Revista Curinga Ed. 13

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Revista Laborat贸rio | Jornalismo | UFOP

Dezembro | 2014 | Ano IV

13


Expediente Curinga é uma publicação da disciplina Laboratório Impresso II. Revista produzida pelos alunos do curso de Jornalismo da Ufop. Instituto de Ciências Sociais Aplicadas (ICSA). Departamento de Ciências Sociais, Jornalismo e Serviço Social (DECSO). Universidade Federal de Ouro Preto.

Professores Responsáveis Frederico Tavares - 11311/MG (Reportagem) Lucília Borges (Planejamento Visual) Marcelo Freire (Fotografia)

Redatores

Anna Antoun, Fernanda Marques, Iago Rezende, Janine Reis, Jéssica Moutinho, Joyce Mendes, Roberta Nunes, Teka Lindoso

Diagramadores

Ana Elisa Siqueira, Flávia Gobato, Hélen Cristina, Isadora Lira, Israel Marinho, Mylena Pereira, Tácito Chimato, Thaís Corrêa

Fotógrafos

Editora geral Daniella Andrade Subeditor Danilo Moreira Editor de Arte Túlio dos Anjos Subeditora de Arte Éllen Nogueira Editor de Fotografia Thiago Anselmo Subeditor de Fotografia Marllon Bento Editora de Multimídia Tamara Pinho

Aldo Damasceno, Ana Amélia Maciel, Bianca Cobra, Fernanda Belo, Lara Pechir, Sarah Gonçalves

Monitora: Tamires Duarte Agradecimentos especiais a Bárbara Monteiro, Endrica Fernandes, Ricardo Alves e a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) Endereço: Rua do Catete, 166 - Centro 35420-000, Mariana - MG Dezembro/2014


Terapia 8

Perfil 17

Ensaio 22

Cabelo 28

PolĂ­tica 32


Editorial A 13ª edição da Curinga dá espaço a diversas vozes. Para o antropólogo Roberto DaMatta, “o ‘brasil’ com o ‘b’ minúsculo é apenas um objeto sem vida, autoconsciência ou pulsação interior, pedaço de coisa que morre e não tem a menor condição de se reproduzir como sistema”. O Brasil com “B” maiúsculo é algo mais complexo: “É país, cultura, local geográfico, fronteira e território reconhecidos internacionalmente, e também casa, pedaço de chão calçado com o calor de nossos corpos, lar, memória e consciência de um lugar com o qual se tem uma ligação especial, única, totalmente sagrada”. A Curinga do arroz e feijão – ou seria do caviar e da coxinha? – traz a dor de uma vida escravizada e a paz de quem enxergou, no Brasil, um bom lugar para (re)começar. Sua identidade revela o que leva e compreende desse mundo. Do seu mundo. Um país de mais de dois séculos de escravidão, é hoje uma nação onde se vê engajamento político popular e a busca da legitimação democrática. Durante as eleições presidenciais de 2014, vimos um exército de eleitores em um dos pleitos mais acirrados desde a redemocratização. Uma polarização realmente fundamentada e legitimada? Ao deixar a política de lado (ou não), esta edição 13 traz a simbologia do número, associada ao que é benéfico ou de agouro. Em forma de crônica, busca a catalisação de realidades e de crenças. Na resistência por manter sua tradição, a comunidade indígena Maxakali estampa, no ensaio fotográfico, o reflexo da cultura do “branco” dentro da aldeia. Na entrevista com uma jornalista brasileira de nascimento e palestina de coração, tenta-se entender o conflito daquela região que, inicialmente parece tão distante, mas é cada vez mais próxima do nosso cotidiano. Entre a medicina auxiliada por animais, o suporte que a internet pode proporcionar em momentos difíceis e a resistência que o tipo de cabelo pode representar, transformações de vidas são presenças fortes desta edição. Seja na ressaca depois de uma derrota ou na gargalhada em frente ao computador, as mudanças são constantes e pedem passagem. As fotos das editorias exercem esse papel, o da expressão das diferenças e semelhanças que constituem nossas vidas. Talvez pelo fato de essa revista ser a décima-terceira, a desmistificação de temas e vivências é o norte dos textos, das artes e das fotografias. A Curinga, assim como a carta do baralho de mesmo nome, aparece para o leitor em um momento-chave, próxima ao fim de um jogo e começo de outro. Para o país como um todo, para o futuro, para cada um de nós. É hora da jogada de mestre. A revista deixa para você a opção do xeque. Xeque-mate? Daniella Andrade Daniilo Moreira

Cartas do Leitor Para comentar as matérias ou sugerir pautas para a nossa próxima edição, envie e-mail para: revistacuringa@icsa.ufop.br


EU NO MUNDO


Habitar

abcdefghijkl Humor na internet: Cha

Texto e Foto: Fernanda Marques Arte: Hélen Cristina

Desafios complicados e quase impos-

Fui lá ver meu orkut e fazia tanto tempo que não jogava Colheita Feliz que tem 4 famílias do MST morando no aplicativo.

síveis. O Challenge Accepted, traduzido como Desafio Aceito, é um meme que aparece quando um desafio é imposto na internet. Ilustrado como um boneco com os braços cruzados e uma expressão facial presunçosa, a piada foi inspirada no personagem Barney Stinson, da série americana How I Meet Your Mother. O meme se tornou um grande viral na internet e atinge milhares de pessoas em instantes, servindo de inspiração para a origem de piadas online. Entre as grandes e genuínas criações do mundo digital, o meme é uma ideia ou conceito que se difunde por meio da web rapidamente. Podendo assumir as formas de hiperlink, vídeo, imagem, website, hashtag, ou mesmo uma palavra ou frase, o uso do humor nas redes tem crescido, tornando-se fonte de inspiração e trabalho para alguns. O aumento de sites e blogs na internet, canais, coletivos, páginas e perfis de humor nas grandes redes sociais como Facebook, Youtube e Twitter têm sido acompanhados e repercutidos pelos internautas. O surgimento de uma nova geração de humoristas se dá pela facilidade de divulgação e compartilhamento de material online. “A facilidade de colocar um conteúdo na internet é o que mais chama atenção hoje em dia. Não é preciso pagar para ter perfis ou criar portais de humor”, analisa Mariana Matoso, especialista em mídias sociais. Matoso conta que as ações de humor na internet são estimuladas pelos interesses dos cibernautas: “É complicado prever o que vai chamar mais a atenção, mas o que mais rende são assuntos do momento. A instantaneidade é imprescindível na construção do humor”.

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lm89oprstuv0 llenge Accepted A rede social mais acessada no mundo, o Facebook, tem mais de 1,2 bilhão de usuários ativos, tornando-se indispensável no mundo das mídias sociais. Foi nela que Henrique Lopes viu a chance de se expressar e se desenvolver como profissional. Morador de São Paulo, o estudante de publicidade tem 19 anos e ficou famoso na web quando criou a página Gina Indelicada. O perfil traz a personagem da marca de palitos Gina, e, uma semana após seu lançamento, já contava com um milhão de seguidores. Como personagem, Henrique transforma o mau humor em memes, respondendo a perguntas enviadas por internautas de forma grosseira. O estudante explica que já teve outras páginas na rede social: “Comecei com o perfil da Dona Marlene, uma empregada doméstica mais velha. Escrevi ‘sou pobre, mas sou feliz e vivo sorrindo, graças a Deus’. Mas senti que o pessoal queria participar também, aí vim com a ideia da Gina”. “É preciso saber equilibrar o humor entre fazer as pessoas rirem e não ofender ninguém na construção da piada”, afirma Leandro Santos, dono do blog Bebida Liberada. O criador também é dono do perfil no Twitter @mussumalive e explica que o fato de não ter um chefe e não precisar de aprovação para o conteúdo que será publicado são falsas impressões. Santos era técnico mecânico e estudava engenharia, mas largou tudo para viver de internet. Leandro conta que a maior fonte de renda é o investimento de patrocínios, posts publieditoriais e ações online, no caso dele, marcas de bebida. “É um emprego que requer muita dedicação, mas o resultado é recompensado”, disse.

Criação 100 limites O jornalista Eduardo Guimarães passa mais de 12 horas do seu dia na frente do computador. Para ele, a novidade é o que influencia se o humor vai dar certo ou não. “Tudo que é novo causa um certo frisson entre os jovens. Então o Twitter e o Youtube vieram com essa pegada da novidade, não era algo normal até 2009 e 2010”. Dudu, como é chamado na internet, tem um perfil de grande sucesso no Twitter, o @ poxaduduh. Ele acredita que online a graça é como uma válvula de escape do que é repercutido nas outras mídias e o sucesso está relacionado com a falta de pudor no que é falado. “É diferente do conteúdo tradicional e limpo da televisão”, completou. “A liberdade para criação é a maior dessemelhança entre o humor que circula na mídia em geral e o humor que é produzido e compartilhado na web”, explica a publicitária e doutoranda em Comunicação e Informação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Camila Cornutti. Camila têm investigado objetos como o blog Te dou um Dado, do portal R7, e analisado os efeitos do humor na internet. Ela acredita que, além da autonomia no processo de criação, na internet existe uma energização do riso com muito mais potencialidade: “a velocidade do meio é o que dá cor a esse processo. Foi o caso das eleições deste ano. Ao mesmo tempo em que assistíamos aos debates na televisão, com as nossas segundas telas (smartphones, tablets e computadores) já criávamos piadas, repercutíamos alguma graça vista no perfil de um amigo, ríamos junto com a nossa própria rede”, explica. A pesquisadora acrescenta que as características de velocidade criativa que o riso requer para a agilidade de apropriação e remediação, como no caso das montagens, dos memes e remixes, combinam perfeitamente com a agilidade de publicação, compartilhamento e repercussão nas redes. “Isso contribui para essa eletrização cada vez mais soberana do humor no ciberespaço”, completa.

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Sensação

Terapia da Amizade

A interação com animais torna-se um diferencial no tratamento de doenças físicas e mentais “Quando ele chegou para a Equoterapia, apresentava uma debilitação grande, com muitas dificuldades motoras nos membros inferiores e superiores. Hoje anda, frequenta a escola e leva uma vida quase normal”. José Manoel se emociona ao lembrar a trajetória de seu filho Matheus Fernandes de 8 anos, diagnosticado com Paralisia Cerebral. Beneficiado com o tratamento da Terapia Assistida por Animais (AAT) há três anos, Matheus frequenta sessões na Associação de Equoterapia Educacional Texas Ranch em Itapecerica da Serra, São Paulo. AAT é um método auxiliar que atua em conjunto com outros tratamentos em prol da evolução de quadros de problemas comportamentais, doenças motoras e em casos de deficiência mental. Seu diferencial consiste em explorar as habilidades de interação entre humanos e animais para potencializar estímulos através do convívio entre ambos. Crianças, adolescentes e idosos são os que mais notam evoluções na aproximação com os bichinhos em benefícios à saúde. A coordenadora da Associação, Elizabeth Melani diz que o tratamento faz com que o sistema nervoso central receba informações das emoções vivenciadas nas experiências durante a terapia, como oferecer comida ao cavalo, e também por meio dos movimentos trabalhados na escovação do pêlo, com temperaturas quentes. “Este ambiente aquecido remete ao útero materno sem ter consciência nítida, mas promove estímulos agradáveis e ao mesmo tempo tendo ganhos motores com os movimentos, bem como alcance psíquicos e superação de seus medos”, afirma. De acordo com a coordenadora, as sessões são divididas em dois períodos. Na primeira parte, o destaque se dá pelo momento de interação com o animal e neste período são trabalhadas a aproximação e a vivência com os cavalos. “A partir da primeira sessão, o paciente adquire auto confiança e independência, sendo o ponto alto dedicando entre os dois parceiros carinho e atenção”. Após essa etapa, inicia-se a segunda parte com sessões montando sobre o cavalo. Estas sessões duram cerca de 30 minutos e acontecem dentro ou fora do picadeiro. Nesta etapa, os objetivos e metas traçados são de acordo com a deficiência de cada um, para obter melhores resultados sejam eles motores (mobilidade reduzida), psíquicos (afetividade, timidez, déficit de atenção) ou psicopedagogos (deficiência de aprendizagem), buscando o desenvolvimento biopsicossocial de cada individuo.


Animais em tratamentos terapêuticos

Afinidade para garantir êxito

Os métodos zooterapêuticos começaram a ser estudados no final do século XIX, na Bélgica, quando médicos notaram que pacientes com alguma insuficiência mental socializavam melhor quando conviviam com animais. Estudos também foram realizados na Inglaterra, com idosos de asilos e nos EUA com pacientes com comprometimento físico e mental. No Brasil, na década de 1950, a professora, psiquiatra e psicoterapeuta, Nise da Silveira, começou a utilizar a zooterapia como alternativa para o tratamento de pacientes esquizofrênicos, realizados até então através de choques. A fonoaudióloga Keila Tomazeli, mestranda em Educação Inclusiva pela McGill University, no Canadá, ressalta a importância de lembrar que a terapia assistida por animais segue um plano de tratamento traçado por profissionais, como por exemplo: Terapeuta Ocupacional, Fisioterapeuta, Psicólogo, Biólogo, Veterinário, Fonoaudiólogo, Pedagogo e Psiquiatra. De acordo com a fonoaudióloga, um dos primeiros estudos sobre a técnica AAT foi publicado em Nova Iorque nos anos 80 e descobriu que pacientes com ataque cardíaco, donos de animais domésticos, viveram mais tempo do aqueles que não possuíam. Mais recentemente, estudos têm se concentrado no fato de a interação com animais estar relacionada ao aumento do nível de ocitocina no organismo humano. Keila diz que a ocitocina pode ter benefícios para a saúde humana a longo prazo, pois “aumenta a capacidade do corpo para gerar novas células e estar em prontidão para curar. Este hormônio nos possibilita ser mais saudáveis, além de ajudar a nos sentirmos felizes e confiantes. Pode ser considerado uma das razões pelas quais os seres humanos criam vínculo afetivo com os seus animais ao longo do tempo”, ressalta.

A harmonia entre o paciente e o animal é um dos principais critérios a serem considerados. A estudante de Medicina Veterinária da Universidade Estadual do Maranhão, Jéssica Vanessa diz que o tipo de animal escolhido depende dos objetivos terapêuticos e do plano de tratamento de um enfermo, além de levar em consideração limitações como medo e alergias. O treinamento dos animais adestra para uma postura tranquila e amigável, “no geral o animal deve ser paciente e aceitar manipulações sem reagir de forma agressiva ou defensiva”, afirma. De acordo com a estudante, os animais mais comuns usados nesta prática são cães e cavalos, devido ao comportamento mais dócil, “mas também é possível utilizar gatos, peixes, coelhos e até animais exóticos como golfinhos. Com cães, as raças mais indicadas são justamente as com temperamento mais sociável, como Labrador, Golder Retriever, Bernese Montain Dog”, relata. As relações com os animais são mais antigas do que podemos datar. Há relatos de observações sobre o comportamento dos bichos desde os tempos da préhistória nas pinturas das cavernas. Desde então, o auxílio dos animais nos acompanha nos processos evolutivos proporcionando alimento, transporte, vestimenta e proteção. Conforme o grau de interação evoluiu, com moldes mais complexos e pessoais, os animais ganharam espaço e hoje o relacionamento entre nós é amigável e estável. Os laços estão tão intensos que evoluiram como alternativa para tratamentos médicos. Deste modo, nossa ligação tende a durar por muito tempo.

Texto: Teka Lindoso Foto: Bianca Cobra Arte: Tácito Chimato

Principais benefícios no tratamento alternativo com os animais:

!

Melhora o sistema imunológico.

Facilita o processo de leitura, memorização e concentração.

Estimulo à interação social.

Melhora as capacidades motora, cognitiva e sensorial.

# Diminui o nível de estresse.

Nos autistas, proporciona melhora na capacidade de comunicação e na sensibilidade e interação.

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A aventura está lá fora Fenômeno de couchsurfing reinventa a maneira de viajar

Todos nós somos um pouco viramundos, ou pelo menos trazemos no íntimo uma irrealizada vocação de peregrinos, mas o que nos faz largar um pouso é a procura de outro pouso. Texto: Iago rezende Foto: Fernanda Belo Arte: Mylena Pereira

Fernando Sabino


O mundo, de tão pequeno, não comporta tantos sonhos. No cansaço e no descanso eles assumem formas. É aí que voam, nadam, correm e dormem; para então voltar a sonhar e comer diversas vontades não cumpridas. Cada voo, nado ou corrida é importante, sabiamente iguais ao dormir. Por séculos fala-se da peregrinação. Do latim, a palavra quer dizer per agros, ou seja, pelos campos. Os registros das primeiras viagens por lazer são creditados aos gregos, que se dedicavam às movimentações urbanas e suas diásporas, que é o deslocamento de um grande número de pessoas para um lugar de acolhimento. Na união de religião e desportos, a cidade de Olímpia recebia milhares de gregos a cada quatro anos, numa prática realizada até hoje. A atividade, perpetuada pelos romanos, era comummente realizada pelos nobres frequentadores das águas termais, além da constante visita à teatros e viagens corriqueiras à praia. Os cristãos, que deram nome à peregrinação há oito séculos, a descrevia como uma longa e tortuosa jornada realizada por pessoas que buscavam a santidade. As viagens à Roma ou à Terra Santa tinham como motivo principal o encontro com a fé. A rota era, por sua vez, o preço a pagar pelos pecados mundanos ou por tantos erros triviais. O que se descobriu é que, depois de tantos caminhos irreversíveis, a prova de fé não foi encontrada nas terras santas. A real conquista é encontrada nas paradas, também nas idas e nos tropeços. O caminho pode ser mais santo que as terras. A importância da estrada é mais clara para o viajante, que se diferencia do simples turista. De acordo com a turismóloga Isabela Vieira, “o turista é motivado pelo lazer, deseja sair de sua rotina mas não quer encarar a realidade como ela é. Já o viajante não leva muito dinheiro e procura fazer sua viagem da maneira mais simples possível. Isso o aproxima com os locais e acaba causando um intercâmbio cultural muito maior”. As pessoas procuram, cada vez mais, a fuga da rotina. O processo histórico que antecede a viagem é mais uma bagagem para a necessidade de conhecer o desconhecido. “O viajante abre mão do conforto, do prazer, do meio social e da rotina buscando respostas. É um processo que se dá através de uma viagem interna e externa”, ressalta.

Hoje, as rotas nacionais inspiram também diversos peregrinos, que veem no caminho a valorização de seus trajetos. Alexsander Olsson, viciado na mudança, nasceu na Suécia e sempre soube que não morreria lá. Ainda novo, conheceu um programa de intercâmbio para o ensino de inglês na Tailândia, onde decidiu se aventurar no Oriente e aprendeu o que é ser turista. Em sua definição original, turista é um viajante que sai de onde mora por própria vontade e passa 24 horas ou mais em algum outro lugar sem motivações financeiras. Para mais de um dia, Alex está há mais de sete anos na estrada. Seu vício na mudança e na viramundice fez com que ele nunca mais parasse. Depois da Tailândia foi para Burma, Nepal, Índia e outros 21 países europeus e asiáticos em menos de um ano. Como os antigos europeus, veio para a América Latina em busca do El Dorado. Morou na capital colombiana, Bogotá, e com uma mochila nas costas, colocou suas botas de chuva para conhecer o sul, ou o nosso norte.

Depois da Colômbia, Alex viajou até o Amazonas, cruzou o norte e nordeste brasileiro e ainda passou pelo Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Ouro Preto, Mariana e São Paulo até chegar nas Cataratas do Iguaçu, onde cruzou mais uma borda e hoje visita o Paraguai. A sua mochila contém algumas poucas roupas, um computador e uma câmera potente: o necessário para uma viagem na qual a principal bagagem é abstrata. Em suas andanças, Alex coleciona memórias surpreendentes: sobreviveu a um acidente de motocicleta na Tailândia, ficou por alguns dias desabrigado e sem dinheiro no Japão; viajou pelo deserto do Camboja; nadou com tubarões e tartarugas na Malásia, foi perseguido por uma tribo de crianças em Phonsavan, no Laos e frequentou as festas de repúblicas em Ouro Preto.

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Apesar do senso comum, viajar pode não ser tão caro quanto parece. Desde quando começou sua viagem, Alex não gastou muito. Ao pegar caronas nas estradas, geralmente fazia amizades que o diziam onde ir e o que fazer nos países em que chegava: assim, também aprendeu inglês, tailandês, espanhol e o “portunhol”. A alternativa para economizar na hospedagem lhe foi apresentada quando conheceu o CouchSurfing, uma serviço de hospitalidade gratuita para viajantes que promove o intercâmbio cultural e a troca de informações.

Surfar em diversos sofás O sistema do CouchSurfing foi desenvolvido em 2004 como um pequeno projeto por quatro viajantes – Casey Fenton, Daniel Hoffer, Sebastian Le Tuan e Leonardo Bassani da Silveira-. Os estudantes moravam na Islândia e um e-mail entre eles gerou a ideia de compartilhar a casa com estranhos, ou como preferem dizer, amigos que você ainda não conheceu. A organização é hoje uma comunidade global de nove milhões de pessoas cadastradas em mais de 120 mil cida-

des do mundo. Para participar dessa rede é necessário criar um perfil no site dando detalhes sobre o histórico, atividades preferidas e se está apto a receber viajantes. Depois, a localização do usuário permite o contato entre couchsurfers de uma mesma região. Surfar no mundo é possível através do pedido de abrigo na casa de outras pessoas que utilizam a plataforma. Depois da hospedagem, tanto o anfitrião quanto o hóspede escreve uma referencia sobre o outro, fortalecendo a segurança e responsabilidade do site. Alex conheceu o programa quando viajava no Qatar e já recebeu pessoas de 47 países diferentes e ‘surfou’ em mais de 32 nações. Com isso, ele conta com quase 300 referências em seu perfil. Para ele, “o surto de solidão que se acomete após sair cedo de casa foi apagado quando se descobre quantas pessoas no mundo são boas, estão se divertindo e pensando no bem onde quer que esteja”. Talvez seja esse o significado da vida peregrina: amadurecer e recriar-se. A habilidade de viajar representa múltiplos partos. Sair de casa é sair de si, construir histórias novas em cada lugar e se descobrir. O homem é contaminado pelo wanderlust, desejo irrealizável de viajar e explorar o mundo lá fora.


Habitar

Rede de afeto

A história já provou o quanto as palavras escritas em um diário são registros importantes. Foi assim, por meio de um pequeno caderno encapado com tecido xadrez vermelho e verde, que Anne Frank conseguiu transmitir ao mundo o que lhe era tão íntimo e que acabou se tornando um dos maiores diários da história. Seu desejo era escrever sobre tudo o que achava nunca poder contar a ninguém, e ser uma grande fonte de conforto e apoio para si mesma. 69 anos após a morte da judia de origem alemã, relatar a dor deixou de ser algo secreto, mas não menos terapêutico. Texto: Janine Reis Foto: Aldo Damasceno Arte: Tácito Chimato

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Habitar

Ao longo dos tempos, a maneira de contar segredos e fazer diário se popularizou e nos anos 2000 eles foram parar na rede de todas as redes, a internet. Com isso, “o diário palpável se tornou um diário de rede, assumindo o formato de blog, que ainda é muito usado no Brasil”, afirma a pesquisadora Claudia Quadros. No ano em que o Facebook comemora 10 anos de existência, o criador da rede, Mark Zuckerberg, projeta nesta plataforma a possibilidade de ampliar ainda mais os caminhos da comunicação. O aprimoramento das formas de compartilhamento das experiências surgem a cada inovação da rede. Hoje em dia, já podemos contar como nos sentimos, o que estamos assistindo, o livro que estamos lendo, para onde estamos viajando, qual a música estamos ouvindo, entre outras tantas possibilidades de interações. De acordo com pesquisa realizada por neurocientistas da Universidade de Harvard em 2010, comparti-

lhar nossos pensamentos é uma forma de nos satisfazer assim como as sensações produzidas pelo dinheiro e por comida. Os pesquisadores afirmam que aproximadamente 80% das postagens publicadas nas redes sociais narram experiências pessoais. Os efeitos dessas interações provocadas pelo Facebook ainda não são muito claras. Segundo o psicólogo capixaba Wildson Sartori, “existe uma dificuldade em analisar as relações interpessoais mediadas pelas redes. Não dá para categorizá-las como melhores ou piores”. Mas o psicólogo afirma que algumas características destas interações podem ser destacadas pelo fato delas produzirem um senso de coletividade e pertencimento na internet. “Ao ver as publicações de amigos e conhecidos, sobre temas de seu interesse, os sujeitos tendem a se sentir parte de um todo ao perceber que outras pessoas também possuem vivências similares às suas”, completa.

Laços compartilhados Diagnosticada com câncer de mama em outubro de 2012, a ex-modelo Flávia Flores, é conhecida no Brasil como uma das pioneiras em usar o recurso da página do Facebook no formato de diário. Ela criou a página “Quimioterapia e Beleza” que, de acordo com ela, era apenas um projeto com o intuito de quebrar o gelo com seus amigos que não sabiam lidar com a descoberta da doença. Entretanto, a iniciativa acabou se tornando referência para mulheres que enfrentam o diagnóstico e o tratamento de diversos tipos de câncer. “Quimioterapia é punk. Quero compartilhar dicas de beleza, receitas, truques, makes e cosméticos para passar essa barra com estilo e sem tristeza, né?” é a descrição da página da ex-modelo. Atualmente somando mais de 82 mil curtidas, o espaço conta com dicas de amarrações de lenços, alimentação para evitar perda de peso e conselhos sobre como superar alguns efeitos colaterais da quimioterapia. Flávia, que hoje está curada, também aproveita a sua página para narrar histórias de outras mulheres que estão enfrentando ou já superaram a luta contra o câncer com autoestima e usando a vaidade como forte medicamento para seguir em frente com o tratamento. O psicólogo Wildson ressalta que este tipo de interação proporciona um estreitamento de laços afetivos entre usuários que muitas vezes não se conhecem. “É

uma reação em cadeia na qual uma pessoa curte um compartilhamento de um amigo por se identificar com o conteúdo e acaba se aproximando daquele que postou pela primeira vez”. Seguindo esse fluxo, novas curtidas são trocadas todos os dias e os leitores se tornam cúmplices das histórias narradas. Entre relatos de alegrias, frustrações, medos, relações interpessoais e lembranças, um post curtido possui um significado que vai muito além de um clique. “Há pessoas que transformam uma dor individual numa solução coletiva”, destaca o jornalista Gilberto Dimenstein, no prefácio do livro que conta a trajetória de Flávia Flores. De acordo com estudo sobre a conversação nas redes sociais, feito em 2014 pela pesquisadora Raquel Recuero, o ato de curtir uma postagem é entendido como uma forma de dar apoio e visibilidade a uma determinada publicação. As curtidas legitimam a narrativa proposta por seu autor e, em 32% das respostas captadas, elas podem ser entendidas como uma forma do leitor agradecer pela informação que ele considera relevante. Assim, compartilhar uma dificuldade, seja em segredo ou de forma pública, é uma atitude corajosa. Narrar a vida para si e para o outro pode não atenuar o destino, mas conforta as angústias diárias, estejam elas impressas ou escritas em plataformas virtuais.


Status

Foto

Check In

Revista Curinga Agora mesmo

Alice, um caso de amor Esta não é a história da Alice de Lewis Carrol, mas poderia ser. É uma história de sonhos, do lugar fantástico (sem ilusões) criado depois do nascimento da pequena Alice Rosa, compartilhado com outras tantas pessoas e que hoje habita o coração da sua mãe, a jornalista mineira Mariana Rosa. A Alice dos cabelos cacheados nasceu prematura, sofre de paralisia cerebral e da síndrome de West, uma forma rara de epilepsia que se inicia na infância. “Diário da Mãe da Alice” é uma página do Facebook criada pela Mariana, nove meses após o nascimento da sua filha, e que foi feita com o simples propósito de narrar a história de amor vivida por elas. Como a personagem do país das maravilhas, os relatos sobre as aventuras de Alice e sua contagiante vontade de descobrir o mundo e a si

mesma, conectam-se com as várias outras histórias de mães e filhos, que não só curtem o diário escrito por Mariana na rede, mas que também compartilham suas dificuldades e conquistas, desabafam e narram suas alegrias. E foi assim, através dos relatos sobre a filha, divididos na rede, que “Diário da Mãe da Alice” soma hoje mais de duas mil curtidas e ainda ganha espaço no mundo real. Graças à sua página, Mariana conseguiu unir um grupo de mães e pais de crianças com histórias distintas, pessoas que ela chama de “escutadores” por juntos partilharem coragem e ouvirem uns aos outros com respeito. A autora do diário afirma em sua postagem sobre o terceiro encontro do grupo que essa é uma possibilidade de conhecer, reconhecer e validar uns nos outros a confiança das relações humanas.

Diário da Mãe da Alice Blog Pessoal 2340 curtidas 777 pessoas falando disso

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Alternativa Opinião

Pra ver a banda passar

A imperatriz das marchas que trans-

Texto: Iago Rezende Foto: Lara Pechir Arte: Mylena Pereira

bordam as ruas marianenses tem nome republicano. A Sociedade Musical União XV de Novembro, já senhora, conta com 113 anos de histórias, pecursos, e notas musicais. A potência sonora da banda faz com que os moradores carinhosamente a apelidem de “A Furiosa”. E de som e fúria, os sentidos se fazem presentes na comemoração que data a Proclamação da República do Brasil. A sociedade musical nasceu em Mariana no ano de 1901. Às luzes das mudanças políticas causadas pela Proclamação da República, o novo Estado empenhava-se na prosperidade do positivismo e diversos instrumentos de comunicação e cultura surgiram para transmitir as palavras dos novos tempos. A banda, que surgiu com o intuito de fazer propagandas republicanas, foi duramente criticada pelos monarquistas que ainda lutavam pelo retrocesso. Poucos músicos, liderados pelo Dr. Gomes Freire de Andrade, ecoaram suas primeiras notas, de ideologias sustenidas. Hoje, o toque já não luta mais por partidos, mas pela união da cidade e pela preservação do patrimônio sonoro ouvido das tantas sacadas barrocas. Desde seus primórdios, a banda possui a responsabilidade de ser a voz de Mariana. A cidade, que ouve seus tons, também os produz. A linhagem dos que performam a memória é de longa data: no dia 27 de abril de 1968, a cidade elegia um novo presidente da banda. Amadeu da Silva tinha a ambição de tornar a sociedade musical um marco na his-

tória das tradições locais. Hoje ele ganhou o prestígio que o se antecede com um pronome de tratamento. Seu Amadeu se despede dos anos melódicos com orgulho e consciência do dever cumprido. “Hoje eu entrego o cargo de presidente da banda mas vou continuar ao lado do meu grupo até morrer. Me sinto bem com tudo isso, que só me dá força pra poder continuar”, completava no ensaio das programações de seu último sábado na presidência. Nas raízes da banda, repetem-se os sobrenomes. Vítor e Mateus, ambos com seis anos, co-exercem a função de maestro. As crianças ajudam a controlar, reger e refinar os sons com uma baqueta, herdada do avô, que como um velho mago se despede da magia. De acordo com a mãe dos aprendizes, Renata da Silva, “a música segue a vida dos meus filhos desde a gestação. O pai entrou na banda com 12 anos, por influência do avô dos garotos, que é o maestro aqui”. Além do aprendizado musical, a mãe se alegra com os resultados obtidos pelo esforço e dedicação dos pequenos. “Eles tem aula de música, que dá uma disciplina incrível, e também a concentração melhorou muito já que aprenderam a ensaiar, acompanhar os toques e ler partituras”, completa. Ecoam os sons das percussões e dos sopros. Remanesceram do fim de semana e atingiram as casas fechadas, que retribuíram com janelas e sorrisos escancarados. Pela crença na voz e na capacidade de se fazer ouvida, a Sociedade Musical XV de Novembro ainda cumpre o que promete: cantar coisas de amor para todos nós, os à toas na vida.


Identidade

Homem diamante Escravizado aos 12 anos, este congolês chegou ao Brasil clandestinamente e se lapida percorrendo o país

De sorriso marcante e olhos que ora têm um brilho intenso, ora são pesados e tristes. Andrews Kyossi, 25 anos, nasceu na tribo Glyoumu-Digianze,Congo, África, mas hoje sua casa é uma rede em uma área de camping de uma pousada no Brasil. Escravizado aos 12 anos de idade, carrega as marcas de um povo que é afetado por conflitos históricos. A lembrança do dia em que invadiram sua aldeia nunca saiu da mente. Lá ele vivia com mais 17 famílias, nômades de etnia zulu, com cerca de 30 a 45 membros cada uma. O lugar era preservado sem contato com pessoas de fora. Utilizavam pinturas corporais e alimentavam-se das caças e do que a terra produzia. Acostumados desde cedo com o perigo de invasões, eram preparados para se defender de rebeldes, milícias e mercenários. Sua função na tribo era a de encontrar lugares seguros, caçar animais, descobrir rotas de fugas e proteger o espaço. Aprendeu desde pequeno o trabalho de rastreador, mas não foi possível competir com as armas pesadas dos adversários. Invasões como essa são comuns em aldeias no centro-oeste da África, uma vez que o continente africano tem mais de 250 diferentes etnias. Por ter um solo rico em recursos minerais, as disputas por matériaprimas são intensas devido a competitividade por poder. Naquele dia, quem passou por ali foram mercenários a serviço de árabes. Esses homens são pagos para conferir lucros a seus patrões não importando quais as circunstâncias de sua profissão. Eles colocam na maioria das vezes a ambição acima do valor de centenas de vidas.

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Durante o combate, as marcas foram irreversíveis. Alguns integrantes da tribo morreram. Mulheres foram abusadas sexualmente e a aldeia foi saqueada. O objetivo dos agressores era levar escravos de guerra à Serra Leoa. Nesse dia, Andrews ficou ferido com dois tiros, um no pé e outro na perna. Mesmo assim foi carregado pelos mercenários e, ainda, percorreu vários países como Quênia, Etiópia, Namíbia e Somália, lugares onde o grupo buscava mais presos e arsenais de armas. Com os olhos cabisbaixos e úmidos, ele descreve os momentos em que esteve preso. “Eu já não dormia mais. Já era tanto terror em minha frente que quase tive um surto. Não havia muito o que fazer, apenas viver como eles queriam”. Ao anoitecer eles se dividiam em oitos compartimentos, local chamado por ele como “jaula”. O trabalho começava às 6h, quando os escravos de guerra eram acordados com água fria e xingamentos. Na rotina diária essas pessoas tinham que cavar cerca de 16 horas por dia, utilizando um instrumento parecido com uma picareta, até encontrar pedras preciosas. Andrews torcia para não descobrir nada, pois cada achado era seguido de agressões. “Íamos dormir com nosso corpo ardendo de cansaço e acordávamos querendo a morte todos os dias. Foram tempos que nunca vou esquecer”, diz. Após três anos presos, as aproximadamente 300 indivíduos de diferentes etnias se uniram para planejar uma fuga. Houve o confronto e pessoas dos dois lados foram mortas naquele dia.


Travessia Nos seus desafios diários, ele declara que “ter paz muitas vezes era guerrear pela própria paz”. Após um mês de caminhada na tentativa de fugir, Andrews seguia pelas montanhas, próximo a Katanga, quando os mercenários o encontraram e atiraram em sua cabeça. Um senhor, que tinha um crucifixo no pescoço, socorreu o jovem e o levou para sua casa. Durante três meses, recebeu assistência e começou a ser cristianizado. Após se recuperar, foi levado até as proximidades da aldeia por esse bondoso homem. Ao chegar ao seu lar novamente, aquele que saiu adolescente já estava com 19 anos. Por conhecer novas maneiras de viver, não era mais o mesmo. “Eu já estava vendo pessoas de novo entrando na nossa aldeia pra fazer maldade e em uma dessas eu podia ver meu pai morrer, ou eu mesmo morrer”, comenta o jovem sobre o receio desse ciclo. A falta de perspectiva era grande, pois em sua casa era considerado uma aberração. A tribo tinha a prática do infanticídio, onde as crianças que nasciam com alguma deficiência eram mortas. Ele era infértil e seu pai não o matou, pois quando descobriram o menino já estava crescido. Com o sentimento de ser a ”ovelha negra”da família,

pelos traumas da escravidão e por saber que existia muito mais fora dali, ficou apenas dois anos em casa. Era como se Andrews não coubesse mais naquele lugar e por isso decidiu ir embora a procura de coisas novas. Angustiado e sem saber o que iria acontecer, percorreu uma longa caminhada até chegar a Cambombo, na Angola. Na jornada encontrou doze congolenses que também queriam ter novas experiências. Decidiram tentar entrar ilegalmente em um navio que estava atracado. Levaram com eles apenas uma pele de animal recheada de mantimentos e as armas artesanais. Sem saber o destino, conseguiram entrar. Durante esse tempo, Andrews viu seus colegas morrendo num espaço apertado no compartimento da âncora, onde se esconderam por 65 dias. Quando achou que morreria de fome, se lembrou da orientação do senhor do Gabão que, religioso, disse para ele pedir para Jesus ajudá-lo. Sem saber em qual língua falaria com esse Jesus, pediu no idioma nativo para que ele não o deixasse morrer ali. Se a intervenção foi divina ou não, o fio de esperança funcionou. Passaram-se alguns dias até que foi possível ouvir o barulho da âncora atracando no porto de Santos, interior de São Paulo.

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Novo olhar A primeira impressão que Andrews teve foi que aquela “cidade grande” estava pegando fogo, devido a iluminação noturna. Ao contar como foi a saída do navio, encena os movimentos que precisou fazer com o braço para nadar, como se revivesse aquele momento. O congolês chegou ao porto com 35 kg a menos. Foi socorrido por um senhor, com um crucifixo no pescoço, que estava caminhando por ali. Esse homem os acolheu e foi explicando sobre o país para os rapazes. “Vocês precisam falar como eles, andar como eles, pensar como eles”, dizia o quase mentor. Nas primeiras saídas tudo os assustava, pois era um novo mundo sendo jogado de uma vez sobre os recém chegados. Para se comunicar, Andrews começou a aprender o português, mas já sabia inglês, francês e falava mais seis etnias africanas. Nesse período eles começaram a usar roupas, tiveram contato com dinheiro e continuaram a ter choques culturais, por exem-

plo, ao ver uma televisão (e quebrá-la para salvar as pessoas que estavam dentro dela), ver um aparelho telefônico (e achar que as pessoas falavam sozinhas). Depois da fase de adaptação, o rapaz foi a São Paulo com o objetivo de encontrar o Centro de Acolhida aos Refugiados (Cátiras). Ao chegar, solicitou o pedido de refúgio, porém foi negado em todas as tentativas. Desistiu da legalidade no país e seguiu seu caminho sozinho, já que os amigos ficaram por cidades que se identificaram. Nesse percurso pelo Brasil, o congolês mostrou suas habilidades ao percorrer mais de 100 cidades e 15 estados do Brasil. Para sobreviver, oferecia seus serviços em troca de comida, dinheiro e/ou lugar para dormir. Com a disposição em aprender, desempenhou ofícios como o de cabeleireiro, recepcionista, auxiliar de construção, garçom, chefe de cozinha, auxiliar de limpeza, entre tantos outros que foram necessários.

Por onde passa, conta os seus contos e desperta a curiosidade e sensibilidade das pessoas. Nessas andanças, guarda para a vida o conceito aprendido sobre a lapidação. O diamante, por exemplo, não tem brilho intenso até passar por esse processo que utiliza o atrito e a pressão. Andrews saiu da aldeia como uma pedra bruta. Desde então, vem sendo lapidado pelas situações mais adversas que revelam o valor e intensidade de seu olhar. Apesar disso, no Brasil ele não existe. Sem documentos que comprovem quem ele é, a única coisa que se tem são os depoimentos dele e de quem o conheceu por suas idas e vindas.

Texto e Foto: Roberta Nunes Arte: Hélen Cristina


travessia


Contrastes Maxakali


Texto e Foto: Sarah Gonçalves Arte: Isadora Lira

No limite de dois estados, entre os Vales do Jequitinhonha e Mucuri, a tradicão indígena e a cultura do“branco” são fronteira para um povo. CURINGA | EDIÇÃO 13

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Chão de terra batida, casas de barro com telhados de palha. De um lado, algumas crianças brincando e pescando no rio. Do outro, mulheres debaixo da barraca fazendo artesanatos e os homens trabalhando no campo. É nesse local que vive a comunidade Maxakali. Autointitulados tikmu’um (nós), atualmente a etnia vive em quatro reservas indígenas no Vale do Mucuri e Jequitinhonha no noroeste de Minas Gerais. Os moradores da comunidade levam o sobrenome Maxakali e o nome de alguma pessoa querida que eles conheceram fora da aldeia. Os homens, por respeito, só mantêm contato visual com mulheres da família, já as mulheres trazem no semblante a timidez e evitam ao máximo dialogar com quem vem de fora. Ali, diferente dos outros lugares, meninos e meninas casam por volta dos quinze anos e se tornam pais na flor da juventude. Um povo com a pele queimada de sol e de cabelos lisos e negros, carrega no rosto as fortes marcas da luta do passado e presente. O índio maxakali dispensa a caricatura romântica dos livros do século XVII, ser índio está além de um figura estereotipada com plumas e pinturas, o ser está ligado a forma de viver. A aldeia é marcada por contrastes, da roupa tradicional das mulheres com o esmalte vermelho, da maquiagem colorida usada como pintura corporal, das crianças que assistem Ben 10, mas ao mesmo tempo brincam de arco e flecha pela reserva. As diferenças da cultura e são um símbolo da resistencia. A vida na aldeia traz um ar calmo e sereno para o dia a dia dos moradores da comunidade. Lá, o máximo de barulho que se escuta vem da TV. No espaço que outrora era de mata atlântica, hoje há o reflexo da invasão do “branco” que deixou apenas capim. O caminhar e mudar para o povo que anteriormente tinha uma cultura nômade, hoje se restringe as constantes mudanças limitadas as fronteiras da reserva. A todo momento a cultura maxakali incorpora elementos da cultura externa e, ao mesmo tempo, resgatan elementos tradicionais. Assim, se reafirma como um corpo em constante movimento que incorpora marcas do outro porém não se esquece do “nós”.

* Essas fotos fazem parte do trabalho de conclusão de curso da aluna Sarah Goncalves.


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o mundo em mim


Alternativa

Cabelo, Cabeleira, Cabeludo,

Descabelado! Texto: Anna Antoun Foto: Bianca Cobra Arte: Flรกvia Gobato


Michelle Cavalheiro, 25 anos, já pintou o cabelo de diversas cores: rosa, roxo, platinado, verde, branco e agora seus fios estão tingidos de azul claro. Na família e entre os colegas, nunca teve apoio, muito pelo contrário, sempre foi julgada...

Bastante tímida, ela diz que a nossa “estampa” não nos define. Na infância e na adolescência teve uma série de problemas psicológicos por sua aparência. Ser diferente da maioria das pessoas, dificultou o seu processo de aceitação. “O que chama mais a minha atenção nos outros são as diferenças e características que nem todos possuem”, revela a esteticista e cabeleireira. Por mais que todos digam o contrário, ela diz que pensa muito no que as pessoas irão achar. Mas não está disposta a debater e ouvir certos comentários.

Poder Negro Muito mais do que simples estética, os cabelos representam culturas, religiões e tribos. Assim como Michelle, muitos homens e mulheres lutam e lutaram pelo reconhecimento de seu estilo, símbolo de orgulho e afirmação na sociedade. A trajetória do Movimento Black Power tem início nos anos 1920, quando Marcus Garvey, tido como

o precursor do ativismo negro na Jamaica, insistia na necessidade de romper com padrões de beleza eurocêntricos e, a partir disso, promover o encontro dos negros com suas raízes africanas. Décadas depois, nos Estados Unidos, o cabelo afro também começou a ganhar espaço e se tornou um dos protagonistas na luta pelos direitos civis dos anos 1960. O Movimento foi então caracterizado pelo uso dos cabelos sem intervenção química ou física para “alisar”, o que foi definido como “natural”, pelos jovens negros. Junto com esse Movimento, surgiu o slogan Black is beautiful defendendo a afirmação de que “ser negro é lindo”, como diz a historiadora Cassi Ladi Reis em seu artigo “A Estética e o Mercado Produtor. No entanto, ainda são as mulheres as grandes protagonistas dessa história. Condicionadas desde o tempo da escravidão a alisar o cabelo, elas decidiram andar pelas ruas ao natural, confrontando padrões de beleza vigentes nos Estados Unidos. Posteriormente, no Brasil, a história se repete.

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Marina Macedo alisou o cabelo durante 15 anos. Há dois anos seu cachos estão totalmente livres de qualquer química. Assumir seu cabelo, porém, não foi uma tarefa fácil. O processo, além de demorado, exigiu muita dedicação. Para sofrer menos bullying na escola sempre teve que alisar e fazer penteados com o cabelo preso que, como ela diz, “pioravam mais a situação”. Desde criança sempre escutou que o bonito é o magro, é o loiro e é o liso. A pressão foi tão grande que não existia muito espaço para pensar em deixar de fazer a chapinha, “principalmente quando a raiz crescia”, acrescenta. A mudança no visual veio por conta de um trauma chamado “escova progressiva”. “Eles passam um produto horroroso no seu cabelo, firmam ele diversas vezes com a chapinha, o salão fica todo branco com uma fumaça altamente toxica e tudo para o cabelo ficar esticado e opaco. Porque o resultado não é bonito, você realiza esse processo todo e seu cabelo fica ressecado, com pontas duplas e nem um pouco saudável”. A partir desse momento Marina decidiu que não queria mais se submeter a esses processos, que no final não a deixavam satisfeita. Ela conta que a fase de transição é a pior e que agora todos os produtos que utiliza em seu cabelo são orgânicos, na sua maioria indicados por blogs, comunidades e sites. Hoje em dia ela diz que se aceita e que gosta de se olhar no espelho e dizer “Essa sou eu, o meu cabelo é desse jeito, bonito e saudável.”

Beleza e preconceito Em seu artigo “Cabelo de Preto - Resistência e afirmação da ancestralidade” , o historiador e teólogo Walter Passos fala da repressão histórica a qual as negras são submetidas. “As mulheres negras são o alvo discriminatório preferível, antes mesmo da natividade. Os estereótipos e adjetivações são diversos desde o momento que as africanas prisioneiras de guerra foram retiradas do seu continente”. Exaltando a beleza negra e transformando o preconceito em lição de vida, a educadora Raissa Rosa criou em Viçosa o projeto Pérolas Negras. Utilizando como base a Lei 10.639/03, que estabelece como obrigatório o estudo da cultura africana e afro brasileira nas escolas publicas e particulares, o projeto procura responder a um dos principais desafios que se apresenta para os afro-brasileiros: a auto-estima, uma vez que se verifica na sociedade brasileira a desvalorização da história do negro. Através de oficinas temáticas, como a confecção de turbantes, oficinas de maquiagem, culinária, rodas de conversa, ensaios fotográficos e tratamentos para o cabelo, o projeto valoriza a cultura negra. O projeto faz com que aumente a conscientização das meninas que Raissa e sua equipe ajudam, no que diz respeito a importância da mulher negra na formação do país. “Para as meninas, é de extrema importância ter mulheres negras de referência no desenvolvimento do projeto, mulheres que já sentiram na pele o preconceito racial e a ditadura da beleza, mostrando a elas o valor da resistência e da personificação da visibilidade por trás dos cabelos crespos.”


Resistência e cultura O estudante Marcelo Vini, 20 anos, se orgulha muito de seu topete. Desde que começou a fazer mudanças em seu cabelo, sua auto-estima aumentou bastante. O estilo afro espetado pra frente chama bastante atenção das pessoas que passam na rua, o que não o incomoda. Ele acha graça inclusive, principalmente por sempre se empolgar muito com os penteados, se inspirando muitas vezes em cantores de sertanejo. “Sempre tive complexo de patinho feio, esse corte indiretamente me forçou a ser mais cuidadoso comigo mesmo. Me olho muito mais no espelho e fico feliz por isso, me sinto mais jovem e atual e mais livre por poder aparentar como quero”, vibra. Marcelo diz que é muito importante que cada um assuma a personalidade que tem desejo, principalmente os homens que ficam envergonhados. ”Infelizmente as pessoas ainda tem pensamento muito conservador. Elas precisam se acostumar e aceitar melhor com a diversidade, até porque isso não é sinônimo de bagunça nem desunião, podemos ser unidos sendo diferentes.” Segundo o comediante estadunidense Chris Rock, em seu documentário Good Hair (2009), existe uma convenção social de que quanto mais “relaxado” e amansado o cabelo, mais bonito ele é. Os cremes de alisamento possuem em sua base soda cáustica e amônia. A inserção destes produtos no mercado não traz a preocupação dos efeitos colaterais que estes podem trazer a saúde daqueles que fazem seu uso, o importante é criar no individuo a necessidade do consumo e gerar lucro. No Brasil, 52% das mulheres são auto declaradas negras. E ainda assim a supremacia do cabelo liso e da pele clara está fortemente enraizada na cultura do país. A pressão colocada sobre um estereótipo ainda repreende muitas dessas mulheres dependentes da química, movimentando por ano cerca de R$7 bilhões, de acordo pesquisa da revista Exame. Certamente essas cifras seriam menores se mais pessoas fossem autênticas, valorizando a genética e lutando contra o preconceito. Para o Movimento Afro, o cabelo crespo e sua naturalidade sobressaem aos padrões de beleza ocidentais para se afirmar como instrumento de resistência e cultura. Na busca de direitos, cabelo é identidade, forma de expressão e é também um símbolo de respeito.

Me olho muito mais no espelho e fico feliz por isso, me sinto mais jovem, atual e mais livre por poder aparentar como quero Marcelo Vini

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Identidade

O xadrez das últimas eleições presidenciais polarizou discursos de ideologias extremadas, distintas pelo conhecido viés da luta Direita vs. Esquerda. No imaginário eleitoral, a separação pareceu resolvida. No tabuleiro da política, porém, nem tudo é o que parece...

Opostos em


grego politikós, diz respeito àquilo que é da cidade, da pólis (na Grécia Antiga) e da sociedade. Desde Aristóteles é vista como uma prática enraizada, de interesse humano enquanto cidadão. “Todo homem é um ser político por natureza”, afirmou o filósofo grego em sua mais célebre obra, “A Política”. Ao longo do tempo, o termo assumiu outras conotações, como o modo de “saber lidar” com as coisas da sociedade. Assim, a política se manifesta não só pelas ações do governo e de administração do Estado, mas também pela forma como a sociedade civil se relaciona com esse mesmo Estado.

Para o filósofo político italiano Norberto Bobbio a política pensada como prática humana está ligada ao conceito de poder, à ideia de posse para obtenção de vantagem de um homem ou grupo sobre o outro. “O poder político, enfim, funda-se sobre a posse dos instrumentos através dos quais se exerce a força física (armas de todo tipo e grau): é o poder coativo no sentido mais estrito da palavra”. Em consonância a isso, a divisão radical dos partidos políticos e seus candidatos entre os extremos Direita e Esquerda, podem ser, a princípio, entendidas a partir da definição clássica da Revolução Francesa, no fim do século XVIII.

Texto: Daniella Andrade e Danilo Moreira Foto: Aldo Damasceno Arte: Ana Elisa Siqueira

A palavra “política”, derivada do

Droit X gauche Poucas pessoas sabem identificar por qual razão esses termos de orientação possuem a função de descrever uma perspectiva ou ideologia ligada a um partido ou político. Em 1789, a população francesa era considerada a maior do mundo, se dividia em três estados (1º clero, 2º nobreza e 3º povo) e sofria grande crise econômica. Com a organização da Assembleia dos Estados Gerais, a Assembleia Nacional Constituinte ganhou força política e representatividade, formada pelo 3º estado. Durante as reuniões, as tendências políticas na Assembleia Nacional se distribuíam fisicamente. À direita (droit), se colocavam os integrantes do funcionalismo real – nobres, proprietários de terra, burgueses enriquecidos e alguns clérigos - identificados como Gironda e à esquerda (gauche) os representantes do povo – membros da pequena e média burguesia, Jacobinos, que buscavam reforma para findar a grave crise que se estendia. Com o tempo, a disseminação dos atos e ideias, que provocaram a Revolução, foi determinante para a adoção dos termos de Direita e Esquerda política sob a perspectiva da Assembleia Nacional. De acordo com o historiador Murilo Cisalpino, “havia outra identificação física, ou geográfica, dentro da assembleia: ‘A Montanha’, para os jacobinos que se sentavam no alto e à esquerda e ‘A Planície’, para o grupo de deputados independentes, que costumavam se reunir na parte mais baixa da assembleia”.

xeque CURINGA | EDIÇÃO 13

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Por outra ótica, os esquerdistas podiam ser considerados como os que se colocavam contra as ações vigentes impostas pela Assembleia do Estado, contra os privilégios da nobreza e clero e a luta por igualdade perante a lei. Já os direitistas representavam os interesses dos grupos dominantes e a conservação dos interesses da elite, de acordo com o cientista político Antônio Carlos Mazzeo. Para ele, a tradição democrática no Brasil é pequena, baseada em situações de golpe. Além de possuir uma trajetória ruim, visto que as questões sociais são vislumbradas como caso de polícia. Mas os reflexos do engajamento político do povo brasileiro nessas eleições é a percepção da polarização política com relação à opinião pública. Apesar de uma cultura autocrática, as mobilizações acontecem e incomodam.

Polarização a la brasileira Desde a redemocratização política no Brasil, os confrontos pelo poder se dão pelos mesmos grupos. Agremiações como o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), por exemplo, movimentam-se de acordo com interesses próprios, ora mais próximos a um grupo político, ora mais próximos a outro. As alianças políticas no país prevalecem diante de uma simples divisão entre lados. Desse modo, partidos de menor expressão têm o poder de ascender politicamente, como é o caso do Partido Social Democrático (PSD), do Partido Socialista Brasileiro (PSB) e do Partido Democrático Trabalhista (PDT). Nas eleições de 2014, por exemplo, as três principais coligações da disputa presidencial envolveram 23 partidos. A fragmentação partidária se deve, de acordo com o cientista político Antônio Marcelo, pela falta de um projeto político. Segundo ele, as principais agremiações surgiram de maneira involuntária, sem grandes orientações ideológicas. O modelo embrionário dos termos Direita e Esquerda, da Revolução Francesa, possuiria nuances ideológicas inexistentes atualmente. “Pode-se dizer que a definição atual de Direita ou Esquerda para um partido político ou governo vincula-se, fundamentalmente, aos gastos sociais e atos de proteção econômica”, pontua.

Segundo o cientista político, “tem-se por convenção entender que um grupo defensor de ações de distribuições de renda, políticas afirmativas, protecionismo econômico, entre outras coisas, são atos de Esquerda e, o enxugamento da máquina estatal, redução de empresas públicas no mercado, liberação das importações etc., são ações notoriamente de Direita”. Diante disso, o Partido dos Trabalhadores (PT) seria de Esquerda e o Partido Social da Democracia Brasileira (PSDB) de Direita. Frágeis em suas definições, os termos se manifestam sem fundamentos ideológicos e objetivos. Essas definições possuem barreiras instáveis e confusas diante da pluralidade de partidos existentes no país. Prova disso é a participação de 28 grupos políticos na próxima legislatura. Para Mazzeo, “existe uma cultura direitista e esquerdista ainda enraizada, porém a política econômica do PT nos governos de Lula e Dilma não é diferente do governo FHC”. O que há, na verdade, são ações sociais mais inclusivas e positivas. Reeleita com 51,64% dos votos válidos no segundo turno, Dilma Rousseff venceu Aécio Neves (48,36% dos votos válidos) na mais acirrada disputa eleitoral já vista pelos brasileiros. A pouca diferença entre os números de votos dos candidatos demonstram que as ideias representantes de uma Direita ou Esquerda estão cada vez mais diluídas nos processos eleitorais. Nos programas e debates televisivos, essas posturas permitiram ao eleitor notar a legitimidade ou não das propostas políticas para o país. A partir das discussões propostas pela mídia, notou-se ideais de governo e posições políticas contrastantes por parte dos partidos, representados por cada candidato, ora por ideais progressistas, como Eduardo Jorge (PV) e Luciana Genro (PSOL), ora por ideais conservadores, como Levy Fidelix (PRTB) e Pastor Everaldo (PSC). De acordo com Antonio Marcelo, “esses grupos surgem pelo somatório de elementos circunstancialmente ideológicos com algumas demandas reprimidas e crises em outro partido político”. Outro fator importante foi a posição dos meios de comunicação. Mazzeo afirma que “muitos não se preocuparam em identificar lados e isso ajudou na polarização”. E ainda


identifica o uso da máquina de governo pelo PT para se promover, enquanto o PSDB explorou as mídias como difusoras de seus ideais.

Reforma já?

O cenário das ultimas eleições foi marcado pela rivalidade e acusação. Após o pleito, a presidenta Dilma retomou a proposta de um plebiscito para escolha do conteúdo de uma Reforma Política. Mais do que a simples polarização en-

tre coxinha e caviar, a instalação de um novo sistema eleitoral poderia provocar mudanças no tabuleiro político brasileiro. O futuro do país está em jogo. Resta saber a quem caberá o xeque-mate.

No meio da “batalha” política que tomou conta do país em 2014, a postura dos eleitores chamou a atenção. Inflados pelas redes sociais, militantes e populares utilizaram a política como um palanque para destilar provocações e declarações que beiravam o ódio. O embate entre eleitores de Aécio e Dilma passou por momentos conturbados. Ataques (na maioria das vezes, pouco verdadeiros) foram disseminados aos quatro cantos. Calúnias e fotomontagens permearam as eleições. Denominações de cunho negativo como “petralha” ou “esquerda caviar” para dirigir-se a eleitores do PT e “tucanalha” ou “coxinha” para dirigir-se a eleitores do PSDB tornaram-se mais do que comuns. O descontentamento do eleitor tornou-se quase inerente ao sistema de governo eleito (ou não), modificando o sentido político do embate. Propostas e projetos ficam em segundo plano e o eleitor (amigo, parente etc), que vota no candidato oposto, automaticamente vira – apenas – um inimigo, adversário ou semelhante. CURINGA | EDIÇÃO 13

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Comum

Conhecimento de causa e de alma Soraya Misleh é brasileira de nascimento e palestina de coração. Jornalista e membro da Frente em Defesa do Povo Palestino em São Paulo, ela escolheu representar e defender a pátria de seus familiares no país em que acredita ter liberdade, o Brasil. Aos 45 anos, ela é uma referência nas discussões sobre o combate ao Estado de Israel. A dualidade da sua história e o tempo de envolvimento com a causa, aliados à sua trajetória como repórter de mídias alternativas, levou-a, há 9 anos, a ministrar palestras sobre o conflito na Palestina.

C: Como explicar sua relação com o Brasil? S: Eu nasci aqui. Hoje moro na cidade de São Paulo, com meu filhos. Meu pai e minha mãe moram no interior de São Paulo. Meu pai foi um dos 800 mil palestinos expulsos na criação do Estado de Israel, em 1948. Com 13 anos de idade, ele vivia em uma aldeia rural e a família toda foi expulsa de forma bastante violenta. Tornaram-se refugiados como milhares de palestinos. A aldeia deles foi uma das cerca de 500 destruídas naquele momento. Depois de oito anos da expulsão, eles viveram um tempo na parte da Palestina que ainda não estava ocupada por Israel (Cisjordânia). A situação era muito difícil e o Brasil tinha fama de ser um país bastante acolhedor. Quando meu pai chegou aqui, tinha somente 100 dólares e a roupa do corpo, além de não saber falar o idioma. C: Você é membro da Frente em Defesa do Povo Palestino de São Paulo. Por que você resolveu militar aqui no Brasil e não na Palestina? S: Como eu vivo no Brasil, minha vida está toda aqui. Sou viúva e tenho dois filhos, pelos quais eu sou responsável. Viveria

na Palestina muito bem, porque lá me sinto em casa, mas não tenho condição de me mudar. Uma forma que penso que tenho de contribuir estando aqui é denunciar diariamente a situação que acontece na Palestina, expondo o caráter colonialista de Israel e o racismo do movimento sionista. Existe um problema muito sério de monopólio midiático, portanto, acho que é uma forma de ajudar a denunciar isso. Criamos a Frente durante os ataques a Gaza em 2008. C: A televisão continua sendo o meio de comunicação mais utilizado pelo povo brasileiro para se informar. Para você, como a TV brasileira apresenta o povo palestino para o mundo? S: A televisão brasileira não foge à regra das grandes mídias de aprA televisão brasileira não foge à regra das grandes mídias de apresentar e reproduzir estereótipos e preconceitos, além de desumanizar os povos. Ouve-se falar sobre palestinos quando há os grandes bombardeios, sendo que os palestinos sofrem diariamente com a ocupação e isso não é visto na mídia, não há compreensão de qual é o contexto histórico. Os telejornais


não permitem entender o que realmente está acontecendo. Muitas vezes, os palestinos são apenas números na mídia, eles não possuem identidade. Essas meios desinformam muito. É urgente lutar pela democratização da mídia. Há uma pequena quebra desse bloqueio por meio das mídias independentes e alternativas, mas não há forças para que as informações sejam divulgadas. C: Você já cobriu e escreveu diversas vezes sobre o conflito na Palestina. Como é a experiência de cobrir um conflito podendo mostrar os dois lados, principalmente o lado dos oprimidos? É fundamental mostrar essa realidade e denunciar o opressor. Acho que é bastante honesto dizer para as pessoas que eu tenho lado e o meu lado é o do oprimido. É muito importante que todo mundo tenha a experiência de ir para a Palestina, ver com seus próprios olhos o que acontece. Os jornalistas precisam acompanhar tudo o que acontece de forma independente. C: As campanhas feitas nas redes sociais podem ajudar o povo palestino? S: As ações que temos feito criam bastante impacto. Por exemplo, nos últimos anos, o Brasil se converteu num dos cinco maiores importadores de tecnologia militar israelense. Existe pressão por nossa parte para que esses acordos sejam quebrados. É preciso denunciar a mentira de que o sionismo é antissemitismo. Antissemitismo é a discriminação contra semitas. O sionismo é um movimento ideológico político. É contra isso que nos posicionamos. Antissionismo não é sinônimo de antissemitismo. Fazemos chamados para as nossas atividades, e as mídias livres contribuem para a gente avançar nessa conscientização e pressionar os governos a romper acordos. C: Até o momento, quais foram os principais resultados alcançados com o uso dessas mídias livres em relação a situação da Palestina? S: Através dessas mídias foi possível divulgar a campanha de boicotes, que é um chamado da sociedade civil palestina feito em 2005. Trata-se de uma campanha global de boicotes a Israel, aos moldes do que foi feito em relação ao apartheid na África do Sul. Tentamos informar, por exemplo, que existem 5 milhões de refugiados vivendo em campos a um raio de 150Km da Palestina histórica impedidos de voltar para as suas terras. Buscamos furar um pouco esse bloqueio midiático. Acho que as redes sociais e blogs ajudam muito nisso. Nós conseguimos fazer isso através dessas mídias. O que precisa ser feito é que haja mais disseminação. C: A escolha do jornalismo como profissão tem alguma relação direta com o conflito? S: Eu escolhi fazer jornalismo quando era muito menina. Eu gostava de escrever e acreditava na função social do jornalismo. Ainda acredito. A minha escolha pelo jornalismo foi por acreditar que a gente podia transformar essa sociedade, mudar o que achamos injusto. Eu acho que o fato de eu vir de uma origem palestina, muçulmana, e acompanhar o que era a Palestina através da

memória do meu pai pode ter influenciado. Não escolhi conscientemente o jornalismo pela questão da Palestina ou porque achava que ia contribuir com essa causa, mas porque achava que era uma forma de transformação da sociedade. Escrevo bastante, desde 2001, sobre a Palestina pela Ciranda Internacional de Comunicação Compartilhada, que cumpre um pouco esse papel na minha vida. C: Você falou da Ciranda Internacional de Comunicação Independente. Como surgiu essa ideia e qual foi a iniciativa para começar essa comunicação compartilhada? S: A Ciranda surgiu como uma proposta de comunicação compartilhada. A intenção é a de que vários jornalistas se juntem querendo fazer uma cobertura diferente, trazendo justamente as pautas dos movimentos sociais que não estão na grande mídia. O trabalho de compartilhar as informações persiste.

Texto: Jéssica Moutinho Foto: Ana Amélia Maciel Arte: Thaís Corrêa

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Opinião

Reflexões de um fiasco TEXTO:: Texto : DaniloDANILO Moreira MOREIRA ARTE:: ISRAEL MARINHO Foto: Aldo Damasceno ArteFOTO: : Israel N Marinho

Ninguém acreditou. Sete a um. A maior derrota sofrida pela seleção brasileira em cem anos. Sete gols, sete pancadas. Aqui na nossa casa, nossa Copa, em pleno Brasil. Vencendo, o próximo passo seria o último, a finalíssima. Ficamos pelo caminho, desnorteados. Perdidos, como em 1950, quando o Uruguai foi campeão em um lotado Maracanã. Mas, dessa vez, foi pior. Mais do que uma simples vitória, a emblemática goleada da seleção da Alemanha registrou que há muito a refletir sobre o atual estado do futebol nacional. Muitos definiram como “tragédia” o que aconteceu no Mineirão, naquela tarde do dia oito de julho. Será mesmo? Primeiro, é preciso entender que o estilo de jogo praticado em solo brasileiro é ultrapassado. A mediocridade, em grande parcela, é culpa de técnicos que recusam a adaptarem-se às modernidades do esporte. O futebol da Seleção comandada até então por Luiz Felipe Scolari era rude, em que a correria e as jogadas aéreas prevaleciam. Seu sucessor, Dunga, segue a mesma linha pragmática. O craque Tostão, em sua coluna na Folha de S. Paulo, destacou que “desaprendemos a jogar coletivamente”. É verdade. Posse de bola e passes inteligentes, como os desenvolvidos pela Alemanha, estão distantes da realidade dos comandantes do futebol nacional. Se o pensamento tático está atrasado em relação ao padrão mundial, a técnica dos jogadores acaba sofrendo essa influência já nas as bases dos clubes. O talento fica em segundo plano, sobreposto à força física dos atletas. Habilidade e criatividade se perdem na formação dos jovens jogadores, o que torna-se um problema a longo prazo.Dessa forma, é difícil perceber brasileiros com características semelhantes aos espanhóis Iniesta e Xavi ou aos alemães Kroos e Schweinsteiger, por exemplo. Um meio-de-campo “aberto” e “escancarado” foi, na opinião do jornalista da ESPN, Paulo Vinicius Coelho, a principal causa da derrota na Copa do Mundo. Inegável.

Outro aspecto relevante é que o ritmo das partidas no Brasil é diferente do restante do mundo e isso não nos ajuda nem um pouco. Os campeonatos estaduais fazem com que os clubes abdiquem de uma pré-temporada completa. Sem preparação ou descanso adequados, os atletas fazem séries de jogos – muitas vezes, em condições abaixo do razoável – para satisfazer os compromissos firmados pelos times com federações e emissoras de TV. Contrariando o modelo europeu (as ligas nacionais começam em agosto e terminam, no máximo, em maio), a exaustão passa a ser comum aos jogadores que, muitas vezes, jogam de janeiro a dezembro, sem pausas. Há que se registrar, também, que na última década, todo jogador que se destaca nacionalmente é negociado em breves intervalos de tempo com grandes times europeus ou com ricos clubes asiáticos. O lucro, portanto, supera o desejo de constituir equipes competitivas. As ligas são enfraquecidas e o nível técnico apresenta-se cada vez menor. Clubes chegam a arriscar títulos ou rebaixamentos vendendo seus principais valores. Existe ainda uma significativa parcela de jogadores muito jovens que são comprados pelas potências estrangeiras sem sequer serem titulares nos times de ponta no Brasil. A mentalidade tacanha permeia o futebol nacional. Entretanto, nem tudo está perdido. Iniciativas pontuais, como o Bom Senso FC, podem ser uma das soluções para nosso futebol. O movimento defende a viabilidade aos direitos dos jogadores no Brasil. É um começo. O processo de mudanças deverá ser lento. Assim como tem sido nos últimos quinze anos, a Seleção precisará contar com boas atuações dos (poucos) talentos individuais que temos. Reside em Neymar, principalmente, a esperança dos brasileiros que esperam um futuro recente mais próspero, futebolisticamente falando. A reflexão, de toda forma, é essencial para que nunca mais tenhamos que ouvir sete gritos de gols adversários de uma só vez.


Alternativa Texto: Joyce Mendes Foto: Lara Pechir Arte: Israel Marinho

Entre os século XVII e XVIII, a corrida do ouro atraiu mais de 600 mil lusitanos ao Brasil. As primeiras minas no país foram encontradas pelos bandeirantes nos estados de Cuiabá, Goiás e Minas Gerais. Em solo mineiro, a cidade de Ouro Preto possuiu um brilho especial. Duzentos anos depois, por debaixo das ladeiras e ruelas que conectam igrejas e casarios, a invasão estrangeira perdura pelo turismo. Na escuridão das grandes cavidades onde no passado buscava-se ouro, a história de Ouro Preto segue reluzindo. Em torno das minas de ouro surgiam pequenos arraiais que aos poucos foram se unindo e em 1711, devido a importância da região para a coroa portuguesa, esse novo arraial foi elevado a condição de vila, ganhando o nome de Vila Rica. “Os turistas que chegam aqui, vem em busca de um resgate histórico, e um dos primeiros pontos onde querem visitar, são as minas, querem ver o modo com que os escravos trabalham, como se organizavam, que ferramentas utilizavam”, diz o guia Geraldo que acompanha os visitantes pelos túneis da cidade.

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A Mina “Du Veloso” é uma das principais minas abertas ao público. A curiosidade dos turistas e até dos nativos é aguçada, principalmente pelo fato da mina ter sido interditada em 2010. Um desabamento fez com que a sua entrada ficasse obstruída, sendo fechada para visitantes. Há 4 meses as obras foram concluídas e os turistas puderam novamente apreciar as belezas da mina. “Ainda há marcas preservadas das ferramentas de corte utilizadas pelos escravos. Foi um trabalho técnico, pois apesar da rocha ser bem resistente, ela tem as camadas de foliação que facilita a abertura, portanto os escravos que ali trabalharam, vieram de uma região da África chamada Costa da Mina, eram escravos especializados em técnicas de mineração”, conta Eduardo Evangelista, proprietário do imóvel e responsável pela mina, conhecido como Du do Veloso. No total, é permitido que cerca de 250 metros sejam percorridos entre as galerias da mina. A galeria principal possui dois poços de água cristalina. Para Du, um dos fatos mais interessantes e que ainda pode ser percebido no local, é a capacidade empreendedora dos povos que lá trabalhavam. “Se pararmos para observar, temos escavações perfeitas, onde formam-se pilares naturais e estrategicamente pensados para sustentação e segurança aqui dentro. Os desvios do fluxo de água também são incríveis, vê-se que eles tinham controle total sobre o direcionamento hidráulico. Enfim, foi um trabalho fantástico de engenharia”, afirma. Também tem destaque no turismo subterrâneo a Mina do Chico Rei, conhecida anteriormente como “Encardideira”, e redescoberta em 1950 ganhando o nome de “Chico Rei”, a mina é um marco para a história da escravidão, já que pertenceu ao escravo Chico Rei, que com o suor de seu trabalho, comprou a sua alforria e mais tarde a mina, tornando-se rico,

coisa rara de ser acontecer nos tempos coloniais. Segundo histórias populares, Chico Rei e alguns colegas colocavam, todos os dias, lascas de ouro no meio dos cabelos ao fim da jornada de trabalho, e lavavam-os na pia batismal da igreja, tendo os religiosos como seus cúmplices. A mina também localiza-se nos fundos de uma propriedade particular, e em suas paredes, é possível ver as cavidades onde o ouro recolhido era depositado pelos escravos. A área total é de 80Km² e possui 175 galerias abertas, escavadas em três níveis de profundidade. Uma outra Mina que não escapa dos roteiros turísticos, é a Mina do Jeje, onde também foram extraídos muitos quilos de ouro a um alto preço. As péssimas condições de trabalho num ambiente insalubre, contribuíam para uma baixa expectativa de vida dos escravos que ali trabalhavam. Mal passavam dos 20 anos, em decorrência de silicose, a mais antiga e mais grave das doenças pulmonares proveniente da inalação de poeiras minerais. Crianças de 6 anos já trabalhavam na retirada da terra para o exterior da mina. Para Gustavo Barbosa, um dos gestores da mina, o que os turistas mais buscam é o “conhecimento africano. Poucos historiadores falam profundamente no conhecimento do negro africano. E quem vem aqui quer resgatar e ver de perto essa história”, conta Gustavo. A professora Dinamene Godinho, veio da cidade de Avaré, SP, e fez questão de ver de perto a história que tanto está acostumada a ler nos livros: “nós sabemos a história da escravidão, a triste realidade da exploração do negro, mas quando chegamos aqui e vemos de perto, sentimos que a situação foi muito pior do que a palavra consegue expressar, e isso acaba nos abrindo os olhos, para que não fiquemos presos apenas no que aconteceu no passado, mas também para refletirmos sobre a descriminação racial que acontece hoje em dia”, diz a professora.


Mapa dos Geossítios da Serra de Ouro Preto cedido pelo PET Engenharia Geológica - Projeto Geossitios

Cadastrar para preservar Muitas outras minas contemplam a cidade, como a Mina da Rainha, Mina de Santa Rita, Mina Fonte do Meu Bem Querer e Mina Velha. Cada uma com as suas histórias e peculiaridades, são verdadeiras máquinas do tempo, que permitem ao visitante fazer uma viagem e resgatar uma realidade, muitas vezes chocante. Além das minas mais conhecidas e visitadas, a cidade possui inúmeras outras espalhadas, e até escondidas em fundos de quintais. Minas que ainda não foram cadastradas, mapeadas, e, portanto não possuem a concessão do corpo de bombeiros. A aposentada Maria Aparecida Queiroga, moradora do bairro Alto da Cruz, possui no fundo de sua casa, uma destas escavações seculares. A família sempre soube tratar-se de uma relíquia, refletiu sobre a importância de se cadastrar, preservar e fazer o mapeamento geológico da mina. “Não faz muito tempo que ficamos sabendo desta questão do mapeamento. Não temos interesse em abrir a mina para visitação turística, mas estamos interessados em mapear, para justamente preservar não apenas a história, mas também por questões de prevenção”, conta Maria. Estima-se que na cidade, existam mais de 300 minas espalhadas. Uma das entidades que faz esse cadastro e mapeamento das minas é a SEE - Sociedade Excursionista Espeleológica. O foco de estudo do grupo é a Espeleologia - ciência que estuda as cavidades naturais. Formada por estudantes da UFOP, e amparada pelo DEGEO (Departamento de Geologia UFOP) a SEE faz um estudo de risco individual das minas, tornando possível identificar as áreas transitáveis ou não. “Este mapa é indispensável para que o proprietário do terreno consiga o alvará com os bombeiros, já que é a partir destas coordenadas, que é feita a estrutura de iluminação, analisa necessidades de pontes, enfim,

delimita a parte turística da mina de forma a dar segurança a todos os visitantes”, conta Lorena Oliveira, integrante da SEE e Estudante de Geologia. A equipe também possui projetos de conscientização patrimonial da população. “A nossa idéia é fazer conscientizar a população a respeito da importância social e valor cultural que possuem estas minas. Há muitas casas na cidade que possuem minas em seus quintais, e muitas destas famílias as utilizam cono depósitos de lixo, por pura falta de informação”, diz Lorena. Uma outra equipe também que possui projetos e estudos nas áreas das minas é o PET-GEO, formado por estudantes de geologia, o grupo busca inserir a comunidade no contexto histórico, geológico e social que representam as minas. Para o estudante de Engenharia Ambiental, e componente do PET, Lucas Rodrigues, “a ideia central foi valorizar a riqueza geológica e histórica da nossa região junto à comunidade local, mas também levar informação e medidas de prevenção a todos. Promovemos palestras para associações de bairros, aulas para escolas da rede municipal, um jogo educativo e material didático sobre o Geoturismo, qualidade das águas e risco geológico que será em breve publicado e distribuído à uma parcela da população”, conta. Não há como saber ao certo o quanto foi extraído de ouro na região. Mas há pesquisas históricas que relatam que em 100 anos extraiu-se aproximadamente 650 toneladas. A coroa portuguesa arrecadou com impostos neste período, um quinto de tudo o que foi extraído. O “quinto”, 20% do metal coletado tinha de ser entregue à coroa, estando os proprietários das minas sujeitos a pena de morte por enforcamento, decapitação, entre outras punições. A busca ao ouro custou muito caro aos escravos e seus donos. Se valeu à pena, nas se sabe. Esta busca custa hoje ao turista aproximadamente R$15,00. Um tributo que, este sim, vale a pena. CURINGA | EDIÇÃO 13

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Opinião

As variáveis do

Cercado de superstições e de significados, o 13 é considerado, para muitos, um número de azar e mau agouro. Existem pessoas que sofrem de triscaidecafobia, do grego tris= três, kai= e, deka= 10 e phobia= medo, ou seja, o medo irracional e anormal do número 13. Por outro lado, há pessoas que tem certa afinidade com esses algarismos e consideram que eles trazem sorte e atraem coisas boas. Existem diversas histórias que procuram explicar as raízes dessa crença. As pessoas que acreditam que o 13 ocasiona algo ruim evitam ao máximo esse número: não saem de casa no 13º dia do mês, não marcam viagens para esse dia e não ocupam essa poltrona. O mais curioso é que em Nova York grande parte dos moradores acreditam na maldição do 13. Na metrópole norte americana, oito em cada dez edifícios não possuem o13º andar, ou seja, após o 12º vem o 14º. Das 78 cartas do Tarô, a de número 13 representa a morte. Porém, essa carta não é sempre interpretada como a re-

presentação do falecimento humano em seu sentido literal. Ela também pode significar que algo precisa ser modificado ou transformado, como uma transmutação que gera novos espaços para o crescimento e o fortalecimento. A superstição também está presente no mundo cristão, onde há duas histórias da Última Ceia referentes ao número. Na primeira, conta-se que haviam 13 pessoas: 12 apóstolos e o 13º era Jesus representando as coisas boas e a energia divina. Já na segunda há uma mudança da ordem, já que o 13º era Judas, simbolizando a morte e a traição. Dessa forma há quem evite jantar com 13 pessoas à mesa. Com tantas crenças e simbologias envolvendo o 13, o número ainda representa uma ajudinha extra no orçamento de muitos no final do ano. Há também quem acredite que o número traz sorte no jogo, no futebol e na política.

Texto: Jéssica Moutinho Foto: Ana Amélia Maciel Arte: Thaís Corrêa


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Revista Laborat贸rio | Jornalismo | UFOP

Dezembro | 2014 | Ano IV

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