Revista Curinga Ed. 9

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Curinga Revista laborat贸rio | Jornalismo | UFOP | Fevereiro de 2013 | Ano III | n潞9


Curinga Expediente

Editorial

Curinga é uma publicação da disciplina Laboratório Impresso II. Revista produzida pelos alunos do curso de Jornalismo da Ufop. Instituto de Ciências Sociais Aplicadas (ICSA). Departamento de Ciências Sociais, Jornalismo e Serviço Social (DECSO). Universidade Federal de Ouro Preto. Professores Responsáveis:

Frederico Tavares - 11311/MG (Reportagem) Lucília Borges (Planejamento Visual) André Luis Carvalho (Fotografia)

Cadê a capa? Apagamos Texto: Adriel Campos Foto: Thamira Bastos Edição Gráfica: Flávio Ernani

Editor geral: Adriel Campos Subeditora: Luma Oliveira Editor de arte: Flávio Ernani Subeditora de Arte: Gabriela Costa Editora fotográfica: Thamira Bastos Editora digital: Juliana Melo Repórteres: Aline Sá, Bruna Sudário, Cinthya Meneghin, Davi Machado, Edan André, Lara Macedo, Laura Ralola, Lídia Ferreira, Marina Ibba, Nathália Nunes, Paulo Victor Fanaia, Yara Diniz. Diagramadores: Bruna Matos, Cibele Souza, Íris Zanetti, Lorena Silva, Marcelo Nahime, Mariana Borba, Pedro Ferreira, Thainá Cunha, Tuanny Ferreira. Fotógrafos: Adriano Soares, Arthur Medrado, Felipe Sales, Fernanda de Paula, Gerliani Mendes, Gustavo Kirchner, Kíria Ribeiro, Neto Medeiros, Tamires Duarte. Monitoras: Isadora Faria e Rayana Almeida

Endereço: Rua do Catete 166, Centro,

CEP 35420-000, Mariana-MG Tiragem: 1.500 exemplares Fevereiro 2014 Cartas do leitor

Para comentar as matérias ou sugerir pautas para nossa próxima edição, envie e-mail para revistacuringa@icsa.ufop.br

“O pintor não pinta sobre uma tela virgem, nem o escritor escreve sobre uma página branca, mas a página ou a tela estão já de tal maneira cobertas de clichês preexistentes, preestabelecidos, que é preciso de início apagar, limpar, laminar, mesmo estraçalhar para fazer passar uma corrente de ar, saída do caos, que nos traga a visão.” Inspirados pela citação dos filósofos Gilles Deleuze e Félix Guatarri, construímos a 9º edição da Revista Curinga. Tomamos como norte a Arte, pois ela é algo que move o ser humano, provoca o imaginário e desperta variadas sensações em quem a consome. Numa mistura de realidade e imaginação, a CURINGA vestiu-se de artista e foi atrás dos diferentes movimentos ancorada em um pilar: o recomeço. Apagamos nossos preconceitos, estraçalhamos nossos pensamentos sobre a arte e limpamos nosso senso comum; para experimentarmos, no fim, novas percepções artísticas. Usar o corpo como suporte, fazer arte como forma de resistência, desenhar ideologias e às vezes não se considerar artista, viver a arte na rua e viver da arte de rua, expressar-se para vencer os limites impostos pela vida, ser original ou inspirar-se na obra de outros, criar sua própria imagem, alimentar-se artisticamente por meio de incentivo público. Transformamos estas experiências em narrativas e ensaios, que nas mãos (e alma) de nossa equipe, tornaram-se obras de arte. Eis o nosso desafio. A CURINGA imergiu em um universo muito explorado, porém livre dos clichês. Deixamos aflorar o artista que existe dentro de cada um de nós. Esperamos que você mergulhe fundo nesta proposta e vivencie, de diferentes formas, esta edição especial.



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Salvador, 5 de dezembro de 1911. Nascia Carlos Marighella. Filho de operário e neto de escravos, o guerrilheiro foi também um dos principais inimigos do governo militar brasileiro. Todavia, a trajetória e os bastidores da história de Marighella revelam que ele foi mais do que isso. Fundador da Ação Libertadora Nacional (ANL), viveu na clandestinidade a maior parte da vida. Enfrentou encarceramentos, torturas e conheceu a prisão quando dedicou alguns de seus versos ao militar Juracy Magalhães, na época um dos interventores nomeado pelo então presidente Getúlio Vargas. Igualdade, liberdade, luta. Os poemas de Marighella escritos entre as décadas de 30 e 60 representam mais que a ideologia revolucionária comunista; retratam o descontentamento, a indignação e a sede por justiça do povo brasileiro já cansado de um regime que mantinha o país sufocado.

Texto: Yara Diniz Ilustração: Neto Medeiros Edição Gráfica: Pedro Ferreira

“E que eu por ti, se torturado for, possa feliz, indiferente à dor, morrer sorrindo a murmurar teu nome.”

Em 2014 completam-se 45 anos de seu falecimento. A produção poética de Marighella, pouco difundida, está reunida no livro “Rondó da Liberdade”, título homônimo de um dos poemas mais famosos do autor. Na obra há poesias que mostram a sensibilidade e as paixões ocultas do militante, poemas de amor, versos sobre samba e futebol. “Rondó da Liberdade” contrapõe duas facetas de um homem que é comumente visto por uma só perspectiva. No livro conhecemos Carlos, que foi gente como a gente; dotado de defeitos e qualidades. Foi pai, foi esposo, foi poeta. “Era carinhoso, brincalhão, escrevia poemas pra gente. Nunca tinha associado o rosto dele aos cartazes de ‘Procura-se’ espalhados pela cidade.” palavras ditas no documentário Marighella, 2012, por Isa Grinspum Ferraz, cineasta e sobrinha de Carlos.

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E do corpo se fez arte

Texto: Bruna Sudario Foto: Adriano Soares Ediçao Gráfica: Pedro Ferreira

O que leva uma pessoa a fazer uma tatuagem, colocar um piercing ou algum implante pelo corpo? Entre as respostas para essas questões destacam-se os significados atribuídos ao corpo, à estética, ao prazer e a própria dor. Atitudes que compõem o universo do bodyart. Daniel Afonso Pinto, conhecido como Leão, é um legítimo representante desse grupo de pessoas que usam seus corpos como principal objeto de expressão. Para eles as formas humanas se tornam suporte para realizar inúmeras intervenções. A busca pelo inusitado, por algo pouco comum, está entre os fatores que o encanta. Leão comenta que desde a adolescência já demostrava interesse pelo diferente. “Apesar de eu ter esse estilo, eu nunca quis ser melhor do que ninguém. Eu sempre quis ser do meu jeito e usar aquilo que me faz bem, como o preto.” Daniel ficou famoso nas ruas de Ouro Preto e Mariana, devido a sua tatuagem na testa e a várias outras pelo corpo, por suas roupas e por ter um carro autêntico. Sua primeira tatuagem

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foi aos 16 anos, feita por seu irmão. Ele comenta que chegou a apanhar dos pais por isso. “Naquela época as coisas eram diferentes, hoje a visão das pessoas mudou”. De acordo com a pesquisadora da Universidade de São Paulo, Beatriz Pires, na primeira metade do século XX, os acessórios tidos como fetichistas, antes clandestinos, começaram a ganhar espaço na moda. Durante os anos 60, o corpo instaurou seu lugar em performances artísticas de diversas formas. Esses fatores, entrelaçados com o expressionismo abstrato de Pollock, primeiro movimento que seguiu os caminhos inversos do tradicional, foram capazes de promover a arte do corpo. Tanto com técnicas mais convencionais, como a tatuagem e o pierceng, ou as mais radicais como queimaduras e implantes, a busca pela inovação sempre foi motivo de estímulo para artistas do mundo todo procurarem nas propostas estéticas, funcionais e sexuais, aquilo que gostariam de ser e aparecer, suportando até mesmo a dor, para criar o diferente com o seu corpo.


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Ideias em trânsito Trajando seu inconfundível terno amarelo, a bordo de sua moto propaganda, Lacarmélio Araújo cruza Belo Horizonte em busca do engarrafamento mais adequado. Em meio ao caos do dia a dia, a cada fechar de semáforo, ele estende sua placa com o recado: “Leia Celton. Estou vendendo revistas em quadrinhos que eu mesmo fiz.” O trabalho solo engloba desde a criação artística à venda. A roupa excêntrica e a moto estilizada, segundo ele, não passam de estratégia de marketing de um vendedor. E funciona. As pessoas o reconhecem na rua, buzinam, gritam e cumprimentam. Da criação da revista Celton, na década de 80, até hoje muita coisa mudou. Junto com Lacarmélio, o personagem evoluiu e passou a tratar de temas sociais. Recentemente, após ter sofrido abuso de autoridade por um policial, Lacarmélio fez a Edição de indignação. A abordagem diferente fez sucesso e gerou polêmica. “Falar sobre temas sociais é importante. Eu por exemplo era um analfabeto político, não sabia meus direitos e deveres numa situação dessa”, diz.

Dono de uma carreira consolidada, o personagem Celton não é um herói que solta raios e voa, apesar de ter seus superpoderes. Ele é um cidadão comum, com problemas reais, que precisam ser solucionados. As histórias surgem de ideias simples: situações cotidianas às vezes sugeridas por leitores. Para Lacarmélio é importante gerar reflexão, passar informações úteis ao público. Apesar do reconhecimento pelo público, o quadrinista não considera suas revistas uma representação artística, já que seu trabalho vai além da ilustração e roteirização da revista. “Esse é meu ganha pão, sou um vendedor, um camelô como os que vendem balas nos sinais”, afirma. Para ele, “qualquer função exige arte, o motorista daquele ônibus é um artista, o varredor de rua também”. A “arte” de Lacarmélio revela situações que não são consideradas artísticas. No entanto, ao valorizar todas as manifestações humanas, o desenhista acaba por transformar em arte o cotidiano da capital mineira.

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Entrevista

A arte para além da estética Texto: Paulo Victor Fanaia Edição Gráfica: Cibele Souza

Carioca, nascido em novembro de 1968, Carlos Latuff é cartunista e ativista social. Como abertamente exprime, deseja que suas produções sejam instrumento de luta contra a injustiça e a desigualdade. Conquistou reconhecimento devido a publicações corajosas e críticas à atuação da Polícia Militar, à política colonizadora israelense, aos barões da agropecuária no Brasil, à covarde política dos sauditas, além 8

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de valorizar as ações do MERCOSUL e do MST. Pela sua postura contrária às opressões e por denunciá-las de modo explicito, é amado por jovens brasileiros e pelo povo palestino. Considerado o terceiro maior antissemita do mundo, já foi ameaçado de morte pelo Likud, partido de ultradireita em Israel, em 2006. Se tem medo? Parece que não, pois defende cada dia mais uma arte transformadora.


c: Latuff, por que a sociedade precisa de chargistas? L: Eu acho que a sociedade precisa de artistas, comprometidos, basicamente. Porque ser chargista não é o suficiente, ser músico, ser dramaturgo, cineasta, não é o bastante. Veja o caso do Romero Britto, que eu sempre cito, ele é um artista plástico, ele produz o que a gente convenceu a chamar de arte, mas como não tem comprometimento algum é simplesmente arte e decoração. A sociedade precisa de artistas voltados para a transformação, para o movimento social, e de chargistas assim.

c: Quando você começou a se interessar pela Charge? L: Quando eu comecei a trabalhar com jornais da imprensa sindical, em 1990.

c: Quantas charges você fez por ano, em média? Quantas já fez em toda sua vida? L: Ah, não tenho ideia. Pelo menos de dois em dois dias estou produzindo alguma coisa, as vezes é todo dia. Não passo uma semana sem desenhar. Posso estar viajando ou em casa, estou sempre desenhando. Isso do ponto de vista profissional, porque às vezes acontece, por exemplo, de eu sair com amigos, e desenhar pra alguém, na toalha, no guardanapo.

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c: E como se deu conta da necessidade da relação entre a arte e a crítica social? L: A arte não tem que estar ligada a crítica social o tempo todo. Você não tem a obrigação de produzir arte engajada

24 horas por dia. Tudo em demasia é chato, é preciso também ter aquela arte que faz você relaxar, espairecer, rir. Porém, a arte não é só entretenimento, mas fazer pensar, refletir. Eu acho que o artista poderia dedicar parte do seu trabalho à transformação, à mudança, mesmo que não seja um artista engajado, isso já seria muito bom.

c: Suas Charges são, algumas delas, marcadas pela violência visual. Em sua opinião, esse recurso atinge as pessoas? Tem alguma função estética? L: A violência pela violência não te leva à reflexão, te

leva a um entorpecimento, a uma banalização. Você vê tanta violência nos filmes, como nos do Tarantino, que acha que aquilo ali é normal. É muito comum em filmes americanos, principalmente, as pessoas darem tiros e isso é colocado como uma coisa cotidiana, uma coisa corriqueira, e não é. Eu tento me utilizar da violência nas charges de maneira mais denunciativa, do que de glorificação ou exaltação da força. Eu procuro, como se diz em inglês, “show the ugly head” da violência, ou seja, mostrar o lado feio.

c: Você desenvolve personagens para representar um povo, como o garoto negro manifestante, a mãe palestina, e normalmente põe o opressor como uma figura maior que o oprimido. Como funciona essa criação de sentidos? L: A produção imagética, principalmente a charge e a ilustração, é repleta de signos e símbolos, então é preciso ter sempre em mente que esses signos podem facilitar a comunicação com o interlocutor. Determinadas formas de linguagem facilitam a compreensão das pessoas. Muitas vezes coloco textos, plaquinhas que identificam os personagens, e tenho recebido críticas. Como se eu estivesse identificando o óbvio. Por exemplo, esse desenho que fiz mostrando um senhor negro levantando a venda da justiça e apontado para as casas sendo derrubadas, se eu não coloco a bandeira da “Copa 2014” no trator e não coloco a placa na aldeia escrita “Quilombo”, pode ser qualquer coisa, pode ser uma ocupação do MST, uma reintegração de posse, etc. Então, me utilizo de símbolos, signos e nomes para dar exatamente a ideia que preciso.

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c: Em 2006 o Likud te ameaçou, em Israel. Qual o segredo para um chargista ser tão amado e odiado pelo mundo? L: É só você pisar nos calos certos. Basicamente isso. E, claro, você está cheios de calos a serem pisados. Tem que saber quem é que está disposto a “colocar o seu na reta”, e não é todo mundo, infelizmente.

c: E que dica dá para quem pretende viver de charge e cartum? L: Antigamente, antes do advento da internet, a única maneira pela qual você poderia publicar charges seria através da grande imprensa, no máximo, na imprensa sindical. Hoje você continua tendo esses dois meios. A imprensa sindical ainda tem espaço para o cartunista e chargista, o acesso ao jornal sindical é mais fácil que o acesso à grande imprensa. Eu tenho pra mim que a grande imprensa de um modo geral ainda precisa de um conteúdo mais pós-moderno, pois quem faz uma tira ou uma charge com um posicionamento político mais a esquerda, os grandes jornais tendem a não contratalo. Agora existe a possibilidade na internet de você trabalhar com a postagem de informação, trabalhar seus próprios personagens. É o caso do André Dahmer, que faz a tirinha “Malvados” e conseguiu furar esse bloqueio do “quem indica”. Começou a usar muito a internet, criou o personagem, hoje vende produtos da marca e conseguiu uma autopromoção muito boa nas redes sociais. E tem os portais, etc. Essa mídia eletrônica de hoje tem muito mais espaço, existe uma série de possibilidades que na minha época não havia.

c: Qual grande acontecimento ou boa notícia você espera chargear no ano de 2014? L: Boas notícias, eu não sei. Grandes acontecimentos, sim, boas notícias é que não (risos). Pois 2014 vai ser só

pauleira: 50 anos do Golpe de 64, Copa do Mundo, Eleições, possíveis manifestações por conta do aumento da tarifa de transporte, a questão dos indígenas se acirrando cada vez mais, dos quilombolas e da repressão policial que vai ser violenta! Se a gente sobreviver a 2014, vamos ter muita história pra contar!

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Quadros, esculturas, filmes e músicas já existentes sempre serão usados como fonte de inspiração por quem quer criar algo novo, isso é inevitável. O problema é quando essa "inspiração" nada mais é do que o desejo de fazer parecido com o que vem dando certo em termos de venda. O rádio e a televisão parecem não cansar de escoar uma produção em série de músicas com um mesmo ritmo e uma mesma temática (carro-bebida-balada). Nas definições de arte que encontramos facilmente numa pesquisa no Google, vemos algo como: uma manifestação do intelecto, o ato de colocar pra fora um sentimento, uma sensação, uma ideia. Contudo, o que temos no momento não parece ser fruto disso, mas sim uma reprodução completamente racional, preocupada em satisfazer um desejo do mercado e de um público que segue as tendências, e não do próprio artista. Caímos então numa encruzilhada. Fica difícil saber o que é arte, quem de fato é artista e o que é original.

Originalidade é um conceito que parece permear todas as definições de arte. Na filosofia de uns dois séculos atrás, Hegel já pensava a arte como algo novo, fruto da ideia de alguém, portanto original. Nessa busca constante pela novidade, os moldes se alteram e entram em confronto consigo mesmos. Um artista que quer ser diferente, mesmo que inserido numa corrente de pensamento ou numa técnica específica, procura apresentar elementos que o diferencie de seus pares. O filósofo contemporâneo, Gilles Deleuze, em “Lógica da Sensação”, chama atenção ao fato de o pintor nunca lidar com uma superfície em branco. Em sua frente ele vê uma tela carregada de clichês com os quais será necessário lutar para romper até ver o quadro pronto. Levando tudo isso em conta, talvez seja possível pensar que, mesmo nova, uma obra nasce de outra, nem que seja tomando a anterior como parâmetro para fazer diferente. Não parece ser esse o caso dos "artistas" do consumo, que ao invés de experimentar possibilidades, pegam o caminho da reprodução e nos apresentam coisas não tão novas assim. Seria isso o reflexo de uma certa crise de originalidade por parte dos "criadores"? Ou seria a Indústria a grande vilã da história? Fica difícil saber se é o artista quem teme a recepção da novidade ou se é o mercado que tem preguiça de se renovar constantemente.

Experimentar ou reproduzir

FRAGMENTOS

Texto: Davi Machado Edição Gráfica: Marcelo Nahime Jr.


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INFOGRÁFICO

Texto: Cinthya Meneghin Edição Gráfica: Bruna Mattos

Manaus concentra o maior número de museus da região Norte. No ranking nacional, encontra-se apenas em 10° lugar, com 29 museus.

O primeiro museu implantado no Brasil foi em Pernambuco, durante a ocupação holandesa no séc. XVIII, englobando jardim botânico, jardim zoológico e observatório astronômico.

Museus por região

O Distrito Federal, com 60 museus, concentra o maior número da região,.

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Curitiba é a cidade que possui mais museus na região Sul, com 70 instituições. 0

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Museus no Brasil

No ano de 2012 foi lançado pelo IBRAM, “Instituto Brasileiro de Museus”, a última edição do manual das instituições museológicas do Brasil. Nessa publicação realizou-se um levantamento geral sobre os museus. A Curinga acrescentou a estes dados outras informações e curiosidades. Ao administrar os museus, o setor público estabelece o compromisso de mantê-los funcionando, Isso não acontece quando gerenciado pelo setor privado. Na maioria dos museus do Brasil a administrção é pública. Na região Norte os governos concentram 47,1% da administração. No Nordeste há um equilíbrio entre o número de instituições administradas pelo poder público (57,9%) e pelo setor privado (42,1%).

No Centro Oeste há um equilíbrio entre a administração federal (23,8%) e municipal (27,7%). Isso se justifica pela presença do Distrito Federal. Das instituições museológicas do Sudeste, 43,6% são administradas pelo município. Na região sul, 54,1% dos museus são de aministração municipal.

A maior reunião de museus no Nordeste está em Salvador. Com 71 museus, é a terceira cidade na estatística nacional.

São Paulo possui 132 museus. É a cidade com maior concentração do país. Campinas, com 21, é a única cidade não capital presente na estatística feita pelo IBRAM.

O Museu Emílio Goeldi, fundado na capital do Pará em 1866, é o detentor do título de primeira instituição dedicada à Ciência na Amazônia. É referência no Brasil e no mundo por possuir variadas e raras espécies vivas e em reprodução na área da Botânica e da Zoologia. Terça a Domingo das 9h às 17h

O Museu do Homem do Nordeste, fundado em 1979 em Recife, possui acervo diversificado, com cerca de 15 mil peças de heranças culturais da formação do povo nordestino. É um dos mais importantes museus antropológicos do Brasil. Terça a Sexta das 8h30 às 17h Sábados e Domingos das 13 às 17h

O Museu Catavento foi o www.museu-goeldi.br mais visitado de 2013. www.fundaj.gov.br Localizado em São Paulo, ele possui 4 seções: Universo, Vida, Em 1969 foi inauguraO Museu de Cera Engenho e Sociedade. do o Museu de Arte Dreamland, em Ter - Dom das 9h às 16h Gramado, é o primeiro Sacra da Boa Morte. Seu acervo é compos- www.cataventocultural.org.br projeto do gênero na to de prataria, mobiliáAmérica Latina a rio, porcelana, retábulos, induapresentar ícones do cinema e da mentárias, gravuras e pinturas, cultura pop. São mais de 90 astros entre outras peças do séc. 18 e 19. e personalidades distribuídos em São obras sacras de vários 20 cenários temáticos. autores. Terça a Sábado das 9h às 17h e Dom Todos os dias das 08:00 as 19:00h. das 9h às 13h www.museudeceradreamland.com.br e-mail: masbm@museus.gov.br 15


a u r . . . a a s s s s o e n Seosse f ESPECIAL

Texto: Laura Ralola Fotos: Arthur Medrado e Felipe Sales Edição Gráfica: Íris Zanetti

Quando penso em arte de rua lembro também das plantas que brotam das rachaduras abertas no cimento das calçadas. Ambas levam cor e vida às moribundas ruas que parecem menos ocupadas, utilizadas cada vez mais como um simples lugar de passagem. Podem capinar o mato, mas ele voltará a crescer. Enquanto um muro está sendo pintado de branco, outros são ocupados por artistas que dizem não a esse modelo de cidade. A Arte Urbana quebra as portas do privado, quer se fazer ver por todas as pessoas e contribui para que a cidade seja vivida de forma plural! Artistas de rua mostram claramente como entendem a cidade: como um lugar de encontros e trocas de experiências.

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A cidade segue do seu jeito, sem parar nem mesmo a noite. Asfalto, muro e calçadas disputam quem carrega em si o tom mais acinzentado. Buzinas de motoristas impacientes se misturam com os apitos dos guardas de trânsito. Completando a cena, pessoas apressadas seguem a passos largos, ansiosas para respirarem fundo em seus seguros destinos. Nessa correria, pouco se repara. Nos prédios, nos outros... até a cor cinza já passa batida – também, pudera, tudo igual… Uma pequena flor amarela nasce das rachaduras entre o meio-fio e o asfalto, bem em frente à faixa de pedestres. Quebra todo esse cenário caótico e, se bobear, até arranca sorrisos! “Que bela florzinha resistente”, dirão. São as tais “linhas de fuga” descritas pelo filósofo Gilles Deleuze. Se a dominação existe, existem também os pontos de resistência. Em cidades cada vez mais privadas, tudo é negócio da vaga para carros à utilização do banheiro em rodoviárias. Em meio à imensidão de mensagens impostas pela privatização do espaço público, artistas levam às ruas a arte como forma de escape. De acordo com Nina Caetano, professora de Artes Cênicas da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), “ a arte urbana é fundamental para descondicionar olhares e ativar comportamentos, inclusive de partilha e encontro, de vivência poética do espaço público”. Segundo a professora, a Arte Urbana é aquela desenvolvida no espaço da cidade e engloba desde intervenções visuais até performances e outras ações que dialogam diretamente com elementos desse espaço. Podemos citar, como exemplos de intervenções visuais, o Graffiti, Stencil Art (a aplicação da imagem é feita com molde vazados), a Sticker (pintura através de adesivo), a Lamb Lamb (onde a mesma imagem é reproduzida e aplicada em maior escala), além da própria Pichação.

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O que as cidades têm a dizer?

O muro é apenas uma parede forte que circunda um recinto ou separa um lugar do outro? O muro está presente nas cidades brasileiras assim como o peixe está no mar. Ele cerca propriedades e as protege da entrada daqueles que não foram convidados. Justamente o muro, símbolo de separação, é historicamente ocupado e resignificado por agentes culturais e políticos nas ruas de todo o mundo. Tais agentes interpretam os espaços como murais e com tintas de todas as cores transformam e dão singularidade ao lugar. Se o muro simboliza os limites, quando ocupado escancara a resistência! De acordo com o manifesto da página Olhe Os Muros (https://www.facebook.com/ olheosmuros?fref=ts), que reúne na rede imagens de expressões de arte urbana pelo Brasil e por alguns países da América Latina, “no muro lemos a cidade e a cidade fala conosco; conta de seus desejos e seus problemas. Tem vez que a gente se identifica. Tem vez que a gente se questiona”. São os muros ocupados na cidade do Rio de Janeiro, e suas mensagens que articulam expressão visual, literatura e política, que guiam o olhar e passos da jornalista Beatriz Noronha em sua pesquisa “E o verbo se fez muro – Apontamentos para uma comunicação urbana” (2012). O trabalho mostra os muros como espaços de expressão capazes de fortalecer reflexão e transformação no cotidiano das pessoas e das cidades.

foto: Arthur Medrado

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Foto: Felipe Sales

Beatriz considera os muros como lugares de fala e adentra numa pesquisa sobre ocupação, (re) apropriação e ressignificação do espaço público. “O trabalho tem seu foco sobre o meio, muros, tendo nas intervenções urbanas uma espécie de gatilho capaz de acionar estes endurecidos territórios urbanos para uma comunicação afetiva, no sentido da criação de estados transitórios de sensações, boas ou não, estranhas ou não, nos passantes”, escreve a jornalista. O artista plástico Thiago Alvim pinta a rua desde 2006. Hoje em dia não faz nem ideia de quantos trabalhos tem espalhados. Na região de Ouro Preto e Mariana são inúmeros os que colorem as históricas ladeiras. Para o artista, que atualmente mora em Belo Horizonte, pintar na cidade grande é diferente de realizar o trabalho em cidades menores e mais tranquilas. Apesar de existir nos grandes centros painéis mais elaborados, que demandam mais tempo de produção, o que prevalece, num espaço onde a fiscalização que cerceia esse tipo de ofício é mais severa, é a necessidade de ser ágil: “isso acontece porque as autoridades estão muito estressadas por lá...Além das pessoas, que tem medo de tudo, inclusive de um rapaz pintando em local público”. Thiago tem a relação com a cidade e a visualização imediata do trabalho, sem que a pessoa precise frequentar algum espaço fechado, como motivação. É isso, além da aventura e adrenalina, que o faz pintar a rua. “Qualquer classe social, qualquer idade, qualquer tipo de pessoa pode ver e interpretar do modo que quiser”.

foto: Felipe Sales

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O que as cidades têm a ouvir? Milton Nascimento afirma, pelos Bailes da Vida, que “todo artista tem de ir aonde o povo está”. A Banda Matilda, de Juiz de Fora – MG, é formada por quatro mulheres crédulas de que o povo está na rua! Elas se apresentam sim em estabelecimentos privados, mas é no espaço público que gostam mesmo de tocar. “Acho que nós amamos a Matilda na rua! Assim como misturamos ritmos e ‘sons’, gostamos dessa mistureba e possibilidades que a rua oferece”, conta Amanda Martins, flautista da banda. Para a percussionista Fabrícia Valle, estar na cidade é uma performance na medida em que se propõe a mediar outras possibilidades de habitar o espaço urbano através da experiência estético-musical. “Assim sendo”, completa, “o show acaba configurando-se uma interferência que se dá na dinâmica público-palco”. A violonista Bia Nascimento conclui: “A galera é mais solta na rua”. O rapper Criolo disse na faixa três de seu segundo álbum, “Nó na Orelha”, que não existe amor em São Paulo,

mas de acordo com Renata Braga, idealizadora do projeto “Questão de Etiqueta”, não é o amor que falta, está faltando amar. E por toda essa vontade de gerar gentilezas, Renata espalha pela capital paulista frases de literatura, música e cinema escritas em etiquetas adesivas. “As primeiras etiquetas começaram a ser espalhadas no meu caminho diário na época, e assim foi acontecendo”, conta Renata. Um passante senta-se no metrô e se depara com uma citação de Millôr Fernandes, “viver é desenhar sem borrachas”, escrita em uma etiqueta de caderno escolar e colada no assento. Quantas pessoas não leram a frase de Millôr quando se sentaram em frente a ela? Imagine alguém no vagão lotado no fim do dia. E outras quantas não olharam para a frase logo nas primeiras horas da manhã? Quem viu sentiu. Questionou-se, alegrou-se, irritouse... mas de certo algum sentimento se manifestou naquele momento. Quem não viu, pode ver em um outro dia... Foto: Arthur Medrado

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Obra do artista Thiago Alvim, próxima ao trilho do trem, em Ouro Preto


As etiquetas estão espalhadas por aí e, uma vez coladas, podem ser lidas pelos mais diversos transeuntes. E se ela for descolada? Com toda a certeza outras, com outras frases, estão sendo espalhadas por Renata em muros, postes, estações de metrô, pontos de ônibus e onde mais for colável! Arte e artista que interferem no cinza da cidade, cobrem o som das buzinas com músicas, resistem à correria do cotidiano e provocam sensações nos passantes. Passantes esses que dedicam alguns minutos, às vezes segundos, para admirar um grafite feito por Thiago, ou ler uma frase em uma etiqueta, colada por Renata, ou se deliciar com um show da Matilda na praça. A arte de rua quebra gradativamente o paradigma de que a arte deve ser compreendida como elemento voltado essencialmente ao mercado. Ela é mais que isso.

A liberdade de fazer e refazer as nossas cidades, e a nós mesmo, é, a meu ver, um de nossos direitos humanos mais preciosos e ao mesmo tempo mais negligenciados (David Harvey)

foto: Arthur Medrado

Direitos Paralizados no Rio de Janeiro

Não posso fazer serenata A roda de samba acabou A gente toma a iniciativa Viola na rua, a cantar Mas eis que chega a roda-viva E carrega a viola pra lá (Chico Buarque - Roda Viva)

Largo da Carioca, centro do Rio de Janeiro, junho de 2010: As pessoas andam depressa, automóveis circulam e as coisas seguem em movimento. O artista de rua, no ofício de “estátua viva”, entretanto, permanece imóvel: sua forma de se apropriar da cidade. A Guarda Municipal chega e entende que a performance não pode ser realizada. Decretam que o artista deve parar com seu ofício, porém a performance não acabou e estátuas não se movem. O artista permanece parado, indo contra a ordem dos agentes. O decreto da Guarda chamou a atenção dos passantes, que se uniram para questionar a legitimidade da ação e, com isso, a permanência do artista foi garantida. O momento, por acaso, foi gravado no caótico cotidiano urbano e postado na rede pelo usuário Christian Caselli. O vídeo “Proibido parar” dura mais ou menos seis minutos e tem quase cinquenta mil visualizações no youtube. Nele, vozes indicam que o ocorrido era resultado da própria escolha da população: seus representantes. Em 2012, dois anos depois da polêmica com a “estátua viva”, artistas de rua do Rio de Janeiro comemoraram a lei 5429/2012, de autoria do vereador Reimont Otoni (PT- RJ), que passou a garantir as atividades artísticas em estabelecimentos públicos de 08h às 22h sem a necessidade do aval do poder na cidade carioca.

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forma Sem pressa, sem certeza... buscando efeitos que o olho nĂŁo vĂŞ

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fotos e texto: arthur medrado e gerliane mendes

/ edição gráfica: lorena costa

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RELICÁRIO

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é a a e? rt Texto: Edan André Foto: Neto Medeiros Edição Gráfica: Tuanny Ferreira

Transformar um livro em filme, uma música em poesia, fazer a releitura de um quadro. Esse assunto sempre causa discussão no mundo artístico. O cenário atual das artes é marcado pela recorrência de adaptações de diversos produtos, consequência da facilidade e velocidade de informação e circulação no mundo. O cineasta e roteirista Jorge Furtado, em palestra que ministrou na 10ª Jornada Nacional de Literatura em Passo Fundo-RS, em 2003, sobre a adaptação de livros para a indústria cinematográfica, defendeu que “as relações entre o cinema e a literatura são antigas e nem sempre amistosas. Antes da invenção do direito autoral, em 1910, os cineastas simplesmente roubavam histórias dos livros. Em 1911, Gabriele d’ Annunzio vendeu toda a sua obra, já escrita e futura, para uma empresa cinematográfica italiana. Desde lá, milhares de livros têm sido adaptados para o cinema.” Mas além da questão autoral, os estudiosos das artes, de modo geral, defendem que as adaptações não conseguem reproduzir fielmente as obras originais, fazendo pensar em outro ponto que toca esse tema, a fidelidade dos elementos que constituem a narrativa do livro quando transposta para o formato do filme.

Adaptando... ou não...

Ao adaptar um livro para um filme, que são formatos de narrativa e produção distintos, a perda de conteúdo ou transformação parece algo inevitável. Num primeiro sentido, a adaptação não seria da obra em si, mas de seu espírito e conteúdo, o que não prescinde da fidelidade à sequência

narrativa e ao foco da obra original. Entretanto, por ser uma adaptação, uma transposição de conteúdo, gera-se uma expectativa de proximidade máxima à obra que lhe deu origem. Em 1997 o crítico literário francês Gérard Genette defendeu que as adaptações estão imersas em dois níveis principais. O primeiro é o conteúdo que será traduzido e que, consequentemente, depende do segundo nível, que é a forma que ele será construído e adaptado para um suporte totalmente diferente. Para Robert Stam, da New York University, cada cineasta tem seu jeito de trabalhar, as adaptações podem acontecer de diversas formas. Os roteiristas podem acelerar a ação fílmica, imprimindo mais dinamicidade, ou apenas focar nos fatos e personagens principais que sustentam a história, deixando a narrativa cinematográfica mais lenta ou com tempo normal, dependendo da intenção do cineasta. Segundo o artista mineiro Xisto Siman, “é difícil reproduzir um livro num filme porque um livro foi pensado para ser daquele formato. Acho que cada manifestação artística é muito específica.”

Da apropriação ao plágio

Além das questões relacionadas às técnicas de adaptação, as de cunho jurídico também devem ser consideradas. Quando viola-se o direito autoral de algum autor, este pode acusá-lo formalmente através de processo judicial. Apropriar-se de uma obra original sem dar crédito ao autor pode ser considerado plágio. O plágio é considerado violação ao

direito autoral, segundo a Lei Federal nº 9.610/1998, que em seu artigo 24, II, garante ao criador o direito de ter o seu nome como autor na utilização de sua obra. Além disso, o plágio fere o direito de integridade da obra e de sua modificação, que cabem exclusivamente a quem a criou. A apropriação é encarada como um procedimento comum no campo das artes visuais, não apenas pelo público, mas também por artistas que se inspiram e pelos que servem de inspiração. Embora já tenha provocado processos judiciais. Segundo matéria do site da revista Veja no dia 04/02/2014, o ator e produtor Tom Cruise e o estúdio Paramount estão sendo processados em um bilhão de dólares pelo roteirista Timothy Patrick McLanahan. Timothy alega ter escrito e registrado em 1998 o roteiro do longa-metragem Head On, 13 anos antes do lançamento de Missão Impossível – Protocolo Fantasma, em 2011. Apesar do plágio e seu lado prejudicial às artes, certas adaptações não conviveram com este estigma. O escritor Cristóvão Tezza, em entrevista ao site da livraria Saraiva no dia 11/01/2012, afirma que lembra de ter visto, nos anos 70, a adaptação de O Estrangeiro, de Albert Camus, num filme dirigido por Luchino Visconti. “Eu tinha acabado de ler o livro e fiquei vivamente impressionado com a fidelidade. E lembro também de uma adaptação trágica: As confissões de Schmidt, baseado no romance de Louis Begley, um livro refinadíssimo e que se transformou, a meus olhos, numa história caricatural e grosseira no cinema.” Bem sucedidas ou não, e mesmo criando situações judiciais desagradáveis, as adaptações e apropriações continuarão acontecendo, sem deixar de ser arte.

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RELICÁRIO

quanto vale a cultura O que você consegue fazer, em um mês, com a quantia de R$ 50?

Texto: Luma Oliveira Foto: Fernanda de Paula Edição Gráfica: Marcelo Nahime Jr.

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É interessante ver como o consumo cultural tem crescido em nosso país. Durante muito tempo, o acesso a bens culturais parecia coisa distante e estava restrito apenas a uma parcela da população. Nos anos 2000, as políticas sociais foram, inicialmente, desenvolvidas para a alimentação e transporte, havendo pouca valorização do que chamamos de “alimento para a alma”. Idealizado em 2009, pelo governo Lula, e lançado no final de 2013, o Vale-Cultura - primeira política pública governamental focada na cultura - beneficia o trabalhador que possui carteira assinada, proporcionando à ele o acesso a bens culturais a partir de um cartão magnético acumulativo, com o valor de R$50 mensais. A quantia não é grande, mas considerando os custos destes produtos no Brasil, já é alguma coisa. O objetivo ao se criar o Vale foi qualificar os hábitos culturais da população, incorporando ao seu cotidiano novas práticas de lazer e entretenimento. Entretanto, como escolher a melhor forma de gastar os R$50? O Vale pode ser gasto somente com aquilo que o projeto enquadra como serviço ou produto cultural. E é exatamente aí que encontramos o ponto mais polêmico da proposta. Afinal, o que pode ser considerado cultura?

De acordo com o estudo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que fundamenta esta política pública, apenas 14% da população brasileira vai ao cinema regularmente, 96% não frequenta museus, 93% nunca foi a uma exposição de arte e 78% nunca assistiu a um espetáculo de dança. É inegável a excelente oportunidade que a iniciativa do governo dará a muitos trabalhadores, promovendo o aumento do acesso a segmentos como teatro, cinema, cursos de música e museus. Todavia, não adianta apenas fornecer dinheiro ao trabalhador para esse tipo de entretenimento. É preciso ampliar a visão cultural do brasileiro fomentandoa desde o ensino básico da educação, dando mais possibilidades de escolha para a sociedade. Fosse isso uma realidade, tantas pessoas que passam a dispor do Vale teriam ideia de como enriquecer o seu uso. Afinal, “a gente não quer só comida. A gente quer comida, diversão e arte!”.

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PERFIL

pincéis INQUIETOS Com apenas 24 anos o artista marianense Deivison Silvestre, já expôs suas telas em cinco galerias de arte da região. Seu método de estudo nada convencional levou-o a desenvolver um conceito próprio, reconhecido por curadoria, que fundamenta sua obra. SIMIOSOFIA: simio (primata) + sofia (sabedoria), o homem como animal egocêntrico, o homem como um animal racional. “Minhas expressões aparecem como sombras das experiências consumadas no âmbito social, evidenciam as misérias humanas, crenças, políticas, juízos estéticos. Utilizo-me do discurso filósofico para compor as expressões”.

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Texto: Marina ibba Foto: Kíria Ribeiro Edição gráfica: Thainá Cunha

Subi as escadas da galeria de Arte Contemporânea em Ouro Preto e ela me recebeu com um sorriso doce. Quando me dei conta, retribuía-lhe o sorriso com todos os músculos do meu corpo. Os olhos deixavam escorrer todo orgulho e admiração que sentia, porém o sorriso acolhedor, é claro, não era pra mim. Maria do Carmo, Preta, tinha sua atenção voltada para um rapaz que encarava uma tela branca, quase do seu tamanho, manchada com uma tinta preta e rodeado por três garotas. Eu não era merecedora daquele sorriso, mas gostei e fiquei ao seu lado mais um tempo.

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O papo começou e logo soube que o tão observado pintor era seu filho mais velho, Deivison Silvestre. E as mulheres, Cíntia Luana (21) e Naomy (9), suas filhas, e Samilla (18), sobrinha e nora. A mãe me conta que esse menino só sabia mesmo era desenhar. Desde os 6 anos cria personagens e histórias nos papéis. “É isso mesmo que ele tem que fazer”, diz Preta, que não permite que o filho trabalhe em áreas distantes da arte, mesmo enfrentando situações financeiras difíceis. E não foram poucas. Hoje, Deivison estuda Filosofia, mas suas criações nunca precisaram do método convencional, de escolas de arte ou aulas de pintura e desenho. Para criar, só é preciso uma tela em branco, um guardanapo, um tecido, um pedaço de madeira ou qualquer plataforma que possa sofrer sua interferência. A técnica é sua, mutável. Ele traz para as telas uma maneira de ver o mundo, e a estética é agressiva, incomoda e nos convida ao questionamento. Fala com prazer sobre suas criações, me conta com sorriso nos lábios que desde pequeno seus desenhos são questionados pelos colegas por suas características. Não agradava-lhe a ideia de copiar as animações que assistia na televisão. Sempre gostou do que faz, admira as ilustrações por dias, orgulha-se do resultado e quando o alcança, assina e encerra as pinceladas.

A família que sorri Incentivado pelo padrasto, que percebeu seu potencial e muito cedo começou a presenteá-lo com materiais de desenho e pintura. Deivison reconhece todo o apoio que recebeu, mas faz questão de exaltar sua recusa quando matrículado em um curso de artes da Fundação de Artes de Ouro Preto, no qual foi apenas ao primeiro dia de aula. Samilla, a prima que virou namorada há quatro anos, é musa de algumas obras, mesmo quando não se vê retratada de forma verossímil. Admira, mas confessa

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que nem sempre compreende o trabalho de Deivison, que faz dobraduras nos guardanapos enquanto esperam o jantar em restaurantes. A obra “Complexo categórico”, para a qual Samilla posou, foi premiada e compôs o IV Salão de Arte Regional de Itabirito (Mariana, Santa Luzia, Itabirito) de 2011.

”Não se reduz a números as paixões e tormentos de um homem”. Seus amigos são lembrados com carinho, as brincadeiras de rua, as molecagens do colégio, os que chegaram mais tarde e se foram cedo, os que foram abrigados na casa da família quando precisaram e, até mesmo os que não mandam mais notícias. Pretinha também se lembra deles, me conta sobre as inimizades do seu menino no colégio e com muita certeza me ensina que a melhor maneira de retribuir o que o outro me oferece é com amor. Afirma que a melhor coisa do mundo é ser criança, fantasiar e brincar o tempo todo. Enquanto Deivison elimina o excesso de tinta preta da tela, sua mãe me conta que trabalha como babá, desde os doze anos. Com um sorriso travesso, confessa que nunca gostou de arrumar a casa ou de cozinhar, o que gosta mesmo é de brincar com as crianças, inventar, esconder algumas bagunças e cuidá-las com carinho, pois, “é com amor que a gente tem que ensinar”. Observado, Deivison assina a tela antes branca e nos apresenta Pietà, com olhos carregados de dor e miséria, recebida com aplausos. O artista também volta seu olhar para as mulheres que o observam. É tarde e a galeria precisa ser fechada, a família volta para casa e antes de sair me convida para um café no dia seguinte. Em Mariana, encontrar a casa não é uma difícil tarefa. Uma placa ao lado da porta me apresenta o ateliê aberto de Deivison. Logo soube que o lar não abriga apenas um artista, sua irmã Cíntia, estuda Artes Cênicas e Naomy, a caçula, esperou seu irmão sair do ateliê um


minutinho para entrar com um violão e me presentear com as três músicas que já compôs. O sorriso admirado de Preta logo apareceu na fresta da cortina que separa o ateliê da sala da casa.

Olhos que criam Deivison voltou e me apresentou algumas ilustrações originais da revista em quadrinhos que criou, Mundo Azul, que circulou durante três meses em 2010. Não possui mais todos os originais, alguns foram doados a amigos e outros vendidos para ajudar nas contas de casa. As reproduções da revista também se foram. Desapega-se das obras, mas a constante fome de criação não deixa o pequeno quarto que transformou em ateliê ficar vazio. Quando não está desenhando efetivamente planeja desenhos com as mãos inquietas que fazem traços no ar a todo instante. Não é simplesmente uma mania, faz exercícios com os pulsos e dedos para facilitar a prática.

”Desenvolvo minha arte em meu tempo reconhecendo estéticas artisticas de periodos passados”. Realizado, fala com satisfação sobre cada trabalho concluído. Não sabe se chora ou continua apreciando a nova tela, que termina nas madrugadas de pouco sono e muitas ideias. Óleo sobre tela, nanquim, aquarela, colagem, bico de pena, fuligem de vela são apenas algumas das inúmeras formas de materializar suas idéias, apresentar artísticamente suas teorias acerca do mundo em que vive. Prefere o silêncio e um tempo diante de uma tela branca para criar, mas jamais recusa pedidos para criar em outros espaços. Mesmo sem convite não deixa seus pincéis de lado ao sair de casa, presos com um elástico, eles caminham em seus bolsos. Enquanto caminha, observa. De voz mansa e poucas palavras, sussurra as combinações de cores do céu ao ver a lua chegar. Abre um largo sorriso e observa duas senhoras rechonchudas de vestidos rodados e floridos que sentam para fumar um cigarro no banco da praça. Sinto que ainda verei essas cores apresentadas por seus pincéis. Pelo desejo de explorar uma nova técnica, Deivison começou a pintar só aos 18 anos, mas ainda faz seus desenhos e, claro, está sempre estudando. “A identidade do homem contemporâneo configurou-se a partir de processos históricos. Desenvolvo minha arte em meu tempo reconhecendo estéticas artísticas de períodos passados”, filosofa. Para Deivison, não existe inspiração e sim gente que sofre as consequências de um mundo desigual, gente que ri e chora, gente que clama por socorro e que mostra que a dor pode ter uma bela representação. O quanto isso vale? “O valor da obra corresponde a necessidade do artista, às vezes um abraço terno ‘paga’ um quadro. A arte não obedece a estrutura do mercado (oferta e demanda). Não se reduz a números as paixões e tormentos de um homem. O valor simbólico (custo financeiro) de uma obra é justificado na condição do artista”, diz. O artista matém as portas do ateliê abertas àqueles que estiverem dispostos a conhecer suas expressões. O artista sedento por vida, por novas experiências, novas perspectivas, impressões e em constante criação. Deivison busca viver de sua arte sem luxos ou regalias, sua satisfação está no reconhecimento, uma maneira ímpar de ver o mundo. Sorridente e silencioso, de pouca idade e muitos sonhos.

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espelho

ARTE

CIENTE

INCONS

Dizem que são loucos aqueles que estão em desequilíbrio com o mundo externo. No contexto social, a loucura existe em relação a uma norma, mais especificamente, na transgressão do que culturalmente é determinado como conduta padrão. O conceito clínico apresenta a loucura da seguinte forma: “estado de perda de consciência de si-no-mundo, que condena a pessoa a uma doença”, um “distúrbio orgânico” ou um “desequilibro emocional”. Já o social, conceitua como “todo tipo de desvio do comportamento pessoal em relação a norma sancionada socialmente, um estado progressivo de ‘desligamento’ ou ‘fuga’ de uma realidade objetiva para outra subjetiva, uma tomada de consciência de si e do mundo.” Mas a loucura estaria em desacordo com o mundo externo?

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Texto: Lídia Ferreira Foto: Tamires Duarte Edição Gráfica: Mariana Borba

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Entre

psiquiatria, arte e

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Por muito tempo, as produções daqueles considerados loucos ou com quaisquer tipo de doença mental eram vistas como expressão imediata do mundo interno, dos seus estados mentais e, portanto como sintoma. O que fugia do controle racional consciente era considerado o ‘lixo do pensamento’. 18 de maio é hoje marco da luta antimanicomial, mas até

artis tas

Aos 54 anos, Wander Lopes encontrou na música outras possibilidades de comunicação e de se relacionar com o mundo. Integrante do grupo vocal São Doidão, que surgiu dos trabalhos de dois Centros de Convivência, em Belo Horizonte, Wander diz que o grupo é fruto de dedicação e interesse produtivo. O São Doidão é formado por oito integrantes, Andrea Dario, Janice Teixeira, João Paulo, Ricardo Rodrigues, Suzane D’Avila e Wander, todos diagnosticados com algum tipo de distúrbio mental, com exceção do maestro Helvécio Viana, que é também seu fundador/ idealizador e coordenador artístico. Além de propor uma reflexão social sobre o lugar do “louco”, o projeto tem como objetivo formar “artistas sociais”. De acordo com a produtora do grupo Adriane Gomes, “no caso específico do São Doidão, o trabalho busca, além de todas estas possibilidades, alcançar a profissionalização [dos integrantes] respeitando as individualidades e subjetividades de cada um.” Em novembro de 2013, o grupo lançou seu primeiro álbum musical, Os Devotos de São Doidão. No repertório, releituras de clássicos da MPB e canções inéditas de novos compositores, entre eles José Anacleto, compositor que possui parte de sua obra integrada ao repertório do grupo desde sua criação. A produção artística sob a perspectiva da loucura proporcionou ao São Doidão, um lugar de experimentação e pluralidades. Para Wander, a música tornou-se um tratamento mental e corporal paralelo, ampliou suas relações com as pessoas e o mundo, promoveu forças para enfrentar a vida.

novos

o início do século XX, os hospitais psiquiátricos excluíam da sociedade todos aqueles que estavam fora da ordem social, assim a internação ganhou legitimidade moral e terapêutica. Somente em 1946 que a psiquiatra Nise da Silveira, junto ao artista plástico Almir Mavignier introduz o ateliê de pintura no Setor de Terapêutica Ocupacional do Centro Psiquiátrico Pedro II, no Rio de Janeiro, criando uma nova relação entre arte, artistas e pacientes psiquiátricos. A psiquiatra pediu para que fosse suspensa a medicação dos pacientes (a maioria esquizofrênico), além de tratamentos de eletrochoque e a lobotomia (cirurgia cerebral). Nise enfatizava a importância do carácter expressivo das obras, visto que a linguagem verbal por vezes era inadequada e limitada. Também acreditava que o material produzido eram “documentos plásticos” que deveriam ser catalogados e pesquisados. Almir Mavignier, por sua vez, transformou o ateliê em um local de encontro, entre artistas, críticos e pacientes. Os críticos de arte passaram a considerar que a produção artística é um atalho privilegiado ao inconsciente. Ao produzir, o sujeito não expressa apenas seu interior, mas cria algo novo. Sobre as obras começaram a aparecer novos olhares e interpretações. Para Freud, ao dar forma aos devaneios, o artista “louco” encontra o caminho de retorno a realidade, e compartilha com o outro sua visão de mundo ou mesmo as fantasias do seu inconsciente. Assim, ele modifica a realidade para obter nela, o que lhe fora negado por ela. A arte começa a sair de mundos restritos e passa a habitar os meios terapêuticos. O crítico Mário Pedrosa cria a concepção de “criação livre” que seria aquela que não segue padrões previamente estabelecidos, não segue tendências, provando que o inconsciente não é limitado no tempo e espaço, nem mesmo nas regras de conduta. As obras são, portanto, singulares e originais. Os trabalhos realizados nos ateliês de Nise e Almir começaram a perder o rótulo de arte dos loucos e ganharam visibilidade fora da psiquiatria. Muitas dessas obras, receberam por parte da crítica especializada o estatuto de “obra de arte”, e em 1952 foi fundado o Museu de Imagens do Inconsciente, no Engenho de Dentro, Rio de Janeiro.


e ficção

realidade

Nos seus momentos de loucura, Ingrid Jonker produzia o que defenderia em seus momentos de “normalidade”. Escrevia na parede o que não podia dizer e ninguém queria ouvir. Sul-africana, poetisa desde os seis anos, viveu na época do Apartheid - regime de segregação racial vigente de 1948 a 1994. Nasceu em 19 de setembro de 1933, na cidade do Cabo, onde vivia. Era rejeitada pelo pai. Ele, era membro do Partido Nacional do Parlamento, e um dos responsáveis pela manutenção do Apartheid. Censurava publicações, arte e entretenimento. Ela, lutava conta o governo segregacionista nos momentos de lucidez. Ingrid era uma artista branca, desobediente e maníaco-depressiva. Durante as crises, projetava o seu mundo interno, suas dores, seus traumas, através da poesia. Seus poemas tinham em sua maioria um carácter político e histórico, sem perder o lirismo. Por vezes o tema principal de suas obras era a infância perdida. Entretanto a genialidade e a loucura não poderiam conviver, e em 1961 foi internada numa clínica psiquiátrica. O tratamento que lhe foi dado: eletrochoque. O reconhecimento chega para o trabalho de Ingrid Jonker, quando Nelson Mandela lê seu poema “A Criança que foi Assassinada pelos Soldados de Nyanga”, no seu primeiro discurso como presidente da África do Sul. Mas nem sua produção que revelava conteúdos pessoais reprimidos foram suficientes para dar vazão a tudo que Ingrid sentia, e em julho de 1965, ela comete o suicídio, na praia de Three Anchor Bay, na cidade do Cabo. Ingrid é real, assim como Wander. Mas Ingrid é também uma personagem de cinema, é protagonista do filme Borboletas Negras, dirigido por Paula von der Oest. Ambos expressam para a sociedade, seja através de qualquer arte, a sua capacidade de ser sujeito da própria vida e de ter participação ativa em processos de construção coletiva. É como diz Machado de Assis: “a arte é o remédio e o melhor deles.”

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RELICÁRIO

#oreflexosoueu

Historicamente, o autorretrato tem sido entendido como uma representação de emoções, assim como todas as manifestações artísticas. Ghiberti, Carracci, Lippi Sassoferrato, Gentileschi, Murillo, Michelangelo, Rembrandt são alguns dos artistas que exploraram a própria identidade, pela arte plástica, ou até mesmo utilizando de sua própria imagem como Dürer, Van Gogh, Schiele e Kahlo.

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“No processo de seleção do reality as selfies ajudaram a mostrar minha personalidade. O programa só intensificou o meu lado selfie”.

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“Não tem momento ideal ou lugar específico para uma selfie, é estado de espírito, depende do meu astral. Quando viajo tiro muitas”.

A fotografia começou a ser popularizada como amadora pelas câmeras Kodak de George Eastman, em 1888, e seguiu cada vez mais acessível na sua era digital, que teve início nos

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Mais do que cliques Ao tocar no desenho de uma câmera em uma tela de, em média, 441 pixels por polegada dos nossos smartphones, estaríamos com a mesma necessidade de Daguerre? Em meio à cultura digital que ultrapassa as telas e toca as atuais formas de nos relacionar, os estudiosos desse nó que nos une em sociedade, a cultura, dividem opiniões. O pesquisador Bent Fausing, da Universidade de Copenhague ao escrever sobre a “Sociedade da tela” relaciona o fenômeno das selfies com a vontade dos seres humanos em controlar a forma como são vistos, ‘eu existo e eu controlo a forma como me vêem’. Já, Jenna Wortham, blogueira e colunista do New York Times, sugere que selfies correspondem a uma nova forma de representação e de comunicação entre pessoas através de imagens, uma maneira de marcar a nossa curta existência.

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O pintor e físico francês, Louis Jacques Daguerre, em 1839, fixou uma imagem obtida com uma câmara escura sobre uma placa metálica, pela diminuição do tempo de exposição. Com a invenção da fotografia, o autorretrato se transformava. Já nas primeiras cenas da fotografia, estavam autorretratos dos artistas Robert Cornelius e Jean-Gabriel Eynard. Com o desejo de externar seus sentimentos, encararam a câmera em um enquadramento frontal e construíram autorretratos, uma autocontemplação, uma auto-criação dos pintores que agora eram fotógrafos.

‘‘Gosto de foto que te faz ter vontade de estar naquele lugar, conhecer aquela pessoa ou experimentar aquela comida. Uma imagem vale mais que mil palavras”.

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Do autorretrato ao amadorismo do eu

Em 2004, a fotografia amadora difundiu-se na internet por sites como o Flickr, em que os perfis eram como álbuns. Hoje, com o sucesso do Iphone e a multiplicação dos smartphones, aplicativos como o Instagram invadem as redes sociais como o Facebook. 78% dos jovens e 29% das pessoas com mais de 65 anos já fizeram uma selfie, ainda segundo o instituto britânico Opinium, dessas 19 % fazem selfie no seu quarto. No youtube, por 1.615.960 milhão de vezes foi clicado o vídeo “How to take the perfect Selfie”.

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“Selfie”. O primeiro registro dessa palavra foi em 2002, em um fórum virtual da Austrália em que um participante descrevia uma foto e se desculpava pelo foco, pois se tratava de selfie. Ela designa fotografia que pessoas tiram de si mesmas com os smartphones. A popularização desses autorretratos fotográficos, divulgados em redes sociais, foi registrada pelo tradicional dicionário Oxford, que por meio de pesquisas de linguagem mostrou que em 2013 “selfie” aumentou sua frequência na língua inglesa em 17.000%, em comparação ao ano de 2012.

“Se arrependo apago, acontece de me cansar da foto depois de um tempo! Edito sim! Coloco cores mais vibrantes, tiro espinha, olheira, olhos vermelhos”.

“Daí a identificação. O ídolo tira uma selfie e o fã pode tirar também, não é foto de revista”.

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“Os fãs conseguem ter uma visão real da minha vida com essas fotos, eles ficam sabendo o que gosto de fazer, descobrem até as lojas que eu gosto para dar presentes”.

anos 90. Essa prática visual não deixou de ser arte. Quase dois séculos depois, a selfie é hoje a maneira que milhões de pessoas conectadas, utilizam a fotografia.

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O Papa Francisco, os pregadores da diocese de Piacenza, o ex-presidente dos EUA Bill Clinton, o fundador da Microsoft Bill Gates, o presidente dos Estados Unidos Barack Obama, os primeiros-ministros da Dinamarca e do Reino Unido, a apresentadora Sabrina Sato, e Flávia Armond dentista e ex-participante do reality show Fazenda de Verão têm algo em comum: uma selfie.

As aspas que percorrem essa matéria são falas da dentista e ex-participante da primeira edição do reality show Fazenda de Verão, Flávia Armond, na ultima selfie publicada em seu perfil do aplicativo Instagram com 6.382 seguidores, contabilizou 170 likes, acompanhados pelas hashtags #lookoftheday #dujour #sabado #saturday #lunch #instamoda #instafashion #fashion.


Texto: Aline Rosa de Sá Foto: Gerliani Mendes Edição Gráfica: Tuanny Ferreira

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Foto: Thamira Bastos Edição Gráfica: Gabriela Costa


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