Educação em Revista - Edição 139

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P.20 / PEDAGÓGICO

A realidade do modelo híbrido

P.24 / GESTÃO UMA PUBLICAÇÃO DO SINEPE/RS ›› Nº 139 ›› ANO XXIII ›› OUTUBRO/NOVEMBRO/DEZEMBRO 2020

Como manter os pais engajados

DEPOSIT PHOTOS

UM LABIRINTO CHAMADO LGPD

Lei Geral de Proteção de Dados já está em vigor, exige adequações e traz, também, melhoramentos



CONTEÚDO PATROCINADO - SISTEMA POSITIVO DE ENSINO

Cleia Farinhas

Gerente pedagógica do Sistema Positivo de Ensino, Cleia é formada em Pedagogia pela UFPR e especialista em Gestão Escolar pela Universidade Positivo.

Avaliação, as condições adversas que possibilitaram avanços No período inusitado de isolamento social e aulas não presenciais que a pandemia impôs aos professores e alunos, ficou claro que a aprendizagem não para nunca e que a avaliação representa momentos da aprendizagem, nos quais é preciso “parar no tempo”, analisando o processo em um “quadro a quadro”.

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essa perspectiva, analisando o processo de ensino e a verificação da aprendizagem em cada um dos segmentos escolares, observamos modus operandi diversos, a partir das características dos objetos de aprendizagem e faixas etárias do alunado. Na Educação Infantil, por exemplo, a avaliação se expressa, muito frequentemente, em pareceres descritivos e pelas atividades que as crianças realizam e que as professoras organizam, conforme as habilidades que ajudam a desenvolver. Há, no entanto, um sem fim de sentimentos e aprendizagens dos pequenos que se expressam em reações tipicamente infantis, mas que simplesmente não cabem nos formatos encaixotados de alguma prática de salas de aula, tampouco nas atividades “livres” nos parquinhos e pátios cobertos e que ficam excluídas dos registros formais de avaliação, não por serem menos importantes, mas por não serem, simplesmente, notadas por falta de tempo ou oportunidade! Cabe ao professor destas turmas estar atento às rotinas e atividades, desde o planejamento, passando pelas reações, comentários e sugestões das crianças durante as mesmas, mesmo que transgridam tempo e sequência do que foi previsto. Intencionalidade, organização,

flexibilidade, atenção e paciência, bem como os registros a partir da observação profissional, parecem ser atitudes essenciais para uma avaliação coerente nesta fase. Há beleza e responsabilidade imensuráveis no papel do professor da Educação Infantil, que é de tradutor de linguagens, um verdadeiro analista de cenários de aprendizagens. Quanto mais o aprendente cresce e se desenvolve, tanto mais será bem-vinda a atitude do professor de alternar e variar procedimentos de acompanhamento e verificação de aprendizagens, que vão acontecendo em espiral, de forma cada vez mais ampla e profunda. Nos segmentos subsequentes à Educação Infantil, quando a interação com as informações se vai alargando, as crianças podem ser chamadas e autorizadas a participar da própria aprendizagem e avaliação, por exemplo, selecionando as atividades que comporão seu portfólio quando este for uma opção de recurso para a verificação de aprendizagem, escolhido pelo professor. O ideal é que a seleção das atividades obedeça aos critérios de processo e significado para a criança, em um legítimo trabalho de autoavaliação, que se faz cada vez mais consciente e honesto à medida que se colocar como rotina. Em um estágio posterior à seleção, quando a criança

explica o quê e como chegou àquele resultado, estará fazendo metacognição, ou seja, um retrospecto para si mesma do que apreendeu da realidade (no caso, dos conteúdos que a escola propôs para aquele período de tempo didático). Os conceitos da autoavaliação e da metacognição podem ser reforçados e serão úteis na verificação de aprendizagem dos jovens, também no Ensino Médio, pela prática de instrumentos como seminários, mesas-redondas, discussões, relatórios e até mesmo de provas descritivas, se estas forem elaboradas de maneira operatória. Estas situações favorecem, mesmo em situação de aulas virtuais, aos meninos e meninas otimizarem as habilidades de observação, expressão e defesa de ideias e argumentação, essenciais para a construção do sujeito exigido pelas relações dentro e fora do ambiente acadêmico, em todos os níveis, até o âmbito das relações de trabalho. Analisando como aconteceram esses processos avaliativos na realidade escolar em ano atípico, constatamos o aprendizado não apenas dos objetos de conhecimento formais, mas também de conteúdos socioemocionais entrelaçados nas relações da gestão escolar com seus professores e desses com seus alunos e famílias. Constatamos que evoluímos muitos anos em alguns meses na nossa consciência pedagógica e nas linguagens e formas de ensinar, valorizando o lado cheio do copo: lições que talvez em condições regulares de temperatura e pressão, com aulas presenciais e currículo regulares, não teríamos percebido. 

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››› Sumário

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REPORTAGEM DE CAPA A nova Lei Geral de Proteção de Dados traz riscos, mas representa uma oportunidade na educação

13 ENTRE ASPAS A LGPD no contexto da Educação Básica

14 INSPIRE-SE O desafio de lecionar durante a pandemia

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FOTOS DEPOSITPHOTOS

COM A PALAVRA Patrícia Peck Pinheiro aprofunda a LGPD

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PEDAGÓGICO Com retorno presencial parcial, modelos híbridos exigem adaptações

INOVAÇÃO Como será o professor do futuro?

30 PESQUISA Pedagogia em tempos de mudança

36 RADAR Como combater o cyberbullying

38 DIVERSIDADE O desafio on-line da educação em libras

24 ››› GESTÃO A tarefa de manter o engajamento dos pais na educação dos filhos, de forma duradoura

Educação em Revista | Nº 139 | Outubro/Novembro/Dezembro 2020


Editorial ›››

DIRETORIA: Presidente: Bruno Eizerik, 1º Vice-

Presidente: Osvino Toillier, 2º Vice-Presidente: Oswaldo Dalpiaz, 1ª Secretária: Marícia da Silva Ferri, 2º Secretário: Iron Augusto Müller, 1º Tesoureiro: João Olide Costenaro, 2º Tesoureiro: Hilário Bassotto. Suplentes: Maria Helena Rodrigues Lobato, Ruben Werner Goldmeyer, Nestor Raschen, Carlos Roberto Milioli, Antônio Roberto Lausmann Ternes, Celassi Bernardete Dalpiaz, Bárbara Perlin Nissola. CONSELHO FISCAL: Titulares: Ademar Joenck, Inacir Pederiva, Guilherme Kühne. Suplentes: Isaura Paviani, Maria Angelina Enzweiler, Elenar Luisa Berghahn. DELEGADOS REPRESENTANTES: Bruno Eizerik e Osvino Toillier. Suplentes: Hilário Bassotto e Oswaldo Dalpiaz.

EQUIPE: Direção: Milton Léo Gehrke. Assessoria pedagógica: Naime Pigatto e Claudete Chiarello. Centro de Desenvolvimento em Gestão (CDG): Vera Lúcia Corrêa. Assessoria de Comunicação e Marketing: Luciana Moriguchi Jeckel Lampugnani, Carine Fernandes, Eduardo Oliveira, Tamara Stucky, Hermes Moura, Bruno Pinheiro e Alana Schneider. Financeiro: Matheus Philippi. Atendimento: Jaqueline Maria Rodrigues da Rosa e Suelen Schroeder Ferreira, Emília Pires e Joana Reni Vielhuber. Serviços Gerais: Ereni Souza da Silva e Naira Elizabetti Real. REVISTA: Supervisão: Bianca Garrido (MTB 11.778). Edição: Carlos Guilherme Ferreira (MTB 11.161). Reportagens: Pedro Henrique Pereira, Igor Morandi e Tatiana Py Dutra. Capa: Deposit Photos. Diagramação: Padrinho Agência de Conteúdo. Revisão: Milton Gehrke. Gestão em produção gráfica: BTWOB Soluções em Comunicação. Impressão: Gráfica Comunicação Impressa. Conselho Editorial: Prof. Osvino Toillier, Prof. Hilário Bassotto, Prof. Flávio D’Almeida Reis, Profª Mônica Timm de Carvalho, Profª Naime Pigatto, Profª Raquel Boechat, Prof. Ruy Carlos Ostermann, Profª Ângela Ravazzolo, Profª Rosângela Florczak e Prof. Gustavo Borba. Antenas: Adriana Gandin, Alfredo Fedrizzi, Caio Dibi, Crismeri Corrêa, Fernando Becker, José Moran, Laura Dalla Zen, Márcia Beck Terres, Mauro Mitio Yuki e Rodrigo Capelato. FALE CONOSCO – Redação: Cartas, comentários, sugestões, matérias – educacaoemrevista@sinepe-rs.org.br Comercial: Anúncios e assinaturas – comercial@sinepe-rs.org.br. Informações: Telefone (51) 3213.9090 e www.educacaoemrevista.com.br. ISSN: 1806-7123 A Educação em Revista não se responsabiliza por ideias e conceitos emitidos em artigos ou matérias assinadas, que expressam o pensamento dos respectivos autores.

TUDO SE TRANSFORMA: AGORA, EM FORMA DE LEI CARLOS GUILHERME FERREIRA Editor da Educação em Revista

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uem frequentou os bancos escolares provavelmente guarda em algum escaninho da memória a Lei de Conservação das Massas, consagrada como Lei de Lavoisier, uma homenagem ao químico francês autor do postulado: “Na Natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”. Aqui está o ano da graça de 2020 para comprovar, mais de dois séculos depois, a atualidade deste conceito. Depois de uma revolução forçada da forma de ensinar, ainda em adaptação, as instituições de ensino brasileiras têm pela frente um novo desafio, também em formato de lei – escrita, promulgada e fiscalizada. Trata-se da Lei Geral de Proteção de Dados, em vigor desde setembro e com potencial de revolucionar a forma como as informações são tratadas em praticamente todos os setores da sociedade. Nesse contexto, a educação não fica de fora, pois escolas e universidades detêm uma série de dados de alunos e/ou de seus responsáveis. Cabe a elas, agora, trabalhar em um processo de adaptação – caso ainda não tenham o feito, visto que a LGPD tomou forma ainda em 2018. “É para ontem que as escolas validem todos os seus cadastros”, afirma o advogado Luiz Paulo Germano, que atua nas áreas de Direito Público, Regulatório, Digital e Compliance e é uma das fontes da reportagem de capa desta edição da Educação em Revista.

O tema LGPD prossegue em pauta, por sua importância. Além de um exemplo prático de estruturação para a nova lei, o da Rede Marista, buscamos a realidade da Educação Básica. Ela é abordada em artigo assinado pelo advogado Luciano Escobar, especializado em Direito Educacional (e que também participou de um Encontro Online do Sinepe/RS – na próxima página, confira QR Code com o link para assistir). Por fim, a também advogada Patrícia Peck Pinheiro concedeu entrevista para alertar sobre a necessidade de as instituições tornarem claro como funcionam as suas políticas de tratamento de dados, de forma transparente. Segundo ela, “o setor educacional deve ser exemplo de conformidade legal e de ética, devendo demonstrar seu comprometimento com a segurança e a proteção dos dados”. Outro fator importante para o segmento está na retomada gradativa das atividades, após o (esperamos) pico da pandemia. O modelo híbrido de ensino ganha força neste momento, mas serão necessários ajustes diante da realidade de que pais e alunos têm autonomia para decidir se preferem o retorno presencial ou a permanência temporária com as aulas de casa. Nesse segundo ponto, prevalece o enfoque da reportagem de Gestão, à página 24, e que traz estratégias para as instituições manterem alto engajamento dos pais na educação dos filhos – uma das mudanças da pandemia. Os desafios estão postos, portanto. Cabe a todos trabalhar para vencê-los. 

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››› Sinepe em ação

INTERAÇÃO COM O ASSOCIADO E COM A COMUNIDADE ESCOLAR

NOVO ENSINO MÉDIO É TEMA DE DEBATE

Por meio dos encontros online, o Sinepe/RS traz nomes relevantes para discutir temas atuais no universo da educação. Confira nestas páginas. FOTOS REPRODUÇÃO

CONFIRA O 17º ENCONTRO ONLINE A responsabilidade das instituições de ensino em relação aos dados pessoais, as mudanças nas rotinas escolares e as aplicações de penalidades em razão da não adequação à Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) foram alguns dos destaques da fala do advogado especializado na área de Direito Educacional, consultor e assessor jurídico de escolas particulares de Porto Alegre/RS, Luciano Escobar, no 17º Encontro Online do Sinepe/RS, em setembro. Nesta edição da revista, você confere mais sobre a LGPD na reportagem de capa e nas seções Entre Aspas e Com a Palavra. 

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CONTEÚDO ONLINE DISPONÍVEL Confira uma síntese do 17º Encontro

Para dar sequência à discussão sobre o novo Ensino Médio e abordar as implicações das normativas regionais na gestão das escolas, o Sinepe/RS promoveu o 19º Encontro Online em outubro. Exclusivo para associados, contou com as presenças da presidente do Conselho Estadual de Educação (CEEd/ RS), Márcia Carvalho, da diretora do Departamento Pedagógico da Secretaria da Educação (Seduc/RS), Letícia Grigoletto, e da assessora referência do Ensino Médio (Seduc/ RS), Taís Nogueira. As palestrantes apresentaram as ações realizadas pelo CEEd/RS e pela Seduc/RS para a implementação do novo Ensino Médio nas instituições de ensino do Estado e os desafios desse processo. Na primeira parte do evento, realizada no dia 19 de setembro, o Sinepe/RS recebeu a conselheira do Conselho Nacional de Educação Amábile Pacios. A palestrante apresentou as principais mudanças e os impactos da implementação da nova lei para o Ensino Médio, tendo em vista as normativas publicadas em âmbito nacional. 


Sinepe em ação

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CNE APROVA ENSINO REMOTO ATÉ 2021

20º ENCONTRO ONLINE TRATA DA EDUCAÇÃO SUPERIOR Para discutir novos modelos de ensino e o futuro da Educação Superior, o Sinepe/RS promoveu em outubro o seu 20º Encontro Online. O evento foi aberto ao público e contou com a presença do diretor do Grupo A Educação, Gustavo Hoffmann. O palestrante abordou as implicações

do uso de modalidades híbridas e metodologias ativas nos tradicionais modelos de ensino da Educação Superior e como essas mudanças podem ajudar na atualização curricular das IES. Tudo isso com a interação dos participantes, por meio de perguntas. 

CONTEÚDO ONLINE DISPONÍVEL Confira uma síntese do 20º Encontro

Como participar dos encontros

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 Cada pessoa interessada deve realizar uma inscrição individual.  É importante seguir o procedimento de inscrição até o final e cadastrar o e-mail corretamente para receber o link de acesso.  Para esclarecer dúvidas ou obter mais informações, entre em contato pelo e-mail:suelen@sinepe-rs.org.br.

O Conselho Nacional de Educação (CNE) aprovou, em 6 de outubro, a possibilidade de as instituições de ensino fazerem uso do ensino remoto até o final de 2021. A medida é voltada para instituições da Educação Básica e Superior de todas as redes de ensino. Para ter validade, o texto precisa ser homologado pelo Ministério da Educação (MEC) até o fechamento desta edição, isso não havia ocorrido. Após a aprovação, o SINEPE/RS emitirá novas orientações aos seus associados. Outras diretrizes aprovadas pelo CNE foram a criação de um ano letivo “suplementar” para os alunos formandos do Ensino Médio e a possível junção dos anos letivos de 2020 e 2021 na Educação Básica. O objetivo é evitar o aumento da reprovação. 

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Educação em Revista | Nº Contate 139 | Outubro/Novembro/Dezembro 2020 pelo telefone 51•3209•9455

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››› Reportagem de capa

Os riscos e as oportunidades da LGPD Em vigor desde setembro, a Lei Geral de Proteção de Dados representa um desafio mas pode, também, se tornar uma aliada das instituições de ensino – tudo depende de como elas se preparam para essa realidade

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Reportagem de capa ›››

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››› Reportagem de capa PEDRO PEREIRA

pedro@padrinhoconteudo.com

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armazenamento e o tratamento de dados dos alunos e responsáveis entram em uma nova era. Finalmente está em vigor a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), cujo texto fora aprovado ainda em 2018, mas começou a valer no dia 18 de setembro deste ano. A legislação responsabiliza as empresas pela proteção e uso das informações e prevê uma série de sanções que podem abalar as finanças ou até mesmo inviabilizar de uma vez por todas o uso de um banco de dados. Passado o período conhecido no Direito como vacatio legis, que é o tempo entre a aprovação e o começo de vigência de uma lei, o prazo para adequação, em tese, já terminou. Portanto, as instituições de ensino que ainda não se adequaram devem começar esse processo o quanto antes. “É para ontem que as escolas validem todos os seus cadastros”, avisa o advogado Luiz Paulo Germano, que atua nas áreas de Direito Público, Regulatório, Digital e Compliance. Ele salienta que, embora a agência reguladora do assunto ainda não tenha saído do papel, o fato de a lei estar em vigor permite que outros órgãos (como Ministério Público ou Procon) tomem providências – e até mesmo o cidadão que se sentir lesado acione judicialmente uma instituição de ensino. Mas, antes de revisar e validar todos os cadastros, alguns requisitos precisam ser cumpridos. O primeiro deles é o chamado data mapping, um diagnóstico de como os dados são coletados, armazenados, processados e acessados. Isso pode ser feito por empresas especializadas em tratamento de informações, caso não haja equipe dedicada a isso dentro da instituição. Esse questionário é aplicado internamente e sua avaliação define onde podem estar as falhas. O analista, então,

propõe as soluções, que devem ser implementadas de forma conjunta entre especialistas dos campos jurídico e de tecnologia da informação. Entre os itens que precisam ser revisados aparecem, por exemplo, a política de privacidade e a gestão de cookies (informações de navegação salvas automaticamente e que podem ser colocadas à disposição de outros sistemas, como Google ou Facebook). “A construção da política de privacidade envolve ter um texto bem claro e instrutivo, além de informar todos os vínculos do site. Caso contrário, o cidadão pode disponibilizar um dado para terceiros sem ter ideia disso”, explica o presidente da Associação Brasileira dos Agentes Digitais – Regional Rio Grande do Sul (ABRADi-RS), Moyses Costa. Outra mudança que chama atenção é a obrigação de as informações estarem disponíveis para que os usuários as consultem, alterem ou excluam sempre que quiserem. Ou seja: os donos dos dados devem ter acesso irrestrito a eles. “É preciso saber com quais empresas esses dados são compartilhados e que dados são esses, de crianças, adolescentes, colaboradores. E buscar exigir dessas empresas a sua adequação à LGPD, porque nós, instituições de ensino, somente estaremos adequadas de uma forma coesa e coerente se os nossos parceiros também estiverem”, complementa o advogado Luciano Escobar, especialista em Direito Educacional e sócio do escritório MFO Advogados. Ele esteve em evento realizado pelo Sinepe/RS no dia 11 de setembro para debater a LGPD.

Situações especiais merecem atenção Algumas situações exigem cuidado ainda maior. A educação básica, que atende em sua maioria alunos meno-

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res de idade, precisa ter atenção redobrada porque estes são considerados “dados sensíveis”. Até mesmo a validação e atualização dos dados é diferente, pois exige autorização expressa dos responsáveis. “Não podemos esquecer que há a incidência do Estatuto da Criança e do Adolescente. Eventual infringência da lei pode dar ensejo a uma atuação do Ministério Público, que é legitimado para cuidar dos direitos desses indivíduos”, ressalta Germano.

LGPD prevê multas duras e suspensões Em caso de descumprimento, a LGPD prevê uma série de sanções, que variam de multa correspondente a um percentual do faturamento (podendo chegar a R$ 50 milhões por infração) até a suspensão temporária ou definitiva do uso de um banco de dados. O texto prevê a criação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados, uma espécie de agência reguladora autônoma, nos mesmos moldes da telefonia e da energia elétrica, por exemplo. Ainda que tenha ficado para depois, Germano observa que a morosidade pode ser uma armadilha para as instituições. “O maior perigo é justamente a negligência do gestor, achar que a lei entrou em vigor agora, mas a autoridade só vai começar a aplicar sanções a partir de 2021, ou que daqui a pouco caia em esquecimento. Como a lei representa um avanço muito significativo, veio para ficar”, alerta Germano. Segundo ele, é preciso começar a se adaptar no dia a dia, pois é um trabalho árduo. “Não se implementam as diretrizes da LGPD da noite para o dia, mas também não é impraticável como muitos afirmam. É praticável desde que haja um esforço da corporação. Acima de tudo, é preciso começar este processo”, entende.


Reportagem de capa ›››

Mudança também traz oportunidades Se, por um lado, a lei apresenta riscos e responsabilidades, por outro é uma oportunidade de ter um banco de dados atualizado e seguro. “É muito positivo fazer uma qualificação das bases. Normalmente as empresas vão acumulando e acabam ficando informações perdidas, dados antigos, coisas que não são bem estruturadas”, analisa Moyses Costa. Ele explica que criar ambientes para o público acessar e atualizar suas informações acaba se tornando uma possibilidade de marketing. É importante criar ações que incentivem a atualização dos dados. “Falando de ensino, haverá momentos diferentes: a criança entra em um ano, mas vai avançando dentro da instituição, tem uma gama de oportunidades ali dentro”, acredita Costa. Enquanto é feita a adequação, é importante comunicar de forma clara que a instituição está atenta e em processo de atualização dos procedimentos. Aí

pode estar a diferença entre ser acionado judicialmente ou não. Outro risco é que a comunidade escolar não faça a atualização, mesmo com o sistema facilmente acessível. Para prevenir, é fundamental que o sistema guarde um histórico de todas as interações que solicitam revisão dos dados e as negativas do usuário do sistema.

Chance para educar sobre o uso da internet Outra oportunidade interessante é a pedagógica. Com uma geração de crianças e adolescentes que passam horas a fio conectados, muitas vezes sem acompanhamento de um responsável, saber os riscos de informar os dados em qualquer sistema é fundamental. “Vamos precisar de cursos ou disciplinas para explicar aos jovens e às pessoas, de forma geral, qual a importância de se ter o tratamento dos dados pessoais e a maneira como isso impacta as nossas vidas”, defende Germano.

LUIZ PAULO GERMANO Advogado e professor das universidades Estácio e PUCRS

“Não se implementam as diretrizes da LGPD da noite pro dia, mas também não é (algo) impraticável como muitos afirmam” MOYSES COSTA Diretor da agência Ondaweb e presidente da ABRADi-RS

“É muito positivo fazer uma qualificação das bases. Acaba se tornando uma possibilidade de marketing” Segue ›››

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››› Reportagem de capa

Rede Marista iniciou adequação há dois anos Se os dados dos alunos já são delicados, talvez os da saúde tenham ainda mais complexidade. Esse é o tamanho do desafio da Rede Marista: além de 19 colégios, sete escolas sociais gratuitas e da

Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), conta ainda com o Hospital São Lucas e o Instituto do Cérebro do Rio Grande do Sul. “A mudança cultural foi o primeiro desafio. Explicar

para as pessoas que elas são responsáveis e são solidárias em um processo de cobrança”, relata o coordenador de planejamento corporativo da Rede Marista, Marcelo Cordeiro, sobre o processo. 

Entenda como a equipe marista se estruturou: l Um grupo de trabalho está desenvolvendo estudo sobre política de privacidade e cookies. A implementação dessas mudanças é o próximo passo.

l O projeto foi dividido em três frentes: jurídica (responsável pela parte legal), técnica (para implementar as atualizações) e compliance (que trabalha na conscientização dos colaboradores).

l A estimativa é ter todos os processos em conformidade com a LGPD até o fim de 2020.

l Como a Europa está à frente neste tema, foi consultado o Colégio Marista de Caravelos, em Lisboa (Por tugal), para entender como o projeto poderia ser conduzido por aqui. l A pauta foi levada ao Comitê de Tecnologia da Informação da Rede, que ajudou a definir a Política de Segurança da Informação. l Contato com fornecedor de software para questões relacionadas a validação do sistema e o cuidado que os próprios fornecedores tinham. l Ajuste de contrato com fornecedores, sistema de folha de pagamento e gestão escolar.

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l Logo que a discussão sobre a lei avançou, há dois anos, foi iniciado o processo de compreensão e planejamento para atender ao texto.

Atenção ao papel lA LGPD é bastante discutida no âmbito digital, mas as informações analógicas também são protegidas pela lei.

Para saber mais l Os filmes Privacidade Hackeada e O Dilema das Redes, ambos disponíveis na Netflix, falam sobre a transformação da sociedade a partir da crescente interação por meio das redes sociais l No canal do Sinepe do YouTube é possível conferir uma série com dicas do advogado Luciano Escobar sobre as adequações à LGPD.


Entre Aspas ›››

Luciano Escobar Advogado, consultor de instituições de ensino privado. Especializado em Direito Educacional, Direito e Processo Civil. Com formação em Data Protection Officer (DPO) pela Opice Blum Academy, com experiência na área de proteção de dados e privacidade. Sócio do Escritório Mondadori, Farias & Oronoz Advogados

A LGPD e as Instituições de Ensino da Educação Básica

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om a sanção da LGPD, em 2018, a proteção de dados pessoais passa a ter política própria relacionada ao tratamento de dados pessoais, à proteção da privacidade, à liberdade de expressão, de informação, de opinião e de comunicação, à inviolabilidade da intimidade, da honra e da imagem. Depois de muita discussão, a Lei entrou em vigor em 17/09/2020, salvo quanto à aplicação das sanções administrativas, postergadas para agosto de 2021. Já há, também, Proposta de Emenda Constitucional para incluir a proteção de dados pessoais entre os direitos e garantias fundamentais do cidadão, tamanha a importância do tema. As instituições de ensino, segmento de Terceiro Setor, possuem a gama mais complexa de tratamento de dados pessoais: alunos (crianças, adolescentes ou jovens adultos), responsáveis legais e corpo de colaboradores (contratados ou terceirizados). Nome, CPF, RG, idade, sexo, religião, doenças, desempenho acadêmico e imagem são só alguns exemplos de dados pessoais que as escolas possuem e que só podem ser tratados em conformidade com a LGPD. Tratamento é toda a operação que envolva coleta, produção, recepção, classificação, utilização, acesso, reprodução, transmissão, distribuição, processamento, arquivamento, armazenamento, eliminação, avaliação ou controle da informação, modificação, comunicação,

transferência, difusão ou extração de dados pessoais. A Lei traz para as escolas a necessidade de compreensão do tipo e volume de dados pessoais que possuem e os tratamentos realizados. Tarefa complexa, que exige conscientização, engajamento e treinamento, além de diagnóstico de processos e do tratamento de dados pessoais, onde estão, qual o seu fluxo na escola, a classificação como sensíveis, de crianças e de adolescentes, a necessidade, a utilidade e o tempo de tratamento, bem como a autorização legal. É fundamental rever a infraestrutura tecnológica, o armazenamento de dados (físicos e digitais), a política de privacidade, nomear um encarregado (DPO) e formar uma estrutura capaz de gerir as situações de enfrentamento de um incidente. O ganho final para as escolas será ter incorporado ao cotidiano a prática permanente e constante de aperfeiçoamento de processos e controles, para a segurança e licitude do tratamento realizado, garantindo a privacidade do titular dos dados e evitando incidentes capazes de resultar em sanções como, por exemplo, advertências e multas (de até 2% do faturamento, limitada, ao total de R$ 50 milhões por infração), além de ações judiciais de particulares. No contexto da Educação Básica, destacam-se três aspectos importantes: 1. O tratamento de dados pessoais de menores só poderá ocorrer em seu melhor interesse e, para as crianças (até

12 anos), apenas se houver o consentimento específico e em destaque, dado por, pelo menos, um de seus pais ou responsável legal. As informações sobre os dados coletados, a forma de tratamento e os procedimentos para o exercício dos direitos do titular dos dados deverão ser mantidos públicos. 2. Capacidade de responder aos questionamentos de pais sobre quais dados pessoais de seus filhos são tratados e se o processo está de acordo com a LGPD. 3. Adequar o seu legado, isto é, o acervo documental repleto de dados pessoais, anterior à LGPD (históricos escolares, por exemplo), verificando-se o que deverá ser mantido, qual a hipótese legal de tratamento e o que será eliminado, com comprovação documental. A adequação, como processo para o uso justo e lícito de dados pessoais, exigirá mudanças culturais e organizacionais fortes, mas que, ao final, auxiliará as escolas no aprimoramento da sua gestão, da sua segurança (ajustada às normas regulamentadoras ISO) e no seu trabalho pedagógico. A escola que não se conscientizar sobre a importância da LGPD terá dificuldades. A adequação é, além de tudo, um diferencial competitivo. Uma escola que não se adeque à LGPD, além das consequências legais, sofrerá dano reputacional, afetando sua imagem e credibilidade. É preciso entender que a Lei, em si, não é um problema, mas uma excelente oportunidade de transformação. 

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››› Inspire-se DEPOSITPHOTOS

Paixão pelo ofício Os desafios e aprendizados da docência com o ensino não presencial são relatados por uma professora de língua portuguesa e uma pedagoga

IGOR MORANDI

igor@padrinhoconteudo.com

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om a rapidez de transmissão da Covid-19, o mundo precisou se adaptar ao que, em pouco tempo, tornou-se uma pandemia. Mas, com esperança, a população encara a nova realidade: as escolas, por exemplo, mantiveram o ensino mesmo de forma não presencial – um desafio diário enfrentado pelos estudantes e professores. É claro que cada caso é único, assim como as experiências em meio ao ensino remoto. Porém, uma certeza é que este momento veio como uma surpresa para todos. Mesmo as instituições que já tinham familiaridade com a tecnologia não esperavam ter de usá-la dessa forma: como recurso de ensino importante e necessário por um longo período. O Colégio La Salle São João, de Porto Alegre, é um exemplo: já utilizava a plataforma Google Class para trabalhos, pesquisas e atividades feitas em casa. No entanto, com a necessidade de um ensino sem contato presencial, alguns professores precisaram de

capacitação para trabalhar com a tecnologia. E essa experiência tecnológica, vista pelo olhar do conhecimento, é bem-vinda, conta a professora de língua portuguesa Vanessa Sabrina Witter Dutra. “Ficamos diante de um cenário no qual podemos aprender na prática não somente a utilização de novas ferramentas digitais, mas, acima de tudo, um novo jeito de ensinar e aprender”, afirma. Vanessa explica que as práticas pré-pandemia não foram invalidadas pelo ensino não presencial, mas precisaram de adaptações à nova realidade. E, de certa forma, esse ensino reformulado impactará pós-pandemia, porque vem se transformando. Ou seja, diante de todas as mudanças enfrentadas – e por uma questão lógica, é impossível voltar ao mundo pré-pandêmico. A partir do aprendizado com as dificuldades, a professora Vanessa Witter Dutra já pensa nesse depois. “Muitas vezes, quando estou fazendo meu planejamento e elaborando as atividades que serão encaminhadas aos alunos, fico pensando em como utilizar os novos métodos e recursos quando estivermos trabalhando presencialmente e no impacto positivo

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que esta utilização terá”, conta. Em suas aulas, os materiais são disponibilizados na sala de aula virtual para que o estudante possa se familiarizar com os temas que serão abordados. Com esse método há sincronia nos encontros, também virtuais, que são momentos para tirar dúvidas, resolver problemas e colocar os temas estudados em prática. Com o tempo e as adaptações, as aulas tornaram-se síncronas. No entanto, o que colabora muito é algo que todos os profissionais da educação carregam: a paixão pelo ofício. “Somos apaixonados pelo ser humano, pela educação, pela transformação que ela promove, pelos nossos alunos”, diz Vanessa. E nada abala esse amor pela profissão. Porque mesmo sentindo-se desconfortável com o que tem visto nas redes sociais, de que neste momento a escola estaria “brincando” de ensinar, a capacidade de renascer, de renovar, em meio a contextos desfavoráveis a motiva, assim como a outros educadores. O trabalho com as tecnologias, inclusive, já está previsto na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), na competência número 5.


Inspire-se ››› ARQUIVO PESSOAL

DENISE ARINA FRANCISCO Pedagoga e mestre em Educação

“A escola forma cidadãos para a vida. Com o distanciamento, questões que se aprendem na vivência com o outro ficaram prejudicadas” “Os profissionais da educação estavam habituados com o aluno presencial e tiveram que adaptar-se ao aluno virtual. ››› Professora no La Salle São João, Vanessa se adaptou à nova realidade Tinham contato com as novas tecnologias, porém, o aluno “É possível afirmar que tem sido um sença do professor faz a diferença du- estava ali, presencialmente desafio, mas, simultaneamente, uma rante as aulas. O ensino é muito mais em outros momentos”, explica oportunidade de crescimento”, desta- do que disciplinas, conteúdos, trabaca Vanessa. lhos e provas, é, também, o relaciona- a pedagoga e mestre em Por mais adaptadas às tecnologias mento entre toda a comunidade esco- educação que algumas escolas estivessem, não estavam preparadas para algo inesperado como uma pandemia. Até porque a solução para manter as aulas é o ensino não presencial, uma medida emergencial, que difere das atividades domiciliares. Porque o ensino remoto segue os princípios da educação presencial.

A difícil tarefa da adaptação “Os profissionais da educação estavam habituados com o aluno presencial e tiveram que se adaptar ao aluno virtual. Tinham contato com as novas tecnologias, porém, o aluno estava ali, presencialmente em outros momentos”, explica a pedagoga e mestre em educação, Denise Arina Francisco. Por conta desse distanciamento, os modos de ensinar e aprender têm sido mais difíceis, uma vez que a pre-

lar que busca desenvolver melhor as pessoas para o mundo. “A escola forma cidadãos para a vida. Com o distanciamento, questões que se aprendem na vivência com o outro ficaram prejudicadas”, destaca Denise. A pandemia trouxe provocações, momentos difíceis e aprendizados. Conforme relatado pelos profissionais, a tensão atormenta os profissionais da educação, como tantas outras pessoas de áreas distintas. Principalmente o psicológico tem se abalado pelas notícias pouco animadoras, pelo estresse. Mas, mesmo com adversidades, os professores estão sempre mobilizando sua criatividade que é pautada nos conhecimentos pedagógicos. De certa forma, sua capacidade de empatia, de recriação, de esperança, de colaboração, os fortalece neste momento. No entanto, o apoio familiar, dos estudantes e da instituição onde trabalham é imprescindível para recarregar a energia que os motiva. 

VANESSA SABRINA WITTER DUTRA Professora de língua portuguesa do Colégio La Salle

“É possível afirmar que tem sido um desafio, mas, simultaneamente, uma oportunidade de crescimento”

Dicas para o momento: lDesenvolver afetividade com as famílias dos estudantes, além de colegas da escola e os próprios alunos, para um ensino não presencial harmônico. lCuidar da própria saúde psicológica, que facilmente pode ser abalada pela fadiga e estresse da pandemia. l Buscar orientação específica com a escola para atender às demandas do ensino remoto. l Confiar no próprio trabalho e em sua importância, além de respeitar seu limite.

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16 DIVULGAÇÃO

››› Patrícia Peck Pinheiro defende que as instituições tornem transparente como é o tratamento dos dados pessoais

“É fundamental educar sobre a nova lei (LGPD)” Especialista em proteção de dados, a advogada Patricia Peck Pinheiro alerta para a urgência em se preparar para a Lei Geral de Proteção de Dados PEDRO PEREIRA

pedro@padrinhoconteudo.com

A

s instituições de ensino estão atrasadas. Esta é uma das percepções mais latentes expostas pela advogada Patricia Peck Pinheiro em conversa recente com Educação em Revista.

Nesta entrevista, ela também fala sobre os cuidados com dados sensíveis e os passos que devem ser seguidos para se adequar à nova legislação. E faz um alerta: a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) veio para ficar. Doutora em Direito Internacional, Patricia também atua nas áreas de direito digital, proteção de dados, propriedade

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intelectual e cibersegurança. “Teremos de passar por uma transformação nas práticas e costumes dos ambientes de ensino”, define. Educação em Revista – De que forma a LGPD impacta as instituições de ensino? Patrícia Peck Pinheiro – É fundamental educar sobre a nova lei. Este é um primeiro papel a ser desempenhado pelas instituições de ensino. Além disso, como são ambientes comunitários, que reúnem um grande volume de dados pessoais de vários perfis de titulares, precisam imediatamente deixar claro e de forma transparente como é o tratamento dos dados pessoais, ou seja, atualizar a Política de Privacidade do site/ portal, bem como atualizar os contratos. Acima de tudo, o setor educacional deve ser exemplo de conformidade legal e de ética, devendo demonstrar seu comprometimento com a segurança e a proteção dos dados.


Com a palavra ››› Qual a diferença para quem trabalha com dados considerados sensíveis, como de crianças e adolescentes? Com a vigência da nova lei, é necessária atenção especial aos procedimentos internos em relação à coleta e ao tratamento de dados pessoais de menores de idade, conforme previsto no artigo 14. Principalmente dados de criança, que exige o consentimento expresso do responsável legal. Ainda mais se envolver também a captura de dados pessoais sensíveis (que são os dados relacionados à origem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião política, filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso, filosófico ou político, dado referente à saúde ou à vida sexual, dado genético ou biométrico). Considerando que as escolas tratam dos dados sensíveis de toda sua comunidade, será necessário um controle rígido no tratamento, por meio de um levantamento de quais dados são coletados, para qual finalidade, qual deles possuem embasamento legal para sua coleta e quais deles precisam de consentimento do titular, conforme as hipóteses previstas na LGPD. Como no caso da exigência de que haja consentimento prévio, expresso, específico e destacado de um dos pais ou representante legal para legitimar o tratamento de dados. Em que medida a nova legislação pode atingir os trabalhos de pesquisa e extensão? A legislação traz uma exceção específica no artigo 4º para o tratamento de dados pessoais para finalidade acadêmica, assim como tem previsão também de exceção de consentimento no caso de pesquisa, conforme artigos 7º e 11. Onde podem estar as armadilhas da LGPD? Algumas estão relacionadas a não definir um comitê de trabalho. Isso pode prejudicar a conformidade com a LGPD. É muito importante também assumir a

PATRICIA PECK PINHEIRO Advogada, Doutora em Direito Internacional e especialista em direito digital, proteção de dados, propriedade intelectual e cibersegurança

“Acima de tudo, o setor educacional deve ser exemplo de conformidade legal e de ética, devendo demonstrar seu comprometimento com a segurança e a proteção dos dados” “A LGPD não está sozinha, é uma lei que se conecta com outras. É uma legislação relacionada a Direitos Humanos, indispensável, atual, e urgente. E veio para ficar.” lei como um projeto que precisa ter prazo, plano de atividades, envolvimento das áreas críticas (administrativo, pedagógico, TI, TE, jurídico, RH, Marketing, Cursos Livres, secretaria, centro acadêmico) e criar uma governança contínua. Deve-se ter atenção com transferência internacional de dados com entidades de ensino em outros países, assim como com uso de recursos de nuvem. A lei ainda é muito recente e está sujeita a futura regulamentação pela Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD). Por isso, é importante manter a continuidade do trabalho para que a instituição se mantenha atualizada, bem como aplicar os princípios da lei nas iniciativas de inovação que vierem a ocorrer. Que avaliação se pode fazer da adequação até o momento? Conforme dados de um levantamento da Associação Brasileira das Empresas de Software (Abes) em conjunto com a

consultoria Ernst & Young (EY), 60,3% das empresas brasileiras não estão em conformidade com as novas regras. No caso das instituições de ensino a percepção é a mesma, de que muitas estão atrasadas, ainda não possuem a documentação atualizada, não realizaram campanha educativa sobre a lei, nem definiram quem é o seu encarregado de dados (DPO, sigla da expressão em inglês Data Protection Officer), que é uma exigência do artigo 41 da LGPD. Como conduzir o processo de adequação? É importante que as instituições de ensino façam o inventário dos seus dados pessoais, com o mapeamento do fluxo dos dados e a revisão dos principais documentos relacionados ao tratamento dos dados pessoais (tais como contrato de prestação de serviços educacionais, Política de Privacidade, contrato de trabalho, termo de confidencialidade, contrato de parceria). Precisam também investir na proteção dos dados com soluções de segurança da informação. Por certo que terá um impacto financeiro inicial, pois há custo para ficar em conformidade com a lei, uma vez que será preciso fazer o diagnóstico da situação atual e posterior implementação das ações. Além disso, é muito importante o investimento em capacitação e sensibilização de seus profissionais, pois um vazamento de dados pessoais pode ocorrer até mesmo por uma conversa de WhatsApp. A LGPD exige a aplicação do princípio da minimização, e isso alcança até com quem a instituição compartilha dados. Teremos de passar por uma transformação nas práticas e costumes dos ambientes de ensino, que vai desde creches, escolas, universidades, mantenedoras sociais e/ou religiosas, até todos os fornecedores que atuam em conjunto com elas, como o transporte escolar, os responsáveis por passeios e excursões, o teatro, o museu, o cinema e ambientes que realizem atividades esportivas. Segue ›››

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››› Reportagem de capa Práticas comuns em instituições de ensino precisam ser revistas? Quais? As instituições de ensino terão de já implementar essa nova cultura desde o ponto de partida de coleta de dados, que ocorre no ato da matrícula e também uma análise minuciosa do cenário atual para traçar um plano de ação. As prioridades são adequar a recepção, que tem inclusive autenticação de visitantes, atualizar contrato de trabalho, contrato de prestação de serviços, contrato de ensino, política de privacidade que precisa estar no portal – pois, pela lei, os controladores devem manter pública a informação dos tipos de dados pessoais que são coletados, a sua forma de utilização, e os procedimentos para exercer os direitos dos titulares previsto no artigo 18 da LGPD. Nessa jornada, terá de rever processos de armazenamento das informações, desenhar logística para autorizações, deixar claras as políticas de uso dos dados (finalidades), para que tudo esteja disponível de maneira ágil

e inteligente no resgate, caso seja solicitado pelos pais e atenda a quaisquer exigências deles por alguma razão. A lei prevê ainda a obrigatoriedade da criação de uma função específica para cuidar desse gerenciamento e da aplicação das regras que promovam a conformidade com a LGPD, que é o DPO ou o encarregado de dados. Este é o profissional que irá assumir esse cargo na instituição.

PATRICIA PECK PINHEIRO Advogada, Doutora em Direito Internacional e especialista em direito digital, proteção de dados, propriedade intelectual e cibersegurança

“A lei prevê ainda a obrigatoriedade da criação de A LGPD entra em vigor ainda sem uma função específica para a criação da agência prevista para cuidar desse gerenciamento sua regulação. Essa legislação veio e da aplicação das regras que para ficar? promovam a conformidade Sim, com certeza. A LGPD não está sozinha, é uma lei que se conecta com com a LGPD, que é o DPO ou o outras, como com o Código de Defesa encarregado de dados” do Consumidor, o Estatuto da Criança e do Adolescente e o Marco Civil da Internet, que também estão vigentes. Logo, já é possível sofrer fiscalização e penalidades, inclusive por parte do Ministério Público. É possível haver impactos reputacionais, bem como a judicialização

PREOCUPADO EM ACOMPANHAR A EVOLUÇÃO DO ENSINO? VÁ NA CERTEZA SISTEMA ETAPA O Grupo Educacional Etapa se dedica 100% à educação há 50 anos. É líder em premiações em olimpíadas culturais e aprovações internacionais. Toda essa experiência pode ser levada para a sua escola por meio do Sistema Etapa.

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do tema, especialmente nas esferas trabalhistas e consumeristas. É uma legislação relacionada a Direitos Humanos, indispensável, atual e urgente. E veio para ficar.


Educação em Revista pergunta ›››

Dário Schneider Diretor Acadêmico do Colégio Anchieta. Tem MBA Gestão Educacional (FGV), é mestre (PUCRS) e doutorando em Educação (Unisinos). Membro do Comitê de Formação Continuada da Rede Jesuíta de Educação (RJE).

O Novo Ensino Médio e o ENEM: o que descontinuar, qualificar, inovar?

A

resposta a essas questões carece de uma introdução considerando três pontos. Primeiro, destacar os marcos legais para a implementação da Reforma do Ensino Médio, incluindo as diretrizes da Lei nº 13.415/2017, a Portaria nº 1.432/2018 e a Portaria nº 533 e nº 534/2020, que institui a Comissão de Assessoramento Técnico-Pedagógico para a Avaliação do Novo Ensino Médio da Diretoria de Avaliação da Educação Básica (DAEB) e a Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Segundo, apontar premissas para a escola como ponto de partida para a construção da proposta do Novo Ensino Médio. Terceiro, pensar diretrizes e inspirações para a organização do currículo e dos itinerários formativos. Para compreender os marcos legais, a coordenação, a equipe pedagógica e os professores passaram a estudar: Carga horária: a BNCC fará parte de 60% dos conteúdos estudados em aula. O restante ficará reservado para os itinerários formativos. Flexibilização e itinerários: o currículo do EM será composto pelas diretrizes da BNCC e por itinerários formativos, a serem organizados por meio da oferta de diferentes arranjos curriculares, facultando-se a composição de itinerários formativos integrados. Projeto de vida: o currículo do EM deverá considerar a formação integral do aluno, de maneira a adotar um trabalho voltado à construção de seu projeto de

vida e à sua formação nos aspectos físicos, cognitivos e socioemocionais. No contexto da Educação Básica, na construção do Novo Ensino Médio e nos desafios do ENEM, é preciso pensar em estratégias de gestão educacional, de metodologias híbridas, de conexão com novas habilidades e competências, a partir dos norteadores dos eixos estruturantes, dos itinerários formativos e da oferta das disciplinas eletivas. Para a construção dos referenciais e dos itinerários, a equipe pedagógica do Colégio Anchieta entende que é fundamental considerar premissas próprias da instituição, com destaque para as experiências da trajetória acadêmica do aluno; os vínculos com a universidade como a possibilidade de integração em linhas de pesquisa, componentes curriculares validados para curso de graduação como créditos (itinerários) e compartilhamento de recursos humanos e tecnológicos. Trata-se da possibilidade de construir um currículo personalizado, de acordo com um novo portfólio de projetos, de protagonismo e de formação complementar. Essa formação contempla a inclusão das atividades complementares, hoje existentes na matriz curricular, ou na oferta de currículo personalizado em uma busca da excelência da formação acadêmica atentando para o desempenho no ENEM e em vestibulares. A ideia é articular as áreas de conhecimento com as habilidades e competências gerais da BNCC e experiências formativas de voluntariado e inserção

sociocultural, de intercâmbio e de internacionalização, buscando a participação dos alunos em eventos externos relacionados à pesquisa, inovação e produção de novos conhecimentos. Estamos trabalhando na qualificação da escuta e da participação dos diferentes públicos que compõem a comunidade educativa para a melhoria permanente do currículo; na potencialização de projetos alinhados com o engajamento social; e no desenvolvimento de competências e habilidades necessárias às profissões do futuro. O desafio é conciliar a carga horária prevista para a BNCC e os itinerários, constituindo assim um percurso formativo de qualidade. Queremos um currículo com identidade plural – conhecimentos, habilidades e competências – possível de ser operacionalizado e vivido. Nosso esforço de gestão tem sido assim; como equipe, estamos estudando formas de alinhar normas legais e práticas pedagógicas diferenciadas, mergulhando em nosso fazer pedagógico à luz do discernimento, característica da Pedagogia Inaciana, avaliando o que deve ser descontinuado e não condiz mais, por melhor que já tenha sido. Pretende-se, com um olhar sistêmico, determinar o que vamos manter e qualificar em nosso projeto educativo e, com ousadia e coragem, inovar, criando soluções para os desafios que chegam. Tudo isso sem perder a nossa essência – excelência humana e acadêmica, vivendo o presente e preparando o futuro.

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››› Pedagógico

Oportunidade híbrida Retorno gradual das aulas presenciais, quando nem todos podem aprender fora de casa, abre caminho para modelos híbridos. Momento é de aproveitar uma adaptação de cultura mas, para isso, é preciso capacitar a equipe e adaptar as estruturas física e tecnológica. PEDRO PEREIRA

pedro@padrinhoconteudo.com

A

lvo de desconfiança por grande parte de alunos ou seus responsáveis, as atividades domiciliares viram o olhar desconfiado diminuir, à medida em que aulas foram oferecidas virtualmente durante a quarentena. O chamado “ensino remoto emergencial” foi implementado às pressas. “Se houve um aprendizado, foi muito mais atitudinal”, acredita o diretor do Grupo A e fellow pela Universidade de Harvard, Gustavo Hoffmann. Segundo ele, a quebra de resistência deve ser o grande legado da pandemia. Portanto, a perspectiva é positiva. É hora de as instituições de ensino aproveitarem o momento para mostrar o que, de fato, é o ensino não presencial – especialmente o híbrido. Só que, para isso, é preciso primeiro saber exatamente do que se trata. “As pessoas estão pensando qual seria o melhor modelo e falando em filmar aulas presenciais para expor. Não é isso”, alerta Hoffmann. O ensino híbrido preconiza que se use o momento presencial ou síncrono para algo que só possa ser feito de forma síncrona. A mera exposição do objeto de conhecimento deve ser des-

tinada ao restante do tempo, quando o aluno vai acessá-lo de acordo com sua necessidade e disponibilidade.

Retorno gradual impõe desafios A volta às aulas presenciais depois da quarentena imposta pelo coronavírus deve ser escalonada. Assim, as instituições de ensino precisam adotar estratégias que não comprometam a curva de aprendizagem daqueles que, porventura, não possam retornar às atividades presenciais. O ensino híbrido pode ser uma das alternativas para esses casos. O modelo prevê atividades mais individualizadas, respeitando o desenvolvimento de cada aluno. Foi concebido há mais de uma década focado em alunos com dificuldades, prevendo momentos especiais e extraclasse, com mentoria direcionada para

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recuperar objetos de conhecimento. Embora seja uma possível solução para alunos em contextos diferentes de retomada, não é um desenho que agrade a Hoffmann. “Esse conceito, na sua origem, na concepção, não vale para esse momento. Tem que ter um modelo para todo mundo. Deveríamos promover um modelo híbrido replicável com efetividade”, defende. Para a diretora da Tríade Educacional, Lilian Bacich, os momentos presenciais devem ser aproveitados para estimular o relacionamento interpessoal, enquanto o on-line é mantido para a entrega de conteúdos. “Neste momento de transição, o fio condutor continua sendo o on-line”, orienta.


Pedagógico ›››

Conceito da sala de aula invertida Praticamente um clássico do ensino híbrido, o conceito de sala de aula invertida segue sendo apontado como o modelo mais adequado também no período pós-pandemia. Ele está alicerçado sobre três pilares, a saber: O primeiro é que parte do processo ocorre de forma on-line, mas de uma maneira assíncrona. Ou seja: o aluno tem o conteúdo integralmente à disposição, acessa no momento que julgar conveniente e quantas vezes quiser, pelo tempo desejado. É ele quem controla o ritmo de aprendizagem. O segundo ponto é a parte presencial. Ela deve ser supervisionada por um professor e pode ocorrer na sala de aula, em

laboratórios específicos, visitações, etc. E o tripé é fechado com a necessidade de conexão entre os outros dois quesitos. “O que a sala de aula invertida faz é maravilhoso: oferta o conteúdo integral de uma disciplina ou projeto para que todos tenham acesso, cada um no seu próprio ritmo, 100% no ambiente virtual. E usa momentos presenciais para aplicar aquilo”, explica Hoffmann. Ele faz um exercício para ilustrar um cenário factível de volta às aulas presenciais: “Imagina que possa retomar com um terço dos alunos. Cada dia da semana um grupo diferente. E os alunos que estiverem em casa, o que vão fazer? Nada, ou vão assistir aula ao vivo. Faz muito mais sentido deixar o conteúdo disponível 100% do tempo, para que até a hora da aula ele tenha acessado o conteúdo e se preparado. Então, pode praticar no momento presencial com um terço da turma, com o professor tendo mais condições de aplicar, fazendo exercício, projeto, enfim, metodologia ativa”, exemplifica. A adaptação ao novo modelo deve, inclusive, se consolidar depois do período pós-pandemia. Segundo Hoffmann, muitas instituições de ensino superior já se manifestaram no sentido de não retomar mais o ensino 100% presencial. “Toda semana escuto isso de universidades no Brasil, México, Estados Unidos e Finlândia”, revela, citando

inclusive redução no número de campi. “Hibridizou. Alunos e professores estão dispostos a isso”, sentencia.

O papel do gestor no planejamento Aplicar modelos híbridos para aproveitar a quebra da desconfiança com a aprendizagem remota exige uma série de esforços por parte das instituições – e é neste ponto que os gestores precisam estar atentos. A primeira questão é definir claramente o desenho do que será implementado: quantas turmas, com quantos alunos, a porcentagem de atividades síncronas e assíncronas, como serão esses momentos, que componentes curriculares terão maior carga horária presencial, etc. Tanto atividades virtuais quanto presenciais exigem alto grau de planejamento. “Depende do que se vai fazer. Uma forma do aluno ter mais engajamento on-line de forma síncrona são plataformas adaptativas de aprendizagem, ferramentas com alto nível tecnológico, engenharia robusta. Ou opções para dividir uma sala de 40 alunos em 20 salas menores, ferramenta de votação para interação em tempo real... Muita coisa que não seja presencial envolve infraestrutura tecnológica também”, detalha Hoffmann. Cabe ao gestor de instituição de ensino criar um modelo que tenha embasamento científico de que funciona, como a sala de aula invertida com uso de metodologias ativas. Para começar, o ideal é convidar cerca de 10% a 15% do corpo docente para formação específica naqueles modelos de ensino, incentivando a aplicação logo em seguida. Segue ›››

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››› Pedagógico

“A formação precisa estar focada não em abandonar a teoria, mas ter viés prático. Discutir a teoria a partir da prática, e não o contrário. Isso vai fortalecendo o professor no uso de recursos. Não adianta entregar um monte de formação teórica se não ajudar a avançar”, alerta Lilian Bacich. Segundo ela, outro problema é quando as instituições não garantem a continuidade do projeto. O ideal é que inicialmente se conte com referências externas que deem sustentação ao projeto pedagógico, mas que aos poucos se torne uma cultura própria da casa. “Ninguém participa de uma formação e mantém tudo gravado pelo resto da vida. É preciso aplicar, refletir, aprimo-

rar, compartilhar com os pares o que funciona. Até que chega o momento em que não é mais preciso trazer especialistas de fora (para fazer a capacitação do corpo docente)”, acredita. Depois da preparação, é hora de avaliar minuciosamente o resultado: definir indicadores e métricas para tudo e comparar resultados em diferentes grupos. “Gestão é isso: colocar indicador e aprimorar. Então começa a gerar casuística para mostrar que funciona. Índices como aprovação, evasão, satisfação, aprendizagem, taxa de reprovação, de aprovação em exames. São macroindicadores que, quando divulgados, apontam que se está no caminho”, aconselha. 

GUSTAVO HOFFMAMM Diretor do Grupo A e fellow pela Universidade de Harvard

“O que a sala de aula invertida faz é maravilhoso: oferta o conteúdo 100% no ambiente virtual e usa momentos presenciais para aplicar aquilo” LILIAN BACICH Diretora da Tríade Educacional e doutora em Educação

“A formação precisa estar focada não em abandonar a teoria, mas ter viés prático. Discutir a teoria a partir da prática, e não o contrário”

Entenda em quatro passos como formatar um projeto de ensino híbrido: Definição do desenho

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Sala de aula Que tipos de atividades presenciais serão propostas em sala de aula. A exposição não faz muito sentido no modelo híbrido. A indicação é aplicar metodologias ativas.

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Porcentagem de aulas on-line e presenciais e como elas serão desenvolvidas.

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Quais serão separados para estarem disponíveis o tempo todo de forma virtual, acessíveis a qualquer momento.

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Conteúdos

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Atividades Definir se haverá atividades síncronas no ambiente virtual e, em caso positivo, como serão aplicadas.


FOTO EDUARDO ERTHAL

Pedagógico na prática ›››

Pesquisas junto às famílias apontam que muitos estudantes se familiarizaram com atividades remotas a um ponto de não quererem voltar para a rotina presencial, o que impactará planos de estudo

A

quarentena teve o efeito de quebrar a resistência de boa parte dos alunos e familiares em relação a atividades remotas. Algumas instituições relatam, inclusive, que muitos nem gostariam de retomar as atividades presenciais. “Os alunos do Ensino Médio consideram melhor o conforto e a segurança de estar em casa, mas não há resistência quanto ao modelo híbrido porque acredito que estamos usando as ferramentas certas”, conta a vice-diretora do Ensino Fundamental, Médio e Técnico da Sociedade Educacional Três de Maio (Setrem), Ana Cláudia Leite. A instituição optou pela utilização de chromebooks (notebooks para execução de tarefas simples de forma rápida, que rodam na nuvem), considerando que possuem boa qualidade de captação de som e imagem. Os professores estavam em atividades re-

motas e voltaram três semanas antes dos alunos para participar de treinamentos tanto técnicos quanto sanitários. “Com o início das atividades presenciais, vamos continuar o aprimoramento”, explica. O retorno das atividades da Setrem é gradual, seguindo todas as normas estabelecidas pelo governo do Estado. Para coordenar a retomada foi criado o Centro de Operações de Emergência em Saúde para a Educação (COE-E Local), responsável pelo Plano de Ação Pedagógico para o retorno às atividades escolares, além das questões sanitárias. No Colégio Anchieta, de Porto Alegre, não foi diferente. Em pesquisa respondida por mais de 2,3 mil alunos e responsáveis, boa parte se mostrou disposta a permanecer em casa. No Ensino Fundamental II e no Ensino Médio ficou praticamente empatado: 51% preferiram o presencial, enquanto o restante optou

COLÉGIO ANCHIETA, DIVU

Estudantes escolhem o formato de estudo

LGAÇÃO

››› Na Setrem, de Três de Maio, professores utilizam notebooks chromebooks

››› Em algumas turmas do Anchieta,

metade optou pela atividade presencial

pela manutenção da quarentena. “Mantivemos reuniões com representantes de turma, que traziam as expectativas e opiniões dos colegas. Percebemos que há envolvimento em relação à aprendizagem porque durante as aulas virtuais eles faziam anotações, mapas mentais e traziam sugestões que aperfeiçoavam o processo”, detalha a coordenadora do serviço de orientação pedagógica do colégio, Dóris Trentini. Durante a retomada, as aulas do Colégio Anchieta serão filmadas e transmitidas em tempo real para os alunos que optarem por permanecer em casa – eles poderão interagir por meio de um chat. Os professores receberam treinamento e fizeram adaptações nas aulas para contemplar as duas audiências.

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››› Gestão

O desafio de manter os pais engajados O distanciamento obrigou as famílias a se dedicar mais à educação dos filhos e a tomar as rédeas de aspectos que eram exclusivos dos professores. Mas como manter essa relação de forma duradoura? TATIANA PY DUTRA

tatianapydutra@padrinhoconteudo.com

A

rotina corrida, o trabalho exigente, o trânsito insano e outros motivos podem levar pais e responsáveis a terem dificuldades para uma presença efetiva na vida escolar dos filhos. Com a pandemia, porém, essa realidade mudou. Com boa parte dos trabalhadores atuando em home office, foi impossível não aumentar o envolvimento com a rotina escolar e com a própria escola nos últimos meses.

FOTO DEPOSITPHOTOS

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Se a suspensão do “normal” colaborou, a conexão dos pais é, em grande parte, resultado do empenho das instituições de ensino em não perder esse vínculo. No Colégio Israelita Brasileiro, de Porto Alegre, esse trabalho já era bastante desenvolvido muito antes de ouvirmos falar do coronavírus. “A nossa proposta já evoca a participação dos pais, no sentido de desenvolver em conjunto um olhar sobre o aprendizado da criança. Durante a pandemia, nosso trabalho foi o de acessar as famílias para ver as evidências de resultado e fazer a projeção de trabalhos futuros. E os pais têm acesso a esse percurso de aprendizagem. Documentamos e compartilhamos com as famílias pelas vias digitais”, conta a coordenadora pedagógica da escola de cerca de 900 alunos, Marcia Terres. Já no Colégio Divino Coração, de Alegrete, a comunidade formada pelos responsáveis por seus 370 alunos manteve-se compacta graças ao esforço do Centro Integrado Pedagógico da escola. “O diálogo tem sido a ferramenta para manter os pais com alto engajamento na educação dos filhos. A equipe pedagógica intermedeia as necessidades dos professores em relação aos déficits dos alunos e colabora com a família na acessibilidade para dispor de meios que facilitem o acesso aos conteúdos e às didáticas apresentadas”, conta a orientadora educa-


Gestão ››› cional Adriana Lunkes. A profissional aponta também que a escola compartilha as conquistas do movimento da educação, no intuito de motivar e promover a autoestima coletiva. As plataformas e mídias digitais se tornaram “espaço de convivência” entre a escola e os pais, na intenção de que pudessem vivenciar a prática de ensino e auxiliar no gerenciamento do tempo e na organização do espaço dos alunos em casa. “Para sucesso na aprendizagem, vimos uma maior contribuição, um comprometimento que envolveu solidariedade e afeto, rigorosidade e compreensão, com cada qual desvelando e superando limites”, valoriza a professora. À época da produção desta reportagem, Alegrete, como outras cidades do Estado, já avistava a possibilidade de um retorno das aulas presenciais. Mas será que uma nova mudança na rotina seria um risco ao engajamento das famílias? “Pelo retorno dado ao colégio pelas famílias em reuniões on-line realizadas com a equipe gestora e o grupo de professores, se prospecta que o envolvimento permaneça, como hábito da família de se fazer presente e parceira na trajetória escolar dos filhos”, projeta Adriana. Professora do curso de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e presidente da Sociedade Brasileira de Neuropsicologia (SBN), Rochele Paz Fonseca observa que foi muito difícil para pais e

responsáveis se adaptarem à nova rotina de estudo das crianças e, mesmo, de entender como se dá o processo de aprendizado. Mas nem sempre isso se desenrolou da mesma forma.

Comportamento: três tipos de pais Desta forma, ela apresenta três “categorias” sobre o comportamento dos pais no retorno às aulas presenciais, de acordo com a qualidade de suas experiências pessoais com a educação nos últimos meses. O primeiro (e menor) será formado pelos pais que se descobriram realizados ajudando seus filhos nas atividades escolares. “Esses vão continuar participando e sendo inspiradores para formar e consolidar hábitos de estudo nos filhos. Eles vão adorar ajudar nas iniciativas da escola”, diz Rochele. Outro cluster, intermediário, será formado por pais que vão ressignificar e revalorizar o papel da instituição e do professor. “Esse pai vai ser mais colaborativo, vai se envolver com a comunidade escolar e com alguns detalhes da es-

colarização de seus filhos”, diz. A maioria dos pais porém, integrará o terceiro grupo: aqueles que não se habituaram a participar da rotina escolar dos filhos e preferem que tudo volte como antes. “Eles vão deixar que a escola dê conta disso sozinha. Não que seja muito ruim estimular a autonomia do filho se ele estiver bem nos estudos. Mas, se ele estiver mal, esse pai vai contratar um professor particular. Em relação à escola, vão se acomodar no hábito antigo. Serão a maioria”, projeta Rochele.

Segue ›››

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››› Gestão

Comunicação é prioridade Conforme os especialistas, a educação deve ser percebida pelas crianças e jovens como um valor familiar, e a conexão da família com a instituição de ensino reforça a ideia de segurança. Como as escolas já conseguiram sintonizar com os pais por meio dos canais virtuais, esse engajamento precisa continuar no retorno às aulas presenciais. “Estamos num momento único, em que a segurança das pessoas precisa estar priorizada. E as escolas, por mais que possam estar prontas para receber os alunos, com todos os protocolos disponíveis, precisam se comunicar, deixar claro o que estão fazendo para apoiar e instruir não só pais e alunos, mas também quem está no seu entorno”, diz o consultor em gestão escolar, Christian Coelho, CEO do Grupo Rabbit. Para Rochele Fonseca, a escola tem de proporcionar uma espécie de formação para os pais quando do retorno às atividades presenciais. Isso porque será preciso conscientizá-los de que são corresponsáveis pela segurança sanitária dos filhos e que um comportamento negligente eleva o risco de nova suspensão das aulas e retorno ao ensino remoto. “É preciso relembrar esses valores morais de corresponsabilidade. A educação dos filhos é mediada pela instituição escolar, mas tem como coautores os pais de cada criança e de cada adolescente. Muitas escolas podem, até, usar um termo de consentimento informando de que eles vão se responsabilizar pela higiene dos filhos, pela troca de roupa, pela adesão às diretrizes e orientações escolares e se comprometer a informar sobre casos suspeitos dentro da família ou próximos”, sugere. Cristian Coelho vai além: defende que, por seu papel social, a escola deva comunicar a comunidade sobre seus cuidados sanitários, com cartazes e fôlderes, por exemplo. “O funcionamento da escola envolve

5 caminhos para uma boa parceria Algumas sugestões para estimular os pais a seguirem engajados com a escola: 1 – Siga trocando mensagens l Se os pais já se acostumaram a conversar com a escola por WhatsApp, Telegram ou outras formas de trocar mensagens, mantenha-os. Esses canais são úteis para o envio de convocações ou para que eles tirem dúvidas. Mas atenção: as dúvidas dos pais devem ser respondidas com presteza e disposição ao diálogo. 2 – Abra novos canais l Crie grupos de discussão para que pais, professores e alunos possam dividir preocupações e participar da criação de estratégias. Esses fóruns devem ser regidos por princípios de igualdade e cooperação para acolhimento de sugestões. A ideia é que haja aprendizado e convivência comunitária. 3 - Segmente e personalize l A escola deve monitorar as principais dúvidas e anseios da comunidade escolar para

o de outros estabelecimentos ao seu redor. Apresentar seu protocolo a vizinhos residenciais e comerciais certamente dará a real percepção de cuidado e de segurança que estão sendo investidos para todos”, diz o consultor. Nunca será excessivo cultivar os vínculos com as famílias dos alunos mas, nesse momento grave, as orientações da escola podem ser vitais para a saúde

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poder comunicar de forma personalizada. Quanto mais direcionado o conteúdo, maior será a relevância para os pais. Um questionário on-line pode ajudar a estabelecer os segmentos prioritários para a comunicação dirigida. 4 – Esclareça l Orientar alunos e familiares sobre os protocolos sanitários a serem adotados no retorno das aulas presenciais é fundamental. Além disso, é preciso orientar sobre cuidados nas casas e nos deslocamentos. 5 – Amigo da comunidade l A escola pode assumir seu protagonismo social expandindo os esclarecimentos sobre as regras contra a Covid-19 para a comunidade. Apresentar seu protocolo a vizinhos residenciais e comerciais certamente dará a real percepção de cuidado e de segurança que estão sendo investidos para todos.

física e psicológica das crianças. “Os pais têm de estar conscientes de que os prejuízos cognitivos das crianças são maiores com o isolamento. São seis, sete meses com aulas virtuais, com menor interação social. É importante manter as escolas abertas. Então, a mensagem tem que ser: ‘Pais, aproveitem esse momento para serem parceiros da escolas de seus filhos’”, finaliza Rochele. 


Dentro de casa, mas com ambiente escolar Colégio Êxito, de Alvorada, usa atendimentos por telefone, presencial e WhatsApp; esse trabalho motivou uma mãe a optar por uma integração maior com a educação do filho

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iretora do Colégio Êxito, de Alvorada, Angélica Souza da Silva não tem dúvidas de que o envolvimento dos pais com a escola se manterá no pós-pandemia. Segundo ela, a interação com a escola e o interesse pela educação dos cerca de 670 alunos está em alta. “Conversamos via WhatsApp, fazemos atendimento por telefone e de forma presencial, já que se sentem seguros em vir. A escola envia os comunicados, os avisos, e os pais conseguem retornar tudo isso. E vai continuar”, diz a diretora. Um exemplo de integração da fa-

mília com a escola é a do Pedro, 13 anos, aluno do 8ª ano. A mãe, Adriana Seelig de Fraga, disse que sempre teve um perfil participativo, mas que deverá se integrar mais ainda na volta às aulas. O motivo: admiração pelo trabalho da equipe. “Eu vi todo o empenho deles. O Pedro nunca ficou um dia sem escola. O professor de Educação Física dá aulas práticas on-line, com agachamento, polichinelo, e pede lições de casa por vídeo. O apartamento é pequeno, então, a gente afasta os móveis pra ele praticar. Teve outra atividade, os alunos tinham de ler um texto para uma pessoa da família e ainda dar um retorno da atividade com áudio, com a participação do familiar que ouviu. A escola envolve a família. Em outras, não é assim”, elogia Adriana. Se por um lado a mãe sente que está bastante presente na vida escolar do filho, por outro diagnostica um amadurecimento por parte do adolescente em relação aos estudos. “O Pedro ficou mais autônomo. Quando ele ia para a escola, eu fazia coisas como o calendário de provas para ele. Agora não. Com o uso da in-

ARQUIVO PESSOAL

Gestão na prática ›››

››› Na avaliação da mãe , Pedro

está mais organizado e participativo

ternet, eles tiram de letra. Percebo que ele está mais organizado, participativo nas aulas e com muita saudade da escola”, elogia. 

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››› Inovação FOTOS REPRODUÇÃO

››› Para o professor Leonardo de Boita, é preciso conhecer ferramentas para compartilhar a criação com o aluno

Professor do futuro: (ainda) mais humano Docentes e especialistas falam das qualidades esperadas dos profissionais do pós-pandemia na relação em sala de aula (virtual ou presencial) TATIANA PY DUTRA

tatianapydutra@padrinhoconteudo.com

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ma das imagens sobre educação que mais povoa o imaginário coletivo é a de um professor com giz na mão, entre um quadro negro e uma turma em silêncio. A pandemia de coronavírus chegou e reforçou a ideia de que as competências exigidas se multiplicaram, e nem se discute se habilidades digitais serão desejáveis para o profissional do futuro. Já são. “A mudança, que estava sendo paulatina, avançou 10 anos em 2020. Meses atrás, os professores proibiam celu-

lar em sala de aula; hoje, é obrigatório pensar em como usá-lo nas atividades educacionais”, comenta o doutor Ricardo Fragelli, professor e pesquisador de Design Educacional na Universidade de Brasília (UnB). Ainda que as escolas tenham investido muito em aparato tecnológico para viabilizar o ensino multiplataforma, é errado pensar que a inovação no setor está centrada em hardware e software. O profissional ambicionado será aquele que transitar melhor pelas metodologias disponíveis para atingir seu propósito, com computador ou sem. “O professor deve usar diferentes recursos, estar conectado com as coisas

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que acontecem no mundo e provocar o aluno abordando determinados conceitos com muita criatividade”, afirma a diretora pedagógica do Colégio Farroupilha, Marícia Ferri. Por que a gente chora cortando cebolas? Foi pensando em tornar mais lúdicas explicações como essas que o professor de Química Leonardo de Boita, dos colégios Farroupilha e Santa Inês, preparou uma aula compartilhada com um colega da Geografia. De Boita ensinou os alunos a fazer macarronada enquanto falava sobre a ciência envolvida no cozimento; já seu colega discorreu sobre características da Itália. Foi cada um transmitindo de sua casa, em aula assistida por 250 alunos on-line. “Tivemos 100% dos alunos participando. A gente já fez aulão no auditório, mas descobriu que pode estar em casa e fazer isso. É algo novo. Quando você fala em professor inovador, todo mundo pensa que é o que usa o computador. Mas ser inovador é usar um recurso de forma diferente”, avalia De Boita. O professor acredita que boas ideias não precisam estar, necessariamente, ligadas à tecnologia.


Inovação ››› “Quando os professores começaram a usar retroprojetor, era algo incrível. Alguns utilizavam lâminas criativas, com desenhos, e outros só texto. A tecnologia é um caminho sem volta. É aplicativo, é celular, tablet. Temos que conhecer a linguagem e as ferramentas a ponto de sugerir a criação de um podcast e deixar que o aluno sugira, seja co-criador, estimulando sua autonomia”, diz.

Estreitando a comunicação Júnior Frezza é professor do Colégio Marista Rosário, de Porto Alegre. Veterano das aulas em vídeo, ele introduziu a gamificação como recurso para o ensino da disciplina. Ainda assim, não crê que ela seja válida se os fins pedagógicos não forem claros e se faltar interação. “O aluno busca alguém que solucione seus problemas. Ele sempre vai ter dúvidas, e é preciso haver um canal para respondê-las, manter contato. Um professor trabalhando com vídeoaula ao vivo também terá de buscar a proximidade. Nos vídeos, busco falar com a câmera, fazer perguntas, como se o aluno estivesse ali”, diz. Como o perfil do professor do futuro parece mais humanizado e próximo do estudante, competências socioemocionais e de comunicação interpessoal são essenciais. “Todas as profissões que são muito repetitivas ou que dependem de repetições serão substituídas por inteligência artificial. Não serão as que exigem criatividade, as que fogem do previsível. Por isso, o professor do futuro tem de ser empático, ser ponte para que o grupo aprenda sobre si e o mundo”, defende Fragelli. O pesquisador dá como exemplo o caso de uma aluna que tinha “brancos” nas provas. Praticando escuta ativa, descobriu-se que era filha de um pai

››› De Boita e o colega Rodrigo

Bennett fizeram aula juntos

alcoólatra, e que vivia em problema de subserviência. “Na prova, ela também se sente em posição de vigília e vem o ‘branco’. Algum professor diria: ‘O problema não é meu’. É, sim. É nosso papel perceber a sutileza imprevista das situações. Como formar um aluno protagonista sem se preocupar com ele?”, questiona. Para Fragelli, por mais que pareçam sobre-humanas, o professor do futuro precisa cultivar qualidades, sobretudo, humanas: segundo ele, um professor que cuide de cada um dos estudantes não de forma percentual, mas como uma história de vida, que ensine um caminho para a vida por meio de sua disciplina, é o que deve surgir nos próximos anos. Esse profissional criativo, líder, empático e cheio de habilidades não nasce pronto – e a escola precisa assumir seu papel nessa formação. No Colégio Farroupilha, a Escola dos Professores Inquietos tem a proposta de criar um ambiente contínuo de formação e de inspiração inovadora para profissionais de educação da escola e de outras instituições também. “Nós, como gestores, precisamos abrir esse espaço para formação. As escolas precisam desenvolver os perfis de professores com iniciativas de formação e de compartilhamento de práticas”, afirma Marícia.

O que os especialistas recomendam MARÍCIA FERRI Diretora pedagógica do Colégio Farroupilha

“As escolas precisam desenvolver os perfis de professores com iniciativas de formação e de compartilhamento de práticas” RICARDO FRAGELLI Pesquisador de Design Educacional na Universidade de Brasília (UnB)

“O professor do futuro tem de ser empático, ser ponte para que o grupo aprenda sobre si e sobre o mundo” JÚNIOR FREZZA Professor do Colégio Rosário

“O aluno busca alguém que solucione seus problemas. Ele sempre vai ter dúvidas, e é preciso haver um canal para respondê-las, manter contato” LEONARDO DE BOITA Professor de Química dos colégios Farroupilha e Santa Inês

“Quando você fala em professor inovador, todo mundo pensa que é o que usa o computador. Mas ser inovador é usar um recurso de forma diferente”

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››› Pesquisa

Fernando Degrandis

Vice-diretor educacional do Colégio Marista Ipanema, de Porto Alegre, e educador maker no AuLab Consultoria. Doutor em teologia pela Faculdades EST. E-mail: fernando.degrandis@gmail.com

A pedagogia da manutenção em tempos de mudança Resumo

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contexto influencia diretamente o cotidiano pedagógico. No texto pretende-se problematizar a importância de que as aprendizagens, de estudantes e de educadores, sejam dinâmicas, considerando as características do “Mundo Vuca”, o que pode ser ainda mais evidenciado no contexto de pandemia da Covid-19. Reportagens e estudos sobre o tema, bem como a pesquisa de doutorado do autor, servem de base para o artigo. Nessa perspectiva, destaca-se que tanto para estudantes, quanto para educadores, as aprendizagens que dialogam com a realidade tornam-se mais significativas e são evidenciadas em resultados avaliativos e de pesquisa. Palavras chave: Mundo Vuca. Ressignificação. Formação docente.

A realidade social e, mais especificamente, a educacional foi rapidamente impactada e precisou se reinventar com a pandemia da Covid-19. Por que, mesmo com a situação imposta pelo coronavírus, não mantivemos nossos planejamento educacional e o planejamento das aulas como estavam previstas? A resposta desta questão parece bastante óbvia:

a forma como pudemos nos relacionar, manter contato, cuidar de nossa saúde física e emocional, modificou. Outros aspectos se alteraram, como a renda das famílias, as possibilidades de transporte e comércio e exigências legais que se adequaram a estas dimensões e que também impactaram nosso cotidiano. A questão é que, antes da pandemia muitas instituições de ensino tinham a tendência de manter eventos, calendários e até mesmo seu planejamento pedagógico, ano após ano, fazendo pequenas alterações. Será que as mudanças de antes eram tão pequenas? Será que não temos por prática atualizar nosso fazer educativo? Estas e outras perguntas relativas ao cotidiano da escola, especialmente no que tange à significação da práxis pedagógica são pauta deste texto, que tem por objetivo apresentar estudos acerca de planejamentos educacionais com êxito. Como metodologia, é utilizada a análise de referências sobre o tema e a problematização do autor.

Tudo flui? Os contextos mudam. Além de considerar aquela máxima da filosofia de Heráclito de que as pessoas mudam a cada instante, também vivemos em uma sociedade regida pelo “Mundo

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Vuca” (sigla em inglês para volátil, incerto, complexo e ambíguo). A “volatilidade”, por exemplo, tem a ver com a rapidez com que as coisas mudam, o que faz com que seja muito difícil prever cenários de negócios. Por isso, é preciso que as empresas tenham processos de desenvolvimento de produtos, produção e distribuição que sejam extremamente flexíveis, para que possam ser rapidamente reconfigurados, caso seja necessário. (PICCHI, 2020).

Além de considerar os aspectos “Vuca” na dimensão social, vale destacar ainda que em nossas escolas e lares convivemos com a geração millennials. Ávidos por conexões, hiperlinks e novidades, estas crianças e adolescentes vivem e precisam da agilidade em seu cotidiano. Ou seja, Heráclito nunca esteve tão atual: tudo flui! O termo “pedagogia da manutenção” aparece ao longo da minha tese de doutoramento, ao apresentar a pedagogia da invenção e da produção de saberes (Cf. DEGRANDIS, 2018, p. 77.) e, ao pensar o contrário destas, chego em algo que sempre se repete, sem sentido. A questão, vejam bem, não está em permanecer. Está em seguir com sentido. Se há um motivo para repetirmos práticas, ou ressignificá-las, aí há algo essencial para a ação educativa: o


Pesquisa ››› diálogo do currículo com os sujeitos da escola. Vale destacar que currículo vai além do que está registrado nos livros didáticos, ou nas tarefas diárias, e se relaciona também a como gestamos a escola, e garantimos a formação continuada, e até mesmo nos portamos em relação a demandas sociais, por exemplo. “[...] O currículo formal e o efetivamente praticado são dimensões ou diferentes faces do mesmo fenômeno: o currículo escolar em sua relação com a realidade sociopolítica, econômica e cultural mais ampla”. (CARVALHO, 2005, p. 97.) A pedagogia da manutenção ocorre quando se repetem planejamentos e ações, tanto em sala de aula, como no todo da escola, que já perderam sentido e seguem apenas com a justificativa do “sempre foi assim”. Por outro lado, a realidade não é a mesma. Desta maneira, superar uma pedagogia da manutenção é necessário aos professores e aos demais educadores da comunidade. Se millennials, Vuca, pandemias, tecnologias ou exigências do mercado modificam-se a cada instante e impactam mudanças em nossa conjuntura, seja local ou global, não podemos dizer que a realidade é a mesma da geração passada, nem mesmo podemos afirmar que é a mesma de poucos dias atrás. Como encontrar o ponto de equilíbrio entre atualizar-se e estagnar-se na educação? Na minha tese constam os dados da pesquisa realizada ao longo de três anos com estudantes, gestores e professores de Ensino Médio de duas escolas particulares do Rio Grande do Sul, que tinha por objetivo investigar se existia relação entre as aprendizagens que os documentos institucionais da rede de ensino apontavam como essenciais e aquilo que os estudantes afirmavam ter aprendido na escola. Nas duas escolas da mesma rede de ensino foi identificada a coerência nestas aprendizagens, nas quais fo-

ram valorizados saberes acadêmicos, morais, políticos e sociais. Ao responderem “como” eles mais aprendiam, os estudantes apontaram com destaque que as vivências práticas eram aquelas que mais ajudavam, como contextualização de conteúdos, pesquisas e aulas problematizadoras. Esta é uma forma de ressignificar-se constantemente: o contexto, das pessoas e da sociedade, é pauta das aulas, seja ele trazido pelo docente ou pelo discente. Recordando que no enfrentamento de situações concretas, a educação integral ganha espaço, superando o academicismo de outrora, já que é necessário posicionar-se frente aos outros, defender pontos de vista, pesquisar e falar de sentimentos. Nota-se que o conteúdo está presente. Ele não é e nem pode ser esquecido. Contudo, adquire uma outra função: ele não é mais o fim da educação, mas meio. Utiliza-se dos conteúdos para desenvolver habilidades. Tal compreensão pode ser acompanhada no documento da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), ou também em outros sistemas de ensino ou bibliografias mundo afora. E este desenvolvimento só é possível a partir de um contexto. Outro aspecto relevante é que nessa nova dinâmica de ensinar e de aprender o professor assume a função de mediador. Ele está apropriado do planejamento, mas convida, desafia e problematiza os discentes a construírem os saberes. Há um papel mais ativo dos estudantes e de outros sujeitos da escola, como educadores de outros setores, que deixam de ser “só” apoio, para se tornarem parte importante dos processos de ensino e de aprendizagem. Esta percepção também pode ser identificada na referida tese. Na pergunta sobre “com quem” mais aprendem, os estudantes indicaram elementos que corroboram com esta compreensão, de sujeitos mais ativos na aprendizagem, a partir de dois aspectos. O primeiro deles é de que

identificam um conjunto diferente de pessoas, de diversas funções, como pessoas com quem aprendem: seus professores, colegas de aula, educadores do diversos setores e famílias. Ou seja, o professor tem um papel importante sim, mas não só ele. A escola é uma comunidade de pessoas que aprendem e ensinam. O segundo, é que adquiriu evidência um conjunto de sujeitos específicos: os professores dinâmicos. Os estudantes participantes da pesquisa fizeram questão de evidenciar que aprendem com os professores dê um modo geral; mas que há um perfil de docente com quem aprendem mais, o dinâmico. O professor dinâmico é aquele que oportuniza a relação dos conteúdos com o cotidiano; que ultrapassa a perspectiva acadêmica e pauta as demais dimensões humanas; que medeia situações para que os próprios estudantes possam resolver problemas, ou trocar entre si. Interessante que em ambas escolas pesquisadas apareceram tais aspectos. Em se tratando de case de desenvolvimento da aprendizagem em escolas públicas com notoriedade nacional, pode-se citar o Estado do Ceará, quanto ao avanço dos resultados acadêmicos nos últimos anos no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). “[...] todas as cidades passaram a receber investimento financeiro e técnico para a gestão municipal, avaliação, formação de professores, aquisição e uso de material didático estruturado e apoio pedagógico”. (PAIVA, 2018) No caso cearense há um investimento na realidade local: o que esta escola precisa? Que formação estes professores necessitam? Como esta gestão precisa avançar? Ou seja, não só a atuação docente precisa ser contextualizada, mas toda a atuação de gestão, seja dos recursos, da formação continuada e das metas para avançar. Segue ›››

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››› Pesquisa Ainda, pode-se destacar uma característica fundamental: a formação docente. Não se descarta a importância da titulação acadêmica dos professores. No entanto, o sucesso está vinculado à capacitação continuada e que ocorre, especialmente, na escola. A formação docente que acontece in loco possibilita que a teoria ou a pesquisa que está sendo abordada possa ter vinculação com a atuação concreta. É esta relação que tanto enriquece os debates, bem como redimensiona a prática. Neste aspecto, se a formação é continuada e impacta a ação pedagógica, a práxis educativa é realizada com sentido, não deixando espaço para a pedagogia da manutenção. Muitas novidades têm surgido nas áreas de materiais didáticos e de apoio, nas tecnologias da educação e mobiliário educacional. Pode-se citar um conjunto interessante de metodologias ativas que tem adquirido visibilidade. De forma isolada cada um destes itens possui seu valor. Pela visibilidade do momento e pelo valor de cada produto, serviço ou metodologia de forma isolada, vale adquirir tudo que o orçamento comporta? Estudos apontam que não é dinheiro que falta para melhorar a educação. Falta um objetivo comum, uma diretriz, um esforço sistêmico, um método que possibilite estabelecer metas, planejar as estratégias, acompanhar e intervir para se ter certeza do resultado. (MURICI e CHAVES, 2013, p. 14.)

Pode-se ainda complementar a citação das autoras dizendo que este objetivo precisa dialogar com o momento e a realidade da escola. Caso contrário, tecnologias digitais de ponta, por exemplo, na mão de professores em uma escola com metodologias tradicionais, estarão a serviço de metodologias tradicionais e pouco terão impacto nas aprendiza-

gens. É preciso perguntar-se sobre o que queremos. O como é o segundo passo do planejamento. E aí volta-se a pergunta do que vem primeiro, quais as prioridades da escola e da realidade.

A sociedade se altera A realidade é outra. A escola muda. As pessoas se modificam. Não se sabe se em algum momento já foi válido um planejamento de ano letivo ou planejamento estratégico que fosse estanque. Mais do que nunca é tempo de sermos dinâmicos: as pessoas, os processos e os planejamentos! A pedagogia da manutenção, mais do que nunca, não faz mais sentido. Ao mesmo tempo, cabe lembrar que não estamos em um “vale tudo”. Assim, recordar e manter-se fiel aos valores e à missão institucional é fundamental. “A gestão começa pelos valores e se sustenta neles” (MURICI e CHAVES, 2013, p. 27). Os valores e a missão permitem que nos mantenhamos com nossa identidade, mesmo que alterações e adaptações sejam realizadas. A comunidade escolar pode manter o diálogo constante com a realidade das pessoas e da sociedade em geral, com metodologias de sala de aula que proporcionem esta aproximação, com a formação continuada de educadores e planejamentos dinâmicos. A formação continuada de educadores alinhada com o objetivo da instituição é uma forma assertiva de manter-se conectado com a realidade, sem impactos bruscos. Se constantemente a escola aproxima-se de discussões, metodologias que facilitem a aprendizagem das novas gerações e dialoga com os anseios de estudantes, educadores e família, não haverá um momento brusco de ruptura. Haverá uma cultura de escola

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inovadora e que valoriza seus sujeitos, cotidianamente. Também, mantem a coerência. Pois aprendizagem contextualizada e atualização constante não se destinam exclusiva ou unilateralmente aos estudantes. Só uma escola com a cultura de formação continuada, com educadores que se desafiem a responder os novos problemas com novas formas, darão testemunha e educarão pelo exemplo. Ou seja, há dois desafios importantes: alinhar como a escola irá se adaptar à realidade, mantendo a sintonia com a missão da instituição; e entender a realidade, e ir dialogando com ela. Sabe quem pode te ajudar a entender bem os impactos das mudanças no seu cotidiano? Os próprios educadores e estudantes! Abra espaço de escuta e construção coletiva. Há muitas dinâmicas e técnicas que possibilitam isso, em sala de aula e na gestão. Só não assuma um recorte de realidade como se fosse uma única leitura e permaneça com ela. Porque a realidade muda. E muda rápido.  REFERÊNCIAS: CARVALHO, Janete M. Pensando o currículo escolar a partir do outro que está em mim. In: FERRAÇO, Carlos Eduardo. Cotidiano escolar, formação de professores(as) e currículo. São Paulo: Cortez, 2005. DEGRANDIS, Fernando. O que se aprende e o que se ensina: análise metodológica e epistemológica do processo de gestão em colégio marista. Tese (Teologia) - Faculdades EST. São Leopoldo, 2018. MURICI e CHAVES. Gestão para resultados na educação. Nova Lima: Falconi, 2013. PAIVA, Thaís. O salto da educação cearense. Disponível em: <http://www.cartaeducacao. com.br/reportagens/o-salto-da-educacaocearense/>. Acesso em: 7 de agosto de 2018. PICCHI, Flávio. Entenda como a gestão lean pode ajudar sua empresa a enfrentar o “mundo VUCA”. Disponível em; < https:// epocanegocios.globo.com/colunas/Enxuga-Ai/ noticia/2020/05/entenda-como-gestao-leanpode-ajudar-sua-empresa-enfrentar-o-mundovuca.html>. Acesso em 16/07/2020.


Em destaque››› FOTOS DEPOSITPHOTOS

DSOP Educação Financeira

MFO Jurídico forte na retaguarda

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ano de 2020 mostrou-se desafiador para o setor educacional, exigindo adaptação imediata. A MFO Advogados tem atuado fortemente na assessoria às instituições de ensino, auxiliando na resolução de demandas jurídicas cotidianas: questões trabalhistas; intermediação de conflitos da comunidade escolar; adequação de contratos; gestão da inadimplência; capacitação e implementação de adequação à Lei Geral de Proteção de Dados; e atuações administrativas nos órgãos de fiscalização. Como advogados e parceiros de educandários, coube-nos lidar com cenários e projeções, prevenir, assessorar e orientar sobre como lidar, a distância, com alunos e responsáveis. Além de acompanhar a preparação da infraestrutura tecnológica, de recursos humanos e física para encarar o desafio, a reorganização dos contratos de trabalho, os cuidados com os profissionais do grupo de risco, as contratações emergenciais e a discussão sobre pagamento das anuidades. A MFO esteve, também, junto com o Sinepe/RS na construção da nova realidade, compartilhando e adquirindo conhecimentos, especialmente sobre a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). O propósito da MFO Advogados é contribuir e fortalecer o setor educacional, de modo a superarmos juntos as dificuldades e construirmos relações melhores a partir dessa experiência. 

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DSOP Educação Financeira se dedica a disseminar a Educação Financeira desde 2008, quando a metodologia que embasa o seu ensinamento, vivenciada por seu mentor, PhD Reinaldo Domingos, passou a ser compartilhada no Brasil e no mundo. Trata-se de uma metodologia focada na mudança de comportamento, embasada na neurociência e que ajudou milhares de famílias e empresas a conquistarem sustentabilidade e equilíbrio financeiros e a enfrentarem a pandemia que assola o planeta. Para as escolas da educação básica, a DSOP criou o Programa DSOP de Educação Financeira nas Escolas e Famílias, que busca inserir alunos, professores, gestores, colaboradores e famílias no aprendizado desta nova ciência. Este programa é apresentado, também, no bilinguismo; traz como inovação o ensino híbrido e atende às normas definidas na BNCC. Diagnosticar, Sonhar, Orçar e Poupar (DSOP) são os quatro pilares que embasam os conteúdos da metodologia, cujo conhecimento e aplicação levam os indivíduos a desenvolverem um comportamento consciente, para a realização de sonhos e propósitos.  FOTO SHUTTERSTOCK

UNO Projeto educacional completo

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ara escolas privadas de educação básica que buscam inovar em suas práticas de ensino e de aprendizagem, o UNO é um projeto educacional completo que contempla soluções integradas e tecnológicas que promovem o desenvolvimento de competências e habilidades. Diferente das propostas focadas apenas em conteúdo e resultado, nosso projeto transforma a realidade escolar, por meio da inovação com propósito. No Brasil, somos uma rede de mais de 400 escolas parceiras, com mais de 130 mil alunos. Além disso, também estamos presentes no México, na Argentina e na Colômbia. Conectamos em rede todos os atores do processo educacional – alunos, professores, escolas e famílias – por meio de quatro pilares principais: recursos de aprendizagem, ambientes, serviços educacionais e avaliações. Acompanhamos o aluno desde a Educação Infantil até a fase mais desafiadora, o Ensino Médio. Mais do que oferecer um ensino de qualidade, nossa missão é formar pessoas preparadas para o hoje e o amanhã. Dessa forma, seguimos rumo a um futuro integrado e inteligente através de uma cultura que incentiva a criatividade. UNO educação, um projeto educacional completo. Telefone: 0800 772 8866 - E-mail: contato@unoi.com - Facebook: /unoieducacao - Instagram: @unoieducacao - Youtube: /unoieducacao. 

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››› Internacional

Internacionalização em meio à adaptação Destinos como os EUA (na foto, Nova York) estão acessíveis aos estudantes por meio de interações virtuais IGOR MORANDI

igor@padrinhoconteudo.com

DEPOSITPHOTOS

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m um mundo cada vez mais globalizado, o contato com os outros países ficou menos complexo – até a chegada da pandemia, que impediu as experiências presenciais. Mas isso não interrompeu as conexões virtuais, e o contato via internet representa a adaptação de algumas escolas para manter seus projetos de internacionalização em andamento. O próprio meio virtual é relevante, podendo conectar mais de 50% da população mundial. O dado é do relatório Mensurando o Desenvolvimento Digital: Fatos e Números 2019, da Organização das Nações Unidas (ONU). E esse é o escape da pandemia, que permite a troca

de experiências com o Exterior, mesmo a milhares de quilômetros de distância. O que em partes já era a realidade de colégios em tempo pré-coronavírus. Dentro desse contexto, o Colégio Farroupilha promovia eventos de interação com estudantes e professores de outros países de forma virtual, mas na escola. A coordenadora de línguas estrangeiras da instituição, Luciane Duarte Calcara, explica que ocorriam por meio de projeção em tela e eram momentos especiais. Com a chegada da Covid-19 e das aulas não presenciais, esse contato deixou de ser um evento e tornou-se próximo dos estudantes. Porque, agora, puderam passar a interagir diretamente com os estrangeiros, por meio de vídeo, áudio e chat, em seu próprio computador. A plataforma usada é o Zoom, onde também ocorrem as aulas – inclusive as de inglês, alemão e espanhol. O Colégio Farroupilha oferece o aprendizado dessas línguas a partir do quarto ano e garante proficiência: os estudantes atingem do nível C1 ao C2 – os mais altos de domínio de uma língua. Estudante do 3º ano do Ensino Mé-

dio, Bruna Zanini opina que o aprendizado de línguas tem sido prejudicado pela distância, mas abriu espaço para o contato on-line com pessoas de outros países que talvez não conheceria se não fosse a pandemia. Bruna conta que, graças à base de internacionalização do colégio, seu intercâmbio foi despreocupado. Ela esteve na Universidade de Harvard em 2019 estudando as leis americanas – Bruna prestará vestibulares brasileiros e estrangeiros para Direito, após se formar. “Me senti preparada tanto no sentido acadêmico como no sentido informal pelas conversas que temos em aula, por treinar o speaking”, diz Bruna. O método de ensino do Colégio Farroupilha tem como base o sistema de Cambridge, desde 2010, e avalia os estudantes anualmente, para, a partir dos resultados individuais e em grupo, promover ações de aprimoramento, com o objetivo de um ensino de alta performance. “Uma das nossas premissas é que eles (alunos) possam ter acesso a esse conhecimento e usá-lo de uma forma ativa na sua vida escolar. Mas, principalmente, possibilitar que tenham opções no futuro: de morar, trabalhar e estudar aqui ou em qualquer parte do mundo. Porque, para eles, a barreira da língua não vai existir”, destaca a coordenadora Luciane.


Internacional ›››

Intercâmbios ficam para o ano que vem Os estudantes que se preparavam para intercâmbio neste ano não tiveram a sorte de Bruna, pois foram impedidos pela pandemia. As viagens foram adiadas para 2021, mas os alunos do Farroupilha já estão em contato com as famílias que os abrigarão. Este momento é de preparação e adaptação, a distância, às famílias estrangeiras. A Rede Metodista também teve de cancelar os intercâmbios deste ano. E, em alguns casos, remarcar as viagens já agendadas. Eles possibilitam intercâmbios de língua inglesa por três semanas na Califórnia e de reciprocidade, em que estudantes peruanos vêm ao Brasil e brasileiros vão ao Peru. Além disso, recebem alunos de honra da Roberts Wesleyan College, de Nova York, para aprender português e cultura brasileira – o que também foi impedido pela pandemia. Mas há adaptações. Para manter seu projeto de internacionalização, a Metodista promoveu um congresso internacional em espanhol aos estudantes do ensino médio de todos os colégios, por videoconferência pelo Zoom. Este congresso latino-americano faz parte da história da Rede, mas sempre ocorreu presencialmente em diferentes países.

BRUNA ZANINI Estudante do 3º Ano do Ensino Médio

“Me senti preparada tanto no sentido acadêmico, como no sentido informal pelas conversas que temos em aula, por treinar o speaking.” LUCIANE DUARTE CALCARA Coordenadora das Línguas Estrangeiras do Colégio Farroupilha

“Uma das nossas premissas é (...) possibilitar que tenham opções no futuro: de morar, trabalhar e estudar aqui ou em qualquer parte do mundo. Porque, para eles, a barreira da língua não vai existir”. A Rede também oferece o ensino diário de línguas, que ocorre remotamente por meio do portal do aluno e pela plataforma Hangout do Google. Entre as instituições, a internacionalização é, principalmente, a realidade do Colégio Metodista Americano que, a partir de 2021, passa a oferecer dupla certificação: os alunos poderão completar o ensino médio tanto com o currículo brasileiro como também com o dos Estados Unidos. A novidade foi discutida e implementada em meio

Ferramentas gratuitas para educação global: ePals  Salas de aula colaborativas engajadas em intercâmbios culturais, compartilhamento de projetos e aprendizagem de línguas. Voxe Aplicativo para planejar, compartilhar e discutir projetos globais, por meio de vídeo, mensagem de voz e texto. Global Read Aloud  Salas de aula para todos lerem livros juntos. Generation Global Plataforma on-line que conecta alunos a colegas em todo o mundo.

ao ensino remoto, virtualmente. As aulas do currículo americano serão síncronas, com professores dos EUA. Mesmo em meio a uma medida emergencial – o ensino não presencial –, as escolas conseguem adaptar seus projetos de internacionalização. Uma certeza é que os tempos difíceis não impossibilitaram o contato com o exterior. Tanto o ensino das línguas e de questões teóricas como a conversação continuam, aos moldes do que a distância permite.

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››› Radar

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Com relações remotas, o ambiente digital se tornou o principal meio de propagação de agressões verbais

Aumento do cyberbullying durante a pandemia faz ONU emitir alerta

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IGOR MORANDI

igor@padrinhoconteudo.com

A

prática do bullying é reconhecida desde os anos 1980. Mas não quer dizer que surgiu há 40 anos: foi o começo de um problema que se converteu em algo a ser combatido, até hoje. Porque essa prática se adaptou ao meio digital, no chamado cyberbullying, e gerou alerta da Organização das Nações Unidas (ONU) em meio à pandemia. E é algo frequente: um a cada três jovens já foi vítima de cyberbullying, enquanto um em cada cinco deixou a escola por este motivo, segundo uma pesquisa sobre violência contra as crianças, do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), em 2019. Neste momento, os brasileiros passam mais tempo no meio digital: incremento de cerca de 40% a 50%, na comparação com antes da pandemia, conforme a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). “Com o distanciamento social e a reclusão em casa, uma das únicas maneiras de as crianças se relacionarem com amigos e colegas é via internet”, diz o head de Tecnologia da Informação da empresa Neon, Alexandre Stumpf. No entanto, a escola é o centro onde acontecem as situações repetitivas de agressão verbal ou física, sendo a internet o ambiente onde o bullying tem continuidade. O cyberbullying pode assustar, envergonhar ou enfurecer, e é praticado em qualquer plataforma: mídias sociais digitais, jogos on-line, aplicativos de mensagem. E, tratando-se desses meios, oferece perigo às vítimas para além das palavras, com fotos e vídeos. Talvez por esse motivo é que o ambiente digital favorece o bullying: as próprias redes têm reforçado a ideia de aparência perfeita, abrindo espaço às práticas discriminatórias. E quase metade dos casos de cyberbullying tem como motivo as características físicas da vítima, segundo a pesquisa da Unicef.


Radar ››› Com as aulas não-presenciais, o cyberbullying não é mais a continuidade do que acontecia no ambiente escolar presencial. Neste momento, o meio digital é o local principal onde as agressões acontecem, e elas podem levar até ao suicídio em casos graves. “Ansiedade e depressão são sintomas muito comuns nestes casos. Busque identificar mudanças bruscas de comportamento no uso das redes sociais ou aulas virtuais. Converse sempre com os filhos e esteja próximo quando eles estão on-line”, alerta Alexandre Stumpf. Além disso, o cyberbullying pode resultar no envolvimento indesejado de uma grande variedade de pessoas, incluindo desconhecidos, já que nem sempre acontece em um local privado. No Brasil, a SaferNet oferece orientação sobre crimes e violações dos Direitos Humanos na internet, gratuitamente. Orienta de forma anônima e, se for o caso, colabora com informações para uma denúncia formal. Neste canal, o cyberbullying fica atrás apenas da exposição de imagens íntimas nos tópicos de pedido de ajuda.

Prevenção e solução passam pela escola A melhor escolha é prevenir, e as escolas podem treinar os professores e os pais para lidarem com o cyberbullying e o bullying. Devem incentivar as crianças e jovens a serem solidários, generosos e a respeitar as diferenças por meio de conversas, campanhas e trabalhos didáticos, dinâmicos e em grupo. No Colégio La Salle São João, da Capital, a diretora Ana Poppe conta que existe um projeto permanente antibullying, e que a escola intervém nos casos o mais breve possível. “Quando acontece alguma situação envolvendo bullying, independentemente se é no colégio ou nas redes sociais, este tem um papel fundamental e importante de não deixar que se propague”, diz Ana.

A intervenção precisa ser imediata quando um terceiro percebe a situação. É necessário saber distinguir uma piada de uma agressão recorrente. E a empatia é uma ótima forma de identificar casos, colocando-se no lugar da vítima. Além disso, os pais precisam manter em aberto o diálogo com seus filhos, para orientá-los sobre o uso da internet. Também é importante que tenham acesso ao celular e ao computador e estejam por perto das crianças e dos jovens, sempre que possível, quando eles fazem o uso dos equipamentos. Mas, quando a prevenção já não é mais possível, a denúncia pode ser a solução – as redes oferecem mecanismos para tanto. No entanto, tratando-se de cyberbullying que envolve crianças e jovens que estudam juntos, essa solução não é aplicada ao que a vítima sofre presencialmente. Nesses casos, ou se a denúncia nas redes não foi o suficiente, pode-se levar adiante, porque atos pejorativos ferem princípios constitucionais e o Código Civil, além do Código de Defesa do Consumidor, quando os casos acontecem dentro da escola. Como prevenção, os estudantes devem estar cientes disso. A denúncia do cyberbullying pode ser menos complexa, já que deixa um rastro digital. E esses registros são muito úteis para fornecer indícios para ajudar a dar fim ao abuso. Então, é importante que os estudantes guardem mensagens e publicações por meio de capturas de tela, para entregar às autoridades especializadas. O cyberbullying pode ser prevenido, denunciado e superado. Mesmo que para isso deva-se recorrer à denúncia e ao apoio psicológico profissional - para recuperar a saúde e a confiança. Buscar o fim dessas agressões é reconhecer que todos merecem respeito no ambiente digital, como na vida real. “O bullying precisa ser sempre debatido, ser pauta permanente no colégio, mostrando-se a importância do respeito ao próximo”, destaca Ana Poppe. 

Ação e reação l O cyberbullying pode ser feito por meio de mensagens privadas que humilham ou ameaçam a vítima. Em outras situações, por meio de postagens públicas que ofendem abertamente. E esta última pode ser mais grave, porque tem a potência de multiplicar os ataques, já que garante o acesso de várias pessoas à postagem. l Quando o cyberbullying acontece em modo público, é mais fácil de a situação ser denunciada ou de chegar aos responsáveis pela vítima ou pela escola. Mas quando não é, normalmente a vítima é quem precisa tomar alguma atitude para cessar o bullying. E este é mais um problema, já que as situações provocam angústias emocionais e mentais, de incapacidade, medo, vergonha, desinteresse, constrangimento e até raiva. l Esses sentimentos podem impedir a vítima de se manifestar ou tentar lidar com o problema. No entanto, a partir do pedido de ajuda, o cyberbullying sofrido passa a ser um problema não só da vítima, mas de quem agora tem conhecimento das agressões. Essa pessoa pode ser um familiar, um amigo, um professor, qualquer um que passe segurança ao jovem. l A iniciativa, também, pode partir dessa pessoa, caso note sinais na vítima. Nesse sentido, todo o apoio é muito importante. Mas, às vezes pode ser um tanto complicado de notar ou de a vítima contar, e para isso existem canais on-line que oferecem todo o suporte necessário, com ajuda profissional e em sigilo.

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››› Diversidade

Como superar os obstáculos da educação on-line em Libras Problemas de conexão e desmotivação também são empecilhos para escolas e universidades, especialmente em uma realidade de meios digitais DEPOSITPHOTOS

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Diversidade ››› TATIANA PY DUTRA

tatianapydutra@padrinhoconteudo.com

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ada aluno apresenta um universo de singularidades no processo de aprendizado, necessidades únicas que colocam professores e instituições de ensino à prova desde o início da pandemia. A educação intermediada por meios digitais se tornou essencial na rotina do ensino, mas especialmente desafiadora para as instituições que trabalham com a inclusão de alunos surdos, que se comunicam pela Língua Brasileira de Sinais (Libras). Mesmo em escolas especializadas, a exigência de aulas remotas demandou rápida adaptação. Em Porto Alegre, a Escola Especial Ulbra Concórdia – que atende a 88 alunos surdos na Educação Básica – precisou preparar estudantes, pais e professores para o uso das ferramentas digitais para que as atividades pudessem ser retomadas no isolamento. “Na primeira semana, começamos a postar vídeos em Libras pelos grupos de WhatsApp. Depois, passamos para o Google Meet (para aulas síncronas). Os professores também postam textos e conteúdos escritos em português no Clip Escola, para onde também são levados vídeos em Libras com explicações”, conta a diretora, Hiltrud Elert. Como em muitas outras escolas brasileiras, o acesso à internet ainda representa um obstáculo para parte do corpo discente: 20% deles não dispõem de conexão. A saída foi enviar material impresso em português, cujo aprendizado de leitura e escrita também compõe a matriz curricular. O estudo em Libras, porém, foi interrompido. “Para os alunos que têm internet, está fluindo muito bem. Mas os alunos que estão com material impresso não estão tendo o estudo em Libras. Há prejuízo para eles, com certeza. Teremos de fazer um programa de recuperação quando voltarem às aulas presenciais”, projetava a diretora, em entrevista em setembro.

SIMONE VAN DER HALEN FREITAS Professora do curso de Psicologia

“De um modo prático, o principal desafio é a presencialidade das intérpretes com o aluno e professor surdos, pois elas são apoio sempre presentes nos diversos espaços acadêmicos.”

Aluno + intérprete + professor Foi em 2000 que a Universidade La Salle teve seu primeiro aluno surdo. De lá para cá, a instituição de Canoas desenvolveu variados processos para inclusão, como a criação do Núcleo de Apoio ao Estudante (NAE). O serviço presta assistência desde a orientação vocacional até suporte acadêmico e psicossocial em Libras. Mesmo com uma equipe de três intérpretes, um professor surdo que ministra a disciplina de Libras e seis alunos surdos (três em cursos presenciais e três na modalidade on-line), a suspensão das aulas presenciais exigiu reinvenção. “O isolamento e o distanciamento desafiaram-nos a encontrar formas para superar obstáculos e garantir a comunicação com os alunos e também com o professor. De um modo prático, o principal desafio é a presencialidade das intérpretes com o aluno e o professor surdos, pois elas são apoio sempre presentes nos diversos espaços acadêmicos. Além disso, encontrar uma forma de mantermos esse apoio no contexto virtual. E a qualidade das conexões é outro fator desafiante”, relata a professora de Psicologia Simone van der Halen Freitas, integrante do NAE e da coordenação da Equipe Tils (Tradutores/Intérpretes de Libras).

O Google Meet foi a plataforma eleita para mediar o novo modelo de aulas. A intérprete se conecta na videochamada e o aluno fixa a sua tela, mantendo o contato visual constante com ela. “No momento em que os professores compartilham telas com slides, o aluno acompanha os slides, mas as intérpretes ficam com a possibilidade de se conectar pelo celular ou outro monitor, a fim de acompanhar e interpretar as explicações do professor. Quando o aluno é chamado para fazer atividades em grupos, a intérprete faz parte, seja por meio da ferramenta de WhatsApp, seja pelas salas virtuais do Google Meet ou outra plataforma”, explica a professora. O sistema de avaliação também mudou. Agora, os professores disponibilizam as atividades para as intérpretes com antecedência, para que elas preparem a interpretação das questões previamente, facilitando a acessibilidade do aluno. Conforme Simone, o tempo para realização dos exames ficou mais flexível. Segundo ela, todas as avaliações permitem que os alunos consultem os materiais de aula. O ponto positivo do novo modelo, diz, é que as intérpretes têm se disponibilizado a um atendimento bem mais personalizado ao aluno, com acompanhamento extraclasse, além de videochamadas para tirar dúvidas e auxiliar na elaboração das atividades. “As intérpretes têm feito a mediação com o professor para levar as dúvidas dos alunos, sempre que demandadas, e têm estado mais atentas a possíveis afastamentos dos estudantes, como a não entrega de atividades e a falta nas aulas”, afirma. Embora as adaptações para o contexto de pandemia fossem consideradas adequadas, havia ansiedade para a retomada do presencial, devido à desmotivação. “Apesar de todo o empenho e viabilização das aulas em libras a distância, entendemos que a presencialidade ainda é a melhor forma de uma educação inclusiva e para a propagação desta cultura”, afirma Simone. 

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CFJL REGISTRA TRANQUILIDADE NAS AULAS PRESENCIAIS Depois de seis meses de aulas do-

RETORNO DO COLÉGIO TEUTÔNIA FOI PELA EDUCAÇÃO INFANTIL O Colégio Teutônia iniciou em 21 de

setembro a retomada gradual de suas atividades presenciais, além de manter a possibilidade do modelo híbrido às famílias e estudantes que optaram por seguir com as atividades domiciliares. As primeiras mochilas coloridas a passarem pelo pórtico de acesso foram dos estudantes da Educação Infantil; na quarta-feira, dia 23, hora dos “grandes” do Ensino Médio; e nos dias 28, 29 e 30 de setembro, as turmas da Educação Profissional. “A expectativa vem acompanhada de grande responsabilidade em tempos que vigoram decretos de pandemia. Avaliamos de forma positiva a percepção, engajamento e corresponsabilidade das famílias para com as ações divulgadas nas cartilhas disponibilizadas. Toda equipe de professores e funcionários também está comprometida

com relação ao que estabelecem os protocolos e para o que precisa acontecer nesse momento. O Colégio Teutônia se ‘reformata’ com uma série de hábitos que passam a integrar um momento novo da instituição”, destaca o diretor do CT, Jonas Rückert. Para cada segmento há um protocolo com especificidades de área de atuação, incluindo treinamentos e materiais, conforme exige a legislação. Estudantes e famílias também receberam cartilhas com orientações sobre regras que precisam ser observadas desde a saída até o retorno às suas casas. Antes da retomada, o colégio iniciou a testagem de Covid-19 em todos os professores e funcionários, procedimento também disponibilizado aos estudantes. A testagem gratuita integra programa do município em ambientes escolares. 

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miciliares, as primeiras turmas do Centro Tecnológico Frederico Jorge Logemann (CFJL), de Horizontina, retornaram às aulas presenciais em 21 de setembro. As primeiras turmas foram o Maternal II e Jardim e, na semana seguinte, o 3º ano A, 3º ano B e 2º ano C. A maioria dos colaboradores em atividades domiciliares também retornou no mesmo período para treinamentos e alinhamento de atividades, principalmente os responsáveis pela infraestrutura, higiene e limpeza. Vale lembrar que os ambientes e sinalizações já estavam preparados desde julho, aguardando o momento certo para iniciar o retorno gradativo. Todos os docentes da Educação Infantil também participaram de uma preparação, além de organizarem materiais necessários para o retorno. A coordenadora da Educação Infantil do CFJL, professora Rosemeri Henn, relatou que a retomada foi extremamente tranquila e cumprindo todas as medidas de segurança necessárias 


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ACAMPADENTRO FARROUPILHA EM FAMÍLIA  No final de semana de 20 de se-

PROFESSORES DA EDUCAR-SE APOSTAM EM PRÁTICAS CRIATIVAS  Apostar e investir em inovação

exemplo, por meio do projeto “A leitura nos conecta”, as professoras das turmas do 2º ano do Ensino Fundamental, Taís Brochier e Elisa Freitas, desafiaram os estudantes a produzirem resenhas em formato audiovisual. Para desenvolver a atividade, cada criança leu um livro, confeccionou o personagem principal e preparou uma apresentação ao vivo, ou em vídeo, descrevendo e indicando o livro. “Adorei compartilhar minha história e meu vídeo, assim como meu fantoche ‘Dona Maricota e sua cesta’ com meus colegas e com a profe. A aula foi muito legal, divertida, curti e também pude pegar novas dicas de leitura”, afirma a estudante Isabela Redin Tornquist. 

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faz parte do dia a dia da Escola de Educação Básica Educar-se, de Santa Cruz do Sul. Ao longo dos últimos meses, durante as aulas virtuais, professores deram destaque à criatividade ao planejarem suas aulas, aliando os conhecimentos tecnológicos a uma proposta arrojada dos componentes curriculares. Teatros, ensaios fotográficos, produções audiovisuais e gastronomia foram apenas algumas das formas que eles encontraram para envolver os estudantes. Entre as atividades, destacam-se os podcasts de Física, o Amigo Secreto Matemático e as Resenhas em Vídeo (foto acima). Nesse último

tembro as famílias das crianças da Educação Infantil e Anos Iniciais da Escola de Educação Básica IDEAU – Santa Clara, de Getúlio Vargas, foram convidadas a comemorar a data Farroupilha com o Acampadentro Farroupilha em Família. Um acampamento dentro de casa ou no ambiente familiar, com o objetivo de comemorar e valorizar a data Farroupilha, relembrando os elementos da cultura com o desafio de desfrutar a culinária gaúcha. 

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INSTITUTO IVOTI TEM RETORNO ESCALONADO

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ULBRA ADOTA PLATAFORMA VIRTUAL PRÓPRIA DE APRENDIZAGEM

 O Instituto Ivoti iniciou a reto-

mada de suas aulas presenciais de forma escalonada. Em 29 de setembro, os Cursos Livres: alunos de instrumentos da Ascarte e as turmas do Instituto Ivoti Idiomas retornaram à instituição. No final de agosto, já havia aprovação do Plano de Contingência para Prevenção, Monitoramento e Controle da Transmissão de Covid-19, mas o retorno dependia do grau de risco para transmissão do vírus estar em bandeira laranja na região, ou seja, risco médio. Ao chegar à instituição, os alunos precisam estar de máscara e não podem ser acompanhados pelos pais para dentro dos prédios. Após conferir a temperatura e realizar a higienização dos calçados e das mãos, os estudantes são liberados para seguir até as salas de aula. Os alunos que optaram por permanecer em casa, participam da atividade de forma remota. 

 Desde o início da emergên-

cia em saúde ocasionada pela pandemia de Covid-19 no Brasil, a Ulbra migrou suas atividades acadêmicas para o formato remoto. A manutenção com qualidade do ensino neste contexto teve como base o Ambiente Virtual de Aprendizagem Aula, plataforma desenvolvida por profissionais da instituição que tem foco no acesso facilitado às disciplinas e ferramentas do Google For Education para alunos da graduação e pós-

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-graduação, nas modalidades presencial e a distância. Segundo o reitor da universidade, Thomas Heimann, durante o período de isolamento social e maior utilização da plataforma, as equipes de suporte técnico estão disponíveis para auxiliar em qualquer dúvida e necessidade dos estudantes. ‘’Com um ambiente virtual de aprendizagem preparado, dinâmico, completo e interativo, a qualidade do processo pedagógico da Ulbra se manteve estável,’’ afirma.



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