Edição 123

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Uma publicação do SINEPE/RS

Nº 123 / Ano XXI / Agosto 2017

14º Congresso do Ensino Privado Gaúcho CONFER ÊNCIAS

Conf ira a cober tura completa das conferências, do painel e do espaço Mover

BASTIDOR ES

Os melhores momentos do Congresso registrados em fotos




EDITORI AL

Vamos mudar? Em julho, o SINEPE/RS realizou seu maior evento, o 14º Congresso do Ensino Privado Gaúcho, com o tema ‘Ousadia para mudar’. Como já é tradicional, a Educação em Revista tem uma edição especial com a cobertura completa do evento, trazendo a íntegra das conferências e os melhores momentos dos três dias de intensa programação. Para esta edição, pensamos em ousar e mudar a forma de apresentação do conteúdo das conferências, inspirados na temática do evento. Mas voltamos atrás e mantivemos o modelo tradicional, utilizado desde 1999, na 4ª edição do Congresso, em que apresentamos os principais trechos das conferências, preservando a fala dos palestrantes. Como bem ponderou Leandro Karnal em sua fala, “nem tudo que é novo é bom e nem tudo que é velho é ruim. Nem tudo que é novo, necessariamente, contém valor e nem tudo que é velho deve ser descartado”. Sempre tivemos feedbacks positivos das escolas sobre a edição especial do Congresso, muitas a utilizam em capacitações com professores; então, por que mudar? Mas essa reflexão é importante. No cotidiano das escolas, certamente, muitas práticas existem há muito tempo, dão certo e não precisam mudar. Mas outras não. Insistimos em antigos métodos que não trazem mais resultados positivos, por medo da mudança. Segundo o palestrante Marcos Meier, “uma pessoa só muda quando a dor de permanecer for maior do que a dor de mudar”. É importante pensar sobre isso! O Congresso trouxe muitas reflexões sobre a necessidade de mudar, mas também apresentou caminhos, como o exemplo inspirador do professor Luiz Felipe Lins, que transformou a Matemática em algo simples, que faz sentido na vida dos estudantes. Outro exemplo foi da Escola Elvira Brandão, de São Paulo, que, ao completar 115 anos de fundação, percebeu que o que garantiu a essa escola os 100 anos de vida não garantiria os próximos 100, então era a hora de mudar. Nestas 56 páginas, você encontrará essas histórias, além de um material rico sobre como mudamos, o que mudar e o que não mudar e como fazer essa transformação nas nossas práticas. Desejamos que esta edição circule por todos os cantos da escola, que seus textos possam auxiliar programas de formação de professores e que possamos inspirar a sua instituição a ter ousadia para mudar! Carine Fernandes Editora da Educação em Revista

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Confira a primeira edição especial sobre o Congresso, de 1999!

Expediente Edição: Carine Fernandes (MTB 15449) Produção: Carine Fernandes e Patrícia Gastmann (MTB 15336) Capa: Foto Vinícius Roratto Diagramação: Prya Estúdio de Comunicação Revisão: Rosane Vargas, Milton Gehrke e Osvino Toillier. Conselho Editorial: Prof. Osvino Toillier, Prof. Hilário Bassotto, Prof. Flávio D’Almeida Reis, Profª Mônica Timm de Carvalho, Profª Naime Pigatto, Profª Raquel Boechat, Prof. Ruy Carlos Ostermann, Profª Ângela Ravazzolo, Profª Rosângela Florczak e Prof. Gustavo Borba. Antenas: Adriana Gandin, Alfredo Fedrizzi, Caio Dibi, Crismeri Corrêa, Fernando Becker, José Moran, Laura Dalla Zen, Márcia Beck Terres, Mauro Mitio Yuki e Rodrigo Capelato.

DIRETORIA

Presidente: Bruno Eizerik 1º Vice-Presidente: Osvino Toillier 2º Vice-Presidente: Oswaldo Dalpiaz 1º Secretário: Marícia da Silva Ferri 2º Secretário: Iron Augusto Müller 1º Tesoureiro: Hilário Bassotto 2º Tesoureiro: João Olide Costenaro Suplentes: 1º Suplente: Maria Helena Rodrigues Lobato 2º Suplente: Ruben Werner Goldmeyer 3º Suplente: Joacir Della Giustina 4º Suplente: Laura Coradini Frantz 5º Suplente: Nestor Raschen 6º Suplente: Jacinta Maria Rothe 7º Suplente: Carlos Roberto Milioli

CONSELHO FISCAL Titulares: Ademar Joenck Inacir Pederiva Cátia Teresinha Lange

Suplentes: Isaura Paviani Maria Angelina Enzweiler Guilherme Kühne

Coordenador da Assessoria de Comunicação e Marketing: Prof. Osvino Toillier Assessora de Comunicação e Marketing: Luciana Moriguchi Jeckel Lampugnani Assessora de Imprensa: Carine Fernandes Relações-Públicas: Bruna Ricardo Jornalista: Wagner Figueiredo Criação: Hermes Moura Estagiário: Bruno Pinheiro

Missão:

Representar e congregar as instituições do ensino privado na promoção de sua qualificação permanente, diferenciação e sustentabilidade.

Visão:

Ser referência como instituição no cenário educacional brasileiro, reconhecida pela eficiência na representação sindical e na promoção da inovação do setor.

Valores:

• Compromisso com o Associado • Ética e Transparência • Competência • Cultura da Sustentabilidade e da Inovação • Responsabilidade Social

FALE CONOSCO Redação Cartas, comentários, sugestões, matérias: educacaoemrevista@sinepe-rs.org.br Anúncios e assinaturas E-mail: comercial@sinepe-rs.org.br Informações Fones: (51) 3213-9090 | www.educacaoemrevista.com.br ISSN: 1806-7123 Educação em Revista não se responsabiliza por ideias e conceitos emitidos em artigos ou matérias assinadas, que expressam apenas o pensamento dos autores, não representando necessariamente a opinião da revista. Por motivos de espaço e clareza, as cartas e artigos poderão ser resumidos.


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Camila Domingues Presidente do SINEPE/RS, Bruno Eizerik e coordenador do Congresso Oswaldo Dalpiaz protagonizaram uma abertura descontraída

Congresso do SINEPE/RS reúne 2 mil educadores em Porto Alegre

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om o tema ‘Ousadia para Mudar’, o 14º Congresso do Ensino Privado Gaúcho reuniu 2 mil educadores de todo o Estado nos dias 19, 20 e 21 de julho, no Centro de Eventos da PUCRS, em Porto Alegre. A chegada ao local já foi uma surpresa para os congressistas, que se depararam com milhares de balões coloridos, coadjuvantes do início das atividades. Ao estourar os balões, cada participante recebeu uma mensagem que o convidava a refletir sobre a necessidade de mudar. O coordenador do Congresso, Oswaldo Dalpiaz, agradeceu aos professores pela

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disponibilidade e pelo desafio de dedicarem tempo para pensar novos caminhos para a educação. “Estamos orgulhosos de proporcionar esse momento de reflexão coletiva, com o intuito de criar novos horizontes, construir um novo olhar e oferecer subsídios para entender melhor essa necessidade de mudança.” Na solenidade de abertura, ele lembrou que as escolas estão habitadas por cabeças que exigem novas metodologias, novas práticas, e que trabalhar com possibilidades exige espírito aberto, inteligência, constante questionamento e sensibilidade para entender o que pode ser mudado e o que não deve ser superado. “É preciso ousadia para iniciar

o processo de travessia. Do educador, exige-se uma atitude constante de renovação, de busca, de inquietude, de atualização. A opção de ser protagonista de uma sala de aula significa romper a mediocridade e eliminar a mesmice do pensar pequeno, incentivar novos voos, favorecer a criatividade, desenvolver as habilidades do relacionamento, seduzir para o bem, criar a magia pelo belo. Ousar pelo melhor mostra disponibilidade do educador de se desprender de hábitos que já não o ajudam mais a ser um professor para os novos alunos e para os novos tempos.” Foram sete grandes conferências com nomes de destaque do setor educacional,


professores, atendemos às expectativas. E a responsabilidade para o próximo congresso fica muito grande”, comentou. Para a diretora da Escola Nossa Senhora do Brasil, Fabrisa Remor Perusso Andara, a temática foi de extrema relevância, pertinente e desafiadora. “De fato, o professor é quem faz a diferença na nossa educação. O Congresso foi extremamente rico, amplamente bem pensado, com o olhar em diferentes áreas em que é preciso ousadia para mudar: a questão afetiva, a pedagógica, a tecnológica. Aproveitamento maravilhoso.” O professor do Instituto de Educação Ivoti Fabian Viégas acredita que o evento trouxe várias reflexões sobre as práticas atuais e as possibilidades de melhorias contínuas. “Teve-se a oportunidade de troca de conhecimentos com outros colegas, as práticas adotadas, exemplos de sucesso e insucesso. Essa troca motiva a querer fazer mais e melhor. E a questão ética ficou bem evidente nas falas dos professores Clóvis e Karnal. Sempre se aprende muito nos congressos do SINEPE/RS, e o de 2017 foi muito gratificante.”

Vinícius Roratto

como Claudio Laks Eizerik, Lala Deheinzelin, Clóvis de Barros Filho, Zeca de Mello, José Moran, Alexandre Ventura e Leandro Karnal – que fechou o evento com a temática ‘Faça a mudança acontecer’. Alfredo Fedrizzi, Daniel Randon e Draiton de Souza apresentaram o painel ‘A escola e os novos cenários’. O Espaço MOVER – Minuto para Olhar, Viver, Escutar e Refletir contou com os professores Luciana Corso, Renato Júdice, Luiz Felipe Lins e Miguel Thompson. Por fim, com palestras que motivaram o público, Marcos Meier e José Paulo da Rosa falaram sobre inteligência emocional e raciocínio lógico e ‘O Apagão da Educação’, respectivamente. “Acredito que foi o maior congresso que o SINEPE/RS fez até hoje. Desde a temática, a parte de organização e a execução, não faltou ousadia. Acredito que instrumentalizamos os professores para dar esse passo adiante, um passo que todos precisamos dar”, avaliou o presidente do SINEPE/RS, Bruno Eizerik. “Não temos as avaliações tabuladas ainda, mas pelos comentários que recebemos e as conversas que estamos tendo com diretores e

Entre as novidades dessa edição, esteve o Espaço Mídia, pensado para promover a interação do congressista com o conferencista por meio de perguntas enviadas pelo aplicativo do Congresso. No final de cada conferência, as dúvidas recebidas foram respondidas pelos palestrantes e divulgadas no canal do SINEPE/RS no YouTube. E também a atração Photoprint: cada postagem de foto no Instagram com a hashtag #ousadiaparamudar gerou, automaticamente, uma foto impressa nesse espaço. Os professores só precisavam passar lá e buscar sua recordação do evento. Paralelamente ao Congresso, foi realizada a 14ª Expoeducação, feira de produtos e serviços do setor educacional que reuniu 48 empresas em 600 m2 (conheça todos os expositores na página 49). Elas apresentaram aos congressistas novidades na área de gestão escolar, sistemas de ensino, publicações, softwares e móveis escolares, entre outros produtos e serviços do segmento de educação. A feira também trouxe uma novidade: os participantes que fizeram o “check in” em 25 empresas diferentes, preenchendo o cupom recebido no início do evento, concorreram a diferentes prêmios, como bolsas de pós-graduação, tablets, smartphones, Apple TV e cafeteiras Nespresso. No último dia da Expoeducação, ocorreu a sessão de autógrafos do livro ‘Educação 3.0 – Novas perspectivas para o ensino’ (Editora Unisinos, 118p). Os autores Alfredo Fedrizzi, Fernando Becker, Gustavo Borba, José Moran e Mônica Timm de Carvalho (organizadora) estiveram presentes, autografando mais de 100 livros, adquiridos na feira com preço promocional. O evento teve o patrocínio de Super Cérebro, Positivo, Caixa Econômica Federal, Sodexo Serviços e Revista Educação e apoio de Senac, PUCRS, Fenep, PGQP e Do Bem.

• Confira os vídeos com os conferencistas do Congresso feitos no Espaço Mídia.

Participantes do evento foram surpreendidos com mensagens sobre mudança

• Vídeo apresenta a equipe organizadora do evento.

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o p ini ã o

Precisamos de ousadia para mudar Ao propor para o 14º Congresso do Ensino mudança e de pouca exigência, tudo era Privado Gaúcho o tema ‘Ousadia para mais simples, a escola pouco se preocupava mudar’, o SINEPE/RS quis chamar a aten- em buscar novas formas de encantamento. ção das escolas e dos educadores para o fato Havia até um pouco de apatia, pois, aparende que, embora muito se fale em mudar o temente, tudo funcionava bem. Agora, tudo modelo tradicional de ensino, a mudança efe- é mais rápido, o mundo é líquido, o movitiva e os resultados esperados não aparecem mento e as cores fazem parte do dia a dia apesar de termos já em mãos as ferramentas dos alunos. Diante disso, da escola se exige necessárias. O que falta mesmo é atitude e a utilização de novas tecnologias, a sensibi“ousadia” para dar os primeiros passos. lidade para experimentar novos métodos e a Os novos cenários tecnológicos que im- iniciativa para fazer uso de outras formas de pactam a organização da sociedade e que ensino se quiser ter espaço no cenário educainterferem também no dia a dia da escola, as tivo. No seu estágio de evolução, a indústria descobertas no campo da neurociência mos- já está no 4.0 enquanto a educação começa a trando outras possibilidades mais eficazes dar sinais de que está se encaminhando para para o ensino e para a aprendizagem e a ne- o 3.0. Por que essa distância? cessidade de se construir Independentemente das uma sociedade mais ética circunstâncias históricas e Alguns desafios e solidária chamaram a culturais, as escolas deveficaram claros atenção dos 22 mil conrão lutar pelos valores que gressistas. Ficou claro identificam sua marca e e deverão ser para todos que tanto a sua identidade. Quando os escola como instituição superados para pais fazem uma escolha, quanto os professores essa se dá, via de regra, irmos além da como agentes principais pela proposta pedagógica. da ação pedagógica Por isso, à escola cabe concepção atual devem se abrir ao novo e conduzir a Comunidade da maioria das Educativa tanto na criação ousar na busca de caminhos para tornar a escola de um espaço de aprendizaescolas” mais significativa e mais gem que responda aos anatraente para os alunos. seios dos pais quanto pela Alguns desafios ficaram claros e deverão defesa de um ambiente educativo sereno e ser superados para irmos além da concepção tranquilo onde os valores sejam respeitados. atual da maioria das escolas. Nada pode impedir a existência dos dois Num prazo não tão distante, nossos alunos ambientes: de um bom ensino e de uma boa irão trabalhar em profissões que ainda convivência. Afinal, boas maneiras, respeito, não existem. Prepará-los para esse futuro comprometimento, diálogo, organização significa dar-lhes condições e habilidades e disciplina prescindem de tempo e época. necessárias para não se sentirem como seres Abrir mão disso pode resultar numa sociedaestranhos num mundo novo. Se a escola de desestruturada, prepotente e infeliz. quiser ser relevante para eles, não pode Se os professores não conseguirem entenfazer o que sempre fez, mas encontrar outras der que os atuais alunos pensam, agem e se formas para que se sintam seguros diante relacionam diferentemente dos alunos que daquilo que poderá vir. Em épocas de pouca frequentavam as escolas anos atrás, não os

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prepararão para os novos tempos. Não significa apenas adaptá-los às tecnologias, mas sim transformar a sala de aula num local que prima por momentos de descoberta, de construção, de conquista do prazer, de se tornar autor e protagonista da própria aprendizagem. Significa, também, ter a perspicácia de olhar além do conteúdo e trabalhar nos alunos as habilidades socioemocionais. Para encarar esse desafio, os professores deverão buscar intensamente sua qualificação profissional, não só técnica, mas também se adonar das habilidades que são exigidas para aqueles que estão na sala de aula. Ter a sensibilidade para se abrir aos modelos de ensino e aos paradigmas exigidos para um bom resultado escolar faz do professor alguém especial para seus alunos. Temos belíssimos exemplos de escolas, independentemente de região e nível social, que trabalham olhando para o futuro. Professores atualizados que, apesar da ausência de recursos e ferramentas tecnológicas que gostariam de ter, propõem a seus alunos uma prática pedagógica contagiante, participativa e de bons resultados. Famílias preocupadas com a realização pessoal e a felicidade de seus filhos aceitam a proposta da escola e dela participam. Isso mostra que é possível, apesar de tantas dificuldades e pressões, fazer uma boa escola e, com ela, ter a esperança de que podemos acreditar em novos tempos. Basta “ousar”! Oswaldo Dalpiaz

Vice-presidente do SINEPE/RS e coordenador do 14 o Congresso do Ensino Privado Gaúcho.


CL AUDIO EIZIRIK

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O ser humano e suas possibilidades de mudança num mundo em rápida transformação

L A L A DEHEI NZEL I N

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Novas economias e futuros possíveis para a educação

PA I N E L

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A escola e os novos cenários

MARCOS MEIER

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Inteligência emocional e raciocínio lógico

zeca de mello Refletindo sobre nossos valores

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JOSÉ MOR A N

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Desenhando novas escolas para todos

ALEX A NDRE VEN TUR A

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Professor: protagonista de inovação e mudança

MOVER

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Palestras de Luciana Corso, Renato Júdice, Luiz Felipe Lins e Miguel Thompson

JOSÉ PAU L O DA ROS A

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O apagão da educação

LEA NDRO K AR NAL Professor: Faça a mudança acontecer

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BASTIDORES Confira os melhores momentos do Congresso CLÓV IS DE BARROS FILHO Por um país mais ético

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Fotos Camila Domingues

C laudio E izirik

O ser humano e suas possibilidades de mudança

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embrandt foi um grande pintor holandês, que viveu entre 1606 e 1669. Uma de suas características é que, ao longo de sua vida, pintou cerca de 100 autorretratos. Ele foi crescendo e, até os 60 anos, o que ele fazia era se olhar no espelho e pintar autorretratos que estão espelhados pelos museus de todo o mundo. Qual foi a experiência que esse cara teve, que transformações ele sofreu? Pode ter certeza de que, se alguém se modificou ao longo da vida e criou coisas novas, esse alguém foi Rembrandt. Queria começar com isso, como um exemplo e um modelo.

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Heráclito dizia que “ninguém entra duas vezes no mesmo rio porque quando se entra nele de novo as águas não são mais as mesmas e a pessoa se modificou também”. Segundo ele, nada é permanente. Acho apropriada essa frase porque ela descreve a nossa experiência como pessoas no mundo e o que é a educação. Existe uma estrutura que se mantém: as escolas, os currículos, os professores, os alunos e assim por diante. No entanto, cada aula é diferente da anterior. Vocês devem ter a experiência que eu tive ao longo de muitos anos dando aula na graduação da Medicina. A matéria pode ser a mesma, mas cada aula é diferente, os alunos são outros e nós, a

cada dia que passa, somos outros. Uma coisa importante é a questão da fragilização dos vínculos. O tempo, atualmente, não é mais imóvel, é móvel. Não é mais silencioso, parado, monótono, universal, previsível. É o tempo da velocidade, dos fluxos, do movimento constante, não linear. É um tempo que pede mudança, movimento, ruptura com o mesmo. É um tempo criativo, potencial e potencializador, de construção e conquistas dentro da ordem e da desordem, que caracterizam a complexidade do real. Zygmunt Bauman, que morreu há pouco, falava na metáfora do resíduo, ou seja, todas as relações e vínculos podem


Deletamos. É só apertar um botão e está ficar obsoletos. Os casais podem se desfora. Desliga a conexão do Whatsapp e manchar, a troca de parceiros segue a uma elimina esse desagradável. Bauman disse velocidade frenética e também os profesna entrevista: “o trabalho sores podem perder que dava para conseguir o emprego, os alunos Uma das uma amizade, o luto que podem perder a escola, era perder um amigo, uma as pessoas podem ser razões para relação amorosa”. Como é transformadas num não mudarmos importante manter as reresíduo. Em uma das lações humanas e não nos entrevistas que ele coné a compulsão iludirmos pelo aparente cedeu, falou algo muito à repetição, mundo de relações que interessante sobre o estão na internet. número de amigos estamos Já ouviram falar em que as pessoas podem ter hoje. Ele disse que, acostumados a compulsão à repetição? É um conceito criado pelo quando era jovem, fazer sempre a Freud a partir da obsertinha um esforço desvação do seu neto bringraçado para ter uns mesma coisa” cando com um carretel de três ou quatro amigos, linha. Ele se deu conta de cinco no máximo. Hoje que essa criança, cada vez que jogava o em dia é fácil ter 200 amigos, 150 seguicarretel para baixo do sofá, gritava “foidores... Se um desses caras faz alguma se” e, quando puxava, gritava “está aqui”. coisa que não gostamos, o que fazemos?

Ele relacionou isso com a situação dela com a mãe. Cada vez que a mãe saía, ela gritava “foi-se”, quando voltava, “está aqui”. Ela repetia essa situação para se sentir menos ansiosa com a ausência da mãe. Ele também observou que determinadas pessoas, por mais que atendidas fossem, nunca melhoravam. Freud dizia que existe uma tendência humana que leva à patologia chamada de repetição à compulsão. Essa compulsão pode levar a patologias individuais, coletivas, institucionais e escolares. Segundo o psicanalista francês André Green, a compulsão à repetição assassina o tempo. O tempo não passa porque está tudo igual, tudo repetido. Vamos simplesmente nos contentar em fazer o conhecido, o sabido, o de ontem, o agradável. A compulsão à repetição faz de conta que o tempo não existe. Por que é tão difícil mudar? Por que tantas pessoas dizem que querem mudar, mas certas mudanças não ocorrem? Vamos

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pensar nisto: como os alunos nos olham? Primeiro eles nos idealizam, nos acham o máximo, professor sabe tudo. Mas, depois, aparece a ambivalência, porque eles comparam um com o outro. Querem pegar o professor numa fria. Quando eu estudava no século passado no Júlio de Castilhos, tinha um professor baixinho, e a grande diversão dos alunos (eu jamais, eram os outros!) era colocar o apagador em cima do quadro. O coitado do professor entrava e dava pulinhos para tentar pegar. A ambivalência é a existência de sentimentos opostos porque o professor, no inconsciente dos alunos, representa uma transferência da relação com os pais. Eles vão buscar na escola uma extensão da família, ou uma família modificada ou uma família que eles não têm ou tem. Mas, para mim, o que os alunos querem é amor, admiração e aprovação. Eles temem a crítica, a condenação e o castigo. É importante pensar nisso quando vamos fazer uma intervenção mais violenta, uma crítica mais severa, uma reprovação definitiva. O que está acontecendo na mente desse aluno? O que representa para ele estar naquela sala? Muitas vezes representa um abrigo de uma situação familiar difícil; alguns, inclusive, comem melhor na escola. Por que não queremos mudar? Todo mundo diz “ousadia para mudar”. Estou de acordo, precisamos ousar para mudar, mas eu lhes pergunto: nós queremos ou não queremos mudar? Esse é o ponto, todos nós queremos e não queremos. Nas velhas situações humanas, a resposta não é A ou B,

(...) se não ousarmos, não nos aventurarmos, vamos simplesmente ficar reféns da compulsão à repetição”

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é mais frequentemente A e B. Pergunta-se a uma criança: você ama a sua mamãe? É claro que ela vai dizer “claro que amo”, mas pensa que odeia de vez em quando, quando a mãe a obriga a colocar o moletom. Uma das razões para não mudarmos é a compulsão à repetição, estamos acostumados a fazer sempre a mesma coisa. Conhece aquela música do Chico Buarque “Todo dia ela faz tudo sempre igual, me acorda às 6h da manhã, me sorri um sorriso pontual e me beija com a boca de hortelã”? É uma descrição da repetição, é uma relação que não tem mudança. A segunda razão para não mudar é a zona de conforto. Por que vamos trocar de matéria, de turma, de sistema, de computador, de papel se estamos tão confortavelmente estabelecidos nas nossas diversas zonas de conforto? E a terceira razão é o medo ou terror do desconhecido. É muito desagradável. Todo mundo aqui, de vez em quando, viaja para algum lugar. É muito agradável comer no mesmo restaurante, não sei se alguém aqui gosta de trocar. Há pessoas que sempre comem no mesmo restaurante, sentam à mesma mesa, comem o mesmo prato e são atendidas pelo mesmo garçom. Acredito que esse pode ser um problema muito importante que nos leva a não querer mudar.

Outra coisa é o pânico do fracasso. A não ser os masoquistas, ninguém gosta de fracassar. A culpa pelo sucesso também nos impede de mudar. É fácil ter sucesso? É fácil ganhar uma coisa, ganhar um jogo? É horrível ter que admitir que às vezes ficamos culpados quando ganhamos uma coisa boa. Há certas pessoas que não conseguem pegar os prêmios da vida, sempre pegam o prêmio pequeno, pela culpa pelo sucesso. Por que queremos mudar? A primeira razão é a alegria e a aventura da descoberta. Um aluno que descobre uma coisa nova ou uma pessoa que tem um insight sobre alguma coisa desconhecida terá uma alegria pela aventura e pela descoberta. Uma questão importante: o novo é algo que até então era desconhecido, mas o inesperado e a surpresa são coisas que vêm súbita e inesperadamente. Outro motivo pelo qual queremos mudar é porque a incerteza é muito mais interessante do que o conhecido. Lembrando que nosso mundo atual é incerto, provisório e fragmentário. Um dos caminhos possíveis é a negação dos conflitos, podemos fazer de conta que estamos no melhor dos mundos. A outra possibilidade é a radicalização dos antagonismos. Estamos vivendo um momento de antagonismos cada vez mais radicais e de uma dificuldade extraordinária de ouvir


lugar do outro e exercer a escuta possível entre professores e alunos, que pode levar a uma busca de identificação entre gerações. Qual é a função do professor, basicamente? O objetivo do professor é transmitir conhecimento? Não! Para que ele serve, então? Ele não transmite conhecimento, ele transmite desconhecimento, ou ele ajuda o aluno a procurar o conhecimento por si mesmo. Se nós não estamos lá para ensinar, mas sim para acompanhar, ajudar, nós temos que ter uma escuta empática do outro e ter uma certa individualização dos alunos, entender as circunstâncias de cada um. A tentativa de entender o seu argumento está presente não só na relação entre os alunos, mas entre pares e com a escola e as instituições. É difícil entender o argumento do outro, é quase impossível, é tão absurdo e ridículo. Como uma pessoa pode pensar diferente de nós? Mas,

Carine Fernandes

o outro e a opinião do outro diferente da nossa. O outro caminho é o reconhecimento da inevitabilidade. Estamos em luta, dentro de nós mesmos, com os nossos amigos e inimigos, na nossa família e na nossa escola, é uma luta dialética entre contrários. Dessa luta pode surgir o crescimento. Tem um analista argentino que diz que na adolescência os conflitos entre pais e filhos podem ser promotores de crescimento ou de estagnação. Isso serve para a escola também. Outro caminho é a busca pelas identificações possíveis. Podemos negar que há conflitos, radicalizar os antagonismos, reconhecer que há inevitabilidade e buscar identificações possíveis. O que é uma identificação? É um mecanismo dificílimo, mas básico, todo mundo já fez e faz contínuas identificações. Faz parte dela a escuta empática do outro, a tentativa de entender o seu argumento e, a partir daí, colocar-se no

às vezes, infelizmente, a ideia do outro é melhor do que a nossa. É uma dor ter que admitir. Esse é um ponto importante, colocar-se no lugar do outro. O conflito entre gerações também é um problema. As gerações, aparentemente, são impossíveis de se entender, não é? Ou não? Esses coraçõezinhos que ouvem estridentemente são possíveis de entender ou são absolutamente incompreensíveis? Não dá para ter uma idealização de perfeição, sempre haverá conflitos, situações tensas, alunos provocadores e professores sem paciência, ou outros debochados ou que querem só pegar seu salário e ir embora. Mas esse é um aspecto importante: o professor tem que ser apaixonado por sua tarefa, entusiasmado, cheio de dedicação e de surpresas. Se tivermos a ousadia para mudar, vamos enfrentar as nossas resistências internas, vamos deixar que se manifeste a nossa capacidade de luta e de conquista e de aventura por territórios desconhecidos e vamos, principalmente, ter a possível alegria de entrar em um novo território. As conquistas tinham o aspecto horrível dos massacres, mas as descobertas, as navegações e a expansão das civilizações têm muito a ver com essa entrada no desconhecido. Espero ter transmitido essa mensagem, no sentido de conhecer um pouco mais do que se passa dentro de nós, do que se passa dentro dos nossos alunos e dentro dessa “comunidade de destinos”. Essa expressão foi cunhada por uma grande educadora chamada Ecléa Bosi, que faleceu recentemente. Nos seus livros, descrevia o que ela chama de “comunidade de destinos”, grupos que tinham algo em comum. Vocês têm aqui uma comunidade de destinos. Vocês têm como objetivo do grupo de trabalho a construção de uma nova educação, a construção de uma nova escola e a construção de uma nova relação com os alunos. Sem desprezar o conhecido, sem desprezar a tradição, sem esquecer a história, mas se dando conta de que se não ousarmos, não nos aventurarmos, vamos simplesmente ficar reféns da compulsão à repetição. Claudio Eizirik

*Doutor em Medicina (UFRGS). Membro efetivo e analista didata da Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre. Membro do corpo clínico do HCPA.

Educação 13


Vinícius Roratto

L ala D eheinzelin

Novas economias e futuros possíveis para a educação

E

stamos vivendo um período muito difícil, mas, às vezes, nos períodos difíceis ficamos tão concentrados num problema que não enxergamos que a solução já está ali. Precisamos compreender o que está acontecendo no mundo para ver o que fazemos. Se pensarmos como se configura a rede (rede é maneira como tudo se conecta e flui), podemos entender como a vida e as coisas se organizam. Hoje, a rede é distribuída, está tudo conectado com tudo. O grande desafio é que a rede está fora do tempo e do espaço, ela é

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exponencial. O problema é que o mundo está exponencial, mas a gente, o tempo e o planeta não. A quantidade de informação é impressionante e tudo muda muito rápido, a gente não dá conta. Como fazemos para dar conta disso? O jeito é compreender que o mundo mudou mesmo e que não dá para funcionar da mesma maneira que antes. Não adianta preparar pessoas para profissões, para passar no vestibular, porque as profissões vão mudar. A maioria das profissões que conhecemos não existirá. Além do mais, a maioria dos empregos não existirá, terá

trabalho, mas não emprego. Vai haver uma quantidade de trabalhos muito grande, mas eles são completamente diferentes, não serão trabalhos relacionados às carreiras que já conhecemos, por isso, precisamos ter ousadia para preparar as pessoas para viver em rede, e não para achar um emprego ou ter uma carreira fixa. Será que tem jeito de conseguirmos lidar com esse mundo exponencial? Algumas experiências mostram que sim. Sabe o que são os captchas? São aquelas quatro letras que colocamos para mostrar que não somos um robô quando fazemos uma


de algo que já aconteceu, estão ligados ao passado. Os futuros prováveis deixam a gente numa posição reativa. Mas o provável não existe, é praticamente impossível saber o que é provável em um mundo em rede. Mas dá para saber o que é desejável. Qual é o desejo que temos de futuro? O futuro desejável é criativo, está lá no futuro. Por que pensamos no que se deseja? Para chegar àquilo que existe, no futuro possível, onde colocaremos nossa ação. Existe uma quantidade muito maior de futuros possíveis do que de futuros desejáveis. Futuro não é dado, é criado mesmo. Para eu trabalhar com o futuro, preciso sair do reativo para o criativo. A palavra-chave na educação deveria ser confiança. Tudo no futuro depende de confiança. Se não tiver confiança, esquece! Podemos arrumar a mala, porque o mundo vai acabar, e não estou brincando. Sem colaboração, não terá solução e, sem confiança, não terá colaboração. Confiança em

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Desenvolvimento de Aplicações para Dispositivos Móveis - 360h

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Gerenciamento de Projetos - 372h

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sociocultural que vai nos permitir darmos compra, por exemplo. O cara que inventou conta do recado desse mundo exponencial isso achava muito chato colocar as quatro que temos pela frente. E a primeira questão letras, como nós achamos também. Um dia é ter ousadia para mudar, sair do competir ele foi ver quanto tempo se levava para isso, para o colaborar. Fomos educados de ponta somando todo mundo que estava colocana ponta para competir, e a natureza não é do as quatro letrinhas. Eram 500 mil horas competitiva, é colaboratipor dia. Para aproveitar va. Como passamos para melhor esse tempo, ele Fomos educados isso é que é o “x” da quescriou um processo que, cada vez que estamos de ponta a ponta tão. A colaboração é prioridade em qualquer área, colocando quatro letripara competir, e na educação, em gestão, nhas, estamos, na verno universo organizaciodade, colocando quatro a natureza não nal, empresarial, etc. letras de palavras de um é competitiva, é Depois de compreender livro que, coletivameno presente, qual a etapa te, estamos digitalizancolaborativa” seguinte? Pensar o futuro. do. Isso dá dois milhões O futuro não acontece por de livros por ano. Isso acaso, é semeado nos nossos sonhos e nos é conseguir resultado exponencial, é atrás nossos desejos. Existem três tipos de futuro: disso que temos que estar. o primeiro é do que normalmente estamos A outra parte, que é muito importante, atrás, são os futuros prováveis, se são proembora menos considerada do que mereváveis é porque são conhecidos, foram fruto ceria, é a colaboração. É a única tecnologia

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si, nos outros, na instituição, etc. Somos preparados para confiar ou desconfiar? Agora que já enxergamos o futuro, vamos ver como materializa esse futuro criado. Para isso, vêm as economias, que quer dizer: lidar com os recursos. Estamos em rede e a rede é exponencial. O que não consegue ser exponencial? As coisas tangíveis, materiais, como terra, petróleo, casa, carro... Só consegue ser exponencial o que é intangível, o conhecimento... Maçã não dá para dividir entre todos os habitantes do Planeta. Conhecimento dá; quanto mais divide, mais vai ter. Mas sabemos enxergar o que é intangível? Sabemos atribuir valor, perceber? Não sabemos, tanto é que até o tripé da sustentabilidade não enxerga o intangível. O tripé tem três pernas, está faltando uma perna que é a mais importante de todas, que corresponde à cultura, ao conhecimento, à criatividade, aos valores. Outro problema enorme do tripé da sustentabilidade é que ele chama uma dimensão de econômica, quando faz isso está dizendo que o resto não é econômico, que cultura, ambiente e sociedade não têm valor. Melhor chamar de financeiro, porque na verdade a economia é o conjunto, são recursos de quatro naturezas (cultural, social, ambiental e financeiro), gerando o resultado de quatro naturezas. Sabe quando vamos ao cinema e colocamos óculos 3D? De repente você vê com outra profundidade. Com óculos 4D, você começa a enxergar o que antes não via. As lentes 4D trabalham com o cultural, como se fossem as sementes, são o ponto de partida. A semente, o software, precisa de um

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Conhecimento e criatividade nunca serão escassos, por isso são tão chave no mundo! O que tem valor hoje não é uma coisa em si, algo material, é a experiência que isso oferece. Repara no café, a matéria prima é barata, mas vai na uma Starbucks, por exemplo, custa muito mais caro. A questão é como criamos experiências. Passar a informação um monte de gente faz, como é que vocês vão criar experiências para isso é que é o “x” da questão. Isso precisa de ousadia, para poder enxergar valor intangível. É importante colocar lente em todo mundo para enxergar valor nas coisas intangíveis, isso precisa estar no cotidiano do ensino, para que nossos alunos criem nas suas vidas experiências de valor. O cuidar é também o propósito. Imagino que no futuro não vamos mais falar a palavra ‘trabalho”, que é uma palavra muito feia, vem de tripalho, que era um instrumento de tortura, falaremos de “cuidar”. Precisamos ensinar as pessoas a conhecerem e valorizarem seus atributos porque, na economia criativa do futuro, aquilo que terá valor não é a coisa material, mas sim o que ela significa, é a originalidade, a história, de onde vem, se está cuidando de algo. Isso precisa estar muito claro. Camila Domingues

Se você quer ganhar tempo, recurso e tesão, desburocratize tudo dentro da sua instituição”

terreno, de uma estrutura, é o hardware, a dimensão ambiental. Ambiental não é só natureza, é estrutura, ambiente tecnológico, tecnoambiental. Quando você tem a semente e o terreno já pode ser cultivado, isso é a dimensão social, é fazer junto, o coletivo. Com semente, terreno e cultivo, o que temos? Colheita. Essa é a dimensão financeira, do resultado. Eu estava trabalhando em Moçambique e minha filha morando no Japão. Moçambique tem uma riqueza natural e cultural impressionantes, mas é pobre. É rico e está pobre. E o Japão é pobre e está rico. Por quê? Porque tem no eixo do intangível, do cultural e social uma potência extraordinária, e a questão é reconhecer essa potência e saber o que fazer com ela. Como vamos ser exponenciais? Desmaterializando, é o único jeito, porque vimos que corpo, planeta e tempo não exponencializam. Como o tangível se consome com o uso, gera mais competição, é escasso, acaba logo, o jeito é trabalharmos com o intangível, porque não se consome, mas se multiplica com o uso. Olhe que maravilha, aquilo que é a matéria-prima do trabalho de vocês é a maior riqueza que existe, quanto mais usar mais vai ter, nunca será escasso.


Bruna Ricardo

Outra questão importante é o compartilhamento de infraestrutura, é passar do possuir para o usar, gerar colaboração. Não vamos brigar pelo que um possui, vamos ver como é possível compartilhar. Para isso, precisamos ter muita ousadia. Já estamos vendo exemplos no nosso cotidiano com o Uber e o Airbnb, e isso vai aumentar cada vez mais. No futuro, é possível que vocês tenham, por exemplo, duas escolas diferentes ocupando o mesmo prédio. Por que não? Durante o dia é X e Y. A infraestrutura é caríssima, por que não compartilhar? Será que você precisa mesmo criar uma infraestrutura ou poderia usar algo que já existe ou é ocioso? Para os alunos, isso é muito importante de se ensinar, porque o futuro dependerá disso. Os recursos naturais não dão conta se todo mundo quiser ter aquilo que vai usar, além do que não faz sentido. Um grande desafio: gestão distribuída, desburocratização. Enquanto está tudo centralizado, é muito lento. Pense no exemplo da Wikipédia: se tivesse o departamento de aprovação de verbetes, não funcionaria. O mundo está rápido e complexo demais para termos burocracia. Se você quer ganhar tempo, recurso e tesão, desburocratize tudo dentro da sua instituição. Enquanto existe burocracia e controle, não se conseguem criar relações de confiança. Quem trabalha relações de confiança sai ganhando de largada, porque todo esse recurso de tempo que era investido na burocracia é investido em outras coisas. O grande desafio do país, das nossas instituições, da vida, é desburocratizar, para poder ter uma gestão distribuída, sair de uma estrutura de hierarquia para uma estrutura de tomada de decisão mais coletiva. Última questão importante: celebração. Por incrível que pareça, depois de muitos anos estudando colaboração, me perguntava: cadê a chave da colaboração? É a celebração. Vamos lembrar as três coisas que funcionam: carnaval, futebol e igreja! Primeiro, causa comum, cultura comum e depois celebração! Nós celebramos? Não celebramos o suficiente. O Brasil já é um dos países que mais celebram, temos uma tecnologia de celebração grande, mas se você quer manter a colaboração, faz festa

e celebra as conquistas. Nós punimos, mas não celebramos; inverta isso, deixe de punir e celebre. Não puna o erro, celebre o acerto. E, finalmente, a coisa que é determinante para que tudo isso seja possível, que é a nossa capacidade de ter outras métricas, porque se não somos capazes de medir e perceber essas coisas todas, elas nunca vão entrar em ação. Se, por exemplo, todo o resultado só vem do quanto você vendeu, do quanto entrou de dinheiro, você nunca vai conseguir ter um avanço das outras dimensões. É muito importante termos métricas para conseguir medir colaboração, o valor do intangível. Não se pode mais ter métrica de resultado apenas no financeiro dentro de uma instituição ou apenas o quantitativo (como notas, por exemplo) dentro de um processo de ensino. Finalmente, fechando isso tudo, comunidade! O fato de estar em rede não garante que estejamos em comunidade, são coisas completamente diferentes. Temos cinco mil amigos no Facebook e seu telefone está mudo, ninguém o chama para ir ao cinema, isso porque é rede, mas não é comunidade.

É só pela comunidade que teremos a capacidade de convergir, ou seja, ir todo mundo para o mesmo caminho. Na rede está tudo disponível, tem todo o conhecimento, a infraestrutura, tudo é possível, mas não adianta estar disponível se não temos acesso. Só vamos acessar se houver mecanismo de convergência. Lembra a Wikipédia? Conhecimento, infraestrutura e tempo já existiam, mas só existe a Wikipédia porque criaram um mecanismo de convergência. Isso é muito importante de trabalhar dentro das instituições e com os alunos. Se não convergir, não vai dar certo. Precisamos sair do individualismo para a convergência. Pela primeira vez na história da humanidade, temos dinheiro, conhecimento e recursos para fazer tudo que se deseja. O que não temos ainda é a escolha, a coragem, a ousadia para mudar. Então, vamos lá, ousar, mudar o futuro! Lala Deheinzelin

*Futurista desde 1995 e considerada uma das 100 mulheres no mundo que estão co-criando a nova sociedade e economia. Pioneira em Economia Criativa e Colaborativa.

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Fotos Vinícius Roratto

C lóvis de B arros F ilho

Por um país mais ético

A

palavra ética existe há 2.500 anos, mas até 30 anos atrás era uma palavra exclusiva de especialistas e raramente saía do âmbito da universidade. De 30 anos para cá, a trajetória do vocábulo “ética” é exuberante e essa palavra, hoje, é a mais repetida no espaço público, não só no Brasil, como também no resto do mundo. Caberia entender por que uma palavra que nunca teve destaque se tornou a mais repetida. Aparentemente, a palavra ética teria entrado no lugar de outra que caiu em desuso e faz lembrar nossos antepassados, nossos pais e nossos avós, que é a palavra moral. É preciso lembrar que a moral continua existindo e fazendo parte da nossa vida. Moral é aquilo que você não se autoriza a

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fazer, é uma reflexão na intimidade da consciência sobre os limites da conduta de quem reflete sobre ela. A moral é sempre na primeira pessoa do singular, é você conversando e pensando com você mesmo sobre aquilo que você se autoriza a fazer e aquilo que você não aceita fazer. Portanto, a moral nada tem a ver com a repressão, com o olhar externo, com o medo de ser pego, é sempre uma avaliação de si mesmo sobre si mesmo. É claro que a moral continua existindo e parece particularmente importante toda vez que cada um de nós se impede de obter uma vantagem, de obter um ganho porque isso exigiria uma conduta que não aceitaríamos fazer. Assistimos a uma espécie de desmoralização da moral, à construção de uma sociedade da desconfiança, na qual a moral de cada um

é entendida a cada dia como menos significativa e relevante para proporcionar entre nós a boa convivência. Um exemplo da erosão do paradigma da moralidade: a minha avó, com quem eu morei na infância, nascida na cidade de Bagé, morava perto do parque do Ibirapuera. Ela pedia para eu ir até uma avenida próxima comprar pão e leite. Eu andava umas seis quadras (eu tinha 8 ou 9 anos) e, chegando à padaria, sem nenhum dinheiro, eu pedia o que minha avó tinha encomendado e o padeiro anotava em um pedaço de pão o pedido, foi assim durante anos, talvez décadas. O padeiro tinha certeza de que minha avó passaria para pagar e a minha avó tinha certeza de que o padeiro anotara corretamente o que ela tinha pedido. A isso chamávamos de fiado, e o fiado materializava a confiança


que existia entre nós. Pois muito bem, o que aconteceu? Esse fiado deu lugar a uma placa dizendo “não aceitamos fiado”, que significa “desconfio de você!”. Outro exemplo: na escola antiga da minha filha, a diretora pedagógica convida os pais para apresentar uma inovação, é uma câmera colocada em cada sala de aula que permite aos pais controlar e fiscalizar o comportamento dos seus filhos até pelo celular. Então, a diretora olha para as crianças e diz: “crianças, agora terão que se comportar, porque estão sendo vigiadas o tempo todo”. Essa diretora talvez não saiba, mas ela acaba de destruir a moral porque, ao vincular o bom comportamento do aluno à presença de um artefato repressor, o que ela está dizendo é: na eventualidade de não haver câmera fiscalizadora dê vazão aos seus instintos mais canalhas, você pode ser quem você quiser. Ela simplesmente anulou, ignorou a possibilidade da criança de pensar lucidamente sobre o próprio comportamento, estabelecendo limites a sua própria conduta,

com ou sem a presença de um elemento repressivo externo que a constranja. Assim, nós juntos, na nossa sociedade, fabricamos um coletivo que despreza a moral e supervaloriza a repressão, na certeza de que só vitimados pelo medo das consequências que a sociedade nos impõe para o nosso mau comportamento, agiremos corretamente. Despreza completamente nosso filtro de consciência capaz de, na lucidez de uma moral bem formada, discernir o certo e o errado, o que nos autorizamos e o que não nos autorizamos fazer. A ética surge como relevante porque a moral caiu em desuso. Mas o que é ética? A ética também busca a identificação de comportamentos adequados, mas não na intimidade da consciência particular de cada um, e sim no coletivo, no debate, na discussão, na

argumentação. Assim, a sociedade, percebendo que a moral entrou em desuso, precisa garantir condições de convivência de qualquer jeito, por isso a ética. Todos juntos somos convidados a discernir o que há de mais precioso para nossa convivência e identificar todas as condutas que possam agredir esses valores que, por serem valores, valem tanto para que possamos conviver adequadamente. A ética, portanto, assim definimos eu e o professor Cortella no livro ‘Ética e Vergonha na Cara’, é a inteligência compartilhada a serviço do aperfeiçoamento da convivência. É o resultado da intervenção da inteligência coletiva com vistas a limitar a conduta de cada um visando proteger um bem maior, que é a convivência sadia e harmônica entre todos.

A ética é a inteligência compartilhada a serviço do aperfeiçoamento da convivência”

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do mundo, o outro 50% fica para o resto das pessoas. São duas pistas e você atravancou uma. Aí você sai do carro, liga o pisca-alerta, entra na farmácia, compra uma Neosaldina, toma, entra no carro e vai embora. Nota dez para o canalha, ele conseguiu tudo o que queria. Mas, durante os 12 minutos em que ele deixou o carro ali, duas pistas viraram uma só, 148 veículos tiveram que lentear seu fluxo, 218 pessoas chegaram atrasadas ao seu destino. Eu não sei se você entendeu, o prazer obtido pelo canalha é um ponto positivo, mas os 218 que chegaram atrasados são 218 negativos. E eu estou falando de um canalha Playmobil, um canalha ingênuo, um canalha vovô, um canalha fofo, que você deixaria tomando conta dos seus filhos no final semana, um canalha Neosaldina. Eu não estou falando de canalhas cascudos, que põem no bolso o dinheiro de todo mundo, que destroem a saúde pública, canalhas que destroem o transporte público, que impedem que tenhamos dinheiro para poder sobreviver, que condenam à morte os nossos concidadãos por não poderem ser atendidos, por não poderem estudar... A fragilidade moral nos leva a pensar juntos uma maneira de inibir o comportamento de todos com vistas à proteção da convivência. Mas, se a ética é uma atividade ininterrupta da inteligência inerente à vida em sociedade, para que possamos

identificar a melhor maneira de conviver, ela não pode ser uma tabela pronta, porque a nossa sociedade está diante de problemas inéditos, e aquilo que é inédito não pode constar em uma tabela feita anteriormente. A situação de vida que temos que enfrentar hoje é uma situação que ontem seria impensável, e por isso não está em tabela alguma. No lugar de uma tabela pronta, temos que nos habituar ao debate, à discussão e à argumentação para solucionar questões que tem a ver com o ineditismo da nossa vida em sociedade. Segunda advertência: quando pensamos em ética, quase sempre nos deparamos com situações que lembram um cobertor curto. Em um dia de frio, você precisa cobrir e aquecer a canela e, portanto, o aquecimento da canela é um valor. Mas você também precisa cobrir a orelha, o aquecimento da orelha é um valor. E aí você descobre que com aquele cobertor ou você aquece a canela ou você aquece a orelha e, portanto, você terá que pensar e decidir sobre que valor vale mais. A verdade é que, na hora de pensarmos sobre critérios e protocolos de convivência, teremos sempre que jogar no lixo coisas que são importantes também, porque elas contrariam outras que são entendidas como mais importantes ainda. Não há nada na ética que seja absoluta e indiscutivelmente inquestionável. Óbvio, a

Wagner Fiqueiredo

Não há a possibilidade de um pleno e genuíno entendimento de ética se não houver na formação de cada um respeito prioritário pela existência do outro, pela presença do outro e pelo direito do outro de buscar tanta felicidade na vida quanto você. O que é que pode ameaçar a ética? Tudo aquilo que agride a convivência, são iniciativas individuais que buscam a obtenção de prazer e ganho para quem age, mas que adotam estratégias lesivas da convivência. A isso, denominamos canalhas. O canalha zomba da busca pela felicidade do outro, da convivência harmônica, da existência de pessoas convivendo com ele e busca de maneira cega e obtusa o seu prazer, o seu ganho, a sua meta, o seu resultado. Assim, a ética é a vitória da convivência sobre a canalhice. Uma sociedade que autoriza, que permite que o canalha vença com regularidade é uma sociedade fragilizada, doente, entristecida, porque o ganho obtido pelo canalha jamais compensa as tristezas que a estratégia adotada por ele faz surgir. Um exemplo: você sai de casa com dor de cabeça e, na porta da farmácia, você se dá conta de que não tem vaga. Então você está com preguiça de procurar uma vaga e percebe que a situação ideal para você é tomar o remédio para dor de cabeça o mais rápido possível, não precisar procurar uma vaga e cair fora dali rapidamente. Ora, para alcançar isso, você para em fila dupla, ocupando 50%

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ética não é a mera separação de diabinhos e anjinhos, a ética não é tabela que separa a sociedade em respeitadores e não respeitadores. A ética é a inteligência coletiva para lidar com valores complexos e com a necessária tomada de decisões que exigirá dar a cara para bater e assumir riscos. É por isso que não há hoje pesquisadores na área de ética que não se preocupem com conceito de angústia, porque a angústia é justamente essa sensação ruim que temos toda vez que nos damos conta da nossa autonomia e da nossa liberdade para deliberar. A ética é a autonomia deliberativa da sociedade para decidir como quer conviver; portanto, a ética é inseparável de uma angústia coletiva,

Não há possibilidade de entendimento da ética se não houver, na formação de cada um, respeito prioritário pela existência do outro”

que luta para identificar o que é o mais fundamental para ela. A angústia nos acompanhará sempre quanto maior for a nossa lucidez; quanto maior for a nossa inteligência, mais difícil será a nossa decisão. Você pode me dizer: “professor, o senhor falou o tempo inteiro que a ética é a luta para que todos tenham a chance de um pouco de felicidade na hora de conviver e o senhor disse que poderíamos estar em outro lugar que não neste aqui. Como eu posso saber se a vida vivida na sua companhia foi boa? Como eu posso saber se isso aqui foi uma escolha bem feita?”. Bem, para responder a tua pergunta, eu me lembro dos meus amigos, professores da Universidade Federal de Viçosa, que me mandam doce de leite (o doce de leite de Viçosa é maravilhoso!). Eu sento na frente da televisão, está passando o jogo São Paulo x Chapecoense, e começo a comer o doce de leite, nervosamente, porque torcer para o São Paulo é uma espécie de desgraça que só com muito doce de leite de Viçosa você compensa. E eu vou comendo, e à medida que tem muito doce de leite, eu vou pegando colheradas generosas. Quando vai passando da metade da lata, eu vou pegando colheradas menores, depois eu começo a limpar com o dedo a parte da lata já comida, depois eu raspo a lata. O que eu pude perceber com isso? Como o doce de leite é muito bom eu não quero que ele acabe. Ora, se vale para o doce de leite, vale

para o filme do Darín, que quando acaba você sabe que não devia ter acabado, vale também para aquele encontro no bar em que a pessoa vai embora e você diz: “fica mais um pouco, amanhã é sábado”. Vale também para aquele aluno que, quando dá meio-dia, vira para você e diz: “professor, o senhor tem alguma coisa pra fazer agora? Não quer continuar falando? Fala mais um pouco”. Aí você percebe que, quando a vida é boa e feliz, você lamenta muito que ela tenha acabado, mas, como sendo vida, acaba acabando. Talvez a gente pudesse abrir uma outra lata de doce de leite, quem sabe levar a mãe para assistir ao Darín, falar para o aluno ir à noite que eu vou repetir essa aula para outra turma, pegar o telefone no bar para ligar de novo e marcar outro encontro. Um segundo de vida que de tão bom você não queria que acabasse, mas acabando você gostaria de repetir um dia. Um segundo de vida que te permita, me ouvindo, pensar em ler uma coisa que eu escrevi, um segundo de vida que faça você cogitar a possibilidade de me encontrar outra vez é um sintoma de vida feliz, em uma confraternização e uma coletividade onde procuramos respeitar todos os valores que o ensino recomenda. Clóvis de Barros Filho

*Doutor e livre-docente pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. Atua no mundo corporativo desde 2005 como sócio-fundador da empresa de consultoria e de palestras Espaço Ética.

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Vinícius Roratto

p ainel

A escola e os novos cenários P a i n e l c o m a p a r t i c i p a ç ã o d e A l f r e d o F e d r i z z i (c o n s u l t o r), D a n i e l R a n d o n (e m p r e s á r i o) e D r a i t o n d e S o u z a (f i l ó s o f o). M e d i a ç ã o d e L a u r a F r a n t z (i n t e g r a n t e d a d i r e t o r i a d o S I N E P E / R S)

Alfredo Fedrizzi Há mais ou menos 150 anos, quem viveu nessa época se transportava em carroças, hoje nós estamos indo para o carro elétrico, sem motorista. O carro autônomo vai desempregar, só nos Estados Unidos, dez milhões de motoristas. Quando eu era criança, íamos para Tramandaí e, quando queria falar com Porto Alegre, tinha que ir para uma Central Telefônica pedir ligação e esperava horas. Hoje, usamos um smartphone, que serve para fazer fotografia, ouvir música, fazer compras, para absolutamente quase tudo. O problema de tudo isso que está acontecendo é que os empregos tradicionais estão desaparecendo.

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Quase todas as funções repetitivas vão ser substituídas por inteligência artificial, por robôs, por algoritmos e coisas do gênero. Grande parte dos alunos que estão na escola hoje vai trabalhar em alguma coisa que não existe. Mas a grande preocupação é que, enquanto o carro saiu da carroça e foi para um carro sem motorista, as escolas são as mesmas desde 150 anos atrás. Segundo o Instituto Ayrton Senna, algumas escolas estão no século XIX, alguns professores estão no século XX, e os alunos já estão no século XXI. Esse é um risco que todo mundo incorre, de os alunos avançarem mais, mas não é só na área do ensino.

Quando um consumidor chega a uma loja e vai comprar determinado produto, muitas vezes sabe mais do que o vendedor sobre aquele produto, ele já pesquisou na internet. Estamos vivendo no mundo VUCA, volátil, incerto, complexo e ambíguo. Segundo a Forbes, uma grande revista de negócios americana, nos próximos dez anos 40% das maiores empresas vão desaparecer. Grandes marcas, como a Kodak e a Nokia, já desapareceram, porque não se deram conta do tempo em que estamos vivendo. Não existe mais verdade absoluta neste mundo e nós precisamos mudar muito o nosso jeito



Daniel Randon A crise faz, sem dúvida, mexer, criar, rever conceitos que muitas vezes se estendem por anos, como numa empresa de 67 anos de história, como a Randon. Até 2014, nós tínhamos 12 mil colaboradores

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Vinícius Roratto

de trabalhar. Continuar trabalhando em linha de montagem mudando alguma coisa em tecnologia, mas sem mudar o jeito que trabalhamos, não vai dar mais. Não podemos pensar em uma aula, em um conteúdo, sem respeitar a vontade de quem vai assistir, respeitar o jeito como as pessoas querem aprender, para termos um resultado muito melhor. Nosso principal desafio é mudar os nossos cérebros, de um cérebro fixo para um cérebro mais flexível. Precisamos mudar o nosso jeito de pensar; é muito difícil mexer nisso, mas é necessário. Precisamos que líderes cada vez mais trabalhem valores humanos como empatia (colocar-se no lugar do outro), empoderamento, sentimento de pertencimento e o sentimento de confiança, e não mais aquela competição que levava as pessoas para a paranoia, para o cinismo e para a ansiedade. Vocês estão formando pessoas que, quando forem para uma empresa, vão ser selecionadas segundo estes critérios: flexibilidade, autonomia, informalidade, iniciativa, criatividade, bom humor, colocar-se no lugar do outro... Precisamos ter uma mentalidade de hacker, ou seja, alguém que conhece muito bem determinado assunto e tenta reutilizá-lo para outras intenções. Uma expressão que se usa muito é “eu preciso hackear a minha escola”, “hackear a minha a minha aula”, “hackear a minha vida”, ou seja, olhar para ela e ver como eu posso fazer diferente para enfrentar os novos tempos. Sei que a área de ensino tem uma série de empecilhos, mas é fundamental quebrarmos regras, e já tem um monte de gente quebrando regras na área da educação. Segundo Steve Jobs, “a verdadeira inovação vem de reconhecer uma necessidade não satisfeita e projetar uma maneira criativa de preenchê-la”. Precisamos reconhecer as necessidades dos alunos e buscar satisfazê-las.

e um modelo de treinamento de pessoas em grupo, em equipe, não olhávamos para o individual. Mas percebemos que, se você não potencializa os desempenhos individuais, acaba tendo, muitas vezes, uma equipe que na média começa a ser medíocre. Então, com a crise, resolvemos mudar isso. Também revisitamos nossos valores, reforçando, principalmente, o que as pessoas mais têm e devem ter, que é a responsabilidade e o protagonismo. Temos um sentimento de que as pessoas saem da escola com o conhecimento técnico, mas quando entram na empresa temos que investir muito tempo no comportamental. Hoje, nós estamos trabalhando no 70, 20, 10. O que é isso? Nós acreditamos que o aprendizado, principalmente para quem entra na empresa, envolve 70% tarefas desafiadoras, 20% compartilhamento e 10% sentar em uma classe e estudar. Acredito que as escolas também vão ter que ir para essa linha, ainda mais com os jovens de hoje. Eles vivem muito mais por uma causa, sentimos isso na empresa. Se a causa que a empresa trabalha ou os seus valores não forem os mesmos que os deles, é difícil retê-los. Reforço o que o Fedrizzi colocou, contratamos pela capacidade técnica e demitimos pelo comportamento.

A grande preocupação é que, enquanto o carro saiu da carroça e foi para um carro sem motorista, as escolas são as mesmas desde 150 anos atrás”, Alfredo Fedrizzi

Um ponto importante na escola, mas que não depende só dos professores, mas principalmente dos pais, é dar limites e saber ouvir. Outra questão é empreender, queremos gente que quer ser empreendedor. O empreendedor é aquele cara que tem que bater a cara várias vezes até conquistar algo e que não tem medo de errar, então acho que reforçar isso com os pais e com os professores é importante. Devemos incentivar os alunos a ter frustrações, porque nosso trabalho no dia a


isso, precisamos de crianças que saibam ouvir não, que saibam inovar, que saibam que errar é humano. O grande diferencial das pessoas ainda são suas competências. E lembrem-se, vocês têm muitos protagonistas na mão de vocês, cada um do seu jeito, mas é disso que as empresas precisam para continuar inovando e sobrevivendo. Draiton de Souza Há uma expressão clássica que nós estamos usando ultimamente que é a seguinte: “nós não estamos vendo uma época de mudanças, nós estamos vivendo uma verdadeira mudança de época, algo muito profundo está acontecendo”. Vivemos em um mundo de grandes transformações e a escola se situa nesse vendaval, nesse turbilhão, nessa tempestade. E nós não temos o distanciamento histórico e crítico necessário para refletir sobre as mudanças do nosso tempo, estamos no meio dessas mudanças. Isso torna nossa tarefa um pouco mais complicada, corremos o risco de ser considerados conservadores quando não queremos aderir ao novo. Corremos o risco de aderir ao novo pelo novo, sem uma reflexão crítica sobre o novo, e não necessariamente algo que é novo ou mais recente é melhor. A escola e os professores são convidados,

Camila Domingues

dia é lidar com as frustrações das pessoas. Vocês têm alunos que podem ser cada vez mais protagonistas, não tenham medo de reforçar as suas competências e potenciais e, lembrem-se, o erro é importante para o aprendizado. A escola, junto com os pais (principalmente no Ensino Fundamental eles têm um papel muito importante), deve investir na formação de valores, questões de condutas, é nessa fase que se forma o caráter, o comportamento. Assim, teremos alunos prontos para os novos desafios, que saibam ouvir não, que saibam bater a cara no dia a dia, com capacidade de empreender e de inovar. A gente fala do Brasil que nós queremos e do jeitinho brasileiro, mas começa com as crianças para terminar com essa história do jeitinho brasileiro. Inovar, ser flexível não é jeitinho brasileiro, jeitinho brasileiro é outra coisa. Nós temos que continuar abertos a mudanças, mas sempre lembrando que existem por trás de tudo valores, como ética, e as pessoas devem crescer olhando um futuro sustentável, seja na vida pessoal, seja na profissional. Sem dúvida, o ensino tem um papel importante. Queria aproveitar este momento pelo qual o Brasil está passando e reforçar isso nas escolas, porque essas crianças também influenciam os mais velhos e nós queremos um Brasil diferente. Mas, para

ou quase obrigados, a ousar nesses novos tempos. Há um provérbio latim que diz o seguinte: “não é porque algo é difícil que não ousamos, mas porque não ousamos algo se torna difícil”. Somos convidados a, em primeiro lugar, refletir sobre o nosso tempo, sobre as nossas práticas e, num segundo momento, mudar as nossas práticas. Mas não mudar por mudar, mudar sabendo o que estamos mudando. Interessante que, na fala do Randon, ele não falou de nenhum problema técnico na empresa dele, mas sim de problemas humanos. Vocês perceberam isso? O que está em jogo é a questão do humano. O grande exemplo que eu dou é o seguinte: existe um campo de concentração na Alemanha perto de Munique, o Dachau. Lá foram feitos vários experimentos com seres humanos, não respeitando nenhum limite ético. Então a frase que me marca quando eu falo sobre isso, que eu li de um autor alemão, é “a ciência e a técnica resolveram uma série de problemas nossos e trouxeram outros tantos”. No que diz respeito à ética, o ser humano é um ser que não apenas conhece, mas que age e, quando age, ele age é regido por princípios. Nosso tempo tem se caracterizado muito pelo utilitarismo e, em contraposição, há um outro tipo de abordagem da ética , que leva em consideração não só a utilidade do ser humano, o ser humano como instrumento, como meio. Penso que a escola neste tempo de grandes mudanças tem que acolher essas novas transformações, refletir sobre elas, mudar o nosso papel, porque nós não somos mais meros detentores do

Devemos incentivar os alunos a ter frustrações, porque nosso trabalho no dia a dia é lidar com as frustrações das pessoas”, Daniel Randon

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de grandes transformações, esse elemento humano que está também em transformação. Nós perdemos certezas elementares em relação ao ser humano. Há cem anos nós não nos perguntávamos quando o ser humano nasce, quando o ser humano morre. Hoje nem isso sabemos, fazemos congressos, grandes eventos sobre o início da vida, se a vida começa com a fecundação ou qualquer coisa que seja, fazemos congressos para saber sobre o final da vida, sobre eutanásia, etc. Então, neste momento, nós precisamos de reflexão, e essa reflexão não é meramente técnica, mas uma reflexão de ordem ética. Laura Frantz Eu gostaria de agradecer a fala e a reflexão de cada um dos painelistas e propor uma reflexão: qual é o papel dos professores diante desta complexidade em que vivemos hoje, em que precisamos preparar as nossas crianças, os nossos jovens para

Vinícius Roratto

conhecimento, os alunos têm acesso a tudo, e ao mesmo tempo apresentar um padrão ético de comportamento. Eu vou exemplificar isso: numa perspectiva utilitarista, não existem valores que devem ser necessariamente respeitados; em uma outra perspectiva, que eu vou chamar de kantiana, há alguns valores que são absolutos, como a pessoa humana, a dignidade da pessoa humana. Kant escreveu o seguinte: “você nunca pode tratar o outro como mero meio, mas sempre como um fim em si mesmo”, isto é, a proibição da instrumentalização dos outros. Ele diz que o ser humano não tem preço, mas que ele tem dignidade. Nosso desafio é compatibilizar esses elementos que são fabulosos com aquilo que nós chamamos de dignidade da pessoa humana. E de alguma forma afastar uma perspectiva que seria uma visão de ser humano meramente utilitarista. Não podemos descuidar, neste momento

A escola tem que acolher essas novas transformações, refletir sobre elas e apresentar um padrão ético de comportamento”, Draiton de Souza

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a vida, para o mercado de trabalho, com novas competências que são demandadas para profissões que a gente ainda nem sabe quais serão daqui a alguns anos? Alfredo Fedrizzi Se eu fosse dizer em uma palavra, eu diria que o papel do educador neste mundo é ouvir. Steve Jobs e Bill Gates afirmam que o futuro da educação é tornar a sala de aula um local de debate, os alunos buscam os conteúdos de qualquer lugar, como na nuvem, no Facebook, no Google. O professor não é o sabe-tudo, não é o protagonista; o aluno está cada vez mais sendo protagonista e, em muitos casos, decidindo o conteúdo que ele quer aprender. Daniel Randon Quero reforçar a questão comportamental. Faça os alunos experienciar, serem desafiados. Lembre-se de que cada um é um protagonista, tem uma competência diferente, assim, você pode dar um desafio diferente para cada um. Olhe para cada aluno individualmente com os seus potenciais. Há muitos desafios que os alunos podem fazer no dia a dia, além da classe, para experienciar o debate, principalmente assumir liderança. Precisamos de mais empreendedores que tenham a coragem de fazer coisas novas, liderar equipes, trabalhar como um time. A escola pode desenvolver isso por meio de trabalhos voluntários e outros projetos que já existem na instituição. Draiton de Souza Nessa mesma linha, eu introduziria duas palavras que servem tanto no campo do conhecimento como no campo da ação, no campo ético: autonomia versus heteronomia. O professor, hoje, não é mais aquele que detém o conhecimento e o repassa; por isso, vamos ter que desenvolver outras habilidades nos nossos alunos. Então, ao invés de heteronomia, ser guiado por outro, vem a autonomia. Dar as ferramentas necessárias, mas também conteúdo. Não podemos desprezar o conteúdo como alguns fazem, achando que é só forma, só habilidades que a gente repassa para os alunos, isso também não é correto.


marcos meier

A teoria da mediação é composta por três sistemas e falarei de um deles, o Sistema de Intervenção Cognitiva. É uma metodologia para auxiliar crianças com dificuldade de aprendizagem. Hoje, quando temos uma criança com dificuldade de aprendizagem, o que fazemos? Mandamos para a aula de recuperação. E lá ela recupera o quê? Conteúdo e nota, mas a dificuldade que ela tem não se mexe. Só aprende quem desenvolveu a capacidade de percepção, como, por exemplo, perceber que “esse conteúdo é importante para mim”. Mas como desenvolvemos essa percepção nas crianças? A percepção é a soma de duas coisas: experiências próprias pessoais e desenvolvimento dos cinco sentidos. E aí temos um gravíssimo problema no nosso país: somos campeões mundiais em tempo que a criança fica na frente da TV. Qual o problema disso? Ao ficar muito tempo na frente da TV, ela desenvolve a chamada Postura PassivoAceitante. Com isso, a criança deixa de criar, inovar construir e, principalmente, ter experiências próprias e desenvolver os cinco sentidos. Em frente à TV, está desenvolvendo um ou dois sentidos, visão e audição. Essa mentalidade precisa mudar! Mas deixem-me contar uma coisa para vocês da Psicologia: ninguém muda porque é apresentado a algo novo, algo melhor. Uma pessoa só muda quando a dor de permanecer for maior do que a dor de mudar. Mudar dói, tira a gente da zona de conforto. Quando você vai deixar de dar a aula que está dando? Quando refletir sobre a sua metodologia e perceber que não funciona, que é ineficaz, que está incomodando a sua alma, então vai mudar! Lembrando: experiências práticas mais

Vinícius Roratto

Inteligência emocional e raciocínio lógico

desenvolvimento dos cincos sentidos desenvolvem percepção, que desenvolvem aprendizagem, que desenvolve o cérebro. Agora, vou dar um exemplo real para vocês. Há escolas em Curitiba (aqui não tem) que falam “traga teu filho aqui na nossa escola que alfabetizamos aos 4 anos”. Fuja dessa desgraça! Por quê? É possível uma criança ser alfabetizada aos 4? Claro! Mas esse não pode ser o objetivo, tem que ser o efeito colateral. Qual deve ser o objetivo? Desenvolver a base! E qual a base? Os cinco sentidos, experiências, percepção... essa é a base para aprender. Estou falando sobre desenvolvimento cognitivo, mas está faltando outra parte, o desenvolvimento emocional. Alfabetização emocional implica identificação; em segundo lugar, expressão; e em terceiro lugar, controle. As crianças têm que aprender a

Uma pessoa só muda quando a dor de permanecer for maior do que a dor de mudar”

controlar as emoções; do contrário, tornam-se adultos imaturos, irresponsáveis e inconsequentes. Em resumo, a gente faz a criança ser alfabetizada emocionalmente com estes três passos: identificação, expressão e controle. E como fazer isso? Carinho, afeto e autoridade, porque você é autoridade sobre a vida dela. Quer uma escola de qualidade? Faça uma educação baseada em afeto, carinho e acolhimento. Uma educação de qualidade tem que ter balança com dois pratos. Num prato você coloca afeto, carinho, acolhimento, ouvir a criança, elogiar, ter intimidade e construir vínculo. No outro prato, exerça a autoridade, você é a autoridade, a escola tem a autoridade. E aí o que vai acontecer? Uma educação baseada no afeto e na autoridade só tem um caminho, vai dar certo! Marcos Meier

*Mestre em Educação, psicólogo, escritor e professor de Matemática. Tem coluna semanal na RPC Tv, afiliada da Rede Globo no Paraná, e é comentarista de rádio sobre educação e comportamento. Tem mais de dez livros publicados.

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Fotos Vinícius Roratto

zeca de mello

Refletindo sobre nossos valores

N

a virada do milênio, nós ouvíamos por todos os cantos “novo século”, “novo milênio”, “novos valores”. Todos nós temos a sensação de que tudo está mudando em uma velocidade assustadora. Não há uma única instituição contemporânea que não esteja passando por algum tipo de crise. Portanto, em tempos acelerados e de grandes mudanças, é urgente pensarmos, refletirmos sobre aquilo que realmente vale, aquilo que realmente importa. Um dos maiores desafios hoje é achar que nós estamos sendo

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livres para fazer escolhas, mas nós estamos apenas respondendo a estímulos. A nossa liberdade hoje não está ameaçada pela falta nem pela escassez, mas pelo excesso. É um fato que nós vivemos em um tempo de grandes e graves crises que nos desafiam, desafiam as nossas certezas. Mudanças que demoraram duas, três gerações para acontecer agora acontecem dentro de uma mesma geração. Se você tem um filho de 10 anos e outro de 5, você observa e experimenta essa grave aceleração. Nós todos vivemos em um tempo sem tempo. Nós temos as mesmas 24 horas, mas

temos a impressão de que há muito mais coisas para caber nesse tempo. A grande tentação e talvez o cenário futuro mais sombrio é aquele em que nós estamos apenas preocupados com a diversão. Aquilo que o grande filósofo francês Pascal criticava, chamada “sociedade do divertissement”, dos divertimentos. Hoje, a nossa atenção virou um grande ativo, tudo e todos estão competindo por ela, tem sempre alguma coisa tremendo no nosso bolso, piscando na nossa frente e dizendo: “é urgente, é urgente, é urgente”. A grande tentação é ficar respondendo a estímulos e achar que você está


tomando uma decisão livre. Em tempos de Big Data, em que todas as nossas intenções, desejos, práticas de consumo, escolhas são mapeados ao extremo, precisamos afirmar e reafirmar o mistério que todo ser humano é, aí está o coração do verdadeiro humanismo. Não basta ter ciência, conhecimento e saber para fazer a coisa certa. E para isso não precisamos nos perguntar a toda hora que novos valores são necessários para um novo tempo. A sinceridade continua sendo melhor do que a mentira, a generosidade continua sendo melhor e mais valiosa do que o egoísmo, o amor e a fraternidade continuam sendo mais preciosos e valorosos do que a violência ou a barbárie. Portanto, pensar a mudança é,

sobretudo, pensar sobre a nossa própria mudança, e a mudança das nossas instituições. Facilmente, nós somos profetas da mudança fora de nós, é fácil profetizar a mudança fora. Espontâneo é reclamar, murmurar, apontar o dedo naquilo que não vai bem. E, facilmente, a gente faz isso, em casa, na nossa escola, na nossa cidade, no nosso país. Facilmente, você aponta e sabe aquilo que deveria ser mudado nas pessoas que moram com você, que trabalham com você. Mas, quando em um lapso de lucidez você consegue detectar alguma coisa que não vai bem na sua própria vida, você começa uma jornada de mudança e vai ver como é difícil mudar alguma coisa na própria vida. Como dizia Gandhi, ser a mudança ou ser

Na falta de grandes mestres, na sociedade em que nós vivemos, serão as crises nossas grandes professoras”

no mundo a mudança que nós queremos ver nele, eis aí o grande desafio. O grande Santo Agostinho dizia: “aquilo que você quer inflamar nos outros tem que arder, queimar dentro do seu peito”. Diante desse mundo incerto, volátil, complexo e ambíguo, a incerteza toma conta, e aí temos duas opções: ou nós inventamos valores, criamos novos valores, ou nós nos perguntamos sobre os valores que nós recebemos. Como não inventamos valores, só temos uma opção, trabalhar com os valores que nós recebemos. Ninguém inventa valor, valores não são inventados todos os dias. Talvez nos últimos 50 anos tenhamos um novo grande valor que apareceu ligado à ecologia, à sustentabilidade. Mas essas mudanças não ocorrem toda hora, a todo momento. Por isso, será que nós vivemos hoje uma crise de valores, de fato? Parece que não. No meu trabalho, lidando com empresas de todos os tamanhos, portes,

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desde empresas centenárias até startups, eu vejo que todas fazem declaração de missão, visão e valores. Todas as empresas querem, rápida e urgentemente, fazer a declaração dos seus valores, daquilo em que acreditam. A grande mudança que aconteceu não é tanto de valores, mas no estatuto dos valores. Os nossos valores hoje não são mais ancorados em uma religião, ou valores transcendentes, eles são humanistas. O humanismo é o horizonte ético insuperável dos nossos dias. É importante afirmar e reafirmar isso, ética e ótica. Toda ética, todo modo de nós nos comportarmos no mundo como pessoas, como instituição, depende de uma certa visão de mundo, por isso ética e ótica. De onde vem essa crença na dignidade inviolável da pessoa humana? Essa talvez tenha sido a grande conquista da nossa história, todos os homens têm a mesma dignidade. E esse é o horizonte ético insuperável dos nossos dias, para que nós possamos de fato lidar com esse desafio do mundo que muda o tempo inteiro. Para enfrentar as mudanças, estar atentos a esse horizonte insuperável que é o humanismo, eu chamo duas pedagogas: as crises e as crianças; pelo mesmo motivo, as duas nos deslocam. Toda vez que nós somos deslocados, temos a oportunidade de aprender. Na falta de grandes mestres, na sociedade em que nós vivemos, serão as crises nossas grandes professoras, porque as crises evitam o pior. O pior é passar uma vida inteira só na superfície,

O desafio no tempo de grande aceleração e mudança é experimentar a fragilidade humana”

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sem nunca ter sido precipitado, sem nunca ter sido submergido até o fim, até o fundo de um relacionamento, de uma experiência, de uma prática. A grande tentação contemporânea é a da superficialidade, de ficar só respondendo a estímulo. Toda crise traz consigo também uma promessa. Toda crise é uma oportunidade para uma maior profundidade, para nós, como pessoas ou instituições, olharmo-nos nos olhos. Não há vida sem crise, nós nascemos em crise, morremos em crise. Nós, que fomos formados na escola das respostas certas, como dizia o professor Rubem Alves, temos que aprender a lidar com a incerteza. Nesse sentido, as crianças podem ser nossas pedagogas também, não no sentido da infantilidade, mas no sentido da capacidade de imaginação. Nós facilmente perdemos essa capacidade porque fomos muito treinados a dar repostas a perguntas que nós nunca fizemos, por isso, a importância da provocação. E as crianças são gênios na capacidade de imaginação. Se as crises nos puxam para a maior profundidade, as crianças nos elevam, porque estão vendo o mundo pela primeira vez. Nós facilmente nos acostumamos com as coisas mais lindas, com as coisas mais grandiosas, mais profundas. Precisamos daquilo que o Rubem Alves dizia: “o olho

espantado e a coceira das ideias”. E aí está o coração das humanidades do humanismo, a capacidade de imaginação, de criatividade, de não criar sozinho, criar com o outro. A criança, quando não sabe alguma coisa, arrisca-se; nós não somos só seres capazes de ver, de analisar e de avaliar, mas também somos capazes de nos maravilharmos. E o núcleo do humanismo está aí, no ser humano que se maravilha diante do mistério da própria vida. Em tempos de extrema padronização, ou digitalização dos nossos anseios, dos nossos gostos, é necessário e urgente afirmar a incompreensibilidade humana. O ser humano é aquele que não cabe em nenhuma definição, e isso não é uma falha das humanidades ou do humanismo, mas um privilégio. Toda vez que nós tentamos definir o que é o ser humano, corremos o risco do totalitarismo, vimos isso no século passado. Mas é fato que vivemos em uma sociedade hiperindividualista, aprendemos a definir sucesso como não depender de ninguém. Nosso modelo educacional tradicional privilegiou o indivíduo solitário, competidor, sozinho. Hoje, em qualquer organização, você ouve duas coisas: “aqui a gente tem que pensar fora da caixa” e “aqui nós temos que colaborar”. Duas coisas para as quais o ensino tradicional não nos


Carine Fernandes

preparou. Durante mais de 15 anos, fomos treinados a dar respostas a perguntas que nós não fizemos; portanto, encaixotadas. E fomos treinados a sermos competitivos, guerreiros sozinhos. O desafio, no tempo de grande aceleração e mudança, é experimentar a fragilidade humana e a necessidade da reinvenção dos nossos vínculos, dos nossos laços. Talvez pudéssemos dizer não a novos valores e firmar um novo compromisso, uma nova fidelidade, um novo tipo de engajamento, eis aí a ousadia necessária para a mudança. A última pedagoga, a empatia, desloca-nos para os lados. Tomar perspectivas de pessoas que pensam diferente de nós, ousar calçar os sapatos do outro, ousar tomar a perspectiva do outro. Como diz o pesquisador contemporâneo Roman Krznaric, “a empatia é a nossa capacidade mais importante, porque nos permite entender e ver o mundo pelos olhos dos outros”. A empatia ajuda a reinventar nossos laços, a pensar diferentemente sobre a

fragilidade humana, vê-la não como uma fraqueza, mas como uma grande preciosidade. Para terminar, eu vou contar uma história que ilustra e resume as principais aprendizagens e provocações que eu quis fazer. É a famosa história do grande escritor, falecido recentemente, Eduardo Galeano. No Livro dos abraços, ele conta um conto muito bonito, a história do pai que leva o filho para ver o mar pela primeira vez. Ele conta que andaram, andaram, andaram juntos até que chegaram ao ponto mais alto em uma duna alta, e o menino viu o mar pela primeira vez. E o Eduardo Galeano diz que “o menino ficou mudo de beleza”. Que expressão linda, “ficou mudo de beleza”. Essa expressão, essa experiência de não encontrar a palavra certa, aí está a raiz de todo autêntico humanismo, a incompreensibilidade humana. O mineiro tem uma expressão ótima para traduzir essa experiência, quando está diante de uma experiência muito grandiosa, seja ela positiva, seja negativa, diz “dô conta não, sô”. É uma

experiência que não cabe nem na minha capacidade de narrar, de contar. Por isso é que nós precisamos das humanidades, por isso nós precisamos da poesia, da literatura, das artes, da espiritualidade. É a única forma de dizer aquilo que não cabe nem no conceito nem no cálculo. O menino ficou mudo de beleza e fez um pedido para o pai: “pai, me ajuda a ver o mar”. O conto termina aí. A literatura existe para que nós empatizemos com os personagens. Por que a literatura educa? Por que as artes nos educam? Por que no ambiente artístico nós conseguimos compreender a complexidade humana? Quando você está assistindo a um filme, quando você está lendo um livro, vendo uma novela, quando você está diante de um ambiente estético que o estimula, você é capaz de compreender a complexidade humana, você é capaz de se apaixonar pelo vilão, você é capaz de compreender que ninguém é só bom ou só mau. Nós somos bons e maus ao mesmo tempo. Vamos agora nos colocar no lugar do pai. O que será que o pai sentiu naquela hora? Ele deve ter entrado em crise, teve a oportunidade de reaprender com seu filho, ele deve ter empatizado. Na história, nós resumimos as três grandes pedagogas, as crises, as crianças e a empatia. O pai deve ter se colocado no lugar do filho e deve ter perguntado consigo: “meu filho, eu que tenho que reaprender com você a ver o mar, porque eu vejo o mar e não me maravilho mais”. Naquela hora, o pai empatiza com seu filho, coloca-se no lugar dele. Quem sabe, de fato, as crianças não poderiam ser nossas grandes mestras? Quem sabe as crises não poderiam ser nossas grandes professoras? Quem sabe o exercício da empatia poderia ser nosso grande professor também? Para concluir, uma última provocação em forma de poesia, da grande poeta mineira Adélia Prado. É uma poesia em forma de oração (eu gosto de terminar com ela só para não perder o costume do meu antigo ofício). Diz assim: “meu Deus, me dá cinco anos, me dá a mão, me cura de ser grande”. Zeca de Mello

*Doutor em Teologia (Pontifícia Universidade Gregoriana/Roma). Especialista em Administração (COPPEAD/UFRJ). Professor do MBA na disciplina Provocações Filosóficas (FDC) e Ética na Sociedade do Conhecimento na Pós-Graduação (UFRJ).

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Fotos Camila Domingues

josé moran

Desenhando novas escolas para todos

D

epois de uns 15 anos de prática, quando eu achava que sabia como era trabalhar com os alunos, quando já tinha experiência, comecei a não encontrar muito sentido naquilo que eu fazia. Muitas técnicas que eu tinha aprendido não estavam funcionando como eu estava acostumado. Entrei em uma crise pessoal e, ao mesmo tempo, profissional e didática. Eu tive que me reinventar, no sentido de dizer como posso me manter como profissional da educação, como ser professor de forma que eu me sinta vivo, realizado e, ao mesmo tempo, contribua para que os alunos realmente aprendam. Eu demorei

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para achar o caminho. Uma parte do caminho eu encontrei no diálogo, em conversar, em estabelecer vínculos, em acolher, em esquecer um pouco o conteúdo, mas não porque não fosse importante, mas sim para trabalhar mais a relação. A outra dimensão que para mim foi nova foi ousar. Na verdade, eu vi que eu tinha que ter ousadia para mudar porque minha formação jesuítica foi muito conservadora, muito de obedecer, de seguir regras, normas. E o mundo, com o começo da internet, estava exigindo uma outra postura. E aí, comecei a experimentar. Criei um projeto junto com um professor americano da Escola do Futuro, já há quase 30 anos, que busca pensar o futuro com a

internet. Quando criamos a proposta, na época, a internet estava começando. A ousadia me salvou, ajudou-me a viver uma segunda parte da minha vida muito mais interessante, levou-me a novos horizontes, novos desafios. Se vocês se transformam em pessoas ousadas, criativas, empreendedoras, terão escolas empreendedoras, criativas e ousadas. A escola somos nós! Se não avançarmos mais, é porque nós também avançamos pouco pessoalmente. Pessoas ousadas ajudam a ter instituições ousadas, pessoas empreendedoras ajudam os colégios a avançarem mais. Uma pesquisa feita pelo Porvir, com a participação de 132 mil estudantes, entre 13 e 21 anos, de todos os estados do Brasil, mostra


Bruna Ricardo

que os alunos querem uma escola participativa, com atividades bem práticas, de botar a mão na massa e com as tecnologias que eles usam no cotidiano. Eles querem um currículo mais flexível, fazer algumas escolhas, adaptar um pouco as necessidades e usar mais experimentação. E eles querem fazer projetos, querem acolhimento, afeto, interagir com o entorno, sair um pouquinho da sala de aula, andar mais no pátio, usar outros espaços, fazer experiências reais. A escola que eles querem é a escola que os especialistas nos dizem também, é a escola de hoje. O que é que têm as escolas inovadoras? Essas escolas, em síntese, têm gestores e docentes proativos. São pessoas que experimentam, que conversam, são pessoas que não têm medo de errar e de reconhecer o erro. Trabalham juntas, são criativas, abertas e valorizadas. Esse é o grande diferencial das escolas, são as pessoas! Eu estive há uns dois meses no evento ‘Transformar’, em São Paulo. Lá estavam três diretores de escolas inovadoras, a Steve Jobs, a High Tech High e a Summit. Os três

falaram algo que me chamou muito a atenção: “nós não queremos que nenhum aluno fique para trás. Quando um aluno falha, nós falhamos juntos”. A ideia é trabalhar com o potencial dos alunos. “Nenhum aluno para trás” é incentivar a ideia de comunidade: pais, alunos, professores e gestores em forte parceria. São escolas baseadas em projetos, com tempos flexíveis, uma cultura muito forte do “fazer”, que trabalham muito com situações em que podem contribuir para melhorar o entorno. Eles trazem o problema do cotidiano, de comunidades reais, e buscam soluções; assim o aluno entende o propósito da aprendizagem, que pode contribuir para melhorar a vida de alguém. Isso faz muita diferença na percepção de “por que” ele está estudando, que não é somente para melhorar na vida, mas para encontrar uma vida com propósito. Como nossas escolas podem evoluir sem se descaracterizar? Como podemos manter nossa identidade? Conhecendo os alunos. Não só conhecer o histórico, mas também perguntar a eles o que eles

Se vocês se transformam em pessoas ousadas, criativas, empreendedoras, terão escolas empreendedoras, criativas e ousadas. A escola somos nós!”

querem, quais são os desejos, o que eles fazem fora da escola, quais são as expectativas, acolhê-los. Isso é continuar fazendo o que provavelmente vocês já fazem, isso continua sendo básico para ser uma escola que faz a diferença, porque as outras escolas mais avançadas fazem isso, mas num modelo um pouco mais flexível. Partir de onde os estudantes estão significa partir do Youtube e ir para o livro, ou seja, fazer o caminho inverso; partir do jogo para depois levá-los a não jogar, ou jogar de uma outra forma. Nós temos que entender onde eles estão, o que para eles faz sentido, e tentar ajudá-los a partir disso. Precisamos fazer as negociações possíveis, ou seja, como eu consigo conciliar a proposta da escola com os interesses dos alunos? No lugar de impor o projeto, negocie, converse, pergunte como pode fazer o projeto, que sugestões os alunos têm. E, depois, valorize o que eles produzem. O que dá para fazer em curto prazo? O que dá para fazer agora? Para as escolas, primeiro, apoiar a inovação. Apoiem os professores curiosos, inquietos, que querem fazer uma aula um pouco diferente. Não fiquem com medo do erro, porque ele sempre vai acontecer na nossa vida, mas aprender com o erro é uma das grandes lições que nós podemos ter. Crie nas escolas um núcleo de gestão dessas práticas inovadoras, isso é possível. Reúna as pessoas mais inquietas, professores,

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coordenadores, alunos e, se possível, pais, criando um núcleo de gestão do que dá para fazer de novo. Crie algumas formas para que isso se torne mais presente, mais divulgado, que tenha um apoio e uma estruturação de como fazer algumas inovações possíveis no colégio. Procure apoiar a formação continuada dos professores em novas metodologias, nas metodologias ativas. Existem muitos cursos disponíveis gratuitamente sobre isso ou com custo pequeno. Trabalhar com ensino híbrido, personalização, aula invertida, criar situações diferentes em sala de aula, várias formas que chamam de rotação, são técnicas viáveis e que já dão um grande diferencial, mesmo que vocês trabalhem no modelo disciplinar. É possível, e provavelmente muitos de vocês já desenvolvem, integrar cada vez mais as áreas de conhecimento. Melhoramos o modelo disciplinar na

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medida em que o integramos por meio de projetos. Às vezes, a escola tradicional não consegue mudar o currículo, ainda tem aulas separadas por disciplinas, mas consegue criar espaços em que as disciplinas conversam entre si através de projetos integradores. Eu vi uma experiência há pouco em um colégio tradicional de São Paulo, o Bandeirantes. Eles têm o projeto chamado ‘STEAM’, que envolve ciência, tecnologia, artes e Matemática. Os professores dessas áreas trabalham com alguns projetos comuns com os alunos em laboratórios que têm uma série de ferramentas que vão desde o manuseio físico, de fazer propostas ou ideias no papel, até usar impressões 3D. Eles misturam o modelo que chamariam disciplinar com a integração de áreas por meio de projetos. É uma forma de trabalhar respeitando a individualidade de cada professor em cada disciplina e, ao mesmo tempo, de integrá-las

de forma maior. Ousem, trabalhem pelo menos em cada semestre um ou dois grandes projetos em que várias disciplinas conversem entre si e nos quais os alunos tenham que olhar para várias interfaces para entender que o conhecimento é complexo e que tudo está ligado. Façam avaliação diagnóstica para ver onde o aluno está no começo, mas depois criem, seja através de portfólio, seja com outro mecanismo semelhante, a ideia de visualizar o acompanhamento do aluno, para que os projetos e tudo aquilo que ele vai fazendo ao longo do semestre se torne importante, tenha um peso igual ou maior que a avaliação que a gente dá na prova. Se não tirarmos a prova, podemos primeiro mudar a própria prova. Vou falar algo com que muitos não vão concordar, mas acredito que hoje, em um mundo digital, onde você tem acesso à informação sempre na mão (quando você tem alguma


dúvida, você consulta o Google), ficar fazendo prova sem consulta é uma bobagem. Você tem que criar provas em que o aluno possa consultar, porque na vida real ele vai consultar. O que ele tem que te mostrar é o que ele faz com tudo isso, como ele interpreta um problema, uma situação, o que ele faz com toda essa informação. Então façam provas, mas façam provas inteligentes e tirem o peso da prova. Na hora de criar avaliação por rubricas, por exemplo, coloquem-na em um portfólio compartilhado. Assim, o professor pode intervir antes que o aluno entregue o projeto e pode perceber que ele está atrasado ou, se vir que ele fez um planejamento de projeto muito cru, pode intervir, ajudá-lo muito antes do que só no final fazendo uma avaliação. A ideia é trabalhar o progresso através de portfólio. São questões que são muito difíceis de implementar e já dariam uma grande diferença se vocês juntassem ensino híbrido, aula invertida, avaliação um pouco mais ampla e depois usassem alguns recursos, tecnologias que sejam possíveis. Não precisa ser a mais sofisticada, mas eu chamo de uso inteligente das tecnologias. Uso inteligente significa que há momentos em que vale a pena, há momentos em que não, não podemos ir no “tudo ou nada”. Inteligente significa que, em alguns momentos, faz sentido. Não é pelo fato de os alunos e os professores terem muitos aplicativos na mão, no celular, que dominam as competências digitais. O aluno sabe mexer, mandar fotos, compartilhar no Whatsapp, no Facebook, mas talvez não saiba aprender, não saiba pesquisar, não saiba escolher, não saiba avaliar. Então precisamos encontrar também uma série de formas de desenvolver as competências digitais, principalmente para o professor de Português, professor de línguas. Eles precisam ensinar a pesquisar, a avaliar as informações, a comunicar-se também de várias formas, a fazer apresentações de projetos, fazer sínteses, porque os alunos têm dificuldade em fazer

sínteses rápidas e compartilhar também online. Essas são coisas que um colégio pode fazer facilmente. Precisamos também pensar em médio prazo. Estamos em uma época tão disruptiva, que não basta só fazer aquelas mudanças que eu apontei anteriormente, de curto prazo, se você não tem visão de médio prazo. Então, uma das funções daquele comitê de gestão que eu sugeri é pensar em alguns momentos, fazer algumas reuniões um pouco mais longas envolvendo mais pessoas para pensar em como planejar um projeto de uns cinco anos para frente. É interessante, em algum momento, reunir toda a comunidade, trazer as ideias, discuti-las e buscar, ao mesmo tempo, as melhores experiências, quem está fazendo coisas mais avançadas, para aprendermos e tentarmos implementar em pequena escala, ou seja, com um grupo, em algum curso, alguma experiência um pouco mais avançada para começarmos a preparar esses modelos mais disruptivos que nós temos que implementar em pouco tempo.

Apoiem os professores curiosos, inquietos, que querem fazer uma aula um pouco diferente”

Termino dizendo toda época de crise é uma época de oportunidades. Crise também significa crescimento, rever nossos conceitos; significa ousadia, como vocês estão propondo. Mesmo que nós tenhamos uma série de dificuldades em ousar, vamos fazer todo o possível, um pouco como eu fiz num momento da minha vida para sair da zona de conforto. Vamos experimentar, ir aos poucos ousando para ter uma vida muito mais realizadora, aberta e plena. É o caminho que nós temos se queremos evoluir. Vocês já estão mais do que convencidos de que o mundo exige muito de vocês e que a escola, se quiser ser relevante, se quiser manter a sua importância social, tem que se adaptar e, ao mesmo tempo, manter os valores fundamentais que sempre desenvolveu, como o humanismo, a ética, aprender a conviver, aprender a evoluir, preparar pessoas para uma vida muito mais longa e desafiadora que vão ter. É um grande desafio, é um maravilhoso desafio para os demais, mas, principalmente, para nós mesmos: o desafio de aprender a viver plenamente. José Moran

*Doutor em Comunicação pela USP, professor de Novas Tecnologias na mesma universidade e mentor de Cursos e Projetos Híbridos e Online sobre Novas Metodologias com Tecnologias Digitais.

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Fotos Camila Domingues

Fotos Camila Domingues

alexandre ventura

Professor: protagonista de inovação e mudança

C

omeço apresentando a síntese de uma pesquisa feita nas últimas décadas sobre os fatores mais propiciadores do sucesso na escola, independentemente de ela ser pública ou privada. Os dois fatores mais importantes a influenciarem a qualidade das aprendizagens e do desenvolvimento das competências dos alunos dentro da escola são os professores e a qualidade das lideranças, ou seja, diretor e coordenador pedagógico. Uma das primeiras pesquisas desenvolvida pelos americanos William Sanders e June Rivers, em 1996, mostra a influência de perfis diferentes de professores em alunos com o mesmo nível de resultados acadêmicos. Ao longo de dois anos, um é acompanhado por

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um professor menos competente, e o outro é acompanhado por um professor mais capaz. Resultado: o que está com o menos competente diminui a qualidade do seu resultado, e o que está com o mais capaz potencializa a qualidade desse mesmo resultado. É só para nos conscientizarmos de que, efetivamente, nós, professores, é que fazemos a diferença na qualidade das aprendizagens dos alunos dentro da escola. Ter um bom professor na escola marca a vida dos alunos para sempre. É obvio que isso, ao mesmo tempo em que é motivo de regozijo, é uma responsabilidade por tudo aquilo que nós fizermos ou deixarmos de fazer para propiciar o sucesso dos nossos alunos. Portanto, nós temos que dar tudo aquilo que pudermos dar e fazer tudo aquilo que está ao

nosso alcance. Muito simples, fazermos com os filhos dos outros aquilo que queremos que os professores dos nossos filhos façam com eles. É tão simples e tão difícil. Quais são as qualidades de um bom professor? Claro que qualidades mais valorizadas em uma região, ou numa determinada escola, podem ser diferentes em outra escola, em outra rede de escolas, mas o que nós podemos considerar como aspectos essenciais? Eu diria que aquele que eu considero a espinha dorsal, o elemento fundamental sobre o qual todo o resto deve ser construído, é um elemento muito simples e tão difícil. O professor tem que ser ético como ser humano, como ser social e profissional. Talvez um dos elementos fundamentais daquilo que nos desagrada


hoje no Brasil seja exatamente a falta de ética. Eu considero que se não for na escola para se fazer essa aprendizagem, ela não acontece numa dimensão global. A escola é a única instituição pela qual praticamente todos os elementos da população passam. O professor tem que valorizar a ética, tem que falar de ética com casos concretos, do cotidiano, para que os alunos, de fato, no seu processo de socialização, de desenvolvimento da personalidade, entendam o que está certo e o que está errado. A segunda qualidade que eu vou identificar tem a ver com estratégia, é importante que cada um dos professores tenha uma estratégia de vida pessoal e uma estratégia profissional. A estratégia é um fator de motivação, quando construímos hoje aquilo que queremos que aconteça amanhã. A estratégia é uma forma de nós arquitetarmos o futuro da nossa vida o mais condizente possível com aquilo que nós como pessoas, como profissionais, como grupo, como sociedade queremos para o nosso futuro. Reparem, uma pessoa que não tem estratégia para a sua vida é mais facilmente permeável à frustração, à depressão,

à inexistência de satisfação com o seu presente e com o seu futuro. São pessoas que vivem uma vida muito ligada ao imediato, às circunstâncias e, portanto, não têm algo que lhes mostre que há um bem maior que às vezes justifica os sacrifícios que nós fazemos hoje na nossa vida. Isso é um fator de estímulo, é um fator de resiliência, é um fator de fortalecimento da nossa personalidade. Uma outra característica fundamental, na minha perspectiva, é o ecletismo, que é a nossa capacidade para, junto dos nossos alunos, darmos testemunho de cabeça aberta. Espírito livre, capacidade para mostrar aos nossos alunos que os fundamentalismos são o veneno da nossa sociedade. Se vocês analisarem, a maior parte dos problemas que nós temos hoje, em termos nacionais e internacionais, tem a ver com fundamentalismo. Ou fundamentalismo político, ou religioso ou em termos do modo de vida, quer dizer, nós temos muita gente que hoje pensa como se pensava na Idade Média. São cabeças que foram construídas e alimentadas com palas laterais, como os jegues costumam usar, só veem em uma direção e não admitem a pluralidade, a alternativa, que o meu ponto de vista seja nada mais e nada menos do que a vista a partir de um ponto que é o meu, não é melhor, não é pior do que o dos outros, é apenas o meu. Uma outra caraterística importantíssima para a nossa atividade, independentemente da nossa função específica, é o entusiasmo. Como nós podemos suscitar o entusiasmo dos nossos alunos se nós não formos entusiasmados, se não tivermos gosto por ensinar, gosto por ajudar os outros a aprender, gosto pela nossa profissão? É perfeitamente possível que nós entremos na profissão e depois, pelo desgaste, porque apareceu outra profissão mais entusiasmante, porque aconteceu algum fato terrível, irruptivo na nossa vida, deixamos de ter aquele gosto, aquele entusiasmo, que é o brilho nos olhos. Agora, os nossos alunos não merecem menos do que professores entusiasmados, que gostem daquilo que fazem, com aquele brilho nos olhos. Eu acho que nos ajudaria muito se recordássemos a nossa experiência de aluno, uma memória mais viva dos nossos professores para identificarmos aquilo que são boas práticas e práticas piores. Diretamente ligada a isso há uma

Nossos alunos não merecem menos do que professores entusiasmados, que gostam daquilo que fazem, com aquele brilho nos olhos”

característica fundamental, como é obvio, a nossa competência comunicacional, e isso é algo que pode ser aprimorado, porque nem todas as pessoas têm a mesma competência comunicacional. Nós podemos ser sábios, termos um domínio da nossa área científica espetacular, uma boa pedagogia, boa didática, mas, se não tivermos competência comunicacional, não passamos o nosso testemunho. Um outro aspecto muito importante, que no fundo está ligado a todos os outros, também é o envolvimento. Ou seja, se nós não trabalharmos, não nos envolvermos, não prepararmos bem as nossas aulas, nós não teremos eficácia na nossa ação. Uma boa aula é, em grande medida, fruto de muito trabalho, de muita preparação, de horas e horas na escolha da estratégia, dos materiais, na identificação da melhor didática, do registro comunicacional que nós vamos usar nessa aula. E depois da aula, o que é que nós identificamos como sucesso decorrente da nossa ação? Os alunos acompanharam ou não acompanharam? Houve dificuldades ou não? O que é que eu tenho que fazer em termos de reforço, em termos de reconfiguração da minha ação? Isso é fundamental. O envolvimento é, no fundo, aquele suor, aquela dedicação, aquele trabalho que são absolutamente fundamentais para a eficácia e para a sustentabilidade da nossa ação. Se nós tivermos essas cinco características e as pusermos em prática, nós seremos mais capazes de ultrapassar com sucesso os problemas e as dificuldades. Uma das tendências em termos sociais e profissionais é a desprofissionalização do

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ensino. Há um conjunto de aspectos que tem atacado aquela que é a realidade dos professores, aspectos que têm a ver com a memorização da imagem social dos professores e com a massificação da profissão docente, com o sucateamento da formação inicial dos professores e da formação continuada, com a diminuição dos financiamentos para o setor educacional. Tem havido um conjunto de ataques não orquestrados, muitos deles não intencionais, mas que, na prática, tem posto em perigo, tem desprofissionalizado aquilo que é o ensino e a ação dos professores. Em um país como os Estados Unidos, supostamente um país com um nível de desenvolvimento humano no topo, é possível vermos na estrada uma grande placa com dezenas de metros quadrados a dizer coisas do gênero “você quer ser professor, venha para a

nossa universidade e em seis meses você terá o diploma”. Isso parece pegadinha, mas não é, é assim mesmo. Nós estamos baixando a exigência, em uma lógica de quem não tem cão caça com gato. Há dois conceitos relacionados com isso. O primeiro é o do profissionalismo no sentido de profissionalidade, tem a ver com a qualidade do nosso exercício profissional. Eu diria, grosso modo, que nós, como corporação, temos feito um bom trabalho no nível do profissionalismo, na exigência dos direitos, mas não temos tido o mesmo sucesso na profissionalidade, na profundidade do nosso conhecimento, das nossas competências, dos nossos procedimentos empregados no processo de ensino. Há, portanto, um déficit de profissionalidade, e só nós podemos nos queixar de nós. Também tem havido uma inabilidade nossa para dizermos o quanto a nossa prática é boa, que tem

Infelizmente, temos assistido a uma hipervalorização da pesquisa e a uma desvalorização do ensino”

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qualidade, é diferente da dos outros. Nós não somos profissionais fáceis de substituir, nós somos únicos, temos competência, temos uma expertise no nosso exercício profissional, nós de fato fazemos a diferença na vida dos nossos alunos e ninguém como nós é capaz de desempenhar essas funções. Qual é a imagem futura que nós queremos para nossa profissão, que imagem nossa queremos para a sociedade? Queremos que os professores sejam como técnicos, ou queremos que os professores sejam como profissionais reflexivos? Quando eu digo técnicos, é que não podemos ser apenas técnicos. O que está associado ao professor com o perfil técnico é aquilo que alguns chamam de “aplicador de currículo”, trabalha com um currículo extremamente descrito no qual te dizem o que fazer, como fazer, quando fazer. Não é esse perfil que nos interessa, eu acho que nos interessa é o perfil do profissional reflexivo, que tem um conjunto de recursos, conhecimento, formação, experiência. Eu não tenho nada contra a técnica, o que eu tenho é contra professores cujo perfil seja exclusivamente técnico, porque ele


Wagner Fiqueiredo

ensina a todos como se fossem um só, como se não tivessem diferenças, não customiza, não personaliza, não adapta, não reconfigura, não modula, não flexibiliza. Temos que elevar o nível de exigência sobre os cursos de formação de professores. Vão contar se tem edifícios, se tem equipamentos, quantos professores são doutores, quantos têm mestrado, quantas publicações, se publicaram em jornais nacionais ou internacionais. Desculpa, mas é conversa para boi dormir, isso não interessa. Infelizmente,

temos assistido a uma hipervalorização da pesquisa e a uma desvalorização do ensino, de tal forma que nós podemos ter em uma faculdade um conjunto de pessoas claramente incapazes de ensinar, até porque elas próprias não sabem, e estão a formar professor para uma realidade que elas nunca vivenciaram, nunca estiveram no chão de fábrica. Entretanto, publicam muito... Eu quero lá saber da publicação?! Eu quero é gente nas faculdades, que saiba ensinar. O que podemos fazer com relação à formação

continuada dos professores? Eu acho que é preciso olhar mais para as especificidades e o contexto da escola e fazer a formação naquele contexto onde algumas pessoas necessitam de desenvolvimento. Além disso, devo aproveitar melhor o recurso da escola, às vezes as escolas vão buscar fora aquilo que elas têm dentro. Elas têm gente competente, capacitada, formada, mas a galinha da vizinha é sempre mais gorda que a minha. Acho que também é necessário envolver mais as universidades, elas aproveitam-se muito mais das escolas do que as escolas se beneficiam delas. Aí sim vale a pena fazer pesquisa, porque eu a faço em articulação direta com as escolas, eu faço pesquisa e peço às escolas e aos professores para colaborarem e depois dou um retorno, há um benefício decorrente disso para as escolas. As universidades consomem muito mais recursos ao bem comum e ao bem privado do que beneficiam o funcionamento dessa mesma sociedade, nomeadamente das escolas. Eu desafio que tenhamos a ousadia para mudar! Estamos em um momento em que como país, como cidadãos, como profissionais de educação, como pessoas, nós temos que ter essa ousadia para mudar. Abracemos o sonho que nos permitirá ter um país diferente para melhor, um país mais culto, mais evoluído, mais eclético, mais respeitador, mais ético. Alexandre Ventura

*Doutor em Ciências da Educação. Professor do Departamento de Educação e Psicologia da Universidade de Aveiro. Atua na Educação Básica desde 1986 e é consultor de organizações educacionais.

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E s p a ç o mover

Minha fala é fundamentada na obra de John Hattie chamada ‘Aprendizagem Visível para Professores’. Eu fiz a revisão técnica do livro, no qual o autor apresenta resultados de mais de quinze anos de pesquisa sobre temáticas que são muito claras para nós professores: tema de casa, motivação, estratégias de ensino, feedback. O autor mostra o resultado das práticas que são mais eficientes e nos dá pistas para usarmos essas práticas de ensino. A primeira questão a pensar é que precisamos buscar evidências seguras, ou seja, o que as pesquisas apontam como sendo práticas que dão bons resultados. Claro, o autor diz que não existem receitas fixas e seguras que vão nos auxiliar a atender a todos os alunos. Obviamente isso não existe. O que existem são práticas que tem se mostrado mais eficientes e outras menos eficientes e, a partir desse conhecimento, vamos tomar algumas decisões, no sentido de que práticas eu vou incorporar na minha ação pedagógica. Trago um exemplo que o autor cita no livro, o efeito do tema de casa no desempenho do aluno. Hattie mostra o resultado de 161 estudos, que envolveram cinco meta-análises (estudos que englobam revisões extensas da literatura e trabalhos que envolveram 100 mil alunos). O efeito do tema de casa é o mesmo, considerando alunos de Ensino Médio e Ensino Fundamental? Os resultados dessas pesquisas evidenciaram que o tema de casa tem um efeito muito mais positivo para a aprendizagem dos alunos do Ensino Médio do que para a aprendizagem dos alunos do Ensino Fundamental. Os alunos de Ensino Médio são mais maduros, têm hábitos de

estudos mais desenvolvidos, conseguem, de um modo geral, autorregular a aprendizagem. O autor cita o exemplo de um grupo de escolas na Nova Zelândia que, a partir desses resultados, pensaram em uma abordagem diferente para o tema de casa. Propuseram desafios envolvendo, por exemplo, a construção de blogs, pesquisas na internet, desafios em que o aluno precisa do apoio da família. A partir daí, observaram que o nível de motivação dos alunos foi muito maior, eles vinham para a sala de aula com vontade de compartilhar o tema. Esse é o exemplo de um impacto positivo baseado numa evidência de pesquisa. Hattie fala que o grande desafio é nos tornarmos professores que tenham um alto impacto na aprendizagem dos nossos alunos. E que atributos teria esse professor? A capacidade de estabelecer uma relação de afeto, de confiança e de respeito com o aluno, ter compromisso com o ensinar, ter altas expectativas (acreditar que seus alunos vão aprender, abandonando esses rótulos “ele não aprende porque tem TDH, porque tem dislexia, tem discalculia...”). Procurar flexibilizar a sua ação docente, inovar, aceitar o erro, dar feedback no sentido de orientar o aluno sobre como é que está acontecendo a sua aprendizagem e também receber feedback dele. E pensando sobre métodos, estratégias, feedback, qual é o melhor para usarmos? Hattie diz que essa não é a pergunta certa; a pergunta-chave é: qual é o melhor método para qual aluno? Qual o melhor método para dar conta de qual conteúdo? Não vamos encontrar um único método para alcançar todos, por isso, é muito importante

Vinícius Roratto

Qual o impacto do ensino sobre a aprendizagem do aluno?

A grande questão é mudarmos o foco, pararmos de pensar tanto no ‘como ensinar’ e estarmos mais atentos para o ‘como aprender’”

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que o professor tenha conhecimento dessa vasta gama de possibilidades. A grande questão é mudarmos o foco, pararmos de pensar tanto no “como ensinar” e estarmos mais atentos para o “como aprender”. Avaliar o nosso impacto não é uma tarefa fácil, mas é necessário se quisermos atingir o nosso objetivo maior, que é auxiliar os nossos alunos a aprenderem com sucesso. Luciana Corso

Doutorado e Mestrado em Educação, professora Adjunta do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFRGS.


Uma escola centenária com ousadia para mudar

Mariana Fontoura

Agradeço por compartilhar com vocês um pouco da experiência que eu vivi no Colégio Elvira Brandão, de São Paulo, uma escola particular, porte médio, 650 alunos, com toda aquela pressão “tranquila” que os pais fazem pelo resultado no ENEM, com reclamações pela alta mensalidade... Dentro dessa pressão de uma jovem escola de só 115 anos, chegamos à conclusão de que o que garantiu a essa escola os 100 anos de vida não garantiria os próximos 100, então era a hora de mudar. Por que queríamos mudar? Eu queria uma

escola diferente. Queria que meu aluno chegasse e se espantasse, saísse com aquele olhinho arregalado de “nossa, eu tenho que voltar para esse lugar amanhã”. Não queríamos uma escola de respostas certas, onde você tenta reproduzir algo que alguém que sabe mais do que você falou que é importante. Também queríamos uma escola com estudantes, não com alunos. Por isso, buscamos acabar aos poucos com a aula. Esse era o nosso sonho, que os alunos fossem lá para estudar, e não para ter aula. E isso é bem diferente, muda inclusive a nossa organização curricular e estrutural porque, se você vai para estudar, o espaço tem que ser muito mais coletivo. Como fizemos essa mudança? Vou falar sobre o que fizemos nas áreas de gestão, infraestrutura e pedagógica. Começando pela gestão, o eixo do trabalho foi ter uma gestão mais humanizada, mais “olho no olho”. Não me entendam errado, eu não sou contra os processos, contra os números; ao contrário, se vocês analisarem meu currículo, vão ver que eu sou físico, gosto das exatas, meu doutorado é em avaliação, reconheço a importância dos indicadores. Mas o gestor tem que inspirar, não dá para ser um chefe, alguém que vigia. Em relação à infraestrutura, é muito importante que vocês entendam que o contexto inspira; por isso, o ambiente tem que ser inspirador. Se você não tem ambientes inspiradores, se o contexto não te leva para a criatividade, você espera isso dos seus alunos? Você espera isso dos seus professores? Eu não estou dizendo o extremo, não é que o diretor vai ter que usar brinco e umas meias malucas a partir de

agora, não precisa ser assim. Mas também não dá para as salas de aula terem paredes brancas. No Colégio, por exemplo, entregamos tinta na mão dos alunos do Ensino Fundamental II e do Médio e eles pintaram as suas salas. A respeito da proposta pedagógica, investimos no “compartilhar” e no “personalizar”. Buscamos uma proposta pedagógica que fosse construída com os alunos, que as aulas fossem mais participativas, por isso acabamos com o laboratório de informática e fizemos no local um espaço Maker, para eles colocarem a mão na massa. Por isso, vendemos as carteiras do Ensino Médio e compramos mesa de trabalho em grupo, para que eles pudessem compartilhar melhor. Vamos mudar o paradigma tal como Copérnico fez lá pelo século XV, pegando o sol e colocando no centro, mudando o paradigma. Vamos colocar o aluno no centro e pensar uma escola para ele, onde possa construir o conhecimento com os outros em vez de receber. E que seja uma escola personalizada, e aí eu não estou falando de plataforma adaptativa, não estou falando para você trocar a sua escola por uma plataforma tecnológica, mas eu estou dizendo, sim, façam como a Netflix que acabou com o mercado de DVD e que está deixando loucas agora as operadoras de TV a cabo, porque ela entrega o filme que é bom para você. Entregue a escola que seu aluno quer ter, cada aluno quer de uma forma diferente.

Buscamos acabar aos poucos com a aula. Esse era o nosso sonho, que os alunos fossem lá para estudar, e não para ter aula”

Renato Júdice

Doutor em Educação. Dirigiu projetos de inovação no Colégio Elvira Brandão, na área acadêmica do UNO Internacional e do Avalia Educacional (Grupo Santillana). CEO da Startup Kyklos.

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Eu me formei na universidade em 1996 e retornei como professor para a escola em que eu havia estudado. Tomei um grande susto, porque até os livros que eu utilizei ainda eram adotados, nada havia mudado. Eu me defrontei com alunos indisciplinados, número excessivo de alunos em sala, uma prática antiquada, o livro como única ferramenta didática e a escola sem projeto político-pedagógico. Com todos esses problemas, tínhamos professores desmotivados, com vontade de mudar. E eu estava chegando, ex-aluno, professor novo, a expectativa que gera é que vem mudança, vem alguém cheio de gás, e encontrei colegas que compartilhavam as mesmas reflexões, buscavam garantir o prazer de aprender e de se envolver em situações desafiadoras. Uma das coisas que descobri é que tinha que voltar a estudar, isso que eu mal tinha saído da faculdade. Eu tinha uma preocupação muito grande em como transmitir uma Matemática diferente da Matemática que eu tive, que não era a que eu queria para os meus alunos, aquela que faz sofrer, que exclui, que pune. Então fui estudar e participei de um projeto chamado ‘Fundão’, no qual discutíamos ideias, aplicávamos na escola e avaliávamos como se deu a prática. Lá descobrimos que antes de a gente se preocupar em como ensinar algo melhor, temos que pensar em por que estamos ensinando aquilo. O “como fazer” vai ser lindo, eu vou achar milhões de maneiras, hoje você abre vídeos na internet, você vai ver várias formas diferentes. O Brasil gastou mais de

um PIB com videoaulas, cursos de capacitação online, e não houve melhoras, estamos em 66º lugar entre 72 países na avaliação da Matemática na prova do PISA. Vou apresentar algumas sequências didáticas diferenciadas que trabalhamos na escola. Por exemplo, números quadrados e raiz quadrada. Às vezes o aluno nem entende, fica decorando fórmula, mas raiz vem de radix, que é lado em latim, lado do quadrado, radix quadratum. Então dá uma malha quadriculada, pede para ele construir quadrados, e dali constrói o número quadrado e tira o que é raiz quadrada, vai ter muito mais significado para ele. Outro exemplo: para ensinar área, perímetro e proporção, mostrei para os alunos o que era uma planta baixa e pedi que eles, em grupo, fizessem uma planta baixa de uma casa, pesquisassem no comércio local o piso que eles queriam utilizar para revestir, pedissem a um pedreiro um orçamento e apresentassem para a turma uma maquete, trabalhando a ideia de proporcionalidade do projeto que montaram. É muito mais rico, eles têm a noção do que é área, perímetro e proporção a partir de um projeto que eles construíram. Quando eu fui dar trigonometria, fiquei pensando: “eu vou falar o que de trigonometria? Um monte de fórmulas?”. Pedi para os alunos baixarem um aplicativo de medir ângulo, o Dioptra ou o Theodolite. Eles construíram com cabo de vassoura o pau de teodolito, que seria uma brincadeira com o pau de selfie, e a gente foi pela escola medindo alturas equiprováveis. Depois, eles fizeram isso em

Se está insatisfeito, mude, planeje, permita que seu aluno seja feliz com uma Matemática que faça sentido para a vida dele”

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Vinícius Roratto

Superação + Motivação + Trabalho = resultados positivos em Matemática

outros lugares e trouxeram para a sala para socializar com os colegas. Desejo que cada um que chegue à sua escola pense nisto: “que Matemática eu quero construir para o meu aluno?”. É uma Matemática com que ele se surpreenda, que vai fazer sentido na vida dele? Se é a Matemática em que você não acredita, não faça, porque essa o Brasil faz há anos, e nós somos um dos piores países em trabalho com esse tipo de Matemática. Então, se está insatisfeito, mude, planeje, permita que seu aluno seja feliz com uma Matemática que faça sentido para a vida dele, que não segregue, que não traumatize, que não faça mal a ninguém. Luiz Felipe Lins

Mestre em Matemática. Professor na rede pública municipal e coordenador de Matemática do quarto e quinto anos do Ensino Fundamental na rede privada, na cidade do Rio de Janeiro.


Fim da aula expositiva?

Vinícius Roratto

Passamos 11 anos do ensino básico recebendo um monte de informação que não faz sentido. Qualquer coisa que eu perguntar para você, se você não for um especialista da área, você não vai saber. E a gente obriga os nossos alunos a fazerem, cotidianamente, uma exposição de conteúdo enciclopédico que não serve para nada. A escola tem que romper com esse modelo de exposição, tem que começar a trazer a cultura infanto-juvenil. A escola tem que ser uma conectora de cultura, a cultura formal com a cultura do jovem, da sociedade. E quem vai fazer essa conexão é o professor. A aula deveria ser um processo dinâmico no qual o conhecimento corre que nem uma energia elétrica, a aula deveria ser uma espécie de textura que movimenta interesses. O que acontece é que essa exposição de que eu estou falando muitas vezes deixa as pessoas passivas, essa energia não corre. A tendência é que a aula expositiva vá desaparecendo gradativamente, porque hoje uma série de outros objetos, canais, uma série de outras mídias aparecem para tomar a nossa atenção. Talvez o último grande expositor que a gente tenha tido foi o Barak Obama. No Congresso do SINEPE, estiveram dois grandes expositores, que veneramos, o Clóvis

de Barros Filho e o Leandro Karnal, mas eles fazem uma exposição diferente, usando uma outra plataforma. Não é que a exposição esteja morrendo, mas ela está sendo reconfigurada, a aula de 50 minutos não serve mais. Para criarmos uma aula dinâmica, precisamos trazer a cultura infanto-juvenil para a escola. Nós não conhecemos o nosso jovem. Vimos recentemente a grande polêmica dos suicídios, esse seriado da Netflix ‘13 razões para’; vimos uma outra polêmica, a ‘Baleia Azul’, e ninguém sabia o que era isso porque não sabemos o que está acontecendo do outro lado, não criamos diálogos. Não é só conhecer o outro, é conhecer a cultura do outro. Existe uma cultura da criança que vê a Pepa, existe a cultura do adolescente que está vendo Netflix e jogos, jogos que têm um estádio de futebol inteiro jogando. E quando só expomos e não dialogamos, levamos sustos, morre um ídolo como Cristiano Araújo, que ninguém

sabia quem era. A escola tem que trazer esses elementos de cultura com os jovens, com as famílias e dialogar. Quando eu falo que a exposição está morrendo, é que na verdade precisamos aumentar o diálogo, que é de que o Paulo Freire falava. A escola não prepara para a vida, a escola é a vida. Precisamos produzir experiências em um jovem que vive de experiências. Todos nós queremos experiências, somos a sociedade da experiência. Em vez de comprar um DVD do Cirque du Soleil, você vai lá e paga R$ 300 para ver o Cirque du Soleil. Em vez de fazer a comida de domingo, você vai a um restaurante, você guarda dinheiro para ir para a viagem de férias. É uma sociedade cada vez mais experiencial, e a escola é a não experiência. Para produzir uma aula que experiencie, é fundamental convidar os jovens. A ideia é mudar o modelo fabril da escola pelo modelo de ateliê, convidar a comunidade para participar do processo educativo experiencial. Nós fazemos isso no Instituto Singularidades, optamos pelo modelo prático. Se vocês entrarem no site da faculdade, dezenas e dezenas de aula são filmadas pelos próprios professores, que entendem que é fundamental comunicar o que você está produzindo para mudar e para passar para toda a comunidade. Então, basicamente, mudar significa mudar o modelo mental, criar uma situação experiencial para que possamos aprender com os jovens, criar, produzir um novo mundo e transformar a escola, que era uma preparação para a vida, para que a escola seja a própria vida.

Não é que a exposição esteja morrendo, mas ela está sendo reconfigurada, a aula de 50 minutos não serve mais”

Miguel Thompson

Doutor em Oceanografia. Professor de Educação Básica por 25 anos. Consultor do PNUD e do MEC. Autor de livros didáticos de Ciências e Biologia. Diretor executivo do Instituto Singularidades.

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J osé Paulo da R osa

Dois professores americanos lançaram o livro ‘Por que as nações fracassam’. Eles compararam diferentes países, como México, Estados Unidos, Coreia do Sul e Coreia do Norte, para avaliar os motivos pelos quais alguns têm sucesso e outros não. Eles apontaram três motivos para o sucesso: educação, instituições políticas e econômicas fortes e um ambiente propício ao empreendedorismo e à inovação. A Finlândia levou cerca de 60 anos com uma série de projetos educacionais para atingir o status de qualidade na educação que tem hoje. A Coreia do Sul levou cerca de 40 anos para mudar a realidade da educação do país. Singapura, que teve o melhor resultado no PISA em 2015, levou 25 anos para chegar a esse nível. Eu estimo que nós vamos levar uns 30 anos para, talvez, mudar essa realidade, caso iniciemos hoje. Só que não enxergamos um ambiente político saudável para isso. A Coreia do Sul, nas décadas de 40, 50, 60 e 70, tinha uma média de anos de estudo da educação similar à do Brasil e um PIB per capita também parecido com o nosso. Hoje, a média de estudo da Coreia é em torno de 15 anos. É como se na média toda a população tivesse o Ensino Médio e mais alguns anos de educação superior. No Brasil, a média de anos de estudo da população brasileira é 7. Por causa desses indicadores, eu resolvi ir à Coreia, e a minha tese de doutorado foi comparando a gestão educacional da Coreia com a de escolas no Rio Grande do Sul. A pesquisa foi centrada em quatro escolas, três públicas e uma privada, que tiveram o melhor resultado no ENEM e no IDEB em 2009. Há alguns diferenciais que dá para trazer da Coreia, um deles é que a sociedade, efetivamente, valoriza e prioriza a educação. Os

Vinícius Roratto

O apagão da educação

pais participam efetivamente da gestão da escola pública e privada. Em várias escolas em que eu estive, eles estavam lá na sala de aula, nos corredores e em todas as reuniões. A família, efetivamente, participa da gestão da escola, e isso faz toda diferença. Há uma priorização da Educação Básica, os melhores professores estão lá e recebem um salário melhor por isso. Eles têm apoio e tempo para pesquisa. Tudo isso porque se entende que não adianta querer consertar o teto se o telhado, o piso e o alicerce estão com problema. Há de se valorizar a Educação Básica, e aí eu acho que nós pecamos muito. Temos um Ministério da Educação que centraliza os recursos e se responsabiliza pela Educação Superior, um Estado que se responsabiliza pelo Ensino Médio e uma prefeitura que, com a menor parte do bolo tributário, é responsável por Educação Infantil e por

Temos que priorizar que os melhores estudantes queiram ser professores, criar estratégias para trazê-los para a sala de aula”

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Ensino Fundamental. Lá os professores são valorizados e respeitados, isso é o mínimo que a gente tem que fazer. Os professores é que realmente fazem a diferença. E nós temos que priorizar que os melhores estudantes queiram ser professores, temos que criar estratégias para trazê-los para a sala de aula. Eu entendo que uma solução é trabalhar gestão educacional e gestão escolar. Precisamos, efetivamente, repensar este modelo em que o Ministério da Educação concentra recursos só na Educação Superior. Na minha tese, eu defendo um modelo de gestão escolar que parta de um projeto político pedagógico de elementos permanentes, como missão, princípios, visão, valores que sustentem um plano estratégico, um plano de ação. A escola tem que planejar, executar, avaliar, corrigir e tem que aprender com esse processo. Precisamos girar esse PDCL (metodologia de gestão chamada plan, do check e learning) corrigindo, aprendendo, mudando, corrigindo, aprendendo, mudando, para que possamos iluminar um pouco mais a educação brasileira. José Paulo da Rosa

*Doutor e mestre em Educação, é diretor Regional do Senac-RS. Autor do livro ‘Escolas e Qualidade’.



Vinícius Roratto

leandro karnal

Professor: protagonista de inovação e mudança

E

u fui educado na ideia de ordem. Durante a ditadura militar, minha família, o colégio e o país eram uma ditadura. Quando entrava um professor, ficávamos de pé e cantávamos todos os dias: “Bom dia, professor, como vai? A nossa amizade...”. Se alguém conversasse ao subir a escada, nós tínhamos que descer para subir como gente, e não como uns animais. Era um mundo de normas estritas e não tenho saudades disso. A educação tem que ser sempre uma educação crítica, não pode trabalhar com a ideia de estabelecer princípios autoritários, mas também não pode abrir mão da autoridade. E aqui uma questão importante: autoridade é

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aquilo que me torna servo dos meus alunos. Autoritarismo é quando eu acho que o sistema existe para mim. Autoridade é quando eu sirvo ao sistema e faço com que todos consigam seus objetivos o mais rapidamente possível, da forma mais eficaz possível, e é por isso que eu tenho autoridade. Não há países do mundo que apostem tanto em conteúdo quanto o Brasil e a França. Qualquer aluno brasileiro que vai fazer Ensino Médio nos Estados Unidos descobre que ele é um gênio da Matemática, porque ao chegar lá descobre que se dá álgebra, quatro operações e equações de primeiro grau. Ninguém, nos Estados Unidos, dá binômio de Newton, progressão aritmética ou geométrica, porque se considera que esse

é um conhecimento para matemáticos. Cada vez mais o desafio é como eu, educado por um modelo de aula prussiana – o professor falando e os alunos aprendendo –, com a carga do conteúdo francês, devo educar alunos nascidos no século XXI, sendo que eu nasci no século XX. Segundo Yuval Harari, no seu livro ‘Homo Deus’, esses alunos vão viver até o século XXII. Que conteúdo será relevante em 2050, já que aqueles conteúdos que nos deram estão sendo transformados pelo acesso à informação? Não confundam nunca tecnologia com revolução educacional, máquinas com inovação pedagógica nem eletroeletrônicos com postura didática. Uma aula pode ser revolucionária e boa com giz e método


Mariana Fontoura

expositivo e reacionária fascista com máquinas de última geração. O que faz a diferença de uma aula boa, significativa, revolucionária ou reacionária é a escolha, a atitude e a prática do professor. Se o professor vai fazer isso com vídeo, com computadores, com giz, visitando um museu de ciências, isso é um instrumento para um objetivo. Nós, professores, podemos e devemos lançar mão de recurso tecnológico, a educação não pode ficar à margem (apesar de eu achar que a sala de aula perdeu muito dessa vanguarda), mas acima de tudo, é como, por que e para quem eu faço o meu processo de ensino aprendizagem, e não com qual instrumento. Nem tudo que é novo é bom e nem tudo que é velho é ruim. Nem tudo que é novo, necessariamente, contém valor e nem tudo que é velho deve ser descartado. Até o mercado responde dessa forma quando decide tornar um produto de primeira linha, como o álbum de figurinhas da Copa, mostra que essa volta ao passado também tem um encanto para as pessoas. Os alunos reclamam, mas eles adoram estar com pessoas que sabem o que querem. As crianças reclamam, mas adoram alguém que diga até onde elas podem ir. Crianças gostam de limites. Para Freud, isso se chama trauma, nós chamávamos simplesmente de

educação. E fui educado em uma época que tinha um defeito, não pressupunha o efeito negativo do trauma. Eu tinha professores que gritavam conosco dizendo que parecíamos uns mongoloides, que deveríamos ir para a APAE, que era uma cambada de down, não tinha o politicamente correto. Hoje, você não pode entregar o carnê de cobrança a um aluno, porque isso fere a sensibilidade dele. Nós não éramos poupados da dor da vida. Mimar uma criança ou um aluno é a receita infalível para produzir um imbecil. Por quê? Porque essa criança mimada não terá pai e mãe no futuro, ela terá sogra, genro, nora, chefe, síndico e coordenador pedagógico. Ao mimar uma criança, eu estou produzindo alguém dependente infantil que acha que o mundo deve fazer as suas vontades. O professor vem para o mau aluno, e não para o aluno perfeito. O aluno perfeito é aquela aluna chamada, em geral, Cândida, que senta na primeira fileira, sempre arrumada, perfumada, organizada e com os lápis apontados. E você entra e ela diz: “você parou aqui professor, nesse ponto”. Aquela que termina de copiar junto com você no quadro, que não dá um minuto para cuspir o calcário que você absorveu escrevendo. Estuda sem parar e diz: “hoje

Não confundam nunca tecnologia com revolução educacional, máquinas com inovação pedagógica nem eletroeletrônicos com postura didática”

tem prova”, e a turma cai em cima. Essa que tem dúvida faltando um minuto para acabar a aula antes das férias e pergunta se não vai ter trabalho nas férias de meio de ano. Essa aluna é eventualmente interessante, mas não precisa de mim, ela já veio pronta. Quem precisa de mim é aquele do fundo, sentado com fone de ouvido, com boné para trás, cara de nojo, que olha para você e pergunta: “O que é, o que vai ter hoje?”. E você responde: “Hoje a gente vai ler um conto do fascinante Machado”. E ele pergunta: “Cai na prova?”. Esse está dando um recado: “eu estou me defendendo, eu tenho problemas variados, estou me defendendo da escola, eu preciso ser vencido”. Assim como Jesus diz que vem pelo pecador, eu vim por esse aluno. Esse é o aluno que me torna professor, o outro me torna um profissional simplesmente da educação, que são duas coisas diferentes. A ideia central que eu quero enfatizar é que eu faço a diferença. Eu recebo um material humano e diversas posições. Em geral, a posição dos pais é uma memória idealizada da sua formação. Os pais não conseguem nem sequer incorporar a nomenclatura de Ensino Fundamental e Médio, eles continuam dizendo ginásio, primário. Os pais não conseguem acompanhar essas reformas e pensam na escola, em geral, como uma espécie de creche de luxo. Essa ideia de eu implantar um modelo baseado naquilo em que eu acredito é uma ideia que terá que ser

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negociada com o aluno na frente da batalha, com os pais na retaguarda e, às vezes, com a própria escola, é uma dificuldade. Mas, quando você fecha a sua porta da sala e começa a dar a sua aula, você está sozinho e autônomo e não adianta invocar como justificativa a escola, ou os pais ou os alunos. Você está sozinho e autônomo, por isso, tem muito a fazer. Eu tenho a consciência total, absoluta e importante de que eu, Leandro, hoje na faculdade, tão mais fácil de dar aula do que na frente da batalha do Ensino Fundamental e Médio, eu faço uma diferença enorme. Eu era pior professor quando eu oferecia uma boa aula, como uma boa refeição, e obrigava todos a comerem. Eu sou melhor professor quando dou uma boa aula, como uma boa refeição, e entendo que alguns por falta de fome, inabilidade ou qualquer outra questão de bulimia não

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querem aquilo. Eu tenho que entender que a minha função é fazer o máximo possível. Aquilo que eu falar, que eu fizer, o exemplo que eu der, a maneira como eu construir as minhas frases, o olhar que eu lanço para um aluno é algo que muda para sempre a existência dele, e muda de forma absoluta. Vocês têm uma imensa capacidade de engolir sapos. Ninguém permanece em uma escola mais de 12 horas se não tem essa capacidade. Em algum momento, quase sempre é um brejo inteiro. Não se enganem, eu já ocupei todas as funções, quanto mais alto o cargo, maior o sapo que você engole. Quando você está lá no Ensino Fundamental, você engole girinos; quanto mais você subir, pior é o tamanho do batráquio que lhe enfiam garganta abaixo. Chamamos isso de resiliência, paciência, esse é o exercício para eu fazer a diferença. Preciso ter consciência da minha dignidade, de quem eu sou, da minha função. Preciso ter essa consciência de que eu exerço uma função importante, fundamental, de que eu sou uma das grandes chaves sociais. A segunda consciência é de que o tempo da aula é um tempo sagrado, fundamental, que eu tenho que aproveitar ao máximo para fazer o máximo. É um erro, é um problema o professor que enrola, porque aquele tempo é muito escasso. E eu sei, e qualquer um sabe (não é uma pessoa experiente se não souber), que há dias em que estou melhor, há dias em que eu estou pior. A aula que eu dei às 7h30min não é a mesma que eu vou dar às 11h30min. E a aula que eu estou dando em novembro não é a mesma que eu dei em abril, quando a primavera e a esperança florescem com muito mais força. A partir de outubro, vai crescendo um sentimento de quem está nadando para chegar à terra, cada feriadinho de outubro e novembro é vivido com intensidade e, de vez em quando, Nossa Senhora Aparecida cai em um domingo, e você quer matar esse dia.

Uma questão importante: alunos são em geral inteligentes, sabem se eu estou dizendo a verdade ou não. Como confiar no professor de Literatura que diz que Camões é fundamental, mas é visto lendo uma revista que narra cenas de televisão? Como ele vai acreditar que o professor está dizendo que aquilo é fundamental, mas ele não é visto lendo aquilo? Como confiar em um pneumologista que fuma, em um personal trainer obeso? Como confiar que aquele meu coordenador que se diz religioso não entendeu nada do Evangelho e trata todo mundo a patadas? O aluno sabe o que significa leitura para você, sabe o que significa a sua área, o seu olhar em Biologia, em Literatura, em Matemática. Se você não transmite isso, pela experiência ele percebe. Por isso, o magistério precisa de atualização. Há quanto tempo você não lê um livro da sua área? Os professores são obrigados a ler constantemente livros técnicos, livros de educação, porque somos todos professores, e livros de cultura porque o professor é alguém que introduz um ser humano na grande cultura humana. Um professor é alguém que vê bons filmes, assiste a boas peças de teatro e lê bons livros. Eu tenho que ter diferença cultural para transmitir. Se meu universo se esgota no programa de televisão superficial, na literatura da moda, é muito difícil que o aluno não sinta isso. Atualização faz muita diferença. O professor precisa se atualizar, precisa viajar na medida do possível, precisa fazer tudo para trazer ao aluno o que há de mais recente, os debates mais interessantes. Dar aula significa que eu continuo sendo aluno, que eu penso no acréscimo de um aluno permanente. Dar aula implica que eu queira aprender para sempre. Se eu perdi isso, o local mais sofrido que eu tenho para estar é em uma sala de aula. E aí uma outra questão importante: a vida é difícil, temos momentos pessoais, financeiros complicados, o Brasil

O que faz a diferença de uma aula boa, significativa, revolucionária, ou reacionária é a escolha, atitude e prática do professor”


Dar aula implica que eu queira aprender para sempre. Se eu perdi isso, o local mais sofrido que eu tenho para estar é em uma sala de aula”

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atravessa uma crise muito grande, de valores e econômica. Mas, se meu emprego não for tão bom quanto eu gostaria, se a minha escola não paga tão bem quanto eu gostaria, se o local em que eu estou não é aquele que eu gostaria ou o horário não é aquele que eu gostaria, o que eu estou fazendo pessoalmente para mudar isso? Se eu não faço nada, de todas as funções, a mais terrível para eu ser pessimista ou azedo é o magistério, porque quem lida com crianças e adolescentes não tem direito a ser um derrotado em sala de aula. Eu como professor (repito isso muitas vezes, há muitos anos) sou obrigado a ter esperança, porque estou lidando com jovens e eles têm direito a isso. Eu, pessoalmente, posso me considerar um derrotado, mas não tenho direito de transmitir isso. Há profissões que são esperançosas, o magistério é uma; médicos que fazem cesarianas, partos naturais, são também seres e agentes da esperança. No momento em que eu estabeleço minha atualização, minha capacidade de resiliência e entendo que o aluno difícil é o aluno que me demanda mais, eu começo a dar os primeiros passos para a especificidade, para idiossincrasia, para o traço característico da minha profissão. Minha profissão é o cruzamento de duas retas: uma ordenada, chamada conteúdo, e a outra abscissa, chamada formação. Uma escola baseada só em conteúdo é uma linha de montagem, uma escola sem conteúdo é algo que não é exatamente uma escola. Fracassar a linha do conteúdo é

dramático, mas fracassar a linha da atitude é a grande derrota da educação. Eu estou convencido, a partir da minha experiência pessoal, do que eu leio e do que eu escrevo, que de todas as funções a do professor é a mais diretamente dependente da qualidade individual do profissional. Um bom professor em uma escola sem condições materiais, sem projeto pedagógico, faz muita diferença. Um mau professor em uma escola com um vasto processo pedagógico e todas as condições materiais talvez não faça tanta diferença. O bom professor, o professor cativante, carismático, entusiasmado com aquilo que faz, capaz de cansar eventualmente, mas jamais de desistir, é o centro da transformação que atingiu cada um de nós. Estamos aqui hoje porque tivemos bons professores, somos devedores de bons professores, que nos corrigiram e nos educaram. Tivemos também maus professores que nos marcaram. Todo mundo teve alguém ruim na sua formação. E aí vem essa resposta diária que vai ser dada de novo, a todo instante, a cada momento: o que eu quero fazer da minha vida? O que fazer deste Brasil com sua imensa população de 270 milhões de habitantes? O que eu quero fazer neste país

gigantesco, que atravessa uma crise moral imensa? Pessoas fizeram a diferença para eu estar aqui hoje, professores como vocês um dia marcaram a minha vida. E eu estou aqui escrevendo e falando porque me ensinaram a escrever e a falar. Eu estou aqui porque gente como vocês, em uma sala de aula, um dia olhou para mim e disse: “tem futuro” e apostou em mim, que eu poderia crescer. Eu cresci. Enquanto cada um de nós continuar dizendo “isso tem futuro”, “eu faço a diferença”, “eu sou professor”, as coisas mudam. Quando eu perder isso, então terá vencido todo e qualquer político de Brasília que aposta em um país sem educação, sem futuro e destruído pela ignorância. Eu acredito que nós somos mais numerosos. Nesta sala tem mais gente do que aqueles que nos incomodam. Eu acredito e eu sou a coisa mais importante na minha vaidade extrema, eu sou um professor. E ser professor faz toda diferença no mundo. Leandro Karnal

*Doutor em História Social, professor e pesquisador na Universidade Estadual de Campinas. Membro do corpo editorial das Revistas Brasileiras de História e Poder & Cultura. Autor, coautor e organizador de livros como ‘História na sala de aula’.

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bastidores

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Congressistas foram recebidos no credenciamento

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Balões coloriram o auditório na abertura do Congresso

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Congressista na abertura do evento

Escada com a marca do Congresso foi ponto de encontro para fotos

Primeiros congressistas chegando para o evento

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Batucada S.A. animou os congressistas no retorno dos intervalos

Entrada do Congresso


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Vinícius Roratto Balões tinham mensagens aos congressistas

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Secretário de Educação do Estado, Ronald Krummenauer

Livro Educação 3.0 foi vendido com preço promocional

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Equipe de som e iluminação com a coordenadora técnica do evento, Luciana Jeckel Lampugnani

Camila Domingues

Coffee break nos intervalos das conferências

Espaço lounge para carregar equipamentos eletrônicos

Educação em Revista esteve presente na Expoeducação

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Vinícius Roratto Em ação promocional, participantes ganharam descontos para adquirir o livro Educação 3.0 Mariana Fontoura

Parte da diretoria e equipe do SINEPE/RS

Equipe da assessoria de imprensa que atuou na cobertura do evento Camila Domingues

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Mariana Fontoura

Espaço Mídia produziu vídeos com os palestrantes

Vinícius Roratto

Voice In encantou o público em apresentações musicais

14ª Expoeducação foi a maior feira já realizada, com 48 empresas participantes em 600m2

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Coordenador do Congresso, Oswaldo Dalpiaz, com Bruno Pinheiro, da área comercial do SINEPE/RS


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Estande do SINEPE/RS na entrada da Feira recepcionou os participantes

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Mariana Fontoura

Frases sobre mudança foram expostas em cartazes no espaço da Expoeducação

Sessão de autógrafos do livro Educação 3.0 contou com grande público

Mariana Fontoura

Vinúcius Roratto

Evento teve ampla cobertura da imprensa

Equipe que trabalhou no Espaço Mídia com o professor e palestrante Luiz Felipe Lins

Estande do SINEPE/RS recebeu diretoria e convidados

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Participantes do ‘Check-in’ concorreram a prêmios

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Batucada S.A. fez o público dançar nos intervalos

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Coffe oferecido pela Sodexo no estande do SINEPE/RS

Espaço interativo para fotos foi uma das atrações da Feira

Campeã nacional de Matemática Sabrina Kanashiro fez apresentação Mônica Timm, organizadora do livro Educação 3.0, fez o lançamento da publicação

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Conferencista Lala Deheinzelin animou os participantes

Interatividade e diversão entre os congressistas na Expoeducação

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Congressistas aproveitaram para adquirir o livro Educação 3.0 na Expoeducação

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Material recebido pelos congressistas

Coordenador do Congresso, Oswaldo Dalpiaz, fez o sorteio do ‘Check-in’

Participantes interagindo com o conferencista Marcos Meier

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