesma, ela é só um meio. Hoje pela manhã uma jornalista me perguntou sobre como eu acho que deve ser o professor deste século. Eu falei que não sei como ele deveria ser, mas sei como ele não deveria ser. Por que se a gente está buscando formar ou desenvolver pessoas que daqui

há 20 anos vão Aquele perfil de esforço muito grande para entender essa lógica, e estar no mercado de para buscar inverter, ou trabalho exercendo professor que a subverter a ordem das funções que ainda gente conhecia, coisas. Acredito que o nem existem, como essa pessoa vai estar professor Google, nosso papel, agora, como educadores, é pensar fora olhando para trás? do quadrado. Temos que inverter realmente está Dito isso, eu queria a lógica do processo. em extinção” trazer para vocês algumas Tem um consultor experiências para que de empresas que se chama Oscar Motomura. Ele é pragmático a gente possa ter uma visão do outro lado, em focar a educação na formação de com- do que a gente chama de mídia. Existe um petências, que ele chama de competências outro lado da mídia que ainda é muito pouco duráveis. São aquelas competências que explorado e que vem ganhando um força independem do que você vai fazer, do que muito grande, o lado da inteligência artifivai exercer. Por exemplo, trabalhar gestão cial. Até um tempo atrás, a sociedade como dos conflitos, independentemente da área um todo não tinha recursos tecnológicos em que a gente esteja, fatalmente vamos suficientes, ou espaço suficiente para abrir precisar disso em algum momento. Eu estou uma escola, um centro de aprendizagem, e me referindo a ele porque nesta perspectiva que cada aluno tivesse ali o seu professor inde educadores nós também vamos ter que dividual, ou seu método individual. Só que olhar lá na frente. E o que eles vão precisar de um tempo para cá, algumas inciativas lá? Eu também não sei, mas tenho feito um pelo mundo afora tem buscado responder

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M arcelo freitas

tecnologicamente esse tipo de situação. Uma delas é esse case da School of One. É um projeto inovador nas escolas públicas. São três unidades até agora com esse trabalho, uma delas em Nova York. Está amparado por grandes instituições de tecnologia como a Microsoft, o Instituto do Bill Gates e a Pearson. Ele consiste em atender à perspectiva de ensinar e explorar a melhor maneira que as pessoas têm para aprender. Ou seja, eu tenho um aluno que aprende melhor com aula expositiva. Tenho outro que o rendimento cresce quando ele está na frente do computador. O outro quando é um trabalho em equipe que envolve uma dinâmica maior, ele assimila melhor esse conhecimento. Esse projeto partiu dessas premissas e criou desde a metodologia até a infraestrutura física e tecnológica que está por trás do processo. Eles partem exatamente de eliminar alguns gargalos, como, por exemplo, espaço físico. As salas de aula foram completamente reformuladas e recriadas. Existem inúmeros espaços de aprendizagem onde não há paredes, os alunos migram dependendo do seu horário de trabalho de um lado para o outro, e de acordo com aquilo que vão aprender. Ao final de cada período de tempo, terminada a tarefa, esse aluno faz online o preenchimento de um pequeno questionário, que é uma avaliação. A partir daquelas perguntas, o próprio sistema entende se ele aprendeu ou não, e já faz uma programação subsequente. Seja voltando a esse mesmo tipo de conteúdo que ele precisa de uma outra maneira, seja passando para o conteúdo seguinte. Todo esse processo consegue levar a um currículo muito mais personalizado. Existe um conteúdo que precisa ser

Ilusão nossa achar que a escola é o centro e que os conhecimentos estão todos ali”

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aprendido, só que cada um é feito de maneira diferente do outro. Então, eles recriaram os espaços, a metodologia, as formas de avaliação e criam os caminhos, onde cada aluno tem um caminho diferente para aprender aquilo que precisa aprender. É um projeto muito interessante. E assim como existem outros, sejam de ferramentas, de propostas, de projetos que servem para abrir um pouco a nossa visão em relação a essas possibilidades. Diante desse cenário, existe a possibilidade de “extinção” dos professores? Independentemente do recurso, da forma como ele vai ser colocado, nada vai substituir a presença do professor. Mais do que aquele que vai dar as respostas, o professor vai ser aquele que vai fazer as perguntas, que vai ajudar na condução do processo. Aquele perfil de professor que a gente conhecia, professor Google, esse realmente está em extinção. Se uma máquina é capaz de fazer a diferença que a gente faria, então realmente estamos fazendo a coisa errada. Porque por melhor que ela seja, a gente tem que estar acima dela, por mais inteligente que a inteligência artificial seja, quem tem que agregar não é ela, somos nós. Nós não estamos mais aqui só para repassar conteúdo. Estamos aqui para ajudar no desenvolvimento das pessoas, ou no autodesenvolvimento. E aí dentro disso entra uma escala de valores e de princípios que

nenhuma inteligência artificial vai fazer por nós: o discernimento do que é ético, do que não é ético, do que é justo e do que não é justo. Esse papel não há mídia eletrônica, não há recurso tecnológico que vai nos tirar, esse é o papel que a gente tem. E isso é o que eu queria marcar muito, porque está todo mundo em um ambiente de euforia, com as possibilidades da tecnologia, e ainda acho que a melhor mídia é o professor, independentemente do recurso que ele vai usar. Para concluir, vou trazer algumas ideias de um pensador dinamarquês, educador empreendedor: horários fixos para atividades dinâmicas. É mexer com projetos, lidar com projetos, mais de um professor junto no mesmo projeto, mais de uma turma reunida, mais do que um tempo de aula, são possibilidades que a gente pode explorar; dos conhecimentos adquiridos dentro da sala de aula para aqueles obtidos fora da escola. É ilusão nossa achar que a escola é o centro e que os conhecimentos estão todos ali. Na verdade, hoje nós temos um aprendizado tão amplo dentro da escola quanto fora dela, nas diversas mídias que a gente tem disponível. Basta você pensar em qualquer tipo de pergunta, digitar professor no google, ele te traz um milhão, cento e trinta e cinco mil, quinhentos e vinte e três respostas. Agora, qual delas se aplica ao que você está querendo? Aí entra o nosso papel.


A outra, do conhecimento teórico, para o conhecimento aplicado na prática, cada vez mais. Hoje, as crianças, os jovens e até a gente mesmo fica tão envolvido com aquilo que nos é presente, com a solução de coisas que a gente tem que ter, que a teoria vai se perdendo um pouco, porque a gente tem necessidade de respostas que sejam aplicáveis, de conceitos que a gente consiga enxergar. Outra, de problemas fictícios aos desafios reais. Mesma lógica, trabalhar com aquilo que é palpável concreto, visível, e a partir daí desenhar os processos, é inverter a mão. Participação, aquele modelo da School of One, ele trabalha muito em cima dessa participação. Ele tem várias possibilidades, vários tipos de processos onde você vai ser parte da equipe, vai trabalhar online, enfim, uma força tarefa, participação ativa em vez de estar ali só recebendo informação. De aprender com a cabeça para aprender com o corpo inteiro. Vocês já notaram como cada dia mais a gente é exposto aos mais diversos estímulos, não só o mental, mas também o olfato, o tato, o paladar. A força da equipe, a capacidade de superação, que são muitas daquelas competências duráveis. Por que não explorar isso com mais força em projetos dentro da própria escola? Porque nós, educadores, professores, não buscamos isso para explorar e até para fugir daquela zona de conforto dos equipamentos eletrônicos, que os meninos, se

deixarem, ficam o dia inteirinho com aquilo na mão? Então, vamos pensar em formas diferentes de fazer usando outras faculdades. Da execução de trabalhos individuais para o trabalho coletivo e a solução de problemas. São todas tendências que nos reportam a uma outra forma de ensinar e a uma outra forma de suprir a necessidade de aprendizagem. Aí entra o papel do professor. Já não dá mais para continuar estático e indiferente,. Se a gente não quer ficar na estrada, a gente tem que fazer parte do trator. Ou seja, se a gente não quer ser solução, a gente acaba sendo parte do problema. Então, a nós, individualmente, cabe essa mudança de postura. Não dá mais para ficarmos como estávamos. A gente passou daqueles espaços de aprendizagem, saindo

daquele modelo de sala de aula, e dentro dessa nova configuração todo esse movimento entre o que fazer, o como fazer, e o que usar vai depender estritamente de nós, professores. E quando eu vejo tantas pessoas em um lugar concentrado como aqui, que se dispuseram a ouvir coisas novas, ou não, e aceitar o desafio da mudança, é isso que gratifica, e aí é que eu acho que a gente tem muita chance de fazer diferente. Quando me perguntaram o que você acha, qual a caraterística desse professor, para mim é aquele que for capaz de aprender, desaprender e reaprender. Acho que a única forma que a gente vai ter de conseguir transmitir e ajudar a formação dessas pessoas. * Pós-Graduado em Gestão Empresarial, professor da PósGraduação em Gestão de Escolas da PUC/MG, consultor em Gestão Educacional.

Dicas do palestrante: • Os alunos de hoje aprendem por meio da intuição, por não terem medo de errar e em grupos, em comunidades virtuais. • Repensar o espaço físico da sala de aula para aproximá-la da realidade dos alunos. • Invista em um currículo personalizado. • Trabalhe com projetos, envolvendo a participação de mais de um professor. • Trabalhe outros estímulos dos alunos, não só mental, mas também o olfato, o tato, o paladar, investindo na ideia de que o aluno deve aprender não só com a cabeça mas com o corpo inteiro.

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PA IN EL

Escola, inovação e sociedade – onde fica a maestria do professor? O painel contou com a participação de Jerônimo Lima, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Gestão do Conhecimento e CEO da Mettodo - Reflexão Estratégica; Jorge Audy, Pró-Reitor de Pesquisa, Inovação e Desenvolvimento da PUCRS; e Marisa Eizirik, psicóloga, doutora em Educação e diretora do Include. Mediação do jornalista Tulio Milman. Tulio Milman – Começaremos o painel com uma fala de cinco minutos de cada integrante da mesa, para fazer uma introdução sobre o seu tema: Jerônimo Lima – Quero começar falando sobre maestria. Aprendi que maestria vem do sânscrito “ma” e significa grande ou maior. Num contexto mais amplo, maestria era usada antigamente nas artes para designar aqueles saberes mais específicos que um maestro ou um mestre deveria dominar para

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o papel do professor neste momento, desempenhar melhor suas atividades. descobrir na arquitetura da aprendiTrazendo para a educação, são aqueles zagem o que ele pretende construir saberes especiais que um professor hoje com seus alunos, quais são os métodos, tem que dominar para se sair melhor quais são as tecnologias mais adequano processo de ensino-aprendizagem. das para que isto aconteça. Aprendi também que maestria tem a Marisa Eizirik – Imaginei falar de ver com o professor conhecer bem o três aspectos muito interligados. Um, assunto que vai discutir com os alunos, a ideia básica do professor, dentro conhecer bem os métodos de ensino de uma dimensão da que vai precisar usar e sociedade que se liquias tecnologias que serão Eu já tive difica. No momento em mais apropriadas para excelentes que vivemos os desesses métodos. A palavínculos, como fica o vra método vem do grego professores professor dentro dessa “meta”, que significa além de; e o “do” signique mudaram realidade? A outra é a ideia do professor fica caminho. Isso quer a minha vida sendo alguém de quem dizer que as pessoas que se deseja, se exige usam o método vão além em uma sala muito e se dá muito do caminho em que as de aula com pouco. Deveríamos outras vão. A diferença pensar em políticas entre o amadorismo e o 70 alunos” de Estado para reprofissionalismo está no almente poder lidar uso de métodos. Esse é Jorge Audy


com a representação do professor. Aí, é importante também a questão que está na base do ser professor: a paixão. O professor precisa ser um professor apaixonado, e a paixão é o que move o ser professor. E por fim, o último tópico é a questão da escola dentro deste contexto. Rubem Alves fala que a escola não deve ser uma gaiola para aprisionar, mas deve ser asas para poder realmente não só voar, mas ajudar os alunos e os professores também a voarem. E dentro dessa ideia da paixão e do voo, o professor é um agente, um protagonista absolutamente fundamental e insubstituível. As máquinas, por mais inovadoras que possam ser, são ferramentas, instrumentos, são grandes possibilidades para aprender mais. Mas precisamos desenvolver um conhecimento com sensibilidade, afeto, e isso só quem tem é o professor. Jorge Audy – Eu gostaria de iniciar essa manifestação falando um pouco da área em que eu tenho atuado, que é de inovação. Uma das abordagens mais interessantes sobre inovação é de um

autor chamado Christensen, professor da Universidade de Harvard. Ele diz que temos dois tipos de inovação: a inovação de sustentação, ou incremental, e a inovação disruptiva. A inovação incremental é aquela que a gente vai continuamente melhorando. Eu sempre faço uma analogia com a nossa dinâmica em sala de aula. Todo o semestre, toda a vez que entramos em aula de novo agregamos, no mínimo. Já a inovação disruptiva é aquela inovação que gera uma ruptura muito forte com o modelo anterior. Na educação, analisando as ferramentas que suportam o processo de ensino-aprendizagem, talvez a gente consiga identificar dois momentos de um grau de disrupção. O primeiro foi no século XV, quando Gutenberg desenvolveu os tipos móveis da imprensa e a partir daí se começou a fazer livros em escala. De lá até aqui, certamente não vivemos um momento disruptivo tão forte como este agora com a emergência das tecnologias online de aprendizagem. Tulio Milman – Porto Alegre tem uma lei que proíbe o uso de celular

As máquinas, por mais inovadoras que possam ser, são ferramentas. Precisamos desenvolver um conhecimento com sensibilidade, afeto, e isso só quem tem é o professor”,

Marisa Eizirik

dentro de sala de aula. Vão ter que fazer outra obrigando, daqui a pouco... Jorge Audy – Não tem como. O celular pode estar proibido, mas esses guris daqui a pouco tempo vão estar com o Google Glass, que já está em fase de testes, não é ficção científica. E tem professor que nem vai saber distinguir se o cara está usando um óculos normal ou é um Google Glass. O entendimento do que significa uma inovação desruptiva é que ela não vai ficar esperando a gente decidir se é legal ou não usar o Youtube como instrumento de aprendizagem, independentemente do que achamos. Não é uma opção unilateral se vamos incorporar ou não. A sociedade incorporou, por isso é disruptiva. Jerônimo Lima – Eu queria reforçar essa posição de que não tem volta. Eu sempre fui um aluno dedicado e sentava na frente. Naquela época eu era CDF, depois virei nerd, e agora meu filho diz que sou geek, um nerd que gosta de tecnologia. Eles não conseguem mais aprender se não estiverem cercados por esses instrumentos todos que facilitam a aprendizagem.

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Tulio Milman – Qual deve ser a relação da escola com as mudanças e transformações dos modelos familiares? Os modelos de família mudaram, pai e mãe trabalham fora e as crianças chegam com noção diferente de autoridade em sala de aula. O professor que está ali tem que absorver esse impacto todo e solucionar todos os problemas. Como deve ser essa relação? Marisa Eizirik – Eu acho que nós vemos hoje a escola como sendo o último grande agente do processo civilizatório, aquele que sobrou. Quando as famílias estão esfaceladas, estão desestruturadas, vemos as crianças indo para a escola quase que precisando, dependendo de algum foco, de autoridade. E um depósito imenso de responsabilidade em cima do professor e da escola para poder desempenhar esse papel. Muitas vezes também o oposto, famílias exageradamente demandantes da escola porque também não conseguem Tulio Milman – Desde criança ouço suprir esse papel. Esse é um grande defalar que professor tem que ser apaisafio da escola, convocar, se possível, xonado, que o magistério é uma voa parceria dos pais e das famílias. cação. Vejo que em outras profissões Jorge Audy – Uma grande oportuniisso não é assim. Um dade que esse ambiente advogado tem que deoferece é de as escolas Essa questão fender bem seu cliendesenvolverem uma da paixão te, cobrar bem pelos identidade muito forte seus honorários, um e oferecerem esse condo professor médico tem que ser junto de valores que a apaixonado, mas tem sustenta. A melhor esmascara o que ser bom no que tratégia é identificarfato de que faz. Então, parece mos o que me faz como que essa paixão do instituição diferente historicamente professor, da vocadas outras e me apresentar como uma opção o professor não ção acaba ofuscando outras questões que diferenciada. Isso é é tão valorizado deveriam ser mais singularidade. Tenho como a que ter transformações quanto deveria relevantes, remuneração, a qualina política, no Plano Nacional de Educação, ser no Brasil” ficação profissional... Por que para o promas também na políJerônimo Lima fessor a questão da tica institucional da paixão e do amor é tão escola, na política da preponderante, e em atuação do professor, outras profissões isso é muito imporna sua capacitação para lidar com esse tante, mas não é tão fundamental? mundo diferente com que os alunos já Marisa Eizirik – Eu acho que a lidam há muito tempo.

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paixão não deva ser só do professor. O advogado, o engenheiro, médico também são apaixonados. Somos apaixonados por aquilo que escolhemos fazer. Mas, no professor tem uma questão interessante, a ideia de que ele precisa se apaixonar por aquilo que ensina para que possa passar essa paixão ao ensinar. Então, a ideia é que, nós, professores, não tenhamos a contrapartida social e remunerativa de acordo com a sua paixão. Se o Estado e o País precisam tanto de educação, a política do Estado deveria ser de realmente valorizar a educação e tratar o professor adequadamente com relação ao seu salário. Isso é uma política de Estado. E aí vou poder realmente trabalhar com a ideia de que essa paixão reverta em remuneração. Jerônimo Lima – Essa questão da paixão do professor mascara o fato de que historicamente o professor não é tão valorizado quanto deveria, ao menos no Brasil. Nosso país mascara a questão dizendo que o professor tem que ser um apaixonado. Todos têm que ser apaixonados, ninguém faz um bom


trabalho sem ser apaixonado pelo que faz. Jorge Audy – Eu acredito que uma das questões mais importantes não é com relação ao professor em si e sua motivação. As pessoas por sua natureza tendem, ou deveriam tender, a fazer o que gostam, o que as realizam. O grande dilema é por que na sociedade em que vivemos a valorização para a função do professor não se apresenta como deveria. Porque se ela se apresentasse os cursos de licenciaturas não viveriam as realidades que vivem. Inclusive até em universidades públicas, que são de altíssimo nível e gratuitas e têm diversos cursos de licenciatura e com vagas. Tulio Milman – Perguntas da plateia: como ousar, errar, experimentar, vencer os conteúdos, avaliar e concluir o ano letivo? Como fazer isso ao mesmo tempo? Jerônimo Lima – Eu tenho uma ideia de que tratávamos antigamente os assuntos de maneira muito estanque. Por exemplo, quando eu fiz o segundo grau eu estudava quatro livros grossos de Química. Era impossível cobrir aquilo tudo num ano, porque tratávamos as coisas de uma forma estanque. Hoje não é assim, existe uma interligação de saberes. Quando estudamos algo, podemos correlacionar com outros assuntos, e isso representa um atalho de conexão entre saberes. Se for assim dá para cumprir o programa e ainda fazer experiências, do contrário, não dá. Jorge Audy – Vou me arriscar com um exemplo que me impressionou muito, de um ano atrás. Todo janeiro, nosso reitor, professor Clotet, faz uma missão de trabalho visitando universidades no exterior. Quando estávamos em Portugal, na Universidade de Coimbra, o reitor convidou para um almoço nossos 28 alunos do Ciência sem Fronteiras que estavam lá fazendo o sanduíche de Doutorado ou o programa licenciatura internacional. Nesse momento, perguntei para eles:

qual a maior diferença, comparada com a nossa universidade? Todos responderam de uma forma muito singela: “aqui a gente tem que estudar, tem que pesquisar”. E o que significa isso? Significa que essa gurizada, pela primeira vez, está tendo um pouco de aula e um monte de tempo na biblioteca pesquisando para preparar a aula seguinte. Nós temos uma cultura um pouco diferente. É um monte de sala de aula e uma coisa pequena de pesquisa. Às vezes temos que pensar fora da caixa. Não é uma questão de repensar como estamos fazendo. Essa guria que fala que “aqui nós temos que estudar” está dando um recado para a gente... Jerônimo Lima – Eu penso que se mudarmos essa abordagem, menos sala de aula e mais pesquisa, voltamos para a questão que é a da participação da família. Porque daí o guri vai chegar em casa e vai ter que pesquisar. Hoje, eles chegam em casa e querem jogar. Meu filho sai da escola e diz “te vejo no Face”. Eles ficam online em vez de ficar pesquisando... tem que ter uma aproximação da família com

Não dá mais para resolver os problemas com uma abordagem vertical, disciplinar. Eu preciso de profissionais e de competências de muitas áreas”,

Jorge Audy

a escola para fazer com que esse tipo de abordagem vingue. Tulio Milman – Qual a opinião em relação à autonomia do professor em sala de aula e a interferência contínua da equipe coordenadora nessa situação?

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Marisa Eizirik – Penso que o professor tem autonomia na sala de aula, deve ser o dono da sua sala, o que não exclui a participação das coordenações. Elas têm papel fundamental numa cumplicidade que se dá e não precisa ferir essa autonomia. Aí vai depender de uma relação que se estabelece na escola para garantir essa autonomia e ao mesmo tempo, qualidade, competência que será feito nesse trabalho complementar com as coordenações. Tulio Milman – Outra questão que surge: onde buscamos formação para lidar com os entraves de uma sala de aula com 45 alunos. Quem pode nos dar subsídios práticos para fazer essa sala de aula idealizada por vocês? Marisa Eizirik – Eu já tive essa experiência de ter 75 alunos em uma

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sala de aula e não foi fácil. Realmente a ideia é ter que aprender junto com os alunos uma forma de que a educação aconteça, criar subgrupos, criar formas, estratégias... eu não acho que a gente tenha essa resposta, acho que é uma construção. Jorge Audy – Eu vou me refugiar no papel de estudante, agora. Eu já tive excelentes professores que mudaram a minha vida em uma sala de aula com 70 alunos... e já tive aulas de que não guardo boas recordações com 20 alunos. Acho que é um dos atributos, mas tem uma série de outros que estão envolvidos. Tulio Milman – A interdisciplinaridade pode ser uma solução para o professor ser ousado e concluir o ano? Marisa Eizirik – A interdisciplinaridade é inevitável. É poder aproveitar

o próprio conhecimento e se valer do conhecimento de outros profissionais, outros colegas, para construir um conhecimento e concluir o ano. Acho que ninguém imagina que hoje exista um professor renascentista, ou seja, capaz

Quando estudamos algo e podemos correlacionar com outros assuntos, isso representa um atalho de conexão entre saberes”,

Jerônimo Lima


de ter todo o conhecimento como havia no século XVI. Jorge Audy – A questão da interdisciplinaridade está nesse rol das coisas inevitáveis, porque os problemas do mundo real se complexificaram. Não dá mais para resolver os problemas com uma abordagem vertical, disciplinar. Eu preciso de profissionais e de competências de muitas áreas para atender problemas que se tornam cada vez mais complexos. Anos atrás, se o cara tinha um problema no dedo, o médico tratava o dedo; hoje em dia, o problema no dedo pode ser resultado do que ele fez quando era criança. Jerônimo Lima – Quero dar um exemplo de que não conseguimos avançar sem interdisciplinaridade, falando de produtos e serviços. Muitos de vocês acessam o Youtube. Hoje ele é a base da Kahn Academy, iniciativa que se fez no início para aprender álgebra e depois outros conhecimentos. O Youtube era uma ideia boa no início

porque era colaborativa, muitos gostam vai poder ouvir o vídeo narrado na sua de compartilhar seus vídeos com própria voz. outras pessoas e nós aproveitávamos Para criarmos um serviço como esse no ambiente de sala de aula e do trabanão é possível entender só de internet, lho. Mas tinha a dificuldade da língua, tem que entender de transmissão por nem todo mundo consegue falar ou ler satélite, de fonoaudiologia. Como está em inglês. Há ligado num GPS uma promessa tem que entender O professor tem do Youtube de geografia, enpara março do tender de cinema autonomia na sala de ano que vem: para passar um aula. Deve ser o dono quando abrirfilme legal... são mos o Youtube, tantos saberes da sua sala, o que não na parte supeinterconectados, rior da tela vai nessa questão da exclui a participação ter um docuinterdisciplinadas coordenações” ridade, que não mento em pdf de uma página que avançamos mais Marisa Eizirik vamos poder se soubermos de ler em voz alta uma área apenas. no nosso microfone. E a promessa é Só tem inovação se formos por esse que, a partir desse momento, toda vez caminho, no uso de tecnologia e que tu entrares no Youtube não só vai interligação de saberes, não vamos poder assistir a todos os vídeos em 80 conseguir avançar numa única área de legendas de diferentes idiomas, como conhecimento.

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patrícia peck pinheiro

Mídias: oportunidades e ameaças na convivência familiar P a t r í c i a P e c k P i n h e i r o*

H

oje o jovem é imagético, mas imagético para memorizar ou compartilhar sua vida. Então, se ele for no restaurante e achar legal o cardápio, tira foto. Achou legal o sanduíche, tira foto. Se gostou de você, tira foto de você. Se não gostou, tira também e fala mal de você. Ele registra a vida por imagem. Isto é uma novidade, não é da nossa época. Eu lembro quando eu era jovem, meu sonho de consumo era ter uma Polaroid para tirar foto e imprimir na hora. Hoje, esse mundo digital permite todo mundo tirar foto, seja amador ou

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não, porque você tem um volume de possibilidades. Antigamente, os pais registravam os hábitos e intimidade da criança e ficava restrito entre quatro paredes da família. Agora, essa mesma foto que um pai e uma mãe publicam na Internet, ou um vídeo que fazem do filho e colocam no Youtube, tudo fica eternizado para o mundo. Foi feita uma pesquisa que mostrou que o brasileiro é um dos primeiros jovens a se conectar na Internet, no mundo. Ganhamos dos chineses e dos indianos. O que poderia ser uma vantagem competitiva do ponto de vista de mercado de

trabalho, já que temos tanta informação na Internet. Mas como não recebemos orientação, numa tenra idade gera um risco muito grande. Outra questão importante é que parte das pessoas faz uso das ferramentas sem ler as regras antes. Quando éramos pequenos nossos pais diziam: “Meu filho, não assina sem ler”. E hoje a gente navega pela Internet dando ok, sem ler. Criamos a cultura de não deixar a porta de casa aberta, mas ainda não criamos a cultura de não deixar o computador aberto. Criamos a cultura de não pegar carona com desconhecido, mas não a cultura de


não pegar com uma comunidade, rede social desconhecida. Como não ouvimos isso da geração anterior, temos um desafio, uma lacuna muito grande para cumprir agora com essa nova geração. É curioso porque, apesar de termos leis e regras, escutamos pouco sobre isso. Qual é o momento de falarmos a uma criança sobre o artigo 5º da Constituição Federal que protege a imagem das pessoas? Quem aqui já deu um celular para um filho em casa? Eu já dei com câmera. O que o pai e a mãe tem que fazer, na hora de entrega o celular? “Querido filho, de acordo com o artigo 5º, inciso 10, da Constituição Federal, você não pode ficar tirando fotos e publicar, porque pelo artigo 20 do Código Civil, papai e mamãe vão ter que indenizar”. Como não conversamos sobre o assunto, retiramos o direito de livre arbítrio, a capacidade crítica de decidir o que é certo e o que é errado. Uma dica importante da parte jurídica. Hoje, todos nós vivemos no mundo das senhas. A senha tem valor, tem característica de prova de autoria, é a primeira evidencia de quem fez o quê. E temos visto as pessoas cuidarem mal das suas senhas, deixarem a senha de qualquer jeito, passarem a senha para qualquer pessoa. Mas se a pessoa fizer algo de errado, primeiro

responde o dono da senha. Se esse dono mínima de 13 anos. Se um professor tem da senha é um menor, vai responder o pai um aluno que quer ser amigo dele na rede ou a mãe. Então, tenha uma senha de blo- social, qual a primeira coisa que o profesqueio. Quem aqui tem senha no celular? sor tem que analisar? Se aquele aluno tem Não é todo mundo, gente, sempre tem idade mínima para estar ali, se não tem quem deixa desprotegido. Deixar o ce- é melhor você responder “adoraria ser lular sem senha é o mesmo que deixar o seu amigo aqui, mas você não tem idade carro com a chave na mínima para usar essa ignição ou a chave ferramenta”. Criamos a na porta de casa pelo Assim como o lado de fora. Facebook, o Twitter e cultura de não Quem tem banda o Instagram também pegar carona com têm idade mínima de larga aqui em casa, que a conta está no 13 anos. Então, o que desconhecido, seu nome? Se você a gente fala para nosso mas não a cultura filho que tem 10 anos e tem a conta no seu nome, qualquer conde todo jeito entrar de não pegar com quer duta ilícita digital no Facebook porque da família, você é uma comunidade, todos seus amigos estão o primeiro suspeilá? É o mesmo que ele uma rede social to. Estou dizendo dizer que quer dirigir, isso porque é uma porque tem um amigo desconhecida” responsabilidade. que dirige, mas a idade De repente vem um mínima é 18 anos. amiguinho ali e acessa o que não deve, O que está publicado na Internet está um vizinho sabe a senha de wireless, a publicado para o mundo, está exposto, gente tem que ter cuidado, é como em- todo mundo está sabendo. Como aconteprestar o carro para outra pessoa. ceu com uma amiga minha. Ela encontrou Tem uma pesquisa que mostra que a uma amiga no supermercado. Imaginem maior parte dos usuários jovens da rede então você ir no Zaffari e lá cruza com social inicia sua página com 11 a 12 uma colega do tempo da escola que diz: anos, sendo que a rede social exige idade “Oi, tudo bem, vi sua filha outro dia, que linda que ela está, uma moça já”. Você diz: “Minha filha? Onde você viu?”. “Ah, eu vi no Facebook.” “Como você viu no Facebook, minha filha tem seis anos?” “Então, a babá de sua filha posta fotos de seus filhos lá e minha babá que é amiga dela me mostrou, então passei a seguir sua babá.” Aí, você pensa. Será que a gente já parou em casa para conversar sobre isso? Será que a gente dialogou dizendo “olha, eu não quero que tire fotos aqui dentro e nem das crianças para publicar na Internet, porque isso pode levar a criança ao ridículo e fere o artigo do Estatuto da Criança e do Adolescente”. Mas a gente não fala nada disso, como se as pessoas já soubessem de todas essas regras. O brasileiro não fala sobre regras até a idade de 22 para 23 anos, que é quase a conclusão da faculdade, onde muitos cursos dão um pouco de questões jurídicas

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patrícia peck pinheiro

para os alunos. Antigamente, tínhamos aulas de Educação Moral e Cívica, lógico, tinha seus motivos, mas deveríamos reinventá-las ensinando um pouco mais sobre comportamento e ética no meio digital. E o educador? O educador acaba exposto à relação de relacionamento com o aluno na rede social, e um relacionamento com conteúdo. Não é porque tudo está publicado na Internet que não dá problema. Tem conteúdos que podem estar ferindo direito de imagem, direitos autorais... Temos que ter muito cuidado quando baixamos um conteúdo, ou quando mandamos para alguém. Se temos dúvida sobre se um conteúdo é lícito ou é de origem duvidosa, melhor só compartilhar o link, só o endereço onde ele está. Porque você dizer o endereço não gera responsabilidade sua. Agora, se você baixar e enviar para alguém já é reprodução e distribuição, e isso pode configurar um incidente. Esse talvez seja o maior desafio da era digital, porque está tudo documentado, tudo escrito. Não tem mais aquela história de “palavras ao vento”, está documentado, a gente nunca sabe quando alguém está filmando com uma câmera na sala de aula. Temos que ter mais cuidado com a própria postura, com a própria conduta. Não existem muros. Hoje, qualquer pessoa pode entrar na sua casa porque a Internet é a rua, a gente tem que estar vigilante. Hoje, se eu deixo uma criança na escola, e ela vai com o celular, eu não deixei ela 100% na escola. Uma parte

Deixar o celular sem senha é o mesmo que deixar o carro com a chave na ignição ou na porta de casa pelo lado de fora”

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dela está no mundo virtual. Com quem ela pode estar conversando com aquele celular ao mandar torpedos ou mensagens pela Internet? Outro exemplo é que praticamente um quarto dos amigos adicionados no Facebook a pessoa não tem ideia de quem seja. Imaginem, 25% é um número relevante. Outro exemplo é um perfil que diz: “A única parte ruim de ser filha única é você passar mal em casa como hoje e não ter ninguém para te ajudar”. O que foi que ela disse ali? Que está sozinha em casa. Só falta passar o endereço. Outro exemplo. “Cheguei em casa agora e minha mãe e meu pai saíram para almoçar, e agora eu vou ter que ficar esperando o almoço morrendo de fome”. Também disse que está sozinho. É muito comum hoje os filhos ficarem sozinhos em casa. Pai e mãe trabalhando muito, e o filho contar que está sozinho. Como alcançamos um grau de segurança e educação, como as gerações passadas alcançaram, ao nos ensinar, por exemplo, que se alguém ligar e perguntar se está sozinho, você não deve responder? Mas hoje ninguém pergunta nada, ele está contando, é uma forma de extravasar o sentimento. Só que é uma forma de extravasar o sentimento da solidão publicando para o mundo. Quem está lendo isso? Pode ser

uma pessoa do bem como pode ser uma pessoa do mal. Outro exemplo é uma pessoa dizendo que está indo viajar e só volta dia 20. É importante na família dizer: “Não vai comentar na Internet que a gente está indo viajar, porque é feriado”. Então além de ele estar dizendo que a família está indo viajar, ele está dizendo que a casa vai ficar sozinha. Outro exemplo é a pessoa dizendo “estou indo para a escola. Qualquer coisa me chamem no WhatsApp” e coloca o número do celular. Eu tenho um sobrinho de 10 anos, filho da minha irmã gêmea, que ganhou um celular. Estávamos falando para ele que este número de celular não é para dar para qualquer um e nem publicar na rede social. Número de celular é algo que individualiza, tanto que às vezes é difícil para o pai e para a mãe não sentir um certo constrangimento de pegar o celular do filho. Vocês já passaram por isso? Você não tem constrangimento de entrar no quarto dele porque a casa é sua, olhar no armário porque o armário é da casa, talvez um pouco para olhar a mochila, mas temos o dever de olhar. Respondemos por “culpa in vigilando” que é a negligência em vigiar. A não vigília gera responsabilidade. Os pais são responsáveis por aquilo


que acontece com o menor. Isso está no Código Civil. Os pais são os primeiros a responder, podendo haver responsabilidade compartilhada se tiver havido uma contribuição, conivência ou negligência de outra pessoa. Por isso, é sempre importante usar softwares de controle parental. Então, se você vai entregar um tablet, já entrega com um software que protege. É legal também fazer a senha junto, explicando por que é importante

E quando o adolesvocê também saber a Não existem cente tem 18 anos? senha e acompanhar a Posso cuidar do mavida digital dos filhos. muros, hoje, terial do rapaz? Nós temos que reflequalquer pessoa Os pais têm que obtir qual é a geração que servar as companhias estamos ajudando a pode entrar na e o comportamento do formar e a construir. É uma geração que sabe sua casa porque filho. Um general de quatro estrelas um dia usar bem tecnologia de pegou a correspona Internet é a forma saudável, segura, dência na caixa postal legal, ou uma geração rua” física, uma carta diresem noção e que só cionada para o filho vai saber o que acondele, menino com 18 teceu no dia seguinte ou quando virou um processo judicial? anos morando com ele. Olhou na luz e viu Fica a mensagem para a gente fazer o que tinha um cheque de R$ 240,00. Aí bateu na porta do filho e ele respondeu: dever de casa. “Ah, pai, eu estou juntando um dinheiro para minha viagem à Europa e um amigo Perguntas da plateia: Assim como os pais, o poder público me deu uma dica de um site que paga para pode monitorar os nossos e-mails? fazer traduções em filmes piratas. Como eu sei inglês, eu fiz umas traduções e me Qual a sua opinião? No Brasil temos a lei de interceptação. pagaram para isso”. Então, vejam a situaNós garantimos a confidencialidade da ção de risco em que um filho pode estar comunicação, abrindo a exceção se houver envolvido, pela Internet. A situação parental de vigilância vai uma ordem judicial que determine que a monitoração deve ser feita, porque a pessoa até 21 anos de idade. Depois, o que vai é suspeita de algo. O que ocorre hoje é que acontecer? A responsabilidade não é a maior parte das empresas que oferecem mais parental, mas a responsabilidade serviços gratuitos dizem no termo de uso é do dono, pois enquanto ele estiver que vão ficar com o conteúdo, que elas usando as suas coisas e morando na podem usar aquele conteúdo. Temos dois sua casa e ele fizer alguma coisa de cenários, um é aquele que se chama “big errado ali, você pode ser também date”, aquele mundo de informação ao responsabilizado. nosso respeito na Internet que alguém pode olhar. E a outra é a interceptação da * Advogada, especialista em direito digital e idealizadora do Movimento Família Mais Segura na Internet. comunicação do celular, de e-mail...

Dicas da palestrante: • É importante ler as regras antes de fazer uso das ferramentas disponíveis na Internet. • Converse com seus filhos sobre legislação, para que saibam, por exemplo, que por lei não podem sair tirando fotos das pessoas sem o consentimento delas. • Cuide com as senhas pessoais, proteja-as e não empreste a outras pessoas. • Oriente os filhos e alunos a respeitarem as regras de uso das redes sociais, como utilizá-las somente a partir dos 13 anos. • Ensine as crianças e adolescentes sobre comportamento e ética no meio digital. • Utilize softwares de controle parental para acompanhar a vida digital dos filhos.

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dulce magalhães

Liderança e maestria no contexto das relações educacionais D u l c e M a g a l h ã e s*

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odos nós crescemos dentro de uma cultura. Essa cultura nos diz quem somos, como funcionamos, o que desejamos, o que tememos, enfim, projeta a forma como nós funcionamos na vida. Passamos por um processo de formação, que começa com a família, as pessoas que nos criaram, na comunidade onde crescemos, instituições com as quais nos relacionamos. Aí, nos tornamos os adultos que somos. É sempre bom lembrar que a palavra formação é de origem latina e significa colocar numa forma. Então, nós fomos formatados. Até aí tudo bem. A questão é que algumas dessas formas ou fôrmas, hoje, limitam a nossa atuação, criam os limites, os medos, as impossibilidades ou dificuldades que nós temos para buscar mudanças, realizar projea nossa capacidade de compreensão, que tos, construir resultado, para viver uma vida é limitada, possa compreender melhor a diferente. Somos frutos de um processo de realidade. Todos enxergamos a realidade a formação, e a ciência dá a este processo o partir do filtro da nossa lente, à qual damos nome de paradigma. O que, afinal, é um o nome de crença. paradigma? Nada mais é do que a forminha Eu tive um encontro muito especial que recebemos no nosso processo de formana vida com muitos professores, mas eu ção para enxergar a realidade. gostaria de compartilhar com vocês o Os óculos não são feitos para se ver encontro que eu tive melhor, as lentes dos óculos são feitas para Dizem que cada com uma grande professora no Doutorado, distorcer as imagens ser humano é a Bárbara. Ela cresceu de forma que a pessoa numa família em que que tenha dificuldades um remédio os pais eram profesvisuais possa enxergar. sores universitários. Todos, desde pequenipara toda a Cresceu acreditando nhos, recebemos lentes humanidade que, se tivesse uma mentais para ver o carreira acadêmica mundo. Essas lentes quando está perfeita, seria totalnão são feitas para ver mente feliz. Como ela melhor o mundo, mas vivendo a sua é uma pessoa muito sim para distorcer a vocação” competente, fez uma realidade, de forma que

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carreira acadêmica impecável, conseguiu seu Ph.D. em Filosofia, e vocês podem imaginar o tamanho do tombo que ela levou. Porque ela acreditava que, se chegasse nessa posição, a vida estaria resolvida, estaria feliz, plena e realizada. E ela chegou nessa posição e estavam lá todas as angústias, temores, medo... E ela não sabia como fazer mais, aprendeu que esse era o grande objetivo. Então, a Bárbara entrou em depressão. Pensando sobre a depressão dela, eu desenvolvi uma tese sobre o que é depressão. No meu ponto de vista é que quando a gente recebe um plano A para vida, faz tudo que nos ensinaram. Mas o plano A não funciona e a gente não tem um plano B. Todo mundo já viveu isso numa medida em que chamamos de frustração. Como lidamos com a frustração? Tem três formas: ou você tenta de novo, ou você tenta de outro jeito ou você tenta outra coisa.


A Bárbara estava lá na depressão. E lenta e dolorosamente vai formando seu plano B. Abandona a vida nos Estados Unidos e vai para a China. Passa dez anos lá como missionária alfabetizando crianças. E nesses dez anos ela desconstrói suas visões de mundo. Ela começa a rever os aspectos que compõem a realidade. De fato, mudar de mundo é mudar de olhar. A capacidade de alterar nosso olhar sobre a realidade é a capacidade mais fundamental, porque é a capacidade da aprendizagem. É interessante perceber como nós podemos fazer a travessia daquilo que o místico, cristão, católico. João da Cruz, vai chamar de noite escura da alma. Nós podemos fazer essa travessia para encontrar uma nova realidade que esteja muito mais harmoniosa com o nosso chamado de alma, com a nossa vocação. Vocação é fundamental. É aquilo que nos inspira a sermos cada vez mais quem somos. E quando nós atendemos ao chamado vocacional, nós podemos verdadeiramente caminhar na trilha dos nós mesmos. Dizem que cada ser humano é um remédio para toda a humanidade quando

está vivendo a sua vocação. É a medicina que vem entregar para o mundo uma nova forma de viver o mundo, de viver a realidade. Cada um de nós é uma medicina para toda a humanidade. É isto que nós temos que nos lembrar: qual é a sua medicina, que remédio é você? O que você veio entregar para o campo da humanidade, para a cura coletiva, para o desenvolvimento da humanidade? Esta é a grande pergunta, a grande questão a que diariamente nós respondemos quando estamos exercitando quem somos e a forma como devemos levar a vida. Aprendemos o paradigma da escassez: que nada é fácil, tudo é muito difícil, que nada cai do céu. Isso é uma forma de perceber a realidade, um padrão, um paradigma, uma crença sobre a realidade. O paradigma da escassez dá dois comportamentos chaves para nós: o primeiro é o esforço, tenho que me esforçar muito, nada é fácil e nada cai do céu. O segundo é a reclamação. Se eu me esforço e não reclamo, como vão saber que estou me esforçando? Então, a reclamação se torna um bem comum na nossa cultura.

Um dos aspectos fundamentais no processo da mudança e aprendizagem é sermos capazes de duvidar das questões que hoje afetam a nossa vida”

Não percebemos o impacto que isso tem sobre a nossa realidade. Para compreendermos, temos que entrar nas experiências que as ciências, neurociências, física quântica e bioquímica têm trazido para nós. Como é que funcionamos do ponto de vista cerebral e sistêmico. Para entender isso, eu preciso de uma pessoa voluntária,

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dulce magalhães

por favor. A Angela, nossa voluntária, é de Gramado. Eu e a Angela vamos demonstrar algumas experiências que nos permitem compreender como esse campo da aprendizagem e da forma de pensar o mundo afeta a nossa realidade. Angela, coloque o seu braço direito à frente. Isso que a gente em ciência vai chamar de experiência de referência. Nós vamos ver qual a força que a Angela tem normalmente no braço, sem nenhum tipo de interferência. Eu vou pressionar seu braço e você fará força contrária. Ela tem um bom nível de força, um bom tônus. Agora, nós vamos fazer uma interferência.

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Eu gostaria que você trouxesse para a sua mente tudo que considera negativo. As perdas, as dores, as mágoas, o que não gosta de ver no mundo. Quando estiver pensando nisso, me avisa, por favor. Ok, mantenha o pensamento nessas questões e mantenha a força no braço. Ela perdeu totalmente o seu tônus. Vamos ver o que aconteceu fisicamente com a Angela. Do ponto de vista hormonal, imediatamente quando ela começou a pensar nas questões negativas produziu hormônios estressores do sistema, adrenalina, cortisol. Isso deu uma descarga de taquicardia no corpo. Então, ela tem uma tensão, os músculos são tensionados, ela perde capacidade pulmonar, e com isso tem que buscar aumentar o batimento cardíaco para obter mais oxigênio. Com isso tem que aumentar a pressão arterial. Tudo isso vai precisar de energia. Então, ela tira energia das vísceras, do centro do corpo, esfriando o centro do corpo para aumentar o calor e a energia nessa área do coração. Assim, ela cria um desequilíbrio térmico, fica com frio nas vísceras e calor nas extremidades. Com tudo isso acontecendo, o corpo entra num estado de sobrevivência. Então, busca energia do epitélio, da membrana que cobre as células e reforça nosso sistema imunológico. Assim, ela desmonta o seu sistema imunológico. Mas nós não vamos te deixar assim, Angela. Vamos para uma terceira experiência. Gostaria que você trouxesse para a sua mente tudo que considera positivo, as boas coisas da vida, momentos de afeto... quando estiver pensando me avisa. Ok? Mantenha o pensamento nestas questões e a força no braço. Está sentindo a pressão? Muito forte, mais forte que antes. Ok? Muito obrigada, Angela! Quando ela colocou sua coleção de coisas positivas, imediatamente ela passou a transmitir os hormônios expansores do sistema: serotonina, endorfina e ocitocina. A serotonina é o hormônio do bem-estar. Ele traz um relaxamento na musculatura. Quando a musculatura relaxa, aumenta a área pulmonar, recebe mais oxigênio, diminuem os batimentos cardíacos, a pressão arterial. As endorfinas são anestésicos e analgésicos naturais, onde está doendo pára de doer. Dá sensação de bem-estar. Esse hormônio amplia o nosso olhar, a gente recebe mais

A existência é uma ponte entre o nascimento e a morte. Essa ponte foi feita para passar e não ficar, pare de construir castelos na ponte”

luz e vemos melhor o campo da vida. Um dos aspectos fundamentais no processo da mudança e aprendizagem é sermos capazes de duvidar das questões que hoje afetam a nossa vida. A dúvida é a forma como o cérebro aprende. Quando nós temos afirmações, não temos mais nada a aprender. O cérebro só vai aprender quando nós formulamos perguntas. E aqui é preciso que a gente passe a questionar as verdades, ou as coisas em que sempre acreditamos. Eu tenho uma aluna da pós-graduação que me apresentou a avó dela, uma senhora de 95 anos. Ela ganha uma pensão todos os meses e guarda um dinheirinho dessa pensão para quando ficar velha! Não é um amor uma senhora de 95 anos que economiza para quando ficar velha? Quem disse que ela está velha? Há escolhas que nos pertencem e que nós precisamos ter clareza da nossa responsabilidade, que é a habilidade para dar respostas. A vida é experiência do vivido. A existência é uma ponte entre o nascimento e a morte. Essa ponte foi feita para passar e não ficar, pare de construir castelos na ponte. A ponte é para aproveitarmos a paisagem, desfrutar do dia, beneficiar-se das relações, entregar o nosso dom, fazer a vida acontecer. Essa é a finalidade da ponte. E aqui eu quero compartilhar com vocês algo que eu acho de uma beleza infinita. Nesse processo da liderança e da maestria, neste contexto educação, a poesia pode nos inspirar muito. O grande Fernando Pessoa,


num dos seus poemas chamado Eros e Psique, vai nos dar o caminho dessa transformação. Neste poema ele diz o seguinte: “Conta a lenda que dormia uma princesa encantada a quem só despertaria um infante, que viria de além do muro da estrada. Ele tinha que, tentado, vencer o mal e o bem, antes que, já libertado, deixasse o caminho errado por o que àa princesa vem. A princesa adormecida, de espera, dormindo espera, sonha em morte a sua vida, e orna-lhe a fronte esquecida, verde, uma grinalda de hera. Longe o Infante, esforçado, sem saber que intuito tem, rompe o caminho fadado, ele dela é ignorado, ela para ele é ninguém. Mas cada um cumpre o destino, ela dormindo encantada, ele buscando-a sem tino pelo processo divino que faz existir a estrada. E se bem que seja obscuro tudo pela estrada fora, e falso, ele vem seguro, e vencendo estrada e muro, chega onde em sono ela mora, e, inda tonto do que houvera, à cabeça, em maresia, ergue a mão, e encontra hera, e vê que ele mesmo era a princesa que dormia”. Fernando Pessoa, neste extraordinário poema, nos coloca na direção do caminho e saímos como infantes esforçados querendo mudar o mundo, mudar o outro, que as coisas se transformem. E com a lucidez que só poeta tem, Pessoa nos conta na sua delicadeza, qual é a verdadeira experiência da existência. Acordar a si mesmo, perceber que toda a busca é ir em direção a si e despertar para os padrões superiores da realidade. De fato, está lá escrito, “vós sois o sal da terra”. Se sois o sal da terra é preciso que a gente se torne mesmo o sal. Aqui, nós

estamos falando de liderança. Sal, essa substância milagrosa, que dá a cada coisa o gosto que cada coisa tem. É diferente do açúcar que transforma tudo doce. Quando você tem fome de doce qualquer doce serve, mas com sal é diferente. Com o sal a peculiaridade aparece. Nós não temos que ser açúcar e querer que tudo se transforme na mesma coisa, especialmente como educadores. Nosso papel é ser sal, para ativar o sabor especial daquele que é, da forma como ele é. Lembrando que vós sois o sal da terra. É preciso que pensemos nisso. Eu quero contar para vocês uma pequena história que nos permitirá compreender e levar aqui uma indicação do que nós podemos fazer. Eu tenho uma cliente, a Daniela, Dani, que tem uma filha de 5 anos, a Isabela, Belinha. E a Dani me contou que a Belinha andava muito malcriada, não queria jantar, não queria almoçar, não queria ir para a

Dicas da palestrante: • Tenha capacidade de alterar seu olhar sobre a realidade. Esta é a capacidade da aprendizagem. • Vocação é fundamental, é aquilo que nos inspira a sermos cada vez mais quem somos. • Cultive bons pensamentos e boas ações, isso tem impacto sobre a sua realidade e seu corpo. • Seja capaz de duvidar das questões que hoje afetam a sua vida. A dúvida é a forma como o cérebro aprende. • Passe mais tempo com a sua vida. Leve-a para passear, ir ao cinema, almoce com a vida, saia com ela para dar uma volta à noite.

escola, não queria tomar banho. Aí a Dani perguntou: “Minha filha, por que você está tão malcriada?”. Aí a filha olhou para ela e disse: “Mãe, você acha justo uma filha só ver a mãe na hora de dormir?”. Ela levou um susto com aquilo. Resolveu reorganizar a sua agenda, ir mais tarde para a empresa, passar parte da manhã em casa com a Belinha, e a Belinha ficou uma seda, um doce, um amor, superquerida. Eu quero aproveitar essa história para dar uma dica para vocês. Se você achar que a sua vida anda muito malcriada com você, se anda trazendo muito confusão, doença, dor, tristeza, etc., minha dica é: passe mais tempo com a vida. Leve a vida para passear, ao cinema, almoce com a vida de vez em quando, saia para dar uma volta com a vida à noite. Dê uma volta com a vida no domingo à tarde, convide a vida para ir ao mercado no sábado de manhã. Passe mais tempo com a vida. E não se espante se a vida ficar um amor, um doce, uma flor, superquerida com você! Porque, gente, assim como tudo mais, a vida também só reage ao nosso comportamento. Dessa forma, o que eu quero desejar a vocês é um comportamento exemplar para que a vida também seja exemplar para vocês. E quem sabe a gente ainda se reencontra para comemorar uma vida bem vivida! * Ph.D. em Filosofia pela Universidade Columbia (EUA). Mestre pela Universidade de Londres. Autora de livros. Eleita uma das 100 Lideranças da Paz no Mundo. Recebeu o título de Embaixadora da Paz pelo Programa Milênios de Paz no Senado Argentino.

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jaderson da costa

Como pode a neurociência ajudar o professor? J a d e r s o n d a C o s t a*

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em surgido na literatura um novo termo, neuroeducação, ou neurociência da educação. Na realidade, nós estamos em uma fase da neuromania, tem neuro em tudo: neuroeducação, neurofilosofia, neuroteologia, neuropolítica, tudo é neuro! Parece que passamos alguns séculos sem utilizar o cérebro. Parece que, de repente, nos demos conta de que o cérebro é importante. Então começou a entrar neuro em tudo. Embora não se vá negar todo esse conhecimento que vem do cérebro, temos que ter a crítica de saber que o conhecimento que está sendo desenvolvido não deve ser interpretado de forma reducionista. Seguindo nessa linha, por que esse assunto se tornou tão importante nos últimos tempos? Não é que não fosse importante antes, é que o aporte desse conhecimento era muito difícil, nós não tínhamos como visualizar ou como entender com uma forma não evasiva o cérebro humano. Quando eu terminei a faculdade de Medicina, em 1972, não tinha como visualizar o cérebro, a não ser pós-morte ou durante a cirurgia. Em 1976, 1977 nós começamos a visualizar o cérebro com a primeira tomografia computadorizada. Se a gente olhar uma imagem daquela época, era um borrão cinza, e a gente achava maravilhoso. Pela primeira vez estávamos vendo um cérebro vivo. Com o advento da técnica que se usa em ressonância, que é a chamada ressonância magnética funcional, eu posso apreciar o meu cérebro durante o funcionamento, tomando uma decisão, aprendendo algo, eu posso apreciar esse cérebro durante uma testagem qualquer. Isso foi um grande avanço, é o que alguns chamam de leitura da mente, eu posso ler essa mente realizando determinadas tarefas. Eu quero tocar em dois assuntos que são fundamentais, principalmente para entender um pouco a geração atual. São os centros de representatividade e processamento paralelo. O cérebro não coloca todas as funções numa determinada área. Quando a gente fala em centro, vocês tem que entender que é uma área de maior representatividade para determinada função, mas não é a única. Ele trabalha em rede. E a outra coisa importante é que o cérebro processa em paralelo. Nós temos dois hemisférios cerebrais, mas eles não estão isolados, um hemisfério comunica-se com o outro. Mas existe uma divisão de tarefa. Na maioria das pessoas, o hemisfério esquerdo é o mais verbal, a memória verbal, a linguagem, a fala. O hemisfério direito é não verbal, é mais emocional, mais artístico. O que isso tem a ver com a

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A emoção facilita o aprendizado. É o chamado clima em sala de aula”


Em nome da tecnologia, a gente negligencia algo muito mais fácil de fazer, que é manter esse ambiente de compreensão e de afeto”

minha maestria? É a questão do reforço das coisas positivas. Há indivíduos que são mais verbais, e outros indivíduos menos verbais, é questão de habilidade. Nós temos um péssimo costume de trabalhar somente as dificuldades, nós não trabalhamos as virtudes, os pontos positivos. A gente vê pessoas que têm talento enorme para música, mas alguém inventa que tem que ser jogador de futebol. Quer dizer, se você tem um talento já inato, quem vem da sua genética, que de certa forma facilita determinada função, por que não utilizá-lo? Nós vamos agora para o terceiro item: sem emoção não há solução. Voltamos a António Damásio, que recebeu há pouco tempo aqui o título “Doutor Honoris Causa, pela PUCRS. Ele teve uma sacada fantástica quando resolveu chamar o erro de Descartes. Ele diz que não dá para separar a razão da emoção. Somos uma mistura de razão e emoção, podemos ser mais razão em determinados momentos, mais emoção em outros. Vocês vão ver que essa emoção vai ser a base da motivação, e que essa motivação está muito relacionada à recompensa. A emoção facilita o aprendizado, é o

chamado clima em sala de aula. Numa sala de aula em que há emoção, esses aspectos afetivos são atendidos primeiro, o rendimento é muito maior. Isto porque o cérebro gosta disso, de ser adulado, é dependente, carente... acreditem em mim. Quando nós realizamos esse processo de aprendizado, ou seja, colocamos essa emoção junto com a razão, nós modificamos o cérebro. O processo de modificar o cérebro chama-se plasticidade. O aprendizado é um processo plástico, mas a experiência é importante porque vai selecionar os caminhos desses contatos sinápticos. Ajuda a selecionar os caminhos. Então vocês podem ter experiências boas ou ruins, vocês podem ser um mau professor ou um bom professor, um bom mestre ou um mau mestre. A plasticidade, que é a mudança, depende evidentemente do estímulo isso reforça as conexões. Mas eu tenho que estimular também as associações. Uma vez eu fui dar uma aula sobre epilepsia. Você pode dar aula de epilepsia de várias maneiras, pode simplesmente mostrar alguém tendo uma crise, ou simular uma crise, ou descrever uma

crise. Eu aproveitei e usei a peça Otelo, de Shakespeare, em que tem uma crise epiléptica descrita. Tem também em Júlio Cesar. Utilizei como um estímulo literário para conhecer epilepsia. Então isso é associação, alguns alunos meus daquela época lembram não da epilepsia, mas sim do Otelo, isso é um link. São modos de fazer, o cérebro adora isso. Nós temos os chamados centros das recompensas, são centros que adoram adulação. Esses centros são estimulados quando o indivíduo utiliza cocaína, por exemplo. A droga dá essa recompensa, ativando esses centros. O mesmo ocorre quando o indivíduo joga e é viciado em jogo. Mas não fiquem desesperados, um elogio tem o mesmo efeito, se você chega e gratifica uma criança dizendo: “Seu trabalho está maravilhoso”, “você foi muito bem”, “isso é legal”. Isso gratifica o mesmo centro. Perguntas da plateia: Criar esse ambiente feliz para facilitar a aprendizagem e um ambiente altamente afetivo na escola seria a principal arquitetura do professor no tempo de hoje? Eu resumiria a minha apresentação em dois aspectos: um seria o conhecimento, o que nós aprendemos com as novas tecnologias, e o outro a questão de incluir nessa base tecnológica, ou não negligenciar, o aspecto afetivo, que isso ao longo de décadas ou séculos se faz. Eu até hoje lembro da minha professora do primeiro ano do curso primário, era uma pessoa fantástica.

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jaderson da costa

Lembro do nome dela, como ela me alfabetizou, porque tinha um aspecto afetivo muito forte que me impressionou ao longo da vida. São quase 60 anos que eu me lembro bem dessa história. Então, eu acho que isso não pode ser esquecido, porque às vezes em nome da tecnologia a gente negligencia algo muito mais fácil de fazer, que é manter esse ambiente de compreensão e afeto. Como a neurociência explica o famoso “branco” que dá no aluno na hora da avaliação, quando ele diz que estudou, e inclusive o professor que deu aula particular disse aos pais que esse aluno sabia todo o conteúdo... Isso tem relação com a autonômica visceral. Eu tenho percepção do meu corpo, quando eu estou conversando com vocês, eu devo saber onde está meu pé, onde está minha perna, uma ideia do meu corpo no espaço... quando você sua, tem uma cólica, ou seja os órgãos, as vísceras começam a falar. Isso se chama sistema nervoso autônomo vegetativo. Ele é quem nos faz perder a respiração quando se está defendendo uma tese, dando uma aula, uma conferência. Este sistema nervoso vegetativo às vezes nos prega algumas peças, e uma delas é o branco. Imagine a seguinte situação: se vocês tivessem que fazer essas

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quais as reações no cérebro dos alunos perguntas, não por escrito, mas levantar que fazem o uso da Ritalina e as cone perguntar. Tenho certeza de que muitos sequências disso, já que temos muitas estariam com uma voz entrecortada pela crianças medicadas precocemente? ansiedade, e o coração batendo forte. Existem crianças que realmente, por Outros não, mais tranquilos. Nós não razões genéticas ou epigenéticas ou ainda dominamos esse sistema, mas podemos ambientais, não têm treiná-lo. E uma mabom controle da sua neira de treiná-lo é a Essa é uma atenção e têm hiperarepetição, é se expor a geração que faz tividade. Tem que se situações imaginárias. separar desse grupo Os indivíduos treinam uma coisa que o os verdadeiros e os apresentações, treinam falsos, porque já existe perguntas e treinam cérebro adora: também um certo morespostas, e isso é uma processar em dismo. Se a criança é maneira de se asseum pouco diferente nhorar desse sistema paralelo” do vizinho do lado, já vegetativo. Mas isso recebe o rótulo. Então, que o aluno disse, “eu existe essa síndrome, essa patologia, mas tive um branco”, ele pode ter um branco também existe um excesso de diagnóstico. porque foi tomado por essa emoção, por A segunda coisa que tem que ser lemessa aceleração, por essa resposta autobrada, e isso me preocupa, é a contextuanômica. Lógico que isso também está relização. O que era há 30 anos uma crianlacionado com o teu grau de insegurança ça hiperativa? Era quase o bagunceiro, e com o grau de conhecimento. Quais são a criança que se movimentava muito... as pessoas mais inseguras? São as menos hoje, o que é uma criança hiperativa? preparadas, elas estão mais à mercê Observem só, hoje as crianças são muldessas reações autonômicas. titarefas, elas fazem várias coisas. Têm os seus iPads, os seus celulares, compuQue estudos há com crianças com ditadores, elas são multitarefas, elas fazem ficuldades de aprendizagem, como as várias coisas ao mesmo tempo. O grau com déficit de atenção? Como deve ser de atenção do que nós considerávamos a nossa postura perante o uso do menormal para uma criança de 30 anos dicamento como a Ritalina? E, ainda, atrás que não tinha nem telefone, para uma criança de hoje que tem tudo isso é diferente. Essa é uma nova geração que se comporta diferente, e nós temos que atender a essas diferenças. Então essa é uma preocupação que eu tenho, é o quanto nós estamos medicando crianças normais neste contexto e não no contexto de 30 anos atrás. A outra questão que está por trás é a do medicamento. O remédio virou a poção mágica, eu resolvo rapidamente. Isso é um erro. Realmente, há crianças que precisam da medicação, que se beneficiam dela e que é indicada, mas outras não. Então, tem que separar o joio do trigo. Tem um outro conceito que está me preocupando: das drogas utilizadas para ativar o cérebro. Muitíssimos estudantes estão tomando medicamentos não porque


têm TDH, mas sim porque querem turbinar o seu cérebro para ter melhor rendimento. E isso é um negócio complicado, porque você começa a utilizar um medicamento para turbinar o cérebro que não é bem assim. Isso não deixa de ser uma droga, de gratificação, de dependência para uso inadequado. Então há os que precisam, os que estão sendo diagnosticados erradamente e apressadamente, descontextualizados, e que o manejo seria muito mais adequado sem remédios, e os que usam o remédio porque acham que isso vai turbinar o seu cérebro. Hoje é muito comum o adolescente dizer que consegue estudar, ouvir música, conversar e ver as redes sociais ao mesmo tempo. Isso é de fato possível, ele consegue aprender? E na mesma linha, as novas gerações de fato apresentam mais facilidade de aprender frente a todas essas questões das novas tecnologias? Essa geração é muito melhor. E outra coisa, essa geração mudou, é outro paradigma. Eu vou colocar para vocês meu exemplo. Quando fui ver com meu pai o filme do Godard, meu pai achou uma

porcaria. Ele disse: “Veja, meu filho, não tem pé nem cabeça, cenas que já passaram vem de novo, e volta, que desorganização é essa”. Lógico, ele estava acostumado com o início, meio e fim, e ali tinha início, meio, fim, meio, início... Tente assistir os filmes deles, Senhor dos Anéis, por exemplo, é uma balbúrdia, e eles entendem tudo, e te explicam. Mudou o paradigma, aumentou o QI não verbal. Essa é uma geração que faz uma coisa que o cérebro adora: processar em paralelo. Engraçado, os neurocientistas passaram décadas dizendo que o cérebro não era um computador porque o computador processava linearmente, e o cérebro, esse órgão máximo que nós temos, processa em paralelo. E quando se tem uma

geração que processa maravilhosamente em paralelo, eles estão errados, não deveriam fazer isso. Ou seja, são seres analógicos falando de seres digitais. Então, por favor, vamos entender como estão fazendo isso e vamos ajudá-los e filtrar as informações. Porque com cinquenta milhões e quatrocentas mil informações cruzando neurociência e educação na internet, alguém tem que dizer que quarenta milhões é lixo e dez milhões é coisa boa. Essa é a função do professor. * Professor titular de Neurologia da Faculdade de Medicina da PUCRS. Diretor do Instituto do Cérebro-InsCer/ PUCRS. Neurologista. Doutor em Ciências, Mestre em Neurociências e Ciências Biológicas/UFRGS. Research Fellowship/Harvard Medical School.

Dicas do palestrante: • Reforce os aspectos positivos dos alunos. Não trabalhe somente as dificuldades, mas também as virtudes, os pontos positivos. • A emoção é a base da motivação e facilita o aprendizado. • Hoje, as crianças são multitarefas, fazem várias coisas ao mesmo tempo. É preciso considerar esse contexto ao diagnosticar uma criança com TDAH. • Entenda essa nova geração e ajude-a a filtrar as informações.

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bastidores

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Equipe organizadora comemora sucesso do evento

No intervalo das conferências congressistas fizeram ginástica laboral

Diretoria do SINEPE/RS é homenageada pelo sucesso do Congresso

Vida Urgente fez uma apresentação teatral durante o evento

Sessão de autógrafos da conferencista Dulce Magalhães reuniu centenas de congressistas em frente ao estande do SINEPE/RS

Vencedores do sorteio feito pelo Facebook do SINEPE/RS receberam livros autografados do Frei Betto


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