Revista Curinga Ed. 25

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Revista Laboratรณrio | Jornalismo | UFOP

Junho de 2018 | Ano VIII

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A UNIVERSIDADE

REFLETIDA


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desafios da universidade entrevista com fernando haddad

darcy ribeiro

EDITORIAL

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o homem de fazimentos

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unidade em construção

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78 conflito pedagógico

diploma, como te quero!

tempo e espaço de mudar


SUMÁRIO


Boa leitura!

Curinga é uma publicação da disciplina Laboratório Impresso II. Revista produzida pelos alunos do curso de Jornalismo da Ufop. Instituto de Ciências Sociais Aplicadas (Icsa). Departamento de Jornalismo (Dejor). Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop). Professores Responsáveis Frederico Tavares - 11311/MG (Texto) Flávio Valle (Fotografia) Dayane do Carmo Barretos (Planejamento Visual)

DIAGRAMADORES

REPÓRTERES

Editores de Texto Aline Vilela Matheus Effgen Editores de Arte Flávio Reis Daniela Ebner Editoras de Fotografia Mariana Reis Nayara Freitas Editores Multimídia Matheus Iglesias João Renato Negromonte

FOTÓGRAFOS

A Universidade é, sem dúvidas, o lugar das transformações. O papel da instituição sempre foi - e continua sendo - muito maior do que a formação profissional. Aqui, somos colocados diante de inquietações, da procura pelo saber, impulsos que nos movem no caminho em busca de respostas. A 25ª CURINGA surge a partir da necessidade de compreender o que é preciso para que a Universidade continue sendo o lugar adequado para a descoberta. Um dossiê que busca entender quais passos possibilitaram se chegar até aqui. Além disso, refletir como a Universidade encontra, apesar das dificuldades, maneiras de continuar acolhendo a mudança. A partir de um olhar de dentro dessa estrutura e, portanto sobre nós mesmos, buscamos apresentar um apanhado do contexto histórico, dos conflitos e das perspectivas para o futuro. Trata-se de encarar como temos construído até aqui - e como iremos construir - o nosso papel. O momento de lançamento dessa edição é pensado justamente pela proximidade com datas simbólicas para a instituição, como a comemoração dos 50 anos da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), em 2019, e de como esse momento serve para refletir sobre ela e sobre os projetos que proporcionaram sua renovação e ampliação, como o Programa de Expansão de e Reestruturação das Universidades Federais (Reuni), já interrompido, que completaria 10 anos em 2018. Como resultado do Programa, celebramos também a marca dos 10 anos da implantação do Instituto de Ciências Sociais Aplicadas (Icsa) em Mariana/MG e da chegada do próprio curso de Jornalismo na cidade. A capacidade de resistir da Universidade, permite sua continuidade, mesmo em momentos de incertezas. Por isso, destacamos as memórias de quem lutou, como na Ditadura Civil-Militar, e os relatos de quem luta hoje: por espaço, por autonomia, por igualdade como as mulheres e pela pesquisa brasileira. Assim, voltamos nosso olhar para as pessoas, grande motivo da constituição desse espaço. Mostramos a visão de sujeitos sobre a instituição e de personalidades históricas, como Darcy Ribeiro, cujo trabalho foi fundamental para a formação da educação brasileira. E também de quem ainda segue nesse trabalho, como o ex-Ministro da Educação, Fernando Haddad, que conversou com a revista sobre os desafios para a Universidade brasileira. A edição acompanha a constante movimentação experimentada nesse espaço. Como em uma dança, onde os passos encontram barreiras, pausas, ritmos. É nessas situações que a Universidade tem encontrado outros passos, refeitos, improvisados para que, mesmo em novas direções, possam continuar. A capacidade de reinventar-se permite sua longevidade. É nisso que seguimos acreditando.

EDITORIAL

Expediente

Monitora Júlia Rocha Endereço Rua do Catete, 166 - Centro 35420-000, Mariana - MG

Junho/2018


Aline vilela Nayara Freitas Daniela Ebner Texto: Foto: Arte:

Desafios da

Universidade Com tranquilidade, Haddad nos recebeu para entrevista. O ex-Ministro dos governos Lula e Dilma não esconde a satisfação com o trabalho que realizou durante sua passagem pelo Ministério da Educação (MEC), entre julho de 2005 e janeiro de 2012. Sua gestão ficou conhecida por ampliar o acesso ao Ensino Superior. Com o Plano de Desenvolvimento da Educação a longo prazo, o país se uniu por meio da educação. Não por acaso, o ex-ministro foi escolhido pela equipe da Curinga para um bate-papo sobre como as políticas na área da Educação afetam a Universidade. O modelo de Ensino Superior conhecido por muitos estudantes hoje é um reflexo dos programas criados durante sua passagem pelo MEC. Desde que saiu da Prefeitura de São Paulo, em 2016, Haddad atua como professor no Insper, uma Instituição de Ensino Superior e Pesquisa, sem fins lucrativos, onde nos recebeu. Incisivo, não fugiu a nenhuma pergunta e, com simplicidade, refletiu sobre como o modelo atual de Universidade precisa ser repensado. CURINGA | EDIÇÃO 25

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Como o senhor enxerga a Universidade e sua importância para o Brasil? Fernando Haddad (FH): Olha, a Universidade é onde se forja a identidade nacional. Sobretudo pelas características do Brasil, a Universidade pública é onde, depois da expansão, da reserva de vagas, o país se encontra. Uma identidade nunca antes conseguida, porque era uma Universidade muito excludente. E agora ela é muito mais representativa daquilo que é o Brasil. Você tem negros, pobres, trabalhadores. Um encontro essencial. Não é só o que ela produz, de forma tangível, que é importante. É o que ela produz de forma intangível, é o contato face a face de todas as classes sociais, de todas as etnias, de todas as raças, de toda a diversidade, que faz com que ela se torne um centro irradiador de pensamento crítico, de criatividade.

Pensando nesse papel da Universidade, como o senhor acha que a educação pode mudar o futuro do país? FH: Nós saímos de três para oito milhões de universitários no país. Não há como essa massa crítica não fazer diferença. Sobretudo em um momento de crise. Ela é fundamental para repensar os caminhos que nós já percorremos, ver onde erramos e onde acertamos. É um equívoco imaginar que dando acesso a uma pequena parcela da sociedade você vai ter os mesmos resultados que dando acesso a todos. É um equívoco. Se você pegar os melhores, não importa que sejam poucos, eles são os melhores, é um erro. Você precisa de escala. Um país se faz com massa crítica. Então, é isso que vai criar novos caminhos.

Como foram os bastidores para criação do Reuni? FH: Quando o ex-presidente Lula foi reeleito em 2006, me encomendou o maior plano educacional da história do país: “Eu quero fazer o maior plano educacional da história do país”. Criamos, então, o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE). Uma das ações do PDE era levar para toda cidade, com um número específico de habitantes, que não tinha Universidade pública, um campus universitário. E reforçar os campi universitários já existentes. Nós tínhamos mais ou menos 148 cidades com campi universitários. Reforçamos esses campi e abrimos novos 126, depois chegou a 173 (após o governo Lula). Foi um processo de interiori-

zação. Nós tínhamos um diagnóstico que as regiões metropolitanas estavam absorvendo toda a juventude. E o interior, mesmo cidades importantes do interior, estavam sendo esvaziadas. Então, levar a Universidade para o interior era uma maneira de manter o jovem, se não na sua cidade, nas proximidades, na sua região, e valorizar o interior, para que não apenas nove a quinze regiões metropolitanas absorvessem o contingente populacional do Brasil inteiro. Além disso, a gente queria promover a mobilidade entre os estudantes. A ideia de acabar com o vestibular era um ingrediente importante desse processo. Porque todos os brasileiros conseguem fazer o Enem, mas nem todos conseguiam fazer o vestibular. Com o Enem, o Sisu, a expansão, nós entendíamos que estávamos integrando o país pela educação.

O processo de implantação do Reuni era autônomo para cada Universidade ou padronizado pelo Ministério da Educação? FH: O Ministério da Educação não participou da discussão interna das universidades. A Universidade é que apresentava o seu plano de expansão. Cada Instituição que aderia tinha um decreto. E neste decreto, se estabelecia parâmetros. Mas, ele não dizia para a universidade: “você tem que abrir tal curso e fechar outro, você tem que abrir em tal lugar e não abrir em outro”. Isso não era papel do Ministério da Educação. O papel do MEC era dar o dinheiro, cobrar os indicadores de resultados. Depois, por ocasião do Enem, que foi um reforço ao Reuni, houve uma cobrança ao MEC para a assistência estudantil. Nós criamos o Plano Nacional de Assistência Estudantil (Pnaes), que foi uma conjugação de coisas. O Reuni tem de ser visto dentro de um contexto, que acabou com o vestibular e reservou 50% das vagas nas Universidades para estudantes de escola pública. É nesse contexto que o Reuni acontece. E do mesmo jeito que nós pedíamos adesão, oferecíamos a contrapartida. Essa contrapartida era tão satisfatória, que todas as Universidades aderiram. Não impusemos a adesão a ninguém e não ia haver sanção nenhuma à Universidade que não quisesse.

As políticas afirmativas, considerando o Pnaes, permitiram que alunos de baixa renda ingressem em Universidades. Porém, muitos alunos alegam existir um abismo que os diferencia dos demais estudantes, que possuem melhores condições de


estudo durante a vida acadêmica. Quando vocês pensaram na implantação do Programa de cotas, o que foi pensado para auxiliar estes alunos na permanência, diante de outras dificuldades, além das financeiras? FH: Cada Universidade tinha o seu plano pedagógico. Teve Universidade, por exemplo, que acabou com os Departamentos. A Universidade Federal do ABC nasceu sem Departamento. Ela tem um ciclo básico de três anos. Isso favorece muito o desenvolvimento intelectual de quem está defasado, por exemplo. Mas o principal pleito da UNE (União Nacional dos Estudantes), dos Reitores, era garantir condições materiais: bibliotecas equipadas, restaurante universitário, bolsas de estudo. Teve uma explosão de bolsas para graduação. Vou te dar uma exemplo: o Pibid é parte do PDE. A gente não teria feito a expansão das licenciaturas sem o Pibid. O Pibid é uma bolsa de iniciação à docência comparável ao Pibic, de iniciação científica, ao PET, que dava condições da pessoa se manter dentro da Universidade, reforçando o aspecto acadêmico. Não era só o dinheiro de graça, era o dinheiro com a pesquisa. O Proext, Programa de extensão, era dinheiro na veia. Quem se interessa mais pela extensão? Alunos de baixa renda. Então foi um conjunto de medidas, não foi uma coisa isolada. É por isso que eu falo: isolar o Reuni de cotas, de Enem, de Pibid, isolar o Reuni de tudo, da interiorização, é um equívoco. Você não pode pensar o Reuni isolado, porque ele está dentro de um plano. Um projeto chamado Plano de Desenvolvimento da Educação.

O senhor teve a ideia do Prouni quando ainda era Secretário Executivo do MEC. Como teve esta ideia? FH: Foi minha mulher, na verdade. Porque ela trabalhava para o Senador Cristovam Buarque, e uma das tarefas era responder as cartas que chegavam ao gabinete. A maioria era de pedido de bolsa e uma parte era de mães desesperadas porque não estavam conseguindo pagar o Fies. Eu tinha tido uma ideia aqui na Prefeitura de São Paulo, de trocar o ISS (Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza) das Instituições por bolsa, e aí minha esposa me falou: “por que você não pensa em algo igual para o Governo Federal?”. E começou a insistir comigo. Mas eu não dei muita bola, porque não tinha dado certo em São Paulo. Até que veio uma carta, de uma mãe muito chorosa porque tinha perdido o filho e estava pagando o Fies... E você sabe que mulher manda na gente… Ai não teve jeito, eu comecei a trabalhar. Nós dois juntos apresentamos pro Cristovam, mas ele não deu bola, não deu nenhuma bola. Aí entrou o Tarso Genro, e quando ele bateu o olho, falou: “sensacional”. Pegou o projeto, colocou debaixo do braço e aprovou. Aprovou junto ao Lula primeiro, e depois foi pro Congresso. Ficou bonito.

O senhor acha que existe uma diferença entre o papel da Universidade pública e da Universidade privada? FH: Olha, eu gostaria que o Brasil tivesse dinheiro para oferecer Universidade pública para todo

É complicado isso, um país que investiu tão pouco em educação ao longo da sua história, quando resolve investir, dão um golpe para cortar. Qual o sentido disso? Fernando Haddad

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mundo. Aí você teria uma situação como a de alguns países da Europa. Isso não acontece hoje. Então, você é obrigado a bolar formas de inclusão das mais variadas, Prouni, Reuni, Fies. O Fies não tinha seguro, tinha exigência de fiador. Como é que pobre vai ter fiador? Então tiramos fiador, criamos o fundo, baixamos o juro, estendemos o prazo de pagamento. Fizemos seguro. Se o cara morrer está quitada a dívida. Os Institutos Federais, nós ampliamos. São mais de 500 escolas técnicas no país oferecendo curso superior, também. A Universidade Aberta do Brasil (UAB) é outra estratégia. Não adianta você imaginar que você vai resolver um problema desse tamanho, com uma só estratégia, em um país com poucos recursos. Você tem que multiplicar as oportunidades e deixar o aluno, de acordo com as necessidades dele, se encaixar dentro dessas possibilidades. Tem o cara que vai para Ouro Preto, tem o cara que vai ficar em São Paulo com uma bolsa do Prouni, tem o cara que não vai conseguir nem uma coisa e nem outra e vai pro Fies, tem o que vai fazer à distância, e tem o que vai pro Instituto Federal fazer uma graduação mais curta de dois ou três anos. Às vezes o debate sobre educação é muito dogmático. A vida não é assim, a vida não é tudo ou nada. Sobretudo, porque você está prejudicando gente, quando você fala tudo ou nada, você vai prejudicar os mais vulneráveis. É uma postura elitista.

Nós saímos de três para oito milhões de universitários no país. Não há como essa massa crítica não fazer diferença. Sobretudo em um momento de crise. Fernando Haddad

Recentemente, dois grandes grupos educacionais, Kroton e Anhanguera, se fundiram, formando uma das maiores empresas educacionais do mundo. Além do mais, outros grupos educacionais começaram a entrar do mercado financeiro. Como o senhor enxerga esse processo de mercantilização da educação? FH: Conforme eu te disse, por mim era tudo público. Mas, não é realista. Tem um longo caminho ainda, nós temos necessidades mais básicas a cumprir. E mesmo com o incremento que teve a Universidade pública, nós temos muito mais gente fora do que dentro. Então a gente tem que avançar muito. Eu acho que se o MEC regular bem, não tem problema. Ou seja, na minha época a gente fechava muito curso sem qualidade. Deu uma parada isso. Porque o problema do setor privado é que ele tem sentir o “bafo do MEC no cangote”. Entendeu? Ele tem que saber que, se ele não trabalhar na qualidade, o MEC vai lá e fecha. Nós chegamos a fechar curso de Medicina, de Direito. Porque não tinha quali-

dade. Cortamos Fies e Prouni de cursos ruins. Quando você vai em um hospital e é mal atendido, você vai ficar doente. Você vai saber que está doente. Mas que você vai ser um mau profissional, você só vai saber depois. Então, por isso, nesses mercados, que você tem a educação muito assimétrica, o poder público tem que entrar, para regular. Porque a informação é assimétrica, você não sabe que está sendo lesado.

Para o senhor, como a reforma trabalhista afeta a educação? FH: A notícia que eu tenho, que o setor imediatamente mais afetado pela reforma trabalhista, foi justamente o corpo docente das Instituições privadas. Está tendo precarização do trabalho docente em algumas Instituições particulares.

De que forma que o senhor percebe isso? FH: A ideia do trabalho intermitente, a ideia da pejotização. Esses dois mecanismos pejotização e trabalho intermitente podem depreciar muito o trabalho do professor.

Hoje temos um teto, que limita os gastos públicos nas áreas sociais à inflação, pelos próximos 20 anos. Como o senhor vê esse congelamento, votado pelo Governo Temer, nos investimentos para a educação? FH: Rídiculo. Como é que um país com tanta coisa para fazer pode ficar 20 anos com os investimentos congelados? Não tem sentido. Tudo bem conter gasto público se tiver algum risco para as finanças do Estado. Em determinadas épocas você tem que puxar um pouco o “freio de mão”. Mas vai cortar em educação? Você não tem futuro sem educação. Pense em uma família. Na primeira dificuldade você vai cortar os gastos em educação? Você não faz isso. Se um pai não faz isso, por que o Estado vai fazer? Há áreas que devem ser preservadas. Você não corta educação do seu filho, porque você sabe que isso vai ter consequências desastrosas para o futuro.

Há também a reforma do Ensino Médio, que retira a obrigatoriedade de disciplinas que estimulam o pensamento crítico. Como que o senhor vê isso? FH: Isso é fruto da Escola Sem Partido. A escola sem partido ela visa a não formação de indivíduos autônomos. Ela quer indivíduos robóticos, que aprendam a cumprir tarefas, sem visão crítica das coisas. Quando, na verdade, uma escola tem que ter uma pluralidade de visões. Eles querem suprimir isso do currículo.

Mas o senhor acha que essa proposta vai para frente? FH: Acho que não. Até Históra eles são contra. Eles são contra você estudar História. Porque História faz você pensar, né? Eles são contra. Vai falar de Ditadura Militar, para que? Eles acham que todo historiador é comunista. Se você gosta de História é comunista.


Essa junção da Escola sem Partido, do congelamento dos gastos. Se juntar tudo parece que realmente estão querendo criar uma sociedade não pensante... FH: É. Eles têm medo de educação. Eles têm muito medo de educar as pessoas. Tanto é que o Brasil é um dos últimos países a assumir a agenda da educação. Nós nunca assumimos para valer a agenda da educação. A não ser no começo do século XXI, e com o pouco que nós assumimos, eles estão querendo se desonerar.

Quais são as consequências desse congelamento para políticas públicas, como as que o senhor ajudou a implantar? FH: Primeiro é que não vai haver mais expansão. E, segundo, que pode haver deterioração. É complicado isso: um país que investiu tão pouco em educação ao longo da sua história, quando resolve investir, dão um golpe para cortar. Qual o sentido disso? Não tem cabimento isso!

Baseado nesse atual cenário político de congelamento de verbas, é preciso pensar um novo modelo de Universidades públicas? FH: É preciso avançar, entende? Você não pode ficar parado. O mundo não se permite mais ficar parado, em nada. Existe possibilidade da gente ganhar eficiência. Por exemplo, está tendo muita evasão. A gente tem que agir, não podemos ficar parados. Eu acho errado a maneira como a gente está organizando os primeiros anos. Os dois primeiros anos de graduação. É muito rígido. Precisava ser um currí-

culo um pouquinho mais flexível, para permitir que o aluno não fique em uma camisa de força, quando entra na faculdade. Tem que ter um pouquinho mais de flexibilidade. Quem sabe assim, a gente consiga atingir mais gente fazendo isso. A transferência de um curso para outro é muito burocrática. Você tem que fazer o Enem de novo, você perde tempo. Você não aproveita créditos. Então, são coisas que nós temos que repensar.

Em 2017, o senhor fez uma “tour” por algumas Universidades do país. O que isso pode significar? Que numa próxima gestão o senhor esteja de volta como ministro? Que o senhor foi só ver o seu trabalho? Pode significar o quê? FH: Eu tenho muitos amigos, felizmente, nas Universidades. Porque foi um momento muito legal. É um lugar onde eu gosto de discutir o país. Porque você junta vários especialistas. Tem dois lugares onde eu me sinto muito bem para discutir. Um é o movimento social. Quando eles se organizam, é muito bacana, mesmo sendo setorial. Movimento de moradia, movimento de mobilidade urbana, cicloativismo... Esses lugares são muito legais. E a Universidade também. Hoje em dia, você tem uma diversidade que antes não tinha. Hoje o cara levanta a mão e fala “sou da favela tal, minha mãe é lavadeira, meu pai é pedreiro”. Olha a riqueza que você tem hoje. Você tem uma riqueza de debate. O cara está levando para Universidade problemas que a Universidade antes desconhecia. Então isso tudo é importante. Mas sim, eu visitei, em 2017 eu dei uma rodada boa. Pode significar tudo.

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ribeiro

daRcy

O homem de fazimentos O Campus Darcy Ribeiro, da Universidade de Brasília (UnB), possui mais 500 mil m² de área construída, onde estão abrigados edifícios símbolos do ensino superior brasileiro. Todos os dias, mais de 50 mil pessoas circulam no “Darcy”. Essas dimensões grandiosas são apenas pistas da importância para a educação brasileira do educador que lhe fundou e que ainda é lembrado mesmo depois de 20 anos de sua morte. Entre todas as outras ocupações que exerceu durante sua vida - ensaísta, romancista, antropólogo e etnólogo - a de educador, como ele costumava destacar, era a primeira que usava para se definir. Foi por meio dela que ele começou seus trabalhos e foi pela educação que algumas de suas maiores obras foram feitas. Não haveria de ser diferente. A educação o acompanhava desde a infância. Sua mãe era professora primária em Montes Claros, em Minas Gerais, onde Ribeiro nasceu, em 1922, e viveu até sua adolescência, quando mudou-se para o Rio de Janeiro, em 1939, para cursar Medicina. Logo abandonou o curso. Em 1946, se formou em Ciências Sociais com especialização em Antropologia na Universidade de São Paulo (USP). No ano seguinte à sua formatura, ingressou no Serviço de Proteção aos Índios (SPI), onde conheceu várias aldeias indígenas e, através deste trabalho, lançou seu primeiro livro. Durante esse período, atuou na fundação do Museu do Índio, no Rio de Janeiro, e do Parque do Xingu, no Mato Grosso. Empenhou-se em conhecer as necessidades e as pessoas com quem trabalhava, característica que o acompanhou em outros trabalhos.

Texto: Ilustração: Diagramação:

Matheus Effgen Bruno Miné Flávio Reis

Uma jornada pelo saber Nesses primeiros anos como profissional, Darcy demonstrava seu apreço pelos verbos pensar e fazer. “Tinha um compromisso muito grande como o Brasil”, como afirma o antropólogo Mércio Gomes, ex-presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), amigo e parceiro profissional do educador. No governo do Presidente Juscelino Kubitschek (19561961), foi membro da equipe que criou as diretrizes do setor educacional. Nesse grupo, conheceu Anísio Teixeira, um dos precursores na implantação do ensino público no Brasil, com quem compartilhava alguns de seus ideais. As ideias de Anísio serviram de inspiração para projetos futuros de Darcy, como a fundação dos Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs). Para Teixeira, Ribeiro possuía a “coragem dos insistentes”.


Mais tarde, em 1959, por meio de um decreto presidencial, Darcy tornou-se o responsável, novamente com o apoio de Anísio, por guiar o projeto de criação da UnB e tornou-se seu primeiro reitor, em 1961. Preocupado com a influência negativa de algumas entidades brasileiras “cuja alienação se reflete sobre a universidade”, como afirmou em seu livro, A Universidade necessária (1969), Ribeiro propôs um outro modelo para a instituição. A nova Universidade deveria servir como exemplo para o ensino superior do país, baseada na experiência de outras Universidades do mundo e onde o saber pudesse ser costruído de maneira integrada, para que se tornasse um centro nacional de produção científica e cultural. Em 1962, assumiu o Ministério da Educação durante o governo do Presidente João Goulart (19611964) e em seguida foi chefe do Gabinete Civil da Presidência da República. Com o Golpe Civil-Militar de 1964, teve seus direitos políticos cassados, foi deposto do cargo de professor da UnB e exilado do país.

Em 1990, foi eleito Senador pelo Rio de Janeiro. No cargo, seu maior feito foi a construção da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), batizada com seu nome em homenagem póstuma. Apesar de seu empenho, o educador reconhecia que o ensino brasileiro, principalmente o superior, ainda estava longe de cumprir com o que ele acreditava ser seu objetivo: “A crise da educação no Brasil não é uma crise; é um projeto”. Na posse de Cristovam Buarque, em 1985, primeiro reitor eleito por voto direto na UnB após a ditadura, Darcy afirmou: “nesta tarefa de desvendamento das causas ocultas e ocultadas de nosso atraso nacional é que temos sido mais coniventes”. E apesar de também acreditar ter “fracassado em tudo o que tentou na vida”, sua trajetória prova o contrário. A marca de seus feitos são motivos, ainda hoje, de tributo ao seu trabalho e à sua preocupação com a educação. Seu grande desafio foi o de pensar, entender e transformar o Brasil. Como ele mesmo se intitulou, era um homem de fazimentos.

Persistência Darcy costumava se comparar às serpentes, pois sempre encontrava maneiras de se revestir de novas “peles”. Foi assim que, durante o exílio, partiu para uma nova fase. Nos anos em que esteve fora, frequentou e morou em diversos países, e mais uma vez seu trabalho com a educação pareceu ser seu destino. Lecionou na Universidade da República Oriental do Uruguai e esteve envolvido em seu projeto de reforma, assim como na Venezuela, onde também colaborou para a reforma da Universidade Central da República. No Chile, a convite do Presidente Salvador Allende, foi um dos pesquisadores do Instituto de Estudos Internacionais. Somente em 1976, mais de 10 anos após o exílio, Ribeiro pôde retornar definitivamente ao Brasil e iniciar uma nova etapa de obras, desta vez, através da política. Preocupado com a educação de base, iniciou, ao lado do então Governador do Rio de Janeiro (1983-1987), Leonel Brizola, um dos projetos mais ambiciosos ao qual se dedicou: a criação e expansão dos CIEPs. Os CIEPs ofereciam aos alunos da rede estadual de ensino um currículo de aulas em período integral, atividades culturais e esportivas. Com foco no ensino público de qualidade, o projeto fornecia também atendimento de saúde e refeições completas, das 08h às 17h. Foram mais de 500 unidades construídas e milhares de pessoas envolvidas. O projeto foi celebrado pelo modelo inovador que apresentou, como afirmou Oscar Niemeyer, responsável pela arquitetura das escolas: “O Ciep foi um sucesso, é a escola de que nós precisávamos”.

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Fotos: Bailarinas:

Mariana Reis Nayara Freitas Laura Electo Alba Barboza



Identidade


Gabriela Teleésforo Wandeir Campos Paula Koch Texto: foto: Arte:

SURGE UM NOVO PERFIL Políticas de ação afirmativa possibilitaram a entrada de novas camadas sociais nas Universidades brasileiras. Isso não quer dizer que as condições de permanência sejam as mesmas para todos.

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O número de estudantes brasileiros que ingressam no Ensino Superior vem aumentando a cada ano. O sonho de ser aprovado no vestibular, até então privilégio de poucos, passou a ser uma realidade possível para as camadas menos favorecidas da sociedade. O avanço no sistema educacional é um somatório de lutas sociais, que reivindicam melhorias na qualidade do ensino, junto com a criação de políticas públicas de ação afirmativa, que democratizaram o acesso às Instituições de Ensino Superior (IES), possibilitando o surgimento de novos perfis sociais dentro das universidades. Os números do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) mostram o crescimento da população universitária. O Instituto é responsável pela aplicação do Censo da Educação Superior, uma pesquisa realizada nas IES, que produz, anualmente, dados e informações sobre a educação superior brasileira. Compreendese por IES as Universidades, Centros Universitários, Faculdades, Institutos Federais e Centros de Ensino pertencentes à federação. Os resultados do Censo de Educação Superior de 1998, momento em que o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) foi aplicado pela primeira vez, mostram que o número de matriculados nas IES era de aproximadamente 2 milhões. Em 2005, quando o exMinistro da Educação Tarso Genro instituiu o Prouni (Programa Universidade Para Todos), o número de matrículas nas IES alcançou a marca dos 4,5 milhões. O Prouni configura-se como ação afirmativa que concede bolsas de estudo, integrais e parciais, para alunos do Ensino Superior em instituições privadas, com ou sem fins lucrativos. As Instituições de Ensino Superior que aderem ao programa recebem isenção de tributos. O Enem foi criado em 1998, com o intuito de avaliar a qualidade do ensino no país e assim, definir as necessidades de cada região brasileira de acordo com os resultados. O modelo da prova que o Ministro da Educação do Governo Fernando Henrique Cardoso, Paulo Renato Souza, desenvolveu foi utilizado por dez anos, até 2008. Em 2009, a reformulação do Enem contribuiu para o aumento do ingresso de estudantes no curso superior: o total de matrículas realizadas no ano, segundo o Censo da Educação do Inep, ultrapassou 5 milhões. No mesmo período, o portal mostrou que o número de inscritos no Enem foi de aproximadamente 6,7 milhões.

A Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), criada pela Medida Provisória Nº 111, em 21 de março de 2003, foi uma resposta às lutas do Movimento Negro brasileiro, que ao longo da história resistiu à desigualdade e à discriminação. A Seppir foi inaugurada no mesmo dia em que a Organização das Nações Unidas instituiu o Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação Racial. O órgão é responsável por formular, coordenar e articular políticas públicas que promovam a igualdade racial. Em seu site, a Seppir declara que “uma ação afirmativa não deve ser vista como um benefício, ou algo injusto. Pelo contrário, a ação só se faz necessária quando percebemos um histórico de injustiças e direitos que não foram assegurados.” No decorrer dos anos, várias medidas foram aprovadas em prol da melhora da qualidade do ensino no Brasil. Os diferentes governos propuseram leis, emendas, que permitiram hoje uma maior democratização do acesso às Universidades Públicas e as Instituições de Ensino Superior. Em 1996, no governo do ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional N° 9.394, passou a estabelecer normas e metas de adequação das políticas educacionais. A Lei, alterada ao longo dos anos para atender às distintas necessidades do sistema de ensino, reconheceu somente em 2013, por intermédio da alteração de N° 12.796, a diversidade étnico-racial como um princípio das diretrizes de 1996. O ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou, em 24 de abril de 2007, o decreto que criou o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais, o Reuni. O Programa não só ampliou o acesso às Instituições, como possibilitou a permanência dos ingressantes no sistema de ensino. Também era uma preocupação do decreto a redução das taxas de evasão e a ocupação de vagas ociosas dentro das Universidades. Ainda no governo Lula, em 2009, o Ministério da Educação instituiu o Sistema de Seleção Unificada (Sisu) no processo de candidatura às vagas das Instituições de Ensino Superior. O Sisu é um sistema digital do MEC, por meio do qual as Universidades oferecem vagas para candidatos participantes do Enem. A Pró-reitora de Assuntos Comunitários e Estudantis da Universidade Federal de Ouro


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“Eu fiz um esforço muito maior que meus

outros colegas da escola. Fiz dois anos de cursinho pré vestibular comunitário, lá na esquina de casa. E meus

colegas

de sala fizeram um ano

daquele

pré-vestibular super caro.

Eu tive que ficar muita

noite acordada no ensino médio;

é uma pressão muito grande para uma pessoa de dezesseis anos.”

Dayannie dos Santos


Preto (Ufop), Natália de Souza Lisboa, é quem coordena o órgão responsável por facilitar o acesso e a permanência dos estudantes na Universidade mineira. A servidora acredita que “o Reuni foi um passo de democratização e interiorização da educação superior”. Lisboa, que também é professora de Direito e especialista em direitos humanos, afirma que o Reuni foi “um caminho e uma base para a construção dessas políticas de ação afirmativa que a gente tem hoje”. As políticas de ação afirmativa contribuíram para a melhora da educação. A ex-Presidenta Dilma Rousseff foi responsável por sancionar um dos grandes marcos de democratização da educação pública superior. A Lei N° 12.711, de 29 de agosto de 2012, decreta a reserva de 50% das vagas das Instituições Públicas de Ensino Superior para estudantes vindos de escola pública, renda familiar per capita inferior a 1,5 salário mínimo, autodeclarados pretos, pardos, indígenas e pessoas com deficiência.

Correções históricas da desigualdade O racismo existe e persiste no Brasil. O conservadorismo acentua os preconceitos. Mesmo que o contrário seja dito, a discriminação racial é uma das grandes bases de sustento da desigualdade social, que se mantém enraizada em nossa sociedade desde os tempos da colonização. A Universidade retrata a sociedade e também reproduz os problemas que afligem a população por trás dos muros da instituição. Em março de 2018, na Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo, ABC Paulista, um banheiro feminino foi pichado com as frases “fora preta sapatão”, “odeio preto” e “fim das cotas”. Na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), um projeto denominado “Casa Grande”, do curso de Arquitetura e Urbanismo exigia que os estudantes realizassem o desenho de uma casa contendo área de serviço com quartos e banheiros para oito empregados. Na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), um professor de Economia foi denunciado após dizer em sala, segundo informações do Centro Acadêmico Livre

de Ciências Sociais que “detestaria ser atendido por um médico ou advogado negro”. Em 2016, segundo o Diretório dos Estudantes Mário Prata, o estudante Diego Vieira Machado, negro, LGBTI+ e residente do alojamento da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), foi encontrado morto no Campus do Fundão, na Zona Norte da cidade. O acesso ao Ensino Superior por parte das classes menos favorecidas ainda é bastante controverso. O atual modelo universitário estruturado em padrões elitistas não foi criado para atender às demandas de maioria da população. Em 1920, foi instaurada a primeira universidade pública no país. O regimento e estrutura da Universidade Federal do Rio de Janeiro era voltado para atender somente uma minoria, a elite brasileira. A Mestra em Educação, Mariza Aparecida Pena, pesquisou sobre o caminho dos estudantes cotistas no processo de formação no ensino superior na Ufop. Os resultados do estudo mostraram que estudantes cotistas dos cursos analisados obtiveram menor pontuação no Enem e também encontraram dificuldades, principalmente financeira, no início do curso. Pena afirma que mesmo com os empecilhos, esses estudantes conseguem se adaptar: “logo se tornam estudantes universitários filiados, com desempenho e participação em atividades acadêmicas extracurriculares semelhantes aos demais estudantes da instituição.” Dayannie dos Santos, 21, futura professora de Matemática é natural da comunidade da Maré no Rio de Janeiro. Teve sua primeira experiência universitária em 2015, quando foi aprovada no vestibular de Matemática da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj). A estudante relata que se identificou como mulher e negra muito cedo, nos primeiros períodos do seu curso, e por isso, vez ou outra se tornava porta voz da turma quando o tema era questões raciais e de gênero. Ela conta que entrou na Uerj por cota de escola pública, mas por ser preta, sempre foi rotulada como cotista racial, até mesmo pelos funcionários da Universidade: “o tempo todo na faculdade as pessoas achavam que eu era cotista e que a minha cota era racial”. Dayannie explica o motivo de ter escolhido não

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Se para alguns é complicado o acesso, mais difícil é permanência na universidade O percurso universitário apresenta-se, principalmente para os estudantes de baixa renda, permeado de dificuldades e desafios. Mariza Aparecida Pena utilizar a cota racial para ingressar no ensino superior: “eu lembro que quando eu entrei na faculdade eu escolhi não usar a cota racial porque é um absurdo, são só duas vagas pro meu curso, sendo que mais da metade da população é negra”. Foi na Uerj que Dayannie sentiu na pele o peso do racismo institucional, ao tentar registrar uma queixa contra o uso indevido de cota na Universidade, ela se surpreendeu com o tratamento que recebeu de uma funcionária: “fui tentar denunciar uma menina. Ela passou por cota racial e a menina era assim: branquinha, olho clarinho”. Quando Dayannie se dirigiu ao setor responsável para denunciar, a funcionária que a recebeu, mostrou-se indiferente: “eu me senti acuada, ela começou a falar que o teste para ser cotista racial era diferente do socioeconômico. DissWeram que além de verificar se a menina era branca, iam pesquisar a minha história, fazer um teste de DNA em mim pra ver quem tinha mais melanina no sangue, que iam ver se eu também estava mentindo na Universidade”. Ao falar sobre a dificuldade, a estudante relata sua resistência e a de outros milhares que, diante das barreiras estruturais e sociais, lutam para adentrar e permanecer dentro das Universidades. “Eu fiz um esforço muito maior que meus outros colegas da escola. Fiz dois anos de cursinho pré-vestibular comunitário, lá na esquina de casa. E meus colegas de sala fizeram um ano daquele pré-vestibular super caro. Eu tive que ficar muita noite acordada no ensino médio, é uma pressão muito grande pra uma pessoa de dezesseis anos”. Ela acredita que passou por tudo isso se recordando da fala de sua mãe: “Se não for pública, não vai ter Universidade!” Os preconceitos reproduzidos na Universidade não se limitam a questão racial, há muitas vítimas de homofobia, machismo, gordofobia e demais estigmas dentro das instituições. Em 2016, o professor do curso de Administração da Ufop, André Felipe Colares, homossexual, foi violentamente assassinado em uma festa da turma de Medicina da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes). No mesmo ano, na Universidade de Brasília (UnB), um grupo de pessoas de extrema direita caminhou pela universidade e agrediu verbalmente estudantes com dizeres homofóbicos e racistas.

Gabriel Rodrigues de Lima, 22, estudante de jornalismo na Ufop, ao falar sobre as diversas opressões no meio estudantil, relata as dificuldades enfrentadas desde o financeiro às questões de gênero. Gabriel desabafa: “o meu modo de andar, performar e me vestir, às vezes faz com que as pessoas fiquem se perguntando se é homem ou mulher. Isso também é uma opressão”.

Mesmo que seja difícil O impasse que impede o aprimoramento da educação no Brasil vai muito além do conhecido sucateamento das Universidades públicas e dos baixos investimentos na educação de base. Trata-se de um problema estrutural que acompanha os alunos de escola pública do ensino fundamental ao ensino médio. Aqueles poucos que conseguem aprovação no vestibular, ao chegarem na Universidade, enfrentam um atraso educacional em comparação aos demais estudantes vindos da rede privada. Nataly Vermeuler, 22, estudante de escola pública, sempre se dedicou aos estudos. Suas notas, geralmente as maiores da sala, não foram suficientes para garantir sua aprovação no curso de Medicina em uma Instituição Federal. No período de vestibular, ela desejava ser aprovada na UFMG. Nataly é uma das milhares de pessoas beneficiadas pelo Prouni. Ela ingressou no curso de Medicina da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais. A estudante conta que: “estruturalmente, me surpreendi e me encantei com a Faculdade, pois nunca tinha tocado em um microscópio e nem trabalhado com qualquer tipo de laboratório.” A falta de uma educação de base de qualidade acompanhou a estudante durante os primeiros semestre. Segundo ela, os mais difíceis de sua graduação: “por ter entrado um mês e meio após o início das aulas, não tenho boas lembranças. Foi um choque. Tinha que correr com as matérias. Infelizmente, só o cursinho não foi capaz de suprir. Tive que aprender a estudar para faculdade e me adaptar à nova rotina. Claro que estava extremamente alegre, mas pela primeira vez não adquiri uma nota acima da média em uma prova. Eu era uma aluna bem dedicada, foi frustrante e eu me sentia muito envergonhada.” Ao relembrar os três anos que se dedicou aos cursinhos de pré-vestibular, ela lembra que: “foi um período muito sofrido e desgastante emocionalmente. O primeiro ano que tentei, foi um choque de realidade. Percebi como possuía um conhecimento defasado, apesar de possuir boas notas na escola. Foi difícil,


pois havia muitas matérias que eu nunca tinha visto. Então, eu não revia a matéria e sim tinha que aprender. Estudei horas por dia, todos os dias, durante 3 anos. Foi difícil pois eu achei que seria impossível passar, visto que percebi como uma disputa entre escola pública e particular é desigual e injusta.” A Mestra Mariza Aparecida Pena, ao falar sobre as dificuldades dos cotistas e principalmente dos de baixa renda na sua tese, afirma que “se para alguns é complicado o acesso, mais difícil é a permanência na universidade. O percurso universitário apresentase, principalmente para os estudantes de baixa renda, permeado de dificuldades e desafios.” Maria Luz, estudante de Administração da Ufop, ingressou na Universidade utilizando a política de cotas. Ao ser questionada sobre a possibilidade de estudar em uma instituição particular, ela argumenta que “eu não me imagino numa faculdade particular. Acho que o público é muito diferente, não me adequaria a um público muito elitizado, todo mundo tem uma condição financeira completamente diferente da minha.” Em contrapartida, Maria se identifica com o ensino gratuito: “a universidade pública combina muito mais com minha carreira estudantil e com as minhas condições financeiras, para eu estar numa faculdade particular eu precisaria trabalhar o dobro do que eu já trabalho e eu não quero isso”. A ausência de uma educação de base de qualidade é um dos principais fatores que impedem o acesso dos menos favorecidos na universidade. A base escolar oferecida pela iniciativa privada, se comparada com a rede pública, sempre será a detentora dos índices mais altos de aprendizado e de aprovação em vestibulares. Em um país onde o dinheiro é mais importante até mesmo que o próprio homem, a qualidade dos cursos preparatórios tende a ser proporcional ao valor da mensalidade. Quanto mais alto o custo, maiores as chances de aprovação.

Lutam por um futuro melhor A sociedade brasileira reflete em suas ações a falta de um sistema educacional de qualidade e democrático, que debata essas questões. Em meio a desigualdade social, surgem vozes que reivindicam por igualdade de direitos. Entre os relatos dos cotistas entrevistados, nota-se a luta que estes desenvolvem para construir uma sociedade mais igualitária e um futuro melhor. Hoje, cursando matemática na Ufop, Dayannie dos Santos relata que foi responsável por criar, com a ajuda de amigos, o curso de pré-vestibular comunitário Carolina Maria de Jesus, na comunidade Morro do Trem, Zona Norte do Rio de Janeiro, sua cidade natal. A estudante de Administração Maria Luz, é uma das idealizadoras do projeto Escrevendo o Futuro, o qual oferece aulas de arte educação a preços acessíveis nas comunidades que está inserida. Gabriel Rodrigues, consciente de sua realidade social, levanta debates dentro da Universidade a favor das lutas da comunidade LGBTI+ e também se solidariza com a causa das mulheres em combate ao machismo. Mariza Aparecida Pena, ao concluir seu estudo sobre o perfil dos estudantes cotistas na Ufop, indica que: “os resultados apontam para um futuro mais promissor para os alunos de baixa renda” e explica que “os efeitos positivos podem ser verificados a partir do aumento da presença de estudantes das camadas populares nos diversos cursos superiores, do desempenho acadêmico e da participação desses estudantes em diversas atividades universitárias”. Pena acredita que as políticas de ação afirmativa podem diminuir as desigualdades do sistema educacional: “as desigualdades educacionais somente serão sanadas mediante garantia da equidade e da qualidade do ensino público desde a educação básica”.

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Comum

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Luísa Campos Carolina Coelho Thalia Gonçalves


As lembranças da educação superior levantam o questionamento: até quando as instituições sofrerão com os golpes?

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Há quem diga que fui um golpe na democracia. Prefiro me auto intitular como um governo rígido, o mais correto da história, já que medidas austeras precisavam ser tomadas. João Goulart dirigiu o país entre 1961 e 1964, com ideais populistas, projetos que não condiziam com a nossa nação. O patife queria fazer uma redistribuição de renda e de terras, uma tal de Reforma de Base... Isso tem lógica? Dar terra ao povo? Para nós, de classe e de inteligência mais elevada do que a massa, isso é coisa de comunista. Dizem que o povo foi às ruas para dar apoio a Jango. Um apoiozinho de nada. Porque o que importa é o dinheiro. Quem estava ao meu lado era o setor da sociedade com pensamento superior, que se posicionava contra o presidente comunista. Se os grandes grupos econômicos estavam ao meu lado, o que mais poderia querer? Luz, câmera e ação, claro! Faltava a mídia, que não pensou duas vezes em fazer uma propaganda digna da minha personalidade, quando comecei molhar a mão dos canais de tv e rádio. Os Estados Unidos, sempre muito participativos, não poderiam deixar de dar o ar da graça. Big Brother was watching Brazil! Esse apoio foi tudo que faltava para que eu pudesse tirar de cena o presidente, de qualquer jeito, a qualquer momento. Coloquei os tanques de guerra nas ruas na madrugada de 31 de março para 1º de abril de 1964. Meu nascimento foi irônico, bem no dia da mentira. Prefiro dizer que verdadeiro mesmo foi o fim que eu dei naquele papelito que o povo chamava de Constituição Federal. Tanques, militares e cavalaria cruzavam as ruas do centro do Rio de Janeiro no dia em que entrei em ação. Foram 21 anos dourados, regados à ordem e luta contra o comunismo. Sobrevivência da pátria a qualquer custo, custe a vida que custar. “Democratas do Brasil, não desconfiem das gloriosas Forças Armadas de nossa Pátria”, era o que dizia Auro de Moura

Andrade, presidente do senado à época, na Marcha da Família com Deus pela Liberdade. Logo que os aliados me deram permissão para agir, não pensei duas vezes em acabar com aquela patifaria de União Nacional dos Estudantes (UNE). Metralhei e incendiei a sede da UNE. O que mais me incomodava com relação a esses estudantes, além deles se acharem os sabichões só porque leem um livrinho ou outro, é que quanto mais eles se organizavam, mais gente com o mesmo pensamento comunista se espalhava como peste em uma universidade da nação. Fiz o que foi necessário: persegui, controlei, prendi, torturei, dei sumiço a milhares de envolvidos com organização estudantil. Todos subversivos! Professores e funcionários também. A solução era simples: ame-o ou deixe-o. A UNE foi uma de nossas principais inimigas a ser combatida e destruída. A Lei Suplicy de Lacerda, de novembro de 1964, proibia organizações políticas dentro das universidades. Os militares acabaram com qualquer possibilidade da UNE atuar livremente nas universidades e nas ruas do país, discurso que legitimou estudantes como “foras da lei”. Com o país e as Universidades sob regime de vigilância e repressão, estudantes, professores e funcionários eram intensamente reprimidos. O Brasil mergulhava em uma densa escuridão. Lembrar para não esquecer. Lembrar para não repetir. Ano 2018, o cenário é duro: deslegitimação das instituições de ensino, cortes de verbas, atraso no salário de funcionários, demissões. A situação estremece o cotidiano de quem tem compromisso de educar sujeitos para que sejam pensantes e combativas. As Universidades resistem. Brava gente brasileira. Resistir para continuarmos distantes dos tempos que mergulharam o país em anos de chumbo. Agir hoje para que o direito ao acesso à educação não seja um privilégio. Enquanto a educação for pintada de gente, amanhã há de ser outro dia.


Violência inaugural Mais de 50 anos nos separam de 1964, início da violência cometida pela Ditadura Militar. Parece um passado distante, mas que ainda vive na memória de quem lutou contra a repressão. A tirania que invadiu o Brasil, chegou às salas de aula, corredores, centros acadêmicos. Salas onde Maura Oliveira foi universitária entre 19681973; corredores em que Hila Rodrigues e Marta Maia sonharam com a redemocratização. Três vivências entre outras, de sujeitos que fazem a Universidade pulsar. “O prédio foi cercado pela polícia do exército e pelo Departamento de Ordem e Política Social (Dops). Subimos até o último andar. Era tudo muito perigoso, a gente tinha muito medo’’. Maura Oliveira cursava o primeiro ano de Jornalismo na Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (Fafich), na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). O ano era 1968, quando o prédio em que a hoje professora do curso de Comunicação da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas) estudava, foi cercado. Alunos, docentes e funcionários foram alvo de bombas de efeito moral e gás lacrimogêneo. Passaram o dia inteiro refugiados. No cerco montado pelos policiais, havia uma lista de estudantes e professores procurados, todos considerados “subversivos”. Os identificados, foram presos e levados ao Dops, para “prestar esclarecimentos”. Essa seria somente uma das várias intervenções que os militares fariam na Fafich e nos demais prédios da UFMG, enquanto a Ditadura vigorou no país. Ainda em 1968, a Universidade de Brasília (UnB) sofreu a terceira invasão. 3 mil estudantes se reuniram na UnB contra a prisão de sete alunos, um deles o presidente do Diretório Central dos Estudantes (DCE), Honestino Guimarães. A Polícia Militar e o Dops invadiram a Universidade e renderam mais de 500 estudantes. Um manifestante foi

baleado na cabeça, 60 pessoas foram presas e o presidente do DCE levado à prisão. Os Atos Institucionais (AIs), aplicados pelo Governo Militar, estabeleciam normas que serviam como instrumentos para as ações ostensivas. Assinado pelo ex-Presidente Costa e Silva em 1969, o AI-5 foi criado para proibir manifestações de cunho político e qualquer atividade considerada “subversiva”. De caráter repressivo, era conhecido como um decreto-lei voltado para os universitários. Previa expulsão de estudantes e demissões de professores e funcionários que se organizassem politicamente. Entre as infrações consideradas graves, estavam paralisações de atividades escolares, organização de eventos sem autorização prévia ou qualquer “ato contrário à moral e à ordem pública’’. Em 1970, o governo intensificou a vigilância, com a criação das Assessorias de Segurança e Informação (ASI) instaladas nas reitorias das instituições. Mais de 40 ASIs foram implantadas ao longo da década para controlar a contratação de funcionários, concessão de bolsas de pesquisa, autorizações para estágio, e vigiar o cotidiano das universidade.

Mobilização enraizada A luta contra a repressão vivida nas ruas, se estendia para as salas de aula. O ano era 1979 e Marta Maia compunha o movimento de estudantes secundaristas, no interior de São Paulo. Fez parte do corpo de discentes que reconstruiu a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes), fechada pela ditadura militar. Pós renascimento da Ubes, foi Diretora do Departamento Feminino, impulsionando a criação de entidades em escolas do país. “Foi um momento muito difícil, tivemos que enfrentar a Polícia Militar, diversas repressões, justamente pela vontade de reconstruir a Ubes”.

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CRÉDITO: FOTOGRÁFO NÃO IDENTIFICADO

A existência da Universidade depende do debate livre, da autonomia de pesquisa, de sua insubmissão aos poderes. Não temos como existir plenamente

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sem a democracia.

Marta Maia em campanha pelo impeachment do então presidente Fernando Collor, em 1992.

Marta Maia em campanha pelo impeachment do então presidente Fernando Collor, em 1992.

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Hila Rodrigues em cobertura para a Rádio Alvorada FM, em 1989. Na ocasião, Lula, candidato à presidência da república, visita Pimenta da Veiga.


No início dos anos 1980, Marta iniciou o curso de Jornalismo na Pontifícia Universidade Católica de Campinas (Puc Campinas) e se juntou ao DCE. “O interessante é que a resistência partia de outro ponto: por se tratar de uma universidade privada, organizávamos movimentos de boicote às mensalidades. Passávamos nas salas recolhendo os carnês para pressionar a reitoria”. Em um dos movimentos, o DCE chegou a colocar fogo nos carnês no Pátio dos Leões. As formas de organização não estimulavam apenas o lado político dos alunos. Inflamados por movimentos artísticos que atuavam contra a ditadura, o DCE produziu eventos culturais, debates e palestras. Como jornalista, Marta participou do Diretas Já, movimento popular que reivindicava o voto direto para presidente da república, entre os anos de 1983-1984. “Saía em carro de som, participava de atos enormes. Brasília era a minha segunda casa, íamos nas caravanas de estudantes e professores. Chegávamos na cidade e íamos a passeatas, atos públicos. Depois, voltávamos para São Paulo com o sentimento de ação pulsando no peito”. Hila Rodrigues, professora de Jornalismo na Ufop, estava em uma das manifestações do Diretas Já. Caloura na Puc Minas, foi para a Praça da Rodoviária, no centro de Belo Horizonte, junto com colegas de sala. “Os ônibus não cobraram passagem para que as pessoas que quisessem ir para a manifestação, fossem de graça, o que colocou ainda mais gente na rua’’. Hila relembra que o Diretas não recebeu destaque na imprensa tradicional, um posicionamento interpretado como contrário à manifestação popular e à redemocratização. “Essas campanhas que colocam muita gente na rua dão uma esperança enorme. A gente consegue sentir o poder das mobilizações, tínhamos esperança de reconquistar o direito ao voto, ainda mais na época de estudante, na rua junto com meus colegas”. Marta Maia ressalta que o período de redemocratização foi muito marcado pelo espírito combativo de estudantes, professores, militantes, e sociedade civil em geral “Foi um período de muita ebulição, extremamente importante para conseguirmos as Diretas Já e a democracia que hoje estamos sofrendo esses revezes. Mas estamos na luta, não estamos parados”. Hoje, tentativas insistentes de enfraquecimento de direitos e conquistas batem novamente à porta das Universidades brasileiras. Em 2016, foi aprovado pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal a Proposta de

Emenda Constitucional (PEC 241), que estipula um teto para os gastos públicos, entre eles saúde e educação; por até 20 anos, Universidades Públicas terão as verbas congeladas pelo Governo Federal. Medidas como essa, aprovadas pelo Presidente Michel Temer, mostram um governo marcado por cortes nas políticas públicas. As ações são certeiras: em abril de 2017, o governo anunciou o corte de 4,3 bilhões de reais no Ministério da Educação (MEC), o que afeta serviços essenciais como o custeio de obras para expansão e reformas das Universidades, a manutenção de serviços terceirizados, atraso no pagamentos de água, luz e manutenção. Na área do conhecimento, as atividades de pesquisa à nível graduação e pós também são afetadas: cortes nas verbas do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e na Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), por exemplo, atingem o financiamento de investigações em todas as áreas do conhecimento - muitas delas, sofrem com paralisações e risco de não terem continuidade.

“A nossa ação no mundo” Em fevereiro de 2018, uma disciplina sobre análise da conjuntura político-social, ofertada na graduação em Ciência Política na UnB, foi alvo de tentativas de censura. Intitulada “O golpe de 2016 e o futuro da democracia no Brasil”, sua proposta é refletir sobre o sistema político brasileiro atual. O ministro da educação à época, Mendonça Filho (DEM), declarou que acionaria instâncias máximas, como o Ministério Público Federal (MPF), para investigar “improbidade administrativa”, sob a justificativa “que uma instituição respeitada e importante adote prática de apropriação de bem público para promoção de pensamentos político-partidários”. Para o professor idealizador da disciplina, Luis Miguel, houve desconhecimento do ex-Ministro da Educação que não compreende o universo acadêmico e, por isso, acreditou que poderia “censurar” uma matéria universitária. “Há um tanto de ignorância e outro tanto de má fé. O que eles querem é um ensino que, por não questionar, torna-se cúmplice do mundo tal como é. Houve a ameaça do ex-ocupante do MEC, manifestações absurdas de juízes e procuradores reacionários, e também há a ação de grupos obscurantistas como o chamado ‘Escola Sem Partido’. Mas a perseguição tem

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enfrentado forte resistência. E permanecemos protegidos pelo artigo 207 da Constituição Federal, que garante a autonomia universitária com clareza absoluta”. O professor Luis Miguel aponta que a autonomia universitária é a chave para que uma instituição de ensino se mantenha firme frente às tentativas de golpes na educação, sem ceder às pressões políticas, como em outros momentos da história. “A existência da Universidade depende do debate livre, da autonomia de pesquisa, de sua insubmissão aos poderes. Não temos como existir plenamente sem a democracia”. O que o ex-Ministro da Educação não esperava é que as tentativas de censura fossem o gatilho para um movimento de resposta. A primeira foi da UnB, que lançou nota reiterando compromisso “com a liberdade de expressão e opinião - valores fundamentais para as Universidades, que são espaços, por excelência, para o debate de ideias em um Estado democrático”. Depois, 13 Universidades se posicionaram em defesa da autonomia universitária e, atualmente, são mais de 100 cursos sobre o golpe de 2016 nas modalidades de aulas e atividades de extensão. “Centenas de colegas se levantaram não apenas para verbalizar solidariedade, mas para dividir comigo o ônus das perseguições. Foi um lindo movimento em defesa da universidade e, na circunstância, em defesa de um colega”, comentou Luis Miguel. Hila e Marta ocupam hoje o espaço das salas de aula como professoras. Hila destaca o poder do lecionar em Universidades que enfrentam tentativas de desqualificação. “Entrei como docente pensando em formar indivíduos que questionassem. É um pouco isso que a gente faz enquanto professor, tentamos compartilhar com os alunos coisas que julgamos importantes. A Universidade é um lugar por excelência de resistência. O ex-Presidente Lula falava que o pobre tinha que entrar na universidade. Por quê? Porque ela é capaz de dar um clique, abrir a mente das pessoas”. Como professora da Universidade Metodista de São Paulo durante a década de 1980, Marta relembra um projeto de extensão desenvolvido com o Movimento dos Sem Terra (MST), que visava a democratização da comunicação. Viajava para as áreas rurais para trabalhar de perto com pessoas “que entendiam mais da lida da roça do que do comunicar”, e vivenciou o poder de transformação da Universidade “o que é importante, como [o educador] Paulo Freire fala, é a nossa ação no mundo. A educação só tem sentido quando transforma”.

Pra não dizer que falei das flores O Flores é um grupo que resiste fazendo pesquisa e extensão, existindo na docência, na militância dentro e fora da universidade. Daniela Auad é professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Casada com Cláudia Lahni, também professora da UFJF, construíram o Flores Raras, grupo de pesquisa em Comunicação, Educação e Feminismos. O Flores também se estrutura como coletivo, promovendo ações que buscam fazer circular o pensamento sobre questões de gênero, sexualidades, identidades, e as várias formas de ser mulher. A ação de grupos como o Flores dentro de universidades é uma resposta às opressões sofridas na sociedade. Nos 21 anos em que a Ditadura prevaleceu no país, além dos grupos políticos, eram também alvos de perseguição pessoas LGBTQ+ que militavam pelo direito à vida. Em 2014, a Comissão Nacional da Verdade (CNV) apresentou, à então Presidenta Dilma Rousseff, relatório final que apontava perseguições contra gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais, alvos da intolerância do regime militar. O documento aponta que as violações eram muitas: torturas, espancamentos, ameaças, extorsões. Coletivos começaram a ser estruturados no final da década de 1970 em defesa à dignidade dos LGBTs. Em 2017, a UFJF realizou campanha para visibilidade lésbica, que incluiu docentes, técnicas administrativas, funcionárias e acadêmicas, com o intuito de levantar o debate acerca do machismo e da diversidade sexual. Daniela acredita que essa campanha, além de combater os discursos de ódio, possibilitou um conhecimento maior sobre o Flores Raras “Isso proporcionou que o grupo acolhesse estudantes do Brasil inteiro. Tenho cinco doutorandas: de Juiz de Fora, Paraná, Pernambuco, Belo Horizonte e do Rio de Janeiro. Todas elas pesquisam questões de gênero, educação, feminismos. Dessas mulheres, uma é branca, outra é indígena, duas são negras. Ou seja, temos uma variedade de raça importante na produção de pesquisa na pós”. A professora afirma que a variedade de sujeitos que constroem o Flores é um importante passo para a afirmação como cientistas. “Sabemos que essas são as mulheres que não são percebidas como cientistas e que não têm lugar na academia. Nós produzimos ciência, privilegiamos a acolhida dessas mulheres e lutamos por isso no interior da universidade”.


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Habitar

Existências

cruzadas

Em cada canto da Universidade, uma mulher resiste por dia. São muitas. Entre conversas de corredor, trabalhos e salas de aula, suas histórias acontecem, são criadas e transformadas - para o bem e, muitas vezes, também para o mal. São vidas invisíveis, vidas atravessadas pelo machismo, vidas reduzidas a violências cotidianas. Em cada canto da Universidade, uma mulher resiste por dia.


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Pequenos GRANDES

Universos

Todos os dias, menos aos fins de semana, Rosimary de Oliveira Silva vai à universidade. Acorda às cinco e meia da manhã, prepara o café e arruma os filhos para saírem. Às sete horas, Rosimary assina a folha de papel que dá entrada ao seu turno no campus do Instituto de Ciências Sociais Aplicadas (Icsa), em Mariana, Minas Gerais. Às cinco da tarde, o horário encerra e ela faz o caminho inverso para casa. No dia seguinte, o vai-e-vem do dia anterior. Há quase sete anos, a rotina da auxiliar de serviços gerais passa pela Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), onde ela realiza as funções de limpeza e de organização. Um trabalho que faz toda a diferença no dia-a-dia da Academia. Sem Rosimary e todas as outras mulheres que integram o corpo de trabalhadoras terceirizadas da Ufop, não há conhecimento ou ciência que possa existir e ser produzido. Agora, ela quer ir além: pretende cursar Jornalismo, uma das quatro graduações ofertadas no Icsa. “É poder falar que eu estudei, que eu aprendi, que eu fiz alguma coisa por mim”, reflete. Mas Rosimary demorou para compreender que ela também pode ocupar a Universidade - não apenas pelo seu trabalho. “[Antes de conhecer o Icsa], a única coisa que eu via era uma escola particular que eu não tinha condições de pagar para estudar”, explica. Assim como Rosimary, a vida de muitas mulheres é marcada direta e diariamente pela Universidade. Sejam servidoras, técnicas-administrativas, alunas ou professoras, elas estão presentes. No entanto, suas histórias ainda parecem ser um mistério para quem não se arrisca a escutá-las. Na monografia Estudo sobre as trabalhadoras invisíveis da limpeza em uma Universidade Federal, defendida em 2016, a ex-

Lethícia Bueno Débora Madeira Maria Santos Laura Marostegan Luciana Gontijo Clara Lemos Carolina Sousa Ruan Sousa

aluna de Administração da Ufop Daiane de Lourdes Martins se propõe a ouvir os relatos dessas trabalhadoras. A autora conclui demonstrando que a maioria das terceirizadas da Ufop e entrevistadas por ela gostam do ambiente de trabalho, mas se sentem excluídas pela comunidade acadêmica. Frases como “nós somos tratadas diferente aqui, ao verem nosso uniforme mudam o jeito” e “tem gente que acha que somos sujeira também” são algumas das muitas encontradas ao longo da pesquisa. Nos seis anos em que está no Icsa, Sandra Helena da Silva Soares foi procurada apenas uma vez para dar entrevista. À auxiliar de cozinha, que trabalha 48 horas por semana para ajudar a filha que estuda em uma universidade federal em outra cidade, foi perguntado sobre o funcionamento do restaurante universitário. Na parede fina que separa a cozinha onde Sandra trabalha e as mesas em que os estudantes almoçam e jantam todos os dias no Icsa, uma lembrança dolorida que ela não teve a oportunidade de contar: “uma vez, um rapaz jogou a bandeja [e ela] passou para o lado de dentro e eu saí da reta para não pegar no meu nariz. Ele falou: ‘eu não sou obrigado a comer essa porcaria’. Não é a gente que faz a comida”, desabafa. Ivani Márcia do Carmo e Cláudia Aparecida da Silva também são auxiliares de cozinha do Icsa e revelam que a convivência no instituto é boa e tranquila. Mesmo assim, Ivani já vivenciou situações de negligência no trabalho, como na vez em que ela e outras mulheres engravidaram e foram demitidas de uma empresa terceirizada que atendia a Ufop. “A gente ficou a gravidez toda sem um centavo, porque a empresa que entrou disse que não poderia contratar grávida”, lembra. Tempos depois, Ivani conseguiu retornar ao cargo. Já Cláudia está nos primeiros meses de sua terceira gestação e entre os sorrisos e a gratidão de alguns alunos, a auxiliar encontra energia para seguir trabalhando. Para ela, a Universidade prepara e capacita as pessoas para a vida e, por isso, entre suas metas, está a de continuar os estudos. “Meus planos são esperar minhas filhas crescerem mais um pouco, voltar a estudar, abrir um restaurante e terminar minha casa”, conta.

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Para Rosimary, Sandra, Cláudia, Ivani e Caroline, a Universidade é um espaço de oportunidades, mas também de obstáculos.


Como Rosimary e Cláudia, a vontade de ingressar em um curso superior é também o de Sandra, que facilmente escolheria entre Serviço Social e Agronomia. Mas o grande objetivo é o de, um dia, cursar Gastronomia e abrir um negócio próprio. E Ivani queria mesmo era trabalhar com o que gosta: abrir um salão para penteados e tranças africanas. Entre os desejos de cada uma delas, um ponto em comum: a Universidade como um lugar de sonhos pessoais. Resta perguntar se esses sonhos são possibilidades ou barreiras.

Ciências da desigualdade Hoje, na educação superior presencial e à distância, as mulheres são maioria. Uma conquista histórica, já que demorou mais de meio século para a participação feminina nas Universidades brasileiras ser uma realidade. De acordo com a pesquisa Censo da Educação Superior, de 2016, do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), foram 2.481.702 matrículas de mulheres nas Universidades contra 1.840.390 de homens. Elas também saem na frente com o diploma: 32% das mulheres se graduaram a mais que homens em cursos presenciais no país à época. Número que impressiona se levada em consideração a carga horária semanal das mulheres. No estudo Estatísticas de gênero: indicadores sociais das mulheres no Brasil, de 2018, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), constatou-se que elas se ocupam três vezes mais do que os homens, somando trabalho, estudos, afazeres domésticos e cuidados de pessoas. Mesmo com o crescimento da produção acadêmica realizada por mulheres, que chegou aos 49% nos últimos 20 anos, de acordo com o relatório Gender in the Global Research Landscape, da editora holandesa Elsevier, de 2017, a distribuição de bolsas de pesquisa científica ainda é desproporcional entre os gêneros, em especial para aquelas que seguem nas carreiras de Ciências Exatas. Bárbarah Marques Silva é aluna do nono período de Engenharia Civil nas Faculdades Unificadas Doctum, em Teófilo Otoni, Minas Gerais, e conta que é comum receber comentários negativos sobre ser mulher em um curso de

exatas. “O que eu mais ouço é se estou preparada para ir à obra carregar concreto”, comenta. Apesar do apoio que ela e suas colegas de turma recebem de outros estudantes, que intervêm em situações de desrespeito, Bárbarah se indigna com o tratamento que recebe de alguns familiares e de pessoas que não conhecem o curso. “Tem que criar, desenhar, calcular, desenvolver, executar, administrar e, por fim, vender o produto. E todas essas ações podem muito bem ser executadas por mulheres”, afirma. Em outra pesquisa recente, de 2017, publicada pela revista científica Peerj, intitulada Underrepresentation of women in the senior levels of Brazilian science, foram analisadas as distribuições das Bolsas de Produtividade e Pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que oferecem subsídios para a realização de projetos. O resultado é alarmante: entre 2013 e 2014, menos de 21% das bolsas dos cursos de Ciências Exatas no Brasil foram destinadas às mulheres. Na Engenharia Elétrica, apenas 13 mulheres foram contempladas com bolsas, enquanto os homens receberam 269 delas. Na Engenharia Civil, 56 contra 210 bolsas. E na Física, 101 contra 806. A desigualdade de gênero nas áreas científicas tem origem na ideia de que a mulher é associada à natureza e o homem, à razão. No artigo Sobre gênero e ciência: tensões, avanços e desafios, a autora Ângela Maria Freire de Lima e Souza critica essa relação e dispara: “o grande desafio [das mulheres] é a própria estrutura do campo da pesquisa científica, concebido e construído para os homens.” Diferentemente dos meninos, as meninas não são incentivadas na educação básica a se tornarem cientistas e a gostarem de matemática, por exemplo. Nessa “lógica”, elas crescem acreditando que aquela não é uma área que elas possam estudar e trabalhar. Por outro lado, é grande o acesso de mulheres às carreiras de ciências humanas e às chamadas “carreiras de cuidado”. Ainda sobre a pesquisa da revista Peerj, o efeito da distribuição de bolsas se inverte nessas áreas. Em Enfermagem, por exemplo, foram destinadas 165 bolsas para mulheres e oito para homens. Em Serviço Social, 62 bolsas contra nove. E em Linguística, 152 contra 59. Segundo as pesquisadoras Amélia Artes e Arlene Martinez Ricoldi, isso acontece porque “as mulheres estão presentes de forma mais intensa nos espaços de menor prestígio acadêmico”, o que não significa que al-

O grande desafio [das mulheres é a própria estrutura do campo da pesquisa científica, concebido e construído para os homens. Ângela Maria Freire de Lima e Souza

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gumas profissões são melhores ou piores do que outras. Para elas, o que ocorre é a distribuição desigual de valor, onde certos cursos são considerados mais “femininos” e, por isso, tornam-se a única escolha possível para algumas mulheres. Em geral, são áreas que envolvem questões de ensino, cuidado, família e saúde, funções que sempre estiveram vinculadas ao ideal de mulher “bela, recatada e do lar”.

Mitos da igualdade Afinal, o que há por trás de tantos números que envolvem as mulheres na Universidade? A pergunta parece óbvia, mas Áurea Carolina, cientista social pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), feminista e vereadora mais votada em Belo Horizonte, Minas Gerais em 2016, dá a resposta. “A Universidade é um dos espaços que, por mais que tenha passado por mudanças recentemente, continua sendo muito desigual, de reprodução de muitas violências”, critica. Em 2015, o Instituto Avon divulgou a pesquisa Violência contra a mulher no ambiente universitário, que identificou uma das realidades mais doloridas para as mulheres: a de sentir medo e impotência dentro da Academia. Em parceria com o Instituto Patrícia Galvão, a ONU Mulheres e demais órgãos, a pesquisa ouviu mais de mil e oitocentos universitários de todo o país, entre homens e mulheres, e tinha como objetivo garantir que o assunto fosse mais debatido dentro do ambiente acadêmico.

Na pesquisa, constatou-se que as mulheres sofrem pelo menos seis tipos de violência na Universidade: assédio sexual, coerção, violência sexual, violência física, desqualificação intelectual e agressão moral ou psicológica. Das entrevistadas, 63% admitiram não ter reagido em nenhuma situação. Em relação aos entrevistados, 88% deles concordam que a faculdade deveria instituir punições aos responsáveis por essas violências. Segundo a antropóloga Debora Diniz, no artigo Mulheres na universidade: vítimas de violência impositiva, a violência no ambiente acadêmico ocorre porque a Universidade é um espelho da sociedade e, por isso, os estudantes, e até mesmo os professores, reproduzem falas, ações e comportamentos machistas e opressores aprendidos antes de ingressarem na Academia. A violência de gênero existe, mas não ocorre da mesma forma entre as mulheres. Grande parte das pesquisas de gênero, incluindo o estudo do Instituto Avon, não compreendem as diversas maneiras de ser mulher. São estudos que nem sempre fazem distinções étnico-raciais, de classe ou de identidade, fatores que influenciam diretamente na maneira como certas violências são praticadas. Apesar de representarem mais de 25% da população brasileira, as mulheres negras ainda são duplamente minoria na Universidade. Mesmo com a política de cotas, o percentual de mulheres brancas que se formam é 2,3 vezes maior que o de mulheres pretas ou pardas, de acordo com o IBGE. Isso significa que apenas 10,4% das mulheres negras che-


A Universidade é um dos espaços que, por mais que tenha passado por mudanças recentemente, continua sendo muito desigual, de reprodução de muitas violências. Áurea Carolina

gam a concluir a faculdade. Essa realidade é consequência de hierarquias no sistema educacional, ou seja, de um racismo que até hoje está na estrutura da vida acadêmica. A estudante de Engenharia Elétrica Sarah Silva é membra do Coletivo Negro Resistência Viva, da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), e expõe os obstáculos e a discriminação que presenciou ao longos dos quatro anos em que estuda na instituição. “Ser mulher e preta já é difícil no geral. Ser uma mulher preta em uma Universidade já complica um pouco mais. Agora, ser uma mulher preta em um curso elitista de homens brancos é uma luta colossal”, desabafa. Ela conta que, em muitas aulas, era a única mulher negra e que já ouviu “piadas” racistas e machistas, como “você só foi bem em uma prova porque ‘deu em cima do professor’”. De acordo com Sarah, as mulheres negras são invisibilizadas na academia porque ainda são poucas. “Não somos aceitas em nenhum curso porque não somos aceitas na Universidade”, pontua. Para as mulheres da comunidade brasileira LGBTI+ (Lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e transgêneros, intersexuais), o quadro não é diferente. Em um país que mata uma pessoa LGBTI+ a cada 19 horas, número recorde apontado pelo relatório do Grupo Gay da Bahia (GGB), de 2017, a discriminação e o ódio ao “diferente” ainda são comuns na Universidade. Apesar de

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Por ser mulher, temos que nos desdobrar para fazer uma gestão que gere confiança e respeito ao trabalho feminino. Cláudia Marliére

conquistas como a de Luma Andrade, primeira travesti a ingressar e concluir o doutorado no Brasil, o ambiente ainda é cruel para a comunidade. Cecília Falconiere é estudante de Medicina na Universidade Federal Fluminense (UFF) e a única mulher transgênero assumida do curso. Ela conta que ser trans e chegar ao nível superior em uma Universidade pública é quebrar uma grande barreira, mas também estar em conflito com os valores de outras pessoas. “O que mais me marca é a minha identidade ser invalidada e as minhas falas serem ignoradas por docentes que se intitulam ‘especialistas’ na minha realidade - que, obviamente, não é a realidade deles”, lamenta. A UFF possui políticas de inclusão do nome social para transgêneros, mas a estudante relata que acabou se acostumando em ter sua identidade desrespeitada. “Alguns professores já me trataram no masculino, mesmo constando a identidade feminina nos registros da Universidade”, explica. Ainda assim, Cecília reconhece que a Universidade é um espaço de privilégio. Fora desse ambiente, essas mulheres são mais expostas a violências e a desafios.

Áurea Carolina é Cientista Social pela UFMG e a vereadora mais votada em Belo Horizonte.

Áurea Carolina é Cientista Social pela UFMG e a vereadora mais votada em Belo Horizonte em 2016.

Mecanismos ocultos “A maternidade é o período mais solitário da vida da mulher. Você é julgada o tempo inteiro.” A frase é de Caroline Pessoa Sena, estudante de Jornalismo da Ufop, que viveu duas gestações durante a faculdade. Mãe de três filhos, Caroline tentou adequar a rotina para seguir indo às aulas na gravidez do segundo filho, mas conta que ficou traumatizada com os comentários que ouvia pelo campus e suspendeu o semestre. “Quando uma menina grávida passou, um grupo que estava perto falou ‘não sei como esse povo tem coragem de sair barrigudo assim para vir para a faculdade’”, relembra. Para Caroline, na Academia não há nenhum preparo para acolher as mães estudantes, seja através de creches universitárias ou auxílios-creche. Muitas ainda precisam levar os filhos para as salas de aula e são barradas ou ridicularizadas pelos professores. “É muito difícil acompanhar o ritmo da Universidade sendo mãe. Nem todo mundo conversa com você”, lamenta.


Segundo Áurea Carolina, existem mecanismos presentes na Universidade que tornam a vida de algumas mulheres mais difíceis do que de outras. São práticas e comportamentos de negação das experiências diversas, que rotulam, condenam e, principalmente, excluem aquelas que não se encaixam numa suposta “normalidade”. Esses mecanismos, na maioria das vezes invisíveis e “inofensivos”, fazem parecer que a mulher já conquistou igualdade porque ocupa a Universidade. Quando, na verdade, “a estrutura da Universidade ainda é muito distante do cotidiano da maioria de nós”, aponta a cientista social. Tamires Coêlho é professora de Jornalismo na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) e sente na pele esses mecanismos. Ela explica que as barreiras para começar uma carreira docente começam na convocação para se tornar servidora pública. No exame admissional obrigatório, as mulheres passam por um exame a mais, o preventivo, que é invasivo ao corpo e pode gerar complicações na posse, caso não fique pronto em 30 dias. “Um homem que só precisa fazer exames básicos vai tomar posse muito mais rápido”, destaca. Em relação à sala de aula, Tamires ressalta uma exigência implícita de se “masculinizar” e falar mais grosso para ser escutada e respeitada pelos alunos. A professora também observa como certas ações apontam para o silenciamento da docente mulher. “É muito comum que a gente seja interrompida por homens em reuniões e que a nossa palavra tenha um peso diferente. É como se o homem, por si só, estivesse no lugar dele e a gente estivesse deslocada”, constata. Além disso, por ser uma mulher nordestina, ela percebe os estigmas na profissão, sendo muitas vezes caracterizada pelo lugar de onde vem. Já nas estruturas da própria Universidade, existem outros mecanismos que dificultam o acesso das mulheres aos cargos de administração. Na pesquisa A representação das mulheres como reitoras e vice-reitoras das universidades federais do Brasil: um estudo quantitativo, de 2017, Anelise Bueno Ambrosini avalia a presença feminina nesses cargos e conclui que, das 63 Universidades federais do país, somente 30,2% das mulheres eram reitoras à época da pesquisa e 34,4%, vice-reitoras. Pela primeira vez em 49 anos desde sua criação, a comunidade acadêmica da Ufop elegeu, em 2017, uma mulher como reitora, a docente de Nutrição, Cláudia Marliére. Ela conta que ouviu diversos comentários

machistas na campanha eleitoral. “Alguns professores e técnicos falavam para não votar em mim porque dois professores amigos meus é que iriam administrar [a Universidade]”, relata. Como reitora, Cláudia se sente desafiada e com uma grande responsabilidade em mãos sendo a primeira reitora de uma Universidade governada por muito tempo apenas por homens. “Por ser mulher, temos que nos desdobrar para fazer uma gestão que gere confiança e respeito ao trabalho feminino”, pondera.

Não se nasce luta; torna-se luta Kassandra da Silva Muniz, docente de Letras na Ufop, argumenta que nem todas as mulheres na Academia têm consciência de que lugares sociais ocupam, o que dificulta que elas percebam mecanismos machistas e desiguais. É somente apresentando esse debate que ele pode se estender e sair do ambiente acadêmico. Para a professora, balançar as estruturas é um processo que requer tempo e que pode ser feito de muitas formas: através de coletivos feministas, negros e de educação; criando disciplinas obrigatórias para discutir as questões de gênero, raça e classe e oferecendo aos professores palestras e cursos relacionados ao assunto. Mesmo com todas as dificuldades, Kassandra vê uma oportunidade: “pela vitalidade que a juventude nos traz, talvez seja um bom caminho para gente pensar na possibilidade de iniciar uma superação.” Para Áurea Carolina, o segredo para uma possível mudança está em compreender a Universidade como um espaço de poder e de privilégio. Isso significa que estar dentro desse lugar é ter a chance de reorganizálo. “Se a gente consegue mover essas estruturas, pode representar a oportunidade para que mais mulheres acessem, para que outras continuem pressionando. É necessário propor rodas de conversa e criar espaços de confiança para que essas mulheres se conheçam, independente da posição que ocupem na Universidade”, provoca. Segundo Áurea, trabalhar a interseccionalidade na Universidade é uma maneira de resistir. “É uma palavra grande, mas traduz uma constatação simples: de que nós somos muito diferentes entre si. Ignorar essas individualidades é nunca alcançar o potencial de sermos mulheres de infinitas formas na coletividade”, finaliza.

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Texto: Foto: Diagramação:

BIBLIOTECA DA ESCOLA DE MINAS

André Ferrari Thiago Dias Lucas Santos


Unidade em construção Quando falamos de Ensino Superior, é muito difícil para os próprios historiadores demarcarem uma origem pontual. Entretanto, a Universidade de Bolonha (1088) e a Universidade de Paris (1214) são os modelos estruturais universitários consolidados na Europa Ocidental. Sua influência se espalhou ao longo do tempo, desencadeando a maioria dos formatos que vieram adiante. Os modelos que surgiram no Brasil beberam nessa fonte, mas os obstáculos da história fazem das nossas Universidades um projeto ainda inacabado.

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1088

Nasce a Universidade de Bolonha (Itália), considerada a primeira da Europa.

1808

Primeiro Ensino Superior no Brasil - Escola de Cirúrgia na Bahia.

1909

Primeira Universidade Particular brasileira - Universidade de Manaus.

1931

Criação do Estatuto das Universidades Brasileiras - Decreto n 19.851.

1937

Fundação da UNE - União Nacional dos Estudantes.

1968

Criação da Lei da Reforma Universitária no Brasil - Maior impulso nas

1998

Criação do Enem para avaliar as notas dos alunos do Ensino Médio.

2004 2009 2012

Universidades brasileiras.

O Enem passa a ser um portal de acesso para a entrada de alunos na Universidade com a criação do Prouni - Programa Universidade para todos.

Criação do Sisu - Sistema de seleção unificada para direcionar a entrada dos estudantes às universidades públicas do país.

Criação da Lei de Cotas - Lei que destina 50% das vagas das Universidades Públicas para alunos que se enquadram em Ações Afirmativas.


Universidade a la brasileira O professor da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) e Doutor em Educação, José Jardilino, destaca uma diferença significativa entre a Universidade brasileira e a que se instalou no restante da América Latina: o processo de colonização foi diferente, pois as colônias ibero-americanas tiveram perspectivas amplamente distintas. Os espanhóis trouxeram vice-reinados, uma extensão da estrutura da metrópole na Colônia. Sendo assim, a Universidade veio junto. Os descendentes que vieram a ser libertadores, tinham a educação como ferramenta, utilizando os Centros Universitários na propagação de ideias e movimentos de independência das colônias. Os portugueses, ao contrário, trouxeram basicamente a Igreja, como uma educação religiosa para o Brasil. A Companhia de Jesus era uma grande ordem formada por padres que tinham uma rígida disciplina associada a uma forte cultura cristã. Eles estavam dispostos, sob qualquer custo, a cumprir a missão de disseminar o pensamento católico, difundir a cultura européia nas terras indígenas, exercendo assim um domínio religioso. Essa diferença histórica fez com que o nascimento das primeiras estruturas não religiosas de Ensino Superior no país somente ocorresse com as Escolas Superiores criadas no século XIX, com inspiração nos modelos europeus. Do curso de Cirurgias na Bahia, de 1808, até a criação Universidade do Rio de Janeiro, em 1920, movimentos particulares e depois Decretos Federais iniciaram timidamente um modelo institucional de educação superior no país. Segundo a Doutora em Educação e Pró-Reitora de Graduação da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), Talamira Taita Rodrigues Brito, há um evidente dualismo no contexto de surgimento da educação formal no Brasil: distingue-se em saberes para a massa e saberes para a elite. Para ela, com a Educação Superior não foi diferente. A colonização em si e o modelo agrário exportador que durou vários séculos (inclusive no pós-Colônia) são “agravantes no comportamento de consolidação de políticas públicas que articulassem a educação como algo necessário para o nosso processo civilizatório”. Para Talamira, a consolidação da Universidade do Rio de Janeiro é fundamental para compreender esse processo. Sendo de iniciativa pública, foi resultado

da união entre as Faculdades de Medicina, Direito e Engenharia, e serviu de modelo para as que vieram a seguir, como a Universidade de Minas Gerais, em 1927. Posteriormente, houve um decreto, em 1931, durante o governo de Getúlio Vargas, conhecido como o Estatuto das Universidades, que estabeleceu um padrão de organização para as instituições de ensino superior no país, mas que ainda não se propunha a se aprofundar nas ferramentas de pesquisa e extensão com a comunidade. Outro ponto marcante, foi a Reforma Universitária no período da Ditadura Militar, que “dentre todas as críticas [recebidas], a maior delas é o isolamento dos integrantes diários da universidade no pensar sobre o futuro da universidade; [foi] uma lei verticalizada, sem a participação social”, completa a Pró-Reitora. Segundo o professor da Ufop, Fábio Faversani, Doutor em História, o período da Ditadura Militar trouxe uma disseminação ampliada das Universidades, tanto privadas, quanto federais. Havia um consenso entre os militares de que a produção de conhecimento de um país estava ligada a soberania nacional, ainda mais em disciplinas aplicadas, como as Engenharias tradicionais e a Medicina. Outro ponto relevante nesse momento, foram os incentivos às pesquisas e os Programas de Pós-Graduação que se consolidaram nesse contexto. Porém, Faversani ressalta que apesar desse impulso na educação superior, havia muita censura e autocensura durante esse período: “Os militares criaram certa tolerância ao pensamento dentro da Universidade, havia combates subversivos, é claro, mas a Universidade estava cheia de marxistas, o que era bem curioso”, conclui. Com o fim da Ditadura Militar em 1985 e a Constituição de 1988, foi elaborada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). Lançada em 1996, a fim de restaurar um modo de funcionamento do ensino brasileiro, recuperar e estabelecer um elo com a população, a Lei se consolidou como espaço de saber, de ciência. Para a Pró-Reitora da UESB, Talamira Brito, esse foi e ainda é seu grande legado no reconhecimento, produção e evolução do sentido do saber científico, inclusive resgatando “um aceno mais popular para o Ensino Superior”. Uma Universidade, diz Talamira, “por mais elitizada que tenha se tornado ou se sentido, como foi o nosso caso brasileiro, não passa de forma neutra nos cenários de nossa história.” Por isso, para a professora, aspectos políticos e sociais não podem ser deixados de lado no panorama histórico da educação formal brasileira.

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Contexto atual e perspectivas A expansão da educação superior brasileira na última década, a partir do Reuni (Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais) em 2007, fomentou a Universidade pública e paralelamente a privada, a partir do Fies e Prouni que resgataram vagas ociosas dessas instituições. “A expansão feita pelo governo Lula foi muito importante, mas por outro lado ela teve um limite grave, que foi não melhorar radicalmente a qualidade da educação básica que de maneira geral é pública. Temos um ensino superior amplo, mas não temos uma base sólida. É preciso que se crie uma política de estado para a educação, para não ficar a mercê de políticas de governo na educação, em que uns investem e que outros cortam recursos no mandato seguinte”, explica Faversani. Para entender um pouco do atual momento que a Universidade brasileira atravessa, a Diretora da Escola de Farmácia da Ufop, Maria Elisabete da Silva Barros e sua Vice-Diretora, Neila Márcia Silva Barcelos, citam que houve um aumento significativo de alunos que ingressaram na instituição. Hoje são 16 mil alunos, mais que o dobro de décadas atrás. É inegável, segundo elas, que a difusão do conhecimento foi extenso e que as políticas de acesso a Universidade e a modificações no currículo pedagógico trouxeram melhorias na formação do aluno de maneira geral e de acesso indireto à Universidade. “O curso de Farmácia tem vários projetos de extensão com a comunidade, são atividades que atendem o público de Ouro Preto, realizando exames laboratoriais da população, além de outras iniciativas que trabalham com idosos, diabéticos e hipertensos”, relatam. Entretanto, para as diretoras, essa melhoria poderá ser comprometida com os recentes cortes de verba que ocorrem frequentemente pelo Governo Federal. Em 2017, por exemplo, o Ministério do Planejamento anunciou bloqueio de R$ 4,3 bilhões na Educação. Aproximadamente 70% de todas as Universidades Federais tiveram cortes entre janeiro e junho do mesmo ano, o que representou 15% a menos nos recursos de manutenção e 50% a menos de investimentos universitários em relação a 2014, de acordo com Associação Nacional do Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes). Essa mesma realidade também se reflete na rede privada, pois o Prouni e Fies foram afetados. Dentro dessa mesma ótica, o diretor da Escola de Minas da Ufop, Issamu Endo, reitera que os cortes de verba prejudicam as atividades acadêmicas, pois “o campus está mal cuidado, falta segurança, existem animais dentro da Universidade, os prédios estão desgastados, há problemas de infiltração, equipamentos que não funcionam entre tantas questões que causam uma desmotivação geral no ambiente, que prejudica a formação do aluno. “A atividade

FOTOS LUIZ FONTANA


acadêmica deve ser muita mais que uma tarefa, deve ser algo prazeroso para os envolvidos”, ressalta. Outro ponto crucial para Endo, é que o crescimento vertiginoso da Universidade não foi acompanhado por uma institucionalização que fosse capaz de amparar as questões administrativas. “É necessário, criar novas instâncias que ajudem a reorganizar o sistema educacional além de estabelecer uma aproximação com o ex-aluno, em conselhos consultivos e eventos, assim como é feito nos Estados Unidos, por exemplo”. Além disso, o Diretor ressalta a falta de atitude individual: “os alunos não se organizam para cobrar e tomar uma iniciativa capaz de transformar o ambiente”. Endo afirma que a unidade estudantil teve uma percepção social equivocada desde a redemocratização. “Houve certa acomodação depois da redemocratização, como se o Presidente eleito fosse resolver tudo. É necessário criar outra visão de mundo sobre unidade, para que assim os estudantes continuem transformando a realidade em que estão inseridos”, afirma. Luiz Fernando Loureiro ingressou no curso de Engenharia Civil em 1973, e atualmente estuda Jornalismo. Dos 50 anos anos da Ufop, atravessou mais de 45 deles, seja como discente, docente, produzindo artigos, orientando alunos, participando de eventos e novamente, desde 2014, como graduando no Instituto de Ciências Sociais, em Mariana. A principal mudança ocorrida ao longo do tempo,

Apesar dos pesares, a Universidade brasileira tem condições de formar cidadãos [...], buscando a excelência do ensino, da pesquisa e da extensão. Luiz Fernando Loureiro

para ele, foram as melhorias decorrentes da maior pluralidade de vozes. “Com o Reuni e o Sisu, a instituição abriu-se completamente, de modo a agregar discentes, docentes e técnico-administrativos de diferentes origens geográficas e culturais, quebrando de forma definitiva o ranço interiorano e conservador até então persistente”, destaca. Com sua bagagem no espaço universitário, Luiz acredita que o papel da Universidade seja vital, tendo em vista os acontecimentos dos últimos anos: “A capacidade crítica deve ser cada vez mais incrementada, mas não de forma intra-muros, como acontecia até um passado relativamente recente. Apesar dos pesares, a Universidade brasileira tem condições de formar cidadãos, mais que simples repetidores de conceitos e pré-conceitos, buscando a excelência do ensino, da pesquisa e da extensão”, finaliza.

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Revolucionar para Ampliar Texto: Laura Viana Foto: Caroline Coelho Arte: Viviane Novy

Por meio da criação do Reuni, o Ensino Superior Público Federal alcançou novos públicos e conquistou novos territórios, possibilitando a democratização do acesso à Universidade. Entretanto, algumas metas do Programa não se concretizaram e seu legado sobrevive com dificuldades.


Não é tarefa fácil escolher, dentre tantas opções profissionais, uma área a se dedicar. São anos de estudo e sacrifícios para atuar em determinada função. Portanto, é preciso cautela na hora da escolha. De acordo com pesquisa feita no ano de 2016 pela Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES), que conversou com mil jovens entre 18 e 30 anos, mais de 81% dos entrevistados desejam cursar o Ensino Superior. Apesar da maioria se interessar pelo ensino público, 78,6% diz que não rejeitaria a oportunidade de cursar uma graduação em uma Universidade privada. Na pesquisa, 50,5% afirmam não terem condições para pagar a faculdade, e que para alcançar o objetivo, necessitariam de políticas que garantem o acesso em Universidades públicas, ou de auxílios como financiamentos; ambos já existentes, como o Programa Universidade Para todos (Prouni), no horizonte de 57,9% dos entrevistados, e o Financiamento Estudantil (Fies), que está nos planos de 50,3%. Com a implantação do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), em 2008, o acesso ao ensino superior público brasileiro dobrou, chegou à cidades do interior, atingiu camadas mais pobres da sociedade e impulsionou economias locais. Ainda com dificuldades relacionadas aos gastos com os estudos, a realidade quanto ao ingresso é diferente da de dez anos antes. O cenário na educação tem se tornado estimulante, ao contrário do contexto vivido pelas gerações antecessoras, conta a professora de ensino fundamental, Rosimere Moreira, 52. Durante sua juventude, era mais complicado ser admitido em uma Universidade pública. “Só quem podia pagar cursinho e ficar por conta de estudar que passava em uma Universidade Federal. Pessoas com menor poder aquisitivo tinham que trabalhar. Eu comecei com 17 anos para custear meu Magistério, que na época também era caro”, relata. Além da escolha de curso, os estudantes também precisam se preparar para a jornada de vestibulares e para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Se bem colocados, a vaga no Ensino Superior, seja ele público ou particular, está garantida. Renata Campos, de 16 anos, está cursando o segundo ano do Ensino Médio e já decidiu: quer ser psicóloga. O sonho da adolescente já tem os caminhos traçados. “Estou estudando para passar no Enem. Quero passar em alguma Universidade Federal. Apesar de estar no segundo ano do Ensino Médio, vou me arriscar e fazer o Exame. Será um teste para eu ir me preparando. Da próxima vez que eu tentar, vai ser de ‘verdade’”, comenta a adolescente. A futura vestibulanda faz parte dos 7,5 milhões de candidatos que se inscreveram

para o Enem 2018, como estima o Ministério da Educação (MEC). Mesmo residindo próximo a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a mineira se anima com a possibilidade de morar em outro estado, benefício do Sistema de Seleção Unificada (Sisu), implementado em 2009, no segundo mandato do ex-presidente Lula, que permite a circulação dos classificados pelo país. Rayza Gama David, 20, saiu de Itapetinga, interior da Bahia, aos 17 anos para cursar Economia na Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop). Ela representa os estudantes que se aventuram pelo país para conseguir, além do diploma, um bom currículo. “Eu sempre tive vontade de vir para Minas Gerais por ser referência. Na Bahia tem a Universidade Federal da Bahia (Ufba), em Salvador, mas o custo de vida da cidade é muito alto”, afirmou. De acordo com Rayza, os Programas de Ação Afirmativa das Universidades públicas facilitam sua permanência na instituição. O custo de vida de Rayza em Salvador in-

O Enem de 2018 estima mais de 7 milhões de inscritos. A maioria tem o intuito de se matricular em uma instituição de ensino pública. Dentre ele está a jovem de 16 anos, Renata Campos. cluindo apenas moradia ficariam em torno de R$ 800,00 reais mensais; em Mariana, o mesmo investimento sai por aproximadamente R$ 600,00, segundo informações fornecidas pela estudante. O Enem, método avaliativo usado pelo Sistema, foi aderido por 95% da Universidades Federais, contornando muitas das dificuldades com relação ao ingresso no Ensino Superior. O exame, válido em todo território nacional, é mais abrangente do que vestibulares tradicionais, por razões compreensíveis como locomoção e financeira. Em 2017, o Enem foi aplicado em 1.725 mil municípios, de acordo com relatório do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), diferente do vestibular que obriga os candidatos a comparecer na Universidade escolhida. A isenção de pagamento é outra característica da prova. Segundo o Inep, 48,2% dos inscritos foram isentos de pagar a taxa de inscrição para realizar a prova; e 22,1% obtiveram a gratuidade automática por estarem concluindo o Ensino Médio na rede pública em 2017. As instituições públicas de Ensino Superior

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que aderem ao Sisu reservam um número de vagas para os participantes do Enem. Só em 2018, o Sisu abriu 239 mil vagas na graduação, em 130 instituições federais e estaduais, um aumento de cerca de 60% em relação ao primeiro ano.

Transformação silenciosa Outro aspecto crucial do Programa está na reserva de vagas para Ações Afirmativas, que são as conhecidas cotas para alunos de escolas públicas, pessoas de baixa renda, estudantes autodeclarados pretos, pardos ou indígenas e pessoas com deficiência, que virou lei sancionada no ano de 2012, pela ex-presidenta Dilma Rousseff. Essa política resultou numa transformação dos ingressos, de acordo com a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), que analisou o perfil de 22 mil alunos de cursos presenciais de 57 instituições federais de ensino: 43,7% dos estudantes são das classes C, D e E, e 44,8% dos estudantes cursaram todo o Ensino Médio em escola pública, um aumento em relação a última análise, em 2003, quando eram 37,5%. De Rosimere para Rayza, são nítidas as diferenças tanto de expectativas, quanto das dificuldades que cada uma enfrentou para ingressar no Ensino Superior, tendo ambas o mesmo perfil socioeconômico. Pesquisas realizadas pelo Instituto

Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2014, atestam essa melhoria: estudantes pertencentes às classes socioeconômicas mais favorecidas deixaram de ser maioria nas Universidades, sejam elas públicas ou privadas. Em 2004, a parte dos 20% dos alunos mais ricos representava 55% dos estudantes da rede pública e 68,9% da rede privada. Em 2013, esses valores caem para 38,8% e 43%, respectivamente. Com isso, os estudantes vindos da parcela com maior poder aquisitivo na sociedade deixaram de ser maioria nas duas redes do Ensino Superior. Isso resultou no aumento do acesso à educação de pessoas dos demais estratos de rendimento, contribuindo para que o ingresso dos mais pobres no Ensino Superior crescesse. Ainda de acordo com o IBGE, a proporção de pessoas com faixa etária entre 25 e 34 anos com Ensino Superior completo quase dobrou, passando de 8,1% para 15,2%, entre os anos de 2004 e 2013.

Um projeto de nação As reformas no acesso ao Ensino Superior são resultado do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), lançado no ano de 2007 pelo MEC. O Plano prevê várias modificações na educação no prazo de quinze anos. Para alcançar os objetivos previstos no projeto, se criou o Programa de Apoio


FOTÓGRAFO NÃO IDENTIFICADO

Turma de Rosimere em Faculdade particular do curso de Magistério na década de 1980.

a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni). Dentre as suas principais metas, descritas no portal do Programa na internet, estava a expansão do número de vagas nos cursos de graduação, ampliação de oferta de cursos noturnos, promoção de inclusão social pela educação, inovação pedagógica e o combate à evasão. Além disso, o Programa também visava o alcance do ensino em regiões interioranas dos Estados brasileiros. Isso implica na redução do agrupamento dos pólos de conhecimento nas grandes cidades e redistribuir centros científicos. Diminuir as desigualdades sociais no país e fortalecer o desenvolvimento econômico eram também objetivos do plano. Para conceber novos Institutos e desenvolver a expansão, foi necessário um orçamento compatível. Entre 2008 e 2012, o desembolso para custeio e investimento foi de R$ 9,1 bilhões, segundo dados do MEC. Só em 2013, por exemplo, houve o investimento de R$ 440 milhões para a manutenção da estrutura, além de R$ 509 milhões na implantação de novos campi em instituições existentes e R$ 300 milhões na implantação de novas Universidades, totalizando R$ 1,2 bilhão. A partir desse incentivo o número de Institutos Federais de Ensino Superior (Ifes) ampliou em 31%. Simultaneamente, quase duplicou o número de cursos presenciais e o número de matrículas (86%), e a pós-graduação apresentou um crescimento de 316%.

De acordo com análise sobre o processo de expansão da Educação Superior das Universidades Federais a partir do Reuni, realizada pelo Doutor em educação pela Universidade Federal da Bahia (Ufba), Penildon Silva Filho, há cerca de dez anos, a percentagem e perfil social e racial de pessoas que frequentavam as Universidades Federais no país era outro. No ano de 2003, início do primeiro mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (Lula), os Institutos Federais que aderiram ao Reuni passaram por uma reconstituição no financiamento. De acordo com a pesquisa, a primeira consequência a se considerar foi a ampliação de vagas, junto ao Programa. A pesquisa constatou uma evolução: no ano de 2003 havia 596.219 mil alunos matriculados em Institutos Federais. Em 2013, a quantidade quase duplicou: eram 1.029.141 mil estudantes. De acordo com Penildon, o crescimento é significativo em razão de anos e anos de recessão, como nas décadas de 1980 e 1990, período marcado pela Ditadura Militar, endividamento público, estagnação das políticas públicas dentre outros questões econômicas. A pesquisa também detectou uma expansão maior em regiões menos desenvolvidas do país como, Norte, Nordeste e Centro-Oeste. De acordo com o MEC, também ocorreu o crescimento regional, que está diretamente ligado aos incentivos realizados na educação. A nova demanda de docentes, técnicos e discentes, obrigou as

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cidades receptoras a se adequar, resultando num desenvolvimento econômico. A interiorização proporcionou uma expansão de vagas públicas que se diferenciou do tradicional modelo de oferta de possibilidades nas capitais, elevando o número de municípios atendidos por instituições de Ensino Superior de 114 para 289 municípios, o que representou um crescimento de 153%. Houve o expressivo crescimento de campi em distritos do país. De 2003 a 2014, houve um salto de 45 para 63 Universidades Públicas Federais, o que representa a ampliação de 40%. De 148 campi/unidades, houve um aumento para 321, representando um crescimento de 117%. As regiões Norte e Nordeste obtiveram um crescimento maior do que as demais, justamente por uma necessidade histórica em receber mais incentivos. A grandeza territorial brasileira, que facilita a distância entre os polos econômicos e populacionais, ocasiona a dificuldade dos estudantes em acessar a formação superior. De acordo com dados institucionais encontrados na página do Reuni, o número de campi de Universidades Federais na região Norte do país cresceu de 24 para 40 entre 2002 e 2010; o de unidades dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, passou de 13 para 42 no mesmo período. O Pará, que contava com apenas duas Universidades em 2002, criou em 2009 a Universidade do Oeste do Pará (Ufopa), com sede em Santarém, e com mais cinco polos distribuídos por cidades da região. Em 2013, o Estado também passou a contar com a Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa), que em 2018 ofertará 1240 vagas em 37 cursos de graduação.

Números relevantes O Programa aconteceu em três fases: pré-expansão ou pré-Reuni, Expansão l e o Reuni. A primeira fase, compreendeu o período de 2003 a 2007 e teve como principal meta interiorizar o Ensino Superior Público Federal, que se concentrava em metrópoles com maior poder aquisitivo. Nesse, sentido, só entre 2003 e 2007 foram criadas dez Universidades Federais em regiões prioritariamente não metropolitanas, dentre as quais 40% no Sudeste, 30% no Sul, 20% no Nordeste e 10% no Centro-Oeste. Como resultado, foram disponibilizadas 110.729 novas matrículas, 26.612 vagas e 613 cursos na graduação. A segunda fase ocorreu entre 2008 e 2012, marcada pela execução efetiva do Reuni. Para além da pré-expansão, houve uma avaliação do que já fora feito, ressaltando o número de municípios atendidos pelas Universidades: de 114 para 237 entre os anos de 2011 e 2013. Foram criadas 14 novas Universidades e mais de 100 novos campi. No período de 2003 a 2014, houve um salto de 49 para 59 Universidades Federais, cumprindo a proposta de ampliação em 31%; e de 148 campi para 274 campi, crescimento de 85%. A interiorização também proporcionou uma expansão estrutural no país quando se elevou o número de municípios atendidos por Intituições Federais de Ensino Superior de 114 para 272, com um crescimento de 138%. Por fim, a terceira fase, de 2014 a 2018, diz respeito ao desenvolvimento regional. Esta fase se caracterizou pela continuidade das propostas anteriores e sua complementação com iniciativas específicas. No período de execução do Reuni, foi possível, além da expansão, a reestruturação física e acadêmica, aprimorando a qualidade da formação oferecida. Houve uma ampliação do número de projetos de pesquisa, resultado da contratação

Eu acho que o Programa Reuni, foi sem a menor sombra de dúvida o projeto de Governo mais bem sucedido e importante dos últimos 50 anos na educaçao brasileira. Luiz Fernando Loureiro


de quase 22 mil docentes com Doutorado ou Mestrado. Para o ex-Pró-Reitor de Planejamento e Desenvolvimento da Ufop, Luiz Fenando Loureiro, no ano em que o Reuni foi implantado, a educação brasileira progrediu e se tornou realidade para uma parcela maior dos brasileiros. “Eu acho que o Programa Reuni foi, sem a menor sombra de dúvida, o projeto de Governo mais bem sucedido e importante dos últimos 50 anos na educação brasileira”, afirma. “Hoje a gente conta com mais de 50 Universidades, bastante espalhadas, não apenas concentradas nas capitais. Mesmo as Universidades que já tinham sua sede em cidades do interior acabaram extrapolando os limites geográficos daquele município. Estabeleceram-se em outras regiões, ofertando mais oportunidades, chegando próximo de onde o aluno estava e fazendo com que ele não se deslocasse [para estudar]”, conclui. Além de inovador, o Programa foi uma alternativa perigosa na perspectiva dos críticos. Estes acreditavam que a medida ocasionaria na intensificação e precarização do ensino.

Entre os anos de 2003 e 2014 foram criadas 18 novas Universidades Federais. 1 - Universidade do ABC (UFABC) 2 - Universidade Federal do Cariri (UFCA) 3 - Universidade Federal de Alfenas (Unifal) 4 - Universidade Federal do Tocantins (UFT) 5 - Universidade Federal do Pampa (Unipampa) 6 - Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB) 7 - Universidade Federal do Oeste da Bahia (UFOB) 8 - Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM) 9 - Universidade Federal de Grande Dourados (UFGD) 10 - Universidade Federal Rural do Semiárido (UFERSA) 11 - Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) 12 - Universidade Federal Tecnológica do Paraná (UTFPR) 13 - Universidade Federal Vale do São Francisco (UNIVASF) 14 - Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (UNIFESSPA) 15 - Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA) 16 - Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afrobrasileira (UNILAB) 17 - Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) 18 - Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA)

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Frutos do Programa A participação dos discentes e dos docentes foi primordial para que se estabelecessem demandas únicas por cada Universidade, indicando suas prioridades nos campos da educação, da ciência, da tecnologia e social. Assim, o Reuni também proporcionou condições para que o Ensino Superior obtivesse uma reestruturação acadêmica e pedagógica. Em entrevista para o Portal do Governo, em abril de 2015, o ex-reitor da Universidade Federal de Goiás (UFG), Orlando Afonso Valle do Amaral, constatou a influência do Programa no planejamento acadêmico. Segundo ele, além de duplicar a área construída e ampliar o número de cursos de graduação e de pós-graduação, a instituição passou no período de 2008 a 2015, de 13 mil estudantes para mais de 25 mil. O impacto do Reuni foi fundamental, por fazer uma expansão desse porte e renovar a atmosfera no ambiente universitário”, disse. “Hoje, a universidade tem muito mais a cara da população brasileira do que tinha anos atrás”, reflete. Dentre as muitas fases e processos, é importante ressaltar que a expansão das Universidades Federais é um enfrentamento contínuo e cumulativo para que se cumpra com excelência não só as metas estipuladas pelos governos empossados. A educação é um direito assegurado pela Constituição brasileira, presente no Artigo 205, que garante a educação a todos os cidadãos e como um dever do Estado e da família, que deve ser promovido e incentivado com a colaboração da sociedade. Se pensarmos em termos de país, a educação superior brasileira passou por uma repaginação tanto dos perfis dos alunos - efeito da mobilidade proporcionada pelo Sisu - quanto à qualidade. Entretanto, muito ainda precisa ser alcançado, como por exemplo a manutenção das instalações. Apesar do orçamento para investimentos feito pelo MEC ter aumentado entre os anos de 2016 e 2017, como informado pelo Portal da Transparência (de R$ 43.766.141,38 para R$ 806.862.166,14), no setor de manutenção o repasse diminuiu. Entre janeiro e dezembro de 2016, foram repassados R$ 21.099.183,93, mas no ano de 2017, o valor foi de R$ 6.718.255,76. Como consequência, muitas Universidades brasi-

leiras enfrentam dificuldades. Cortes de energia, infiltrações, banheiros quebrados, falta de materiais, dentre outros, como é o caso da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), e da Universidade Federal do Pará (UFPA). Em 04 de junho de 2018, alunos do curso de Odontologia da UFPA protestaram pelas péssimas condições de estrutura nos laboratórios do curso, em entrevista para o portal de notícias G1. Segundo os relatos dos estudantes, os pacientes estavam sem atendimento há 15 dias por causa da falta de água. O compressor, equipamento que faz as cadeiras e canetas odontológicas funcionem estava parado, impossibilitando o atendimento da comunidade. Ainda que demonstrando falhas, ex-Pró-Reitor de Planejamento e Desenvolvimento da Ufop, enxerga melhorias futuras. “A situação hoje realmente não é uma das melhores, todas as Universidades brasileiras passam por um período de poucos recursos, de redução, de corte de recursos, mas eu acho que em breve, eu sou otimista, a gente vai conseguir voltar aos níveis de financiamento”, diz Luiz Fernando Loureiro. Ainda segundo ele, por meio da insistência e união de todos os comprometidos com a educação, o resultado se tornará positivo. “Espero que esse tempo, onde nossas atividades serão prejudicadas, nunca chegue, que antes disso a gente consiga reverter. Com muita luta, com muita dedicação, dos funcionários, dos professores, até mesmo dos alunos, eu acho que a gente está no caminho certo”, avalia. A passos curtos, a educação segue resistindo. A democratização do Ensino Superior brasileiro encontrou uma rota. A atitude, no entanto, não é mais a de engatinhar por melhorias, mas de correr até o progresso. A sequência que garantia que os filhos do pedreiro e da dona de casa exerceriam a mesma profissão foi rompida, com a implantação do Reuni, famílias de classes sociais mais baixas passaram a ter diplomados em suas casas, como a jornalista que escreve esse texto! A luta para que o Ensino Superior seja acessado por todos é contínua. É sobrevivendo a golpes, e ocupando espaços que são de todos por direito, que não apenas os planos de ensino estipulados pelo MEC serão alcançados, mas o objetivo de uma nação, igual para todos.


O Reuni possibilitou uma reestruturação das funções do Estado: uma retomada de responsabilidade em difundir e ampliar o acesso ao Ensino Superior público de qualidade.

No ano de 2016, quase 3 milhões de alunos ingressaram em cursos superiores de graduação no Brasil.

A Controladoria Geral da União (CGU) afirmou em relatório: entre 2012 e 2014, 90% das obras de ampliação de Universidades brasileiras foram concluídas.

Em 2002, 45 Universidades Federais e 148 campi estavam registradas. Apenas em 2014, já havia 63 Universidades e 321 campi.

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Lentes sobre a

PESQUISA

Texto: Foto: Arte:

Matheus Bragansa Lettícia Lages Taysa Bocard

O olhar sobre a ciência na pós-graduação brasileira precisa de foco.


A palavra “ciência” vem do latim scientia, que exprime o sentido de “conhecimento”. Mas tal conhecimento científico possui eficácia diferente de determinados saberes comuns reconhecidos em nossa vivência cotidiana. A ciência tem o papel de verificar pensamentos através de métodos, técnicas, análises e investigações. Assim, o pesquisador busca argumentos para validar os resultados de sua pesquisa, configurando uma espécie de autoridade concedida aos apontamentos científicos. É dessa forma que a ciência se estabelece como um caminho mais seguro para o entendimento da realidade e mudança nas estruturas sociais do país. O propósito da pesquisa científica está tanto na aplicação prática de suas descobertas quanto na configuração de um olhar mais completo e rico do ser humano, suas estruturas e tudo o que o cerca. Em 2015, um grupo de pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) descobriu aglomerados estelares num lugar remoto da Via Láctea, um local não habitual na formação de estrelas. Em entrevista concedida ao site UOL, Denilso Camargo (Doutor pelo Programa de Pós-Graduação em Física pela UFRGS), coordenador da pesquisa, explica a importância dessa descoberta para o contexto astronômico atual. “Se antes considerávamos que na Via Láctea estrelas se formavam exclusivamente no disco ou próximo dele, temos agora um novo ingrediente para enriquecer os modelos de formação e evolução das galáxias parecidas com a nossa”. No âmbito da pós-graduação, a ciência encontra seu lugar próprio. A pesquisa é comum ao percurso acadêmico e seus objetivos estão voltados à criação de uma busca científica que enriqueça os estudos em determinada área de conhecimento. Ao contrário da pós-graduação lato sensu (cursos de Especialização), que visa o repasse de conhecimento para o âmbito de produção, a pós-graduação stricto sensu (cursos de Mestrado e Doutorado) tem como principal diretriz criar novos conhecimentos, ou seja, fazer ciência e não apenas estudá-la ou aplicá-la no mundo mercadológico. É através dessa investigação que nascem os pesquisadores, os quais destinam-se a produzir novas pesquisas. “A pós-graduação é o principal meio de produção e de avanço da ciência no país”. Para Geraldo Lavigne, advogado e mestre em Ciências Ambientais, o pensamento científico, melhor trabalhado na pós-graduação, o aju-

dou a ter uma noção crítica a respeito de tudo que o cerca: “das pequenas coisas às grandes coisas”. O Brasil possui um órgão público específico para o acompanhamento e financiamento das pesquisas na pós-graduação do país. A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), fundação criada em 1951 pelo Ministério da Educação (MEC), avalia o desenvolvimento da pós stricto sensu, contribui para o acesso e divulgação das produções científicas, promove parcerias científicas internacionais, entre outras atividades que propiciam um parâmetro de qualidade acadêmica no mestrado e doutorado. Modelo de excelência reconhecido mundialmente, as avaliações da Capes (divididas por área, de quatro em quatro anos, com notas de 1 a 7) não apontam somente para um crescimento quantitativo da pós-graduação, mas também qualitativo. De acordo com avaliação da Capes publicada em setembro de 2017, 465 dos Programas de Pós-Graduação (PPG) brasileiros têm notas seis e sete, as maiores possíveis. Em 2010, apenas 321 Programas possuíam tais notas de excelência, que evidenciam um desempenho equivalente aos modelos de qualidade internacional. Os dados refletem uma história contemporânea das Universidades no Brasil no começo do século XXI. A criação do Programa Universidade para Todos (ProUni) em 2004, a Lei de Inovação Tecnológica no mesmo ano, a educação à distância (EaD) em 2005, o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes) em 2004, são alguns dos mecanismos criados pelo Governo Federal para uma maior democratização do conhecimento. Segundo os dados de 2010 do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), a quantidade de Universidades Federais aumentou de 45 em 2003, para 63 em 2014. Outros dados do Inep apontam que o número de 1,6 milhões de matrículas por período letivo, em 1994, cresceu para 5,1 milhões em 2009. Os reflexos disso no âmbito da pós-graduação são evidentes. A base de dados da Capes de 2013 indica um aumento do número de Doutorados de 100,8% em 12 anos. Em relação ao Mestrado, cresceu de 1.589 cursos para 2.725, nos respectivos anos. Um aumento de 71,5%. Sobre os Programas de Pós-Graduação, o salto se deu de 1.439 em 2000 para 3905 em 2015. Na Universidade Federal de Ouro Preto, por exemplo, a partir da implantação do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das

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BRA

S IL


Universidades Federais (Reuni), em 2008, o número de cursos dobrou. Em dez anos, a oferta subiu de 21 para 43 cursos no nível stricto sensu. Abre-se a possibilidade intelectual para um número maior de pessoas. Porém, segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Brasil possui menos de 10 doutores a cada 100 mil habitantes. Nos Estados Unidos, por exemplo, os estudos indicam o dobro. Além disso, o apoio ao desenvolvimento tecnológico ainda é escasso.

Crescimento em xeque De acordo com o relatório da Clarivate Analytics (empresa estadunidense independente, que produz percepções analíticas para a Capes) de 2016, o impacto do Brasil na pesquisa científica mundial aumentou 18% em relação ao ano de 2011. Dentre as produções no país, 80.291 trabalhos tiveram co-autores estrangeiros. O número de produções da pós-graduação na Web of Science (base de dados que disponibiliza produções científicas) também cresceu de 12.442 no ano de 2000 para 42.756 em 2014. De acordo com os dados da Plataforma GeoCapes, de 2016, o Brasil saltou de 94.456 discentes matriculados em PPGs para um total de 266.818 alunos matriculados em 2016, um salto de quase 300% de crescimento, apesar da assimetria regional ainda existente. Ainda hoje mais da metade dos cursos em oferta estão concentrados na região Sudeste do país. Para o Mestre em Ciências Ambientais Geraldo Lavigne, o contexto brasileiro atual é um ambiente propício ao avanço da pesquisa científica, mesmo que, “talvez esse ambiente não esteja desenvolvido”. Diretora do Instituto de Ciências Humanas e Sociais (ICHS) da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), a Dra. Margareth Diniz vê o cenário de avanço científico condicionado por questões de acessibilidade e ascensão de um governo que privilegie tais ideais. “Nos governos Lula e Dilma houve especial atenção à educação, ao avanço e investimento na pesquisa, na pós-graduação, na internacionalização da universidade e na entrada de

pessoas negras e pobres no ensino superior”, explica. A professora ressalta ainda que o desenvolvimento da ciência na pós-graduação está também diretamente vinculado a Políticas de Ações Afirmativas. Sem elas, o desenvolvimento é segregacionista. “É por meio da pesquisa que podemos avançar na construção e consolidação do saber. O contexto e conjuntura atuais têm tentado esvaziar os investimentos em educação, ciência e tecnologia, as bases para o progresso da ciência e da pesquisa em nosso país.” Margareth refere-se à potência da pesquisa científica como transformação social, mas não deixa de criticar as políticas de redução de custos com a educação superior adotadas pelo atual Governo Federal, em curso desde 2016. “Perdemos muito financiamento principalmente nas áreas de Ciências Humanas”, comenta. No primeiro semestre de 2017, por exemplo, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pagou apenas 55% das bolsas de Mestrado e Doutorado se comparado a 2015. A produção científica brasileira caminha junto a cortes financeiros e ajustes fiscais. Segundo o portal virtual da Academia Brasileira de Ciências (ABC), a China, em 2012, diante de uma crise na economia do país, aumentou os recursos da pesquisa em 26%. Entretanto, de acordo com a ABC, o financiamento à pesquisa no Brasil está engessado, configurando apenas 1% do PIB do país. O coordenador atual da Capes, Dr. Augusto Schrank, em entrevista concedida em 2017 para o portal “Olá Ciência”, defende que a pesquisa científica no país segue em situação de progresso. Para ele, “a ciência brasileira não está em crise, nunca esteve [...] Os níveis de qualidade da ciência brasileira são reconhecidos internacionalmente”. No entanto, em maio de 2016, o Governo Federal anunciou a extinção do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, fundindo-o com o Ministério das Comunicações. A fusão, além de indicar um enfraquecimento das antigas pastas, causou revolta nas principais Associações Científicas do país.

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Cortes e gastos Em março de 2016, o Governo Federal fez um corte de 44% na verba concedida ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), responsável pelo incentivo às pesquisas científicas brasileiras, investindo financeiramente através de bolsas, equipamentos e demais auxílios. Isso significa que dos R$ 1,3 bilhões previstos para 2017, apenas R$ 570 milhões foram repassados. Conforme o “Tesourômetro”, contador digital da “Conhecimentos Sem Cortes” (iniciativa de pesquisadores de Universidades Federais e Institutos de Pesquisa contra os cortes na educação) que indica a quantia de dinheiro que o governo deixa de investir na pesquisa científica, já foram cortados quase R$ 15 milhões desde 2015. Tais dados dizem respeito aos cortes feitos no orçamento do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTI), da Capes e das Universidades Federais de todo o país. De acordo com os dados do MEC de 2017, a verba repassada para as Universidades foi R$ 294 milhões menor do que no ano anterior. Em abril de 2017, o Governo Federal informou um contingenciamento de R$ 42,1 bilhões nas despesas previstas para as contas públicas. O orçamento definido para o Ministério da Educação no ano de 2017 era R$ 35,4 bilhões. Entretanto, sofreu um corte de R$ 3,4 bilhões. Assim, a verba estabelecida para o Ministério da Educação (MEC) foi de R$ 31,43 bilhões. Os cortes de apoio à Universidade se tornam sintoma dos tempos atuais. À medida que se enxerga a Universidade num contexto global, a situação se torna alarmante. O relatório do Banco Mundial “Um Ajuste Justo: Análise da eficiência e equidade do gasto público no Brasil”, publicado em dezembro de 2017, propõe a “introdução de tarifas escolares” nas Universidades Públicas. Segundo o relatório, essa medida seria “uma opção para aumentar os recursos das Universidades Federais sem sobrecarregar o orçamento”. Outra situação discutida é a parceria públicoprivado. A Universidade de Brasília (UnB), segundo depoimento do ex-Reitor Ivan Camargo (2012-2016), considera necessária a parceria com a iniciativa privada como fonte financiadora da pesquisa científica. Porém, quando cursos fazem parcerias com empresas a fim de conseguirem financiamento para pesquisas, projetos

de extensão etc, “é comum se deixar de lado todo o conhecimento que é produzido de forma livre para se subordinar aos interesses do capital”, aponta Andreza Caroline, estudante de serviço social da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop). Em um país onde apenas 15% dos estudantes da pósgraduação estão em instituições particulares, vislumbrar um aumento do capital privado na pesquisa pode ser um risco de longo prazo para a pesquisa científica. Enquanto 40.840 alunos estudam em Universidades Particulares, 68.962 estão em Instituições Estaduais e a grande maioria encontra-se nas Universidades Federais, com 155.791 pesquisadores.

Um espaço ainda injusto Considerados os cortes feitos ao CNPq desde 2016, o reflexo da escassez de bolsas para estudantes de graduação e pós-graduação é cada vez mais real. A mestranda em Relações Internacionais na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC Rio), Fernanda Alvarenga, sente as dificuldades da falta de investimento. Como não recebe bolsa, os pais precisam arcar com as despesas de sustentar a estudante no Rio de Janeiro, onde mora. Segundo a estudante, “pela dedicação exigida da pós-graduação”, se torna complicado conciliar trabalho e estudo, sendo necessário o auxílio da bolsa para os pós-graduandos. “Torna-se um espaço extremamente elitizado. Até porque, mesmo quem tem bolsa, numa cidade como o Rio de Janeiro, o valor pago não propicia uma vida tranquila”. O relato de Fernanda ecoa na situação de Thalita Lima, também mestranda em Relações Internacionais no Rio de Janeiro. Bolsista do CNPq, Thalita esclarece que o auxílio cobre partes das despesas. “O auxílio não é suficiente para tudo. A gente ainda fica preocupado com questões financeiras. Com certeza sem a bolsa eu precisaria trabalhar”. As dificuldades dizem também de um cenário sempre presente: a qualificação intelectual da população está sempre voltada para uma elite econômica. Sem apoio financeiro, cidadãos de baixa renda teriam menos chances de possuir uma pós-graduação bem feita, e assim a ciência do país continua sendo concebida nas mãos de uma determinada parcela da população que detém os poderes de conhecimento, de embasamento científico,


Programas de Pós-Graduação no Brasil

2903 programas

3069 programas

3217 programas

3402 programas

Ensino Privado 634 programas

679 programas

714 programas

775 programas Fonte: Geocapes - Capes 2018

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de autoridade de voz. De acordo com o Censo de 2010, dos 190.732.694 brasileiros, apenas 566.027 possuíam Mestrado e 218.721 possuíram Doutorado. Sinais dessa exclusão acontecem não só no âmbito de auxílio financeiro, mas também na falta de democratização de conteúdo. “Tenho aulas em outros idiomas com professores estrangeiros. Fora que 95% dos textos são em inglês”, explica Fernanda Alvarenga. A disponibilidade para a produção de um projeto bem construído, de dispor dos livros indicados para as provas, o deslocamento para se fazer o exame de seleção e a entrevista na própria instituição, o conhecimento de uma língua estrangeira etc, são fatores que fazem um recorte socioeconômico dos estudantes de pós-graduação. Para o mestrando em Comunicação na Ufop Aleone Higidio, o desnivelamento é explícito. “Mesmo aquelas pessoas que, com toda essa dificuldade, seja financeira, seja não poder estudar em outra língua, conseguem romper com isso, quando elas ingressam nesses Programas [de pós-graduação] quem são aqueles mais bem classificados?” Aleone, bolsista pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig) através do critério socioeconômico, confessa que, apesar do valor recebido, essencial para possibilitar seus estudos, não é sempre que recebe o dinheiro no prazo correto. “Já fiquei em torno de dois meses em atraso”. Por mais que, segundo Aleone, essa situação tenha sido atípica, o estudante nunca recebeu a bolsa até o quinto dia útil. Tal contribuição financeira parece ser vista pelo governo como um bônus mas, na verdade, é um financiador da pesquisa, da participação de eventos científicos, das demais exigências acadêmicas. Vale lembrar que as bolsas concedidas aos estudantes de pós-graduação exigem, em geral, a dedicação exclusiva por parte do estudante, excluindo, por exemplo, a possibilidade de se ter outro benefício da Universidade, como auxílio moradia. Por mais que o valor seja maior que os demais auxílios concedidos pela Universidade, os gastos também são. No Brasil, os mestrandos bolsistas recebem o valor de R$ 1.500, doutorandos de R$ 2.200 e pós-doutorandos R$ 4.100. Tais valores não passam por reajuste desde 2013. Diante da falta de investimento, o desenvolvimento científico acaba limitado em sua produção e seus benefícios não chegam à sociedade. “Eu entendo a ciência como um mecanismo para a diminuição da desigualdade, aumento de progresso, desenvolvimento do país.” Para Caio César, mestrando em Economia na Ufop, a ciência e a pós-graduação são vistas, equivocadamente, como algo isolado e restrito. A separação entre pesquisa e sociedade é também uma das causas para um contexto social desigual. Se a ciência não for feita na Universidade, através de investimento público, articulando desenvolvimento científico e transformação social, onde mais será?

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TEXTO: FOTO: ARTE: MODELO:

ÉRICA RANGEL RAÍSSA LESSA SANDRA ROZA RODRIGO LESSA

Identidade


Todos os anos, aumenta o número de pessoas que fazem o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), buscando entrar no Ensino Superior. Muitas delas apostam no diploma como o ingresso para a sonhada conquista da independência financeira. Além disso, esse é um dispositivo que pode assegurar uma melhor colocação profissional ou, até mesmo, ser uma questão de sobrevivência. É uma conquista que vai além das relações cotidianas, pois ocupa também um lugar no imaginário brasileiro. Afinal, o que significa ter um diploma?

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Desde a sua criação, na Europa, no século XI, o Ensino Superior é símbolo de privilégios e prestígio. No Brasil, a valorização dessa graduação não foi diferente. Apesar da implantação tardia, somente no século XIX, esse sentido adentrou lentamente na sociedade. Apesar de todas as mudanças socioculturais, até os dias atuais, dos avanços tecnológicos, e das ressignificações do diploma, ele ainda é detentor de um grande peso social. Para Luciana de Oliveira, pesquisadora e professora na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a obtenção do diploma faz parte do imaginário do povo brasileiro como uma oportunidade de ascensão social, no caso das classes populares, ou de manutenção do status, no caso das elites. Além disso, Oliveira destaca que ser formado em um curso superior dá direitos ao exercício de determinadas profissões, como também direitos especiais na experiência cotidiana da cidadania e no campo criminal. Por exemplo, o dispositivo de prisão especial para quem tem diploma superior foi criado em 1937, no período da Ditadura do Estado Novo de Getúlio Vargas, um governo elitista, que acreditava no poder da técnica e da ciência para reverter os atrasos de um país no qual o povo era considerado despreparado e racialmente atrasado.

As graduações das áreas de Ciências Humanas e Sociais são muito menos valorizadas do que as de Exatas ou Biológicas. Luciana de Oliveira E se ter uma graduação superior é sinônimo de reconhecimento e diferenciação, existem termos criados e convencionados popularmente que destacam ainda mais determinadas profissões em relação a outras. Esse é o caso do uso do tratamento “doutor” dado, por exemplo, à formação nas áreas da Saúde e do Direito, e que nada têm a ver com uma real especialização. O termo surgiu no período da proclamação da República e promoveu o nivelamento do ensino das Faculdades e Ginásios estaduais e privados às Instituições Federais. Além disso, fez com que todos os diplomas tivessem o mesmo valor econômico e simbólico em todo o território brasileiro. Sendo assim, a sociedade da época baseava-se no reconhecimento através de títulos, o que perdura até os dias de hoje. Oliveira também ressalta que há diferenciações na valorização de cursos. “As graduações das áreas de Ciências Humanas e Sociais são muito menos valorizadas do que as de Exatas ou Biológicas. Tudo isso tem uma correlação direta com um pensamento sobre o que é a ciência e a tecnologia, sendo os cursos dessas duas últimas áreas considerados mais científicos do que os da primeira” .

Carregando uma herança do período colonial, o Brasil é um país que ainda apresenta características dessa época, quando a metrópole limitava os investimentos, alegando falta de recursos. Apesar disso, o número de cidadãos buscando a formação superior vem aumentando gradativamente, fazendo com que a população caminhe, mesmo que lentamente, para o lugar de uma população socialmente mais preparada. Pessoas com maior grau de instrução têm a possibilidade de uma maior politização e consequentemente de interferir na melhora das condições de vida de uma sociedade.

Meus tios têm criação de animais, e cada um deu uma vaquinha para nos ajudar a comprar o nosso consultório. Letícia Gomes Gonçalves De acordo com o reitor da Universidade de Campinas (Unicamp), Marcelo Knobel, dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) mostram que entre 2006 e 2016, o número de alunos matriculados em cursos superiores subiu de quase 5 milhões para 8 milhões. Em 2016, segundo dados do Inep, havia mais de 1 milhão de Instituições de Ensino Superior no país, entre Universidades, Faculdades, Centros Universitários e Institutos Técnicos, contra 6 milhões de instituições privadas. Knobel alega que um dos fatores que ajudaram a levar mais pessoas para o Ensino Superior foi o aumento do número de instituições privadas e o aumento da oferta de cursos online. Em 2006, os cursos online respondiam por apenas 4,2% do total de matrículas; em 2016, o percentual já havia subido para 18,6%. Apesar do aumento de pessoas em busca de uma maior especialização e da criação de políticas públicas para aumentar o acesso das pessoas às Universidades, Marcelo Knobel e Luciana de Oliveira apontam que ainda há muito o que ampliar. Segundo eles, essas ações são insuficientes em relação à desigualdade de ensino no país e ao número de pessoas que buscam ingressar no Ensino Superior. Filha de um pedreiro e uma dona de casa, Letícia Gomes Gonçalves, 23 anos, conta que seu ingresso no curso de Odontologia, da Faculdade Newton Paiva, em Belo Horizonte, foi através do Programa Universidade Para Todos (ProUni). A jovem, que estudou no Instituto Federal de Minas Gerais (IFMG), em Ouro Preto, declara que após sua passagem pela Instituição, sabia que não tinha aptidão para a área de Exatas. Então, no momento da escolha do curso, ela não teve dúvidas de que gostava da área da Saúde. Aprovada em Nutrição pela Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) e tendo sua bolsa aprovada em cem por cento pelo sistema ProUni, ela declara que decidiu pela Odontologia e se realizou. Quando


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2016:

Instituições de educação de Ensino Superior: Privadas: 87,70%; Públicas: 12,30%.*

Matrículas em: Privadas: 75,3%; Públicas: 24,7%. Quase 1 milhão e cem mil alunos concluíram o Ensino Superior. Sendo que: 78,9% em instituições Privadas; e 21,1% em Públicas.

Cursos com maior número de matrículas desde 2009: Direito: 862.324;

Administração: 710.984; Pedagogia: 679.286.

Coréia do Sul 70%

Canadá 61%

Japão 60%

Chile 29% Brasil 17%

Ganho de 56% mais do que quem só possui o Ensino Médio. No Chile e no Brasil, os ganhos podem ser mais que duas vezes a média da renda.

10% a mais de chances de ser contratado.


perguntada sobre o significado de ter um diploma, a jovem afirma que é uma realização e que hoje é uma exigência do mercado, além de ser o começo para futuras especializações. Letícia está no último período do curso e já tem seu próprio consultório em parceria com o namorado, que também é dentista. “A compra do nosso consultório foi um verdadeiro milagre. Meu avô e meu pai ajudaram com o que tinham e, cada um dos meus tios ajudou com uma vaquinha. E quando digo vaquinha, é porque meus tios têm criação de animais e, cada um deu uma vaquinha pra nos ajudar a comprar nosso consultório”. A jovem é inspiração para o pai, que voltou a estudar e está cursando Edificações no IFMG. “Futuramente, por causa do exemplo dela, eu penso em fazer uma Faculdade”, declara José.

Para o reitor Marcelo Knobel, o acesso ao Ensino Superior é fundamental para o progresso de qualquer país. Não porque faz com que a população seja mais culta, mas sim porque ele garante uma formação mais completa, para ampliar o conhecimento, e para que tenhamos um número considerável de pessoas com formação sólida para avançar a sociedade. “Para que um país se desenvolva, é preciso que parte considerável de sua população tenha acesso ao Ensino Superior.” Dados da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) mostram que, em 2017, apenas 17% da população brasileira de 25 a 34 anos possuía diploma de nível superior. Esse percentual é menor do que o da média dos países membros da OCDE, de 43%, e do que o de muitos países da América Latina. No Chile, Colômbia e Costa Rica é próximo a 30%. Dados de 2014 apontam que o México, por exemplo, tinha 17% da população de 25 a 64 anos com o diploma de nível superior. Existem também aqueles que buscam, além dos recursos econômicos, uma maior especialização para as funções que já desempenham e a realização pessoal, como é o caso de Rita de Cássia Amorim, 48, gerente de uma loja de Equipamentos de Proteção Individual (EPI’s). Segundo ela, que fez o Ensino Médio em uma instituição pública e optou por uma Faculdade particular, ter um diploma superior significa mais auto-estima e estar habilitada a desempenhar suas atividades. Questionada sobre a diferenciação

de tratamento pelo mercado entre profissionais de instituições públicas e privadas, Rita é categórica. Ela acredita que o bom profissional é aquele que se esforça para desempenhar da melhor forma o seu papel, praticando os conhecimentos que adquiriu. Knobel explica que essa diferenciação entre instituições privadas e públicas existe porque, de modo geral, a qualidade do Ensino Médio no Brasil é bem maior nas escolas privadas do que nas escolas públicas. Nestas últimas, predominam alunos de nível socioeconômico mais baixo. No Ensino Superior, ocorre o inverso: em geral, a qualidade é maior nas instituições públicas do que nas privadas. E se o Ensino Médio, geralmente, é melhor em escolas particulares, existem alunos vindos da rede pública que tentam há anos ingressar no Ensino Superior público e que se julgam pouco preparados, como é o caso da Cremilda Aparecida Moutinho, 35, que sonha em cursar Jornalismo na Ufop e já tentou o Enem dez vezes. Para ela, ter um diploma significa ampliar seus conhecimentos e trocar experiências. Atualmente, Cremilda está fazendo o curso pré-vestibular da Ufop.

Há os que se graduam em um curso superior e que, devido a uma série de fatores, optam por desempenhar outra atividade sem qualquer vínculo com a sua formação. Segundo Marcelo Knobel, isso ocorre por vários motivos. Um deles tem a ver com a inflexibilidade dos currículos. Os jovens são obrigados a escolher uma carreira muito cedo, aos 17, 18 anos, muitas vezes sem o conhecimento necessário para tomar tal decisão. “Não raro, eles se decepcionam com o curso escolhido, mas resolvem levá-lo até o fim, mesmo sabendo que não trabalharão posteriormente na área, por não quererem se submeter a outro exame vestibular. Se os currículos fossem mais flexíveis no que se refere à mudança de um curso para outro, o número de graduados trabalhando em sua área de formação certamente seria maior”. Influenciado pelo mercado de trabalho da época e pelos pais, Giulio Rizzo, 38, escolheu cursar Engenharia Florestal. Ele conta que não gostava da parte de Exatas e dentro do curso foi encontrando formas de se especializar na parte mais humana da Engenharia, trabalhando com recuperação de parques e com Educação Ambiental. Após se formar em 2003, viajou para o Mé-

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É preciso tornar os currículos mais flexíveis, que as Universidades ofereçam uma formação mais ampla, que dê mais ênfase às aptidões. Marcelo Knobel

xico, onde trabalhou por um ano, como modelo profissional. “O México foi uma experiência incrível para mim, mas eu me sentia culpado por não levar à frente a carreira de Engenheiro Florestal, que era a herança que os meus pais me deram.” Giulio conta que depois de trabalhar em várias empresas, em pequenas cidades, não estava feliz. Após realizar vários testes vocacionais, prestou novamente o vestibular e foi aprovado em Relações Públicas na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), no ano de 2009. Em paralelo, Giulio começou a produzir shows e a atuar em peças de teatro. “Foi aí que conheci como a vida do artista no Brasil é difícil”. Hoje, após o convite de um amigo, Giulio mora nos Estados Unidos onde é pintor e D.J. Ele conta que para o diploma de outro país ser reconhecido nos Estados Unidos necessita de algumas indicações de professores e pessoas influentes. Apesar de não atuar na área de Relações Públicas, Giulio afirma que está conseguindo se expressar e fazer a sua arte. “Se for preciso recomeçar, eu tô pronto pra correr atrás de tudo aquilo que eu acredito”. Outro fator determinante na escolha e conclusão de um curso é a influência da formação dos pais aliada à pouca idade de muitos dos candidatos às vagas universitárias. Graduada em Direito, Adélia Miranda, 38, conta que escolheu o curso por influência do pai, que é advogado e por não ter habilidades na área de Exatas. “Eu acho que a gente escolhe a faculdade muito cedo, sem maturidade para saber qual é a nossa real vocação.” Atualmente, a advogada é proprietária de uma franquia de cosméticos e atua como coaching de vendas em

todo o país. Apesar de não trabalhar em sua área de formação, ela destaca que o nível de instrução que se recebe em uma Faculdade, torna as pessoas mais preparadas, abre portas e promove o crescimento delas: “Quanto mais uma pessoa se especializa, mais a sua mente e visão crítica de mundo se expandem”. A empresária ressalta também que os conhecimentos adquiridos na Faculdade a auxiliam no exercício de suas atividades. Muito além de um papel que comprova a conclusão de um curso, o diploma é porta de entrada para uma sociedade mais humana e pensante em todos os aspectos. Independente de formalidades, o conhecimento não é algo que se subtrai, mas que se soma. As Universidades deveriam estar preparadas para formar não somente profissionais técnicos, mas cidadãos experienciados. Dentro deste contexto, o reitor Marcelo Knobel afirma que “os currículos são engessados e dão muita ênfase à questão dos conteúdos”. Para ele, “tudo isso dificulta a formação de pessoas com espírito crítico. É preciso que os currículos sejam mais flexíveis, que as Universidades ofereçam uma formação mais ampla, que dêem mais ênfase às aptidões, reduzam o número de horas em sala de aula e privilegiem o trabalho em equipe”. Já a professora Luciana de Oliveira, afirma que “devíamos pensar a graduação, na tradição de formação científica ocidental, apenas como uma das etapas e não como o fim da formação. Todas as formas de conhecimento colaboram e muito para a formação de um país” .


Alternativa

Conflito pedagógico Somos um país que demorou a entrar no mapa do Ensino Superior. E seguimos atrasados quando o assunto é didática...

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João De Belli Gabriel Abreu Giuliana Terranova

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Na América Espanhola, durante a colonização, as primeiras Universidades datam de 1551. No Brasil, somente no início do século XIX, em 1827, foram criados os dois primeiros cursos de graduação. As mulheres eram educadas de acordo com as tradições europeias: para serem mães e esposas. A partir de 1875, cursos de Magistério foram abertos para que elas pudessem se formar professoras. Mas nas Escolas Superiores, os exames de admissão continuavam restritos aos homens. Quando estas primeiras escolas começaram a ser criadas, alguns métodos europeus também foram aplicados. As Escolas Superiores centravam sua forma de ensinar apenas na formação de profissionais. Um exemplo são os primeiros cursos no Brasil: Medicina, Direito e Politécnica. Todos baseados no modelo das “Grandes Escolas Francesas”, da época do Rei Sol, Luís XIV. O resultado era um ensino voltado para criar líderes políticos e funcionários do Estado, com ideais de obediência e respeito à nação, como indicam as pesquisas de Arabela Campos, professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). No ano de 1932, outra pedagogia foi proposta para a educação. Anísio Teixeira, intelectual e escritor brasileiro, foi um dos difusores da chamada Escola Nova, e influenciou bastante na forma como o Ensino Superior se desenvolveu nas décadas posteriores, em todo o Brasil. Essa metodologia de ensino floresceu rapidamente pelo país, e parecia se opor à ideia de educação que o modelo tradicional sugeria. Na prática, a Escola Nova pensada por Anísio tinha como propósito fortalecer a pesquisa. Além disso, os princípios dessa pedagogia também prezavam pelo

respeito às diferenças entre as pessoas. Para os “escolanovistas”, o Ensino e a Pesquisa não se separavam. Em vez de acreditarem na transmissão do conhecimento, onde um professor passa os conceitos e ensinamentos ao aluno, defendiam a busca em conjunto por respostas. Mas os reflexos da Escola Nova para a Universidade não foram os melhores. Em 1935, Anísio Teixeira criou a Universidade do Distrito Federal (UDF), no Rio de Janeiro. Com o objetivo de uma pedagogia voltada ao incentivo da pesquisa e obtenção do conhecimento, a UDF era composta por cinco Escolas: Ciências, Educação, Economia e Direito, Filosofia, e Instituto de Artes. A proposta era distanciar-se do costume utilitário que prevalecia até então, limitado à formação de profissionais e alguns líderes políticos. Quando inaugurou a Universidade do Distrito Federal, prometia uma pedagogia que mais incluísse do que excluísse. A Universidade de Anísio Teixeira foi fechada em 1939, após a implementação do Plano Nacional de Educação (PNE), de Getúlio Vargas. Na ocasião, Vargas havia instituído o Estado Novo, governo que durou de 1937 à 1946. Autoritário, nomeou Francisco Campos como responsável por pensar um novo modelo de educação para o Brasil, a partir de um Estado centralizador e ufanista. Esse modelo tinha como objetivo a unificação da educação e a formação de um estudante obediente e apaixonado pelo Brasil. Para muita gente, a influência das ideias de Anísio não foi tão positiva assim. A forma como pensou a Pesquisa, por exemplo, muito se parece com os dias de hoje. As Escolas de pós-graduação deveriam ser a “cúpula do conhecimento”, e seguir, mais uma vez, os exemplos das “Grandes Escolas

No início, o foco da formação era preparar os alunos para desenvolverem atividades profissionais.


Francesas”. Ou seja: mesmo tendo um apelo humanista, a pedagogia da Escola Nova e da Universidade de Anísio também era voltada para uma minoria privilegiada, e com uma hierarquia rígida e inflexível. Na opinião de Glícia Gripp, socióloga e professora do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), esse método de ensino tem reflexos e consequências ainda nos dias de hoje: “No Brasil é difícil falar de inovações pedagógicas no Ensino Superior, porque nosso sistema de ensino é quase o mesmo desde os anos 1930. E com a obrigatoriedade de a Universidade abarcar ensino, pesquisa e extensão (Artigo 207 da Constituição Federal), o ensino acaba saindo prejudicado, porque é o que traz menos recurso financeiro para a Universidade e prestígio social para o professor”. Para a professora, um reflexo desse sistema é o abandono do ensino e da sala de aula em detrimento de uma carreira voltada para a pesquisa. Glícia questiona o cuidado com as práticas pedagógicas: “Além do conteúdo, existem outros três níveis de conhecimento de ordem superior, que são importantes de serem desenvolvidos em sala. No Brasil o ensino é muito conteudesco, bacharelesco. Aprender só o conteúdo deixa o conhecimento muito vago, e é esquecido”. Esse déficit, na opinião da pes-

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quisadora, tem uma raiz mais profunda: a formação dos professores. O docente universitário muitas vezes não é preparado para dar aula, e aprende assistindo aos próprios professores. “E assim vamos repetindo por cem anos ou mais as mesmas práticas, que são prejudiciais”, completa.

Alternativa à esquerda A pedagogia das Universidades seguiu pautada em grande parte pelas ideias da Escola Nova. Hoje, Anísio Teixeira dá nome à uma faculdade em Feira de Santana, na Bahia, a Faculdade Anísio Teixeira (FAT). Também batiza outro instituto, o Instituto Superior Anísio Teixeira (Isat), no Rio de Janeiro. E ainda nomeia o Pavilhão Anísio Teixeira, bloco de salas da UnB, a Universidade de Brasília. Apesar das homenagens, apareceram também propostas pedagógicas que se opunham e criticavam a Escola Nova. A Igreja Católica enxergava nas novas Universidades o perigo do Liberalismo norte-americano. Anísio Teixeira, por exemplo, defendia que o ensino fosse laico e obrigatório. Para a Igreja, essa forma de ensinar afastava os jovens dos princípios religiosos. Então, em 1946, foi criada a primeira Universidade Católica do Brasil, que mais tarde receberia o título de Pontifícia. A pedagogia foi desenvolvida e aplicada para atender aos princípios da moral e cultura católica. No ritmo das críticas à Escola Nova, a década de 1980 apareceu com importantes propostas para a sala de aula. Demerval Saviani, filósofo, pedagogo e professor emérito da Unicamp, Universidade de Campinas, elaborou, em 1982, a Teoria Histórico-Crítica, que buscava compreender o percurso da educação no Brasil e propor um novo modelo de Ensino, oposto ao vigente. Em seu livro “Escola e democracia: polêmicas do nosso tempo”, Saviani apresenta a pedagogia da Escola Nova como uma mentira. Para ele, a promessa pela inovação era falsa, porque acabava reproduzindo nas salas de aula as estruturas de poder do Brasil. Na opinião do professor, a ideia de Anísio Teixeira de respeito às diferenças nada mais era do que uma forma de justificar e aceitar as desigualdades. “A escola tradicional foi construída como instrumento de redimir a humanidade, era o grande projeto da educação burguesa quando ela era revolucionária. Quando se tornou conservadora, abandonou a busca pela igual-

dade essencial entre os homens e começou a admitir as diferenças. Aí vem a Escola Nova dizendo que as crianças são diferentes entre si e tem que respeitar as diferenças. Na verdade está justificando a desigualdade, então é reacionário”, explica ele em entrevista ao canal online Leituras Brasileiras. Movido pelas ideias do socialista Karl Marx, Saviani rejeitava o método da Escola Nova. Para ele, a educação deveria se concentrar no ato de ensinar. Identificando, dentro da sala de aula, o conceito marxista de luta de classes, ele dizia que o conhecimento tinha que ser compartilhado para que “os dominados possam dominar o que os dominantes dominam”. José Jardilino, professor de História da Educação da Ufop, aponta essa diferença como uma das principais entre os modelos de ensino: “[Na Escola Nova] Os professores viviam o período da cátedra. Tinham conhecimento e repassavam ao alunos. Não tinha a ideia do professor que constrói conhecimento. Era mais uma transmissão de conteúdo. É Paulo Freire que rompe com isso.” Paulo Freire, Patrono da educação no Brasil, é uma das inspirações de Saviani. Para Freire, a educação, em todas as instâncias, deveria significar uma “apropriação crítica da realidade”. É justamente sob esse ponto de vista que o professor da Unicamp faz seus questionamentos à Escola Nova. “Para Saviani o grande vilão era o tecnicismo na educação. Formar o professor era treiná-lo para ele fazer o ensino desde a alfabetização das crianças até os primeiros conhecimentos da escrita. Ensinar é diferente de educar. O ensino é o treinamento, e muito bom para o capital. Só ensinar a fazer é muito fácil, o difícil é educar”, explica Jardilino. Ao contrário do que se pode pensar, a influência marxista de Saviani não foi um dos motivos da rejeição às suas ideias. Jardilino lembra que na década de 1980, quando publicou suas teorias, o Socialismo ainda estava em alta. “Os grandes temas de Marx estavam todos dentro da Educação. O que é muito comum, pois estávamos passando por um momento de abertura. Então, a pós-graduação vai dar esse enfoque progressista para a educação. Mas se tivesse publicado hoje, certamente seria execrado”, explica. Apesar de as propostas de Saviani não terem sido implementadas no Ensino Superior em todo o Brasil, elas influenciaram várias inovações pontuais dentro das salas de aula das Universidades. Na Universidade de Brasília (UnB), o professor de Cálculo I, Ricardo


Método 300 1º Uma prova é aplicada aos alunos. 2º O resultado divide a turma em grupos de seis, que mistura as notas. As maiores notas são os líderes de cada grupo. 3º A prova pode ser refeita por quem tirou menos de 4.5 desde que o aluno compareça. a, pelo menos, dois encontros em grupo de duas hora cada, resolva uma lista de exercícios, encaminhada pelo professor, e resolva uma prova desenvolvida pelo líder do grupo.

Novas pedagogias José Jardilino, professor de História da Educação na Ufop.

Fragelli, propôs uma nova metodologia de avaliação aos alunos. O “Método 300”, como foi chamado por ele, elevou a média de aprovação da turma de 50% para 85%. Segundo o professor, grande parte do sucesso está na maneira com que se estabelece a relação com o aluno: “Esse método quebra a relação vertical de professor e estudante, e incentiva a turma a aprender em grupo, porque também coloca os alunos para ensinarem uns aos outros. Sem perder o foco no professor, que coordena tudo.” A disciplina de Cálculo é conhecida no curso de Engenharia pelos altos índices de reprovação e evasão. Segundo o professor, o percentual de reprovados da UnB chega a 60% da turma, e até metade da sala chega abandona a matéria durante o curso. Um dos motivos é a rigidez das avaliações, e sua flexibilização é a solução apontada por Fragelli: “Depois de realizar uma pesquisa com os alunos, o que eu percebi é que eles sentiam uma ansiedade muito grande com o jeito que as provas eram aplicadas. Alguns relataram que tinham dificuldade de dormir e até comer em semana de provas. Então, esse método deveria estar errado, porque essa não é a função da Universidade.” O Método 300, criado por Ricardo, leva esse nome em referência ao filme “300”. Para o professor, os alunos são como os poucos guerreiros espartanos, que juntos conseguem alcançar seus objetivos.

A Extensão, defendida desde os anos 1960 por Paulo Freire, apenas em 1988 se tornou obrigação nas Universidades. Quando publicou, em 1969, seu livro “Extensão ou Comunicação”, Freire chamava atenção para a importância da relação entre a Universidade e a comunidade, proporcionada pelas práticas extensionistas e seus respectivos projetos. Na Ufop, Flávio Andrade, 64, trabalha na Pró-Reitoria de Extensão, a Proex, órgão responsável por coordenar as atividades extensionistas da Universidade, criado em 1989. O servidor parece concordar com o que dizia Paulo Freire há mais de quarenta anos: “A comunidade é um mundo e a Universidade é outro, isso que a Extensão quer juntar. Nós somos uma Universidade pública, quem paga pra funcionar é a sociedade. Pra você estudar hoje, quatro jovens ficaram pelo caminho, pagando pelo seu bandejão, pagando o professor. Você tem toda uma sociedade que paga com seu imposto por uma ferramenta que noventa por cento nunca vai chegar dentro dela.” Porém, a ideia do extensionista não é (e nem pode ser) a da simples transmissão de conhecimento. Como dizia Paulo Freire, “educar, na prática da liberdade, é tarefa daqueles que sabem que pouco sabem, em diálogo com aqueles que, quase sempre, pensam que nada sabem”. Para isso, deve-se ter cuidado, como esclarece Flávio: “O desafio maior é você conhecer aquele mundo, que não faz parte do acadêmico,

A comunidada é um mundo e a Universidade é outro, é isso que a extensão quer juntar Flávio Andrade

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respeitá-lo e ver que [ele] também tem coisa pra te ensinar. Com certeza o aluno de Engenharia que atravessou a rua e foi trabalhar com o desabrigado, aquilo ajudou alguma coisa no processo de ensino e aprendizagem. Os desabrigados devem ter ensinado alguma coisa ao aluno”. Além da Extensão, as Empresas Juniores (EJ’s) também apareceram como parte importante no processo de inovação do Ensino Superior. A ideia, criada em 1967 por alunos da Escola Superior de Ciências Econômicas e Comerciais (ESSEC – L’École Supérieure des Sciences Economiques et Commerciales), vinha da perspectiva de que o ensino não estava atualizado à realidade do mercado. Fundado por estudantes, esse novo método buscava “desenvolver habilidades práticas de mercado nos seus membros, exclusivamente graduandos, e oferecer soluções de qualidade e a um preço acessível.” João Tupinambá é estudante de Ciência da Computação na Ufop. Além disso, também é presidente do Núcleo de Empresas Juniores da Ufop, o Core, e conselheiro da Linking, empresa do seu curso. Responsável por auxiliar na administração das outras empresas da Universidade, ele conta como funciona o gerenciamento de uma: “A empresa júnior trabalha através de dinâmicas, de departamentos. Tem um setor de marketing, de administrativo-financeiro, projetos. E quando executamos um projeto, trabalha a empresa inteira. Os professores têm uma função mais distante, de orientar. A gestão em si é feita inteiramente pelos alunos.”

João Tupinambá, presidente do Núcleo de Empresas Juniores da UFOP (Core).

Segundo João, é justamente o desejo pela inovação que diferencia a metodologia de uma Empresa Júnior da sala de aula. Sala de aula que, na sua opinião, também está ultrapassada. “O modelo de conteúdo expositivo é um pouco antiquado. E a aprendizagem na prática é dada como das melhores. A teoria não pode ser descartada, mas as abordagens que a gente faz no movimento são muito fora da caixa. Os eventos não são só ir e assistir palestra, acontece muita interação.” Porém, ainda que representem uma inovação, as Empresas Juniores também recebem críticas e são tratadas com alguma ressalva dentro da Universidade. Um exemplo é o episódio ocorrido em 2013, na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Na ocasião, uma assembleia foi realizada no Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFCH), para decidir se aquele campus aceitaria a implantação de uma EJ, no curso de Psicologia. O resultado? De 553 presentes, 329 alunos foram contra a abertura da empresa, e apenas 160 se posicionaram a favor.


quia acadêmica segue rígida e inflexível. Somente em 2017, foram aprovados os primeiros Programas de cotas para pós-graduação em Universidades Públicas. Mas não há motivo para desespero, ainda dá para olhar para algum lugar. A saída parece ser um ensino humanizado e voltado para o diálogo, Aos poucos, a Universidade parece se adequar às realidades do estudante brasileiro.

Uma nova iniciativa

As críticas de quem foi contra as Empresas Juniores se parecem com as que Saviani fazia (e faz) à Escola Nova. O psicólogo Allan Kenji, à época estudante de Mestrado da UFSC, pensa que a estrutura da EJ está de ponta cabeça: “Temos uma via lógico-discursiva que torna aceitável e desejável a submissão das Universidades às demandas do mercado de trabalho, como se fossem necessariamente os sujeitos e a própria instituição pública que devam se adequar a ele, e não o contrário”, afirma em artigo escrito para explicar a negativa dos alunos. Ou seja, mais uma vez alguém diz que estamos reproduzindo as desigualdades e estruturas sociais na educação. A pedagogia das Universidades brasileiras não inovou muito nos últimos 90 anos. Da Escola Nova de Anísio Teixeira em 1930, à educação libertadora de Paulo Freire e Saviani, a Universidade passou pelo governo rígido e autoritário de Vargas, e por uma violenta Ditadura Civil-Militar. No entanto, as salas de aula continuam no mesmo formato. A hierar-

No final de 2017, foi aprovada pelo Ministério da Educação (MEC) a criação da Faculdade Rudolf Steiner, a primeira no Brasil pautada pela pedagogia Waldorf. Apesar de recente no país, o método de ensino é antigo. Foi criado pelo austríaco Rudolf Steiner em 1919, após a Primeira Guerra Mundial. O dono de uma fábrica de cigarros em Sttutgart, na Alemanha, pediu ao intelectual que criasse uma escola para os filhos de seus empregados. Steiner criou, com dinheiro da iniciativa privada, a primeira escola Waldorf, com uma metodologia humanizada e diferenciada. Fez o mercado se adequar à educação. Seu método procurava distanciar os alunos da tecnologia e aproximá-los de outras experiências, como o meio ambiente, as artes, a música e a agricultura. Segundo a Federação de Escolas Waldorf, no Brasil existem 74 escolas credenciadas, totalizando 9702 estudantes. Em Belo Horizonte, o Colégio Rudolf Steiner de Minas Gerais aplica a metodologia há mais de 10 anos. O contato com computadores, por exemplo, só acontece no Ensino Médio, e a alfabetização começa aos sete anos. Para a direção da escola, ainda que muitas crianças pareçam precoces intelectualmente, não quer dizer que tenham maturidade para passar por esses processos. Quase 100 anos depois da primeira escola, a Diretora da primeira Faculdade brasileira, explica: “Temos o desejo de que a maioria dos professores aqui formados vá trabalhar em escolas que não são Waldorf, especialmente nas públicas”, afirma Melenie Mengels, em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo. Na matriz curricular da Faculdade Waldorf, que, em nível graduação, oferece apenas o curso de Pedagogia, nota-se o distanciamento com os computadores e a proximidade com as artes, dança e música. Aulas de pintura e teatro também estão presentes na graduação. A Faculdade oferece um programa de bolsas com apenas dez vagas, limitadas às estabelecidas por lei, e Programas de inclusão do Governo Federal, como o Fies e o Prouni, ainda não são aceitos como forma de ingresso. As mensalidades também possuem valor elevado: R$ 1500,00. A pedagogia Waldorf e o modelo proposto pela Faculdade Rudolf Steiner podem ser observados por outras instituições públicas e privadas como amostra de que é possível pensar e tentar executar novas possibilidades de ensino. Nos mostram que outras didáticas podem se adequar à Educação Superior, e estas também podem formar profissionais de maneira humanizada e preparada. Em meio a discussões históricas e ideológicas, a convergência entre os debates parece ser a saída para uma pedagogia horizontal, que procura dialogar com o aluno e flexibilizar as certezas da Academia.

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Habitar

Texto: Foto: Arte:

Daniel Borges Miriรฃ Bonifรกcio Mariani Barbosa


Tempo e

espaço

de

mudar A transformação é como a terceira margem do rio, é o próprio caminho, como diria Guimarães Rosa. É o que nos guia, nos aponta para uma (ou várias) direções. Não está em uma margem ou em outra, mas rio adentro de nós. Não necessariamente é aquilo que alguém vê. E sim o que vai nos conduzindo. Para onde? As cidades, os objetos, o tempo e o espaço sofrem e promovem modificações. Assim, as chegadas e partidas, os começos e os finais; tudo é rito e tudo é transformação. O líquido vira gelo. O tijolo quando se junta ao cimento se transforma em parede. E até as lagartas se tornam borboletas. Alice, ao seguir um coelho, caiu em um buraco e descobriu o mundo. Pois é, essa transformação, que muitas vezes se dá ao acaso, leva a gente a lugares inimagináveis. A descoberta da sexualidade, as experiências na bagagem ou o desejo de se encontrar são partes dessa vontade de querer estar sempre em movimento no mundo. Como diria o saudoso Raul, é preferível ser essa metamorfose ambulante. E um ambiente que potencializa essa transformação é ela: a universidade. Pulsante de ideias, atitudes, sonhos e debates. Aqui, o “novo” se faz, se refaz, se encontra e se perde. Pensando nisso, fomos até pessoas, ou segundo Galeano, fogueirinhas, que querem dizer o oposto do que elas disseram antes. Nas próximas páginas você vai encontrar fotos-histórias de sujeitos que, assim como a gente, se arriscaram para viver as suas grandes e mais fundamentais mudanças. Pois, há algumas delas que “incendeiam a vida com tamanha vontade que é impossível olhar para eles sem pestanejar, e quem chegar perto, pega fogo”.

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“Eu mudei muito. Físico, emocional, psicológico, gostos. Pude a cada dia encontrar um pedaço de mim. Conheci pessoas, amigos e eles também me conheceram. Descobri novas formas de me relacionar com os outros, com o amor, com a solidão. Mas, morar em outra cidade traz muitas dúvidas.

Tive encontros e desencontros. ‘Homens de corpo e mente sã, mulheres que não sentem medo. Homens de amar tão de repente, mulheres de amar pra sempre’. Porque no final somos nuvens, sozinhas, que se encontram para chover. E quando a chuva é boa, seja de lar ou de colo, traz aconchego para descansar em meio a tantas descobertas”. Lilian Colombari


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“Minha filha brinca comigo, ela fala ‘mãe, você está muito polêmica, você não vai salvar o mundo’. (A universidade) deveria ser mesmo para todos, porque você vai ter essa oportunidade do diferente, tanta gente. Com 1001 questiona... Não! Vontades! Se eu não tivesse passado pela universidade, eu teria depressão, eu teria síndrome do vazio... Porque todos os meus filhos cresceram e foram embora. Uma até mora comigo mas, assim, eu sou muito dinâmica. Na verdade, tentei Artes Cênicas e nunca consegui… Eu saio toda noite pra universidade, sento lá e estudo. Olha que delícia! Eu não fico vendo novela, em bar, desesperada, eu não fico sozinha… Eu [fico] sempre acompanhada de aprendizado, de coisas novas! Olha como é lindo! Voando, voando e conhecendo coisas!” Zenith Amaral


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“A gente aprende muito desde o dia em que chega aqui. Estamos em nove pessoas batalhando e isso facilita demais a nossa convivência neste novo lugar, porque um vai ajudando o outro. Cada um de nós é de um canto diferente do Brasil e, todos dividindo o mesmo espaço, não é fácil, mas isso nos ensina bastante sobre ter tolerância. Raspar a cabeça nesse sentido é realizar um rito simbólico que marca o nosso começo. Eu quero me formar, ser bem sucedido… Voltar aqui como ex-aluno”. Lucas Borges


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Pensamos que depois de tantas fotos, sessões e entrevistas, também saímos diferentes de antes. Talvez não esteja visível, mas ouvir e conhecer histórias encantadoras faz com que repensemos nosso pequeno mundo. A terceira margem está aí, do teu lado, a tua espera. “Bora” se arriscar nessa imensidão?


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