Revista Curinga Ed.11

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Revista Laborat贸rio | Jornalismo | UFOP

Julho de 2014| Ano III

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Expediente Curinga é uma publicação da disciplina Laboratório Impresso II. Revista produzida pelos alunos do curso de Jornalismo da Ufop. Instituto de Ciências Sociais Aplicadas (ICSA). Departamento de Ciências Sociais, Jornalismo e Serviço Social (DECSO). Universidade Federal de Ouro Preto.

Professores Responsáveis Frederico Tavares - 11311/MG (Reportagem) Lucília Borges (Planejamento Visual) Ana Carolina Lima Santos (Fotografia)

Redatores

Bárbara Monteiro, Bruna Fontes, Dalília Caetano, Danielle Diehl, Dayane Barreto, Fernanda Mafia, Filipe Monteiro, Gabriel Falconiere, Hiago Maia, Kênia Marcília, Laura Vasconcelos, Marcos Resende, Rosana Maria

Diagramadores

Carolina Brito, Carolina Lourenço, Caroline Gomes, Daniela Karine, Geovani Fernandes, Gisela Cardoso, Flávia Silva, Maria Fernanda Pulici, Pablo Silva, Thiago Novais

Fotógrafos

Editor geral João Gabriel Nani Subeditora Ana Clara Castro Editora de Arte Nathália Souza Subeditora de Arte Rosi Silveira Editora de Fotografia Paula Bamberg Editor de Multimídia Cristiano Gomes

Ana Luísa Reis, Bruna Lapa, Isadora Ribeiro, Isabella Madureira, Júlia Mara Cunha, Lucas Machado, Mayra Santos, Maysa Alves, Osmar Lopes, Pedro Carvalho, Thiago Huszar, Viviane Ferreira

Foto da capa: Paula Bamberg Monitora: Tamires Duarte

Editorial O que é a morte para mim? Como eu lido com o fim? Como viver depois de um fim? Como não viver? Desistir é mais fácil que morrer? Quem disse o que disse a morte e por quê? Quem fala da morte? Quem lida, o que fazer com o corpo já sem vida ou em vias de morrer? Dar vida ao corpo que já foi pela escrita. Como renascer o morto em palavras? Dessa vida não se leva nada, mas quanto custa um pedaço dentro do chão, ou a matéria do corpo na cinza? Como as culturas encaram a morte? Como agir na vida de um outro, mesmo estando morto? O que é decidir a hora de morrer? Coragem ou medo? Nenhum dos dois. Quem decide não explica depois. Como eu fico depois que partiu quem era parte de mim? O que muda na casa que era de dois? No convívio que era meu e seu? Lembrança que nutre a saudade, lembrança que adoça a vida, lembrança que dói, angústia gelada de um coração que ainda é quente de vida e pulsa do amor seu/meu. E se acontecer o hospital no meio do caminho? O coma? Os olhos fechados? A rachadura na pele? O que acontece ao te ver deitado, inerte, que respira em apare- lhos mas que continua com o coração batendo. Será só o aparelho? Ou você ainda está aí? Vai de repente levantar e contar de um sonho estranho, ou me confidenciar como é se olhar de cima? Ou vai esperar, aí deitado, o momento em que me deitarei com você? A lágrima ainda cai dos olhos, mas será que você sabe que está chorando? Um dia. Será que é tudo que tenho? Será melhor pensar assim? Viver como se fosse o último dia... e se fosse? O que realmente importa depois da certeza de morrer? Será que eu ia querer saber? O que a morte acha de si? A escrita que a coloca em pronome pessoal. E tudo o que já vimos morrer? Em tempos de correria, nossos mecanismos morreram, como lidar com a tecnologia acelerada que não nos deixa dar adeus? O que marca nossas vidas com a identidade digital? O sujeito é sempre indefinido. Por que falar de morte? Por que não falar? Nesta edição da Curinga o intuito não é responder perguntas, muito menos ensinar a sofrer. Não ajudamos no luto, não sabemos nada daquilo que vai acontecer, nem mesmo se era, de fato, pra ser. Não nos cabe falar de religião, de dor ou de perda. Não nos cabe o saber. Nada da falta pode ser preenchido. Só mais falta vai fazer… Ana Clara Castro e João Gabriel Nani

Agradecimento especial à Morte!

Endereço: Rua do Catete, 166 - Centro 35420-000, Mariana - MG Julho/2014

Cartas do Leitor Para comentar as matérias ou sugerir pautas para a nossa próxima edição, envie e-mail para: revistacuringa@icsa.ufop.br


Revista Laborat贸rio | Jornalismo | UFOP

Julho de 2014| Ano III

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sumario

Eu no mundo Entre o Céu e a Terra Ossos do ofício

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Já não respiro, mas inspiro Infográfico

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Morte Social 16 (Dú)vida após a morte

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Travessia Uma parte continua a pulsar 20 O peso do caminhar 24

O mundo em mim Ensaio fotográfico Será que eu decido? Vida reescrita

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Manteria sua agenda?

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A morte é pop... e não poupa ninguém Obituário 41 Epitáfio 42

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Eu no mundo


Identidade

Eu quero uma pra viver

Entre o Céu e a Terra A vida chega ao fim para todos nós, filhos do pecado original ou não. Na dúvida, a homilia de INRI Cristo tem uma espirituosa originalidade.

Texto: Filipe Monteiro Foto: Bruna Lapa Arte: Carolina Brito


CURINGA | EDIÇÃO 11

O sentido da morte reúne inúmeras associações simbólicas que ganham notoriedade com o tempo. Segundo o cristianismo, uma das mais difundidas concepções é datada há quase dois mil anos e marca o fim da etapa de Jesus Cristo na Terra. Desde o pecado original, a humanidade passou a necessitar de salvação. Mas quem poderia prever que uma pequena mordida seria suficiente para condenar Cristo à morte? No ano de 1948 nascia, na cidade catarinense de Indaial, Álvaro Thais, que 31 anos depois passaria a assumir a identidade de INRI Cristo. O homem que alega ser Cristo reencarnado utiliza de sua oratória peculiar no cumprimento de sua missão, cujo objetivo é difundir seus ensinamentos à humanidade. Aos 66 anos, o dobro da idade de Cristo, o que o “Cristo brasileiro” tem a dizer sobre a morte?

CURINGA: Por ser uma pessoa pública, diversas nomes devem ser atribuídas à sua figura. Como o senhor prefere se denominar? INRI CRISTO: Ninguém é obrigado a crer, mas eu sou o primogênito de Deus, ancestral da humanidade, o primeiro macaco que nasceu sem rabo. Reencarnei, renasci Noé, Abraão, Moisés, David e depois Jesus. Agora sou INRI e esse é meu novo nome. INRI é o nome que Pilatos escreveu acima de minha cabeça quando eu agonizava na cruz, quando cuspiam em meu rosto, quando me humilhavam, quando se cumpriam as escrituras. INRI é o nome que custou o preço do sangue. Guardai-o em vossas cabeças e sereis fortes e felizes, meus filhos. Meu coração bate forte de amor por todos vós.

C: O senhor se intitula primogênito de Deus. Quando foi, então, o momento em que descobriu que deveria assumir esta identidade? IC: Desde criança obedeço a uma voz, uma única voz, forte e imperiosa, que fala no interior da minha cabeça, mas foi em 1979, durante um jejum em Santiago do Chile que o senhor revelou a minha identidade. Até então eu era profeta de um Deus desconhecido. Até o jejum, eu desconhecia quem era esse ser poderoso, essa força sobrenatural que me comandava. Só sentia que tinha de obedecer, e nas vezes que titubeava e não obedecia era acometido por uma dor lancinante na cabeça. Eu não tinha consciência de minha identidade e condição, pois estava cumprindo o que está previsto nas sagradas escrituras com relação ao meu retorno. Desde que me desvencilhara dos cadeados do ra-

ciocínio, dogmas impostos pelas religiões, tornei-me ateu face aos idolátricos deuses inventados pelos homens. Nessa condição iniciei minha vida pública em 1969; vivia como profeta de um Deus desconhecido, o cosmos, a quem chamava de pai.

C: Dentro da sua crença, qual é sua perspectiva sobre a morte? IC: Na verdade, eu não tenho crença, sou cético e vivo de acordo com a racionalidade das coisas, de acordo com os meus sentidos. Nunca creio em nada até que se prove o contrário. Para mim o mundo é repleto de fantasias, mentiras e dogmas, que são os cadeados do raciocínio. Logo, não creio na morte, pois tenho consciência de que ela não existe. A morte é apenas um agradável sono após um árduo dia de trabalho, uma perspectiva de descanso, o começo de uma nova vida. Todos vós havereis de reconhecer um dia que a terra é a mãe purificadora no sofrimento, que pacientemente espera seus filhos queridos para o reencontro místico da renovação.

C: Ainda que diga ser o enviado de Deus, o senhor tem um corpo físico. Antes da sua passagem, quais são os próximos passos que pretende traçar em prol da humanidade? IC: Tenho 45 anos de vida pública e estou sempre deixando a minha mensagem na cabeça dos que têm ouvidos para ouvir e olhos para ver. A minha mensagem sempre é a da onisciência, onipotência e onipresença de Deus. Sendo meu pai onipresente, ele vivifica cada célula de vosso corpo e cada par-

tícula de vosso sangue. Logo, se não podeis vos desligar dele nem mesmo quando cometeis um pecado, um delito, por que necessitais de alguém para vos religar a ele? Como há dois mil anos, continuo ensinando sempre de novo a orar em casa, no quarto, com a porta fechada. Não sou religioso, sou filósofo da liberdade consciencial, ensino os seres humanos a serem livres, a buscar o altíssimo diretamente, sem intermediários, independente de crendices ou superstições. Nada quero, nada tenho e nada temo. A minha única missão aqui na Terra é libertar o meu povo da escravidão da idolatria, da fantasia e da mentira, dos dogmas impostos pelas religiões. Desse modo, o meu plano é que quando eu partir aqui da Terra, fiquem os meus herdeiros, aqueles que guardaram as minhas palavras e que viverão dentro desse plano místico que meu pai mandou ministrar.

C: De que maneira o senhor conduz os seus fiéis no momento da morte? IC: Conduzo meus filhos ensinandolhes com muito gosto que um dia todos terão que partir, descansar e dormir o sono dos justos, até porque a morte não existe. Morte é uma palavra obscena, macabra, muito usada pelos embustólogos, falcatruólogos, engodólogos, que se dizem religiosos, para amedrontar, atormentar os seres humanos. Ensino meus filhos que, ao partir, o corpo cansado, surrado, irá descansar no aconchego da mãe terra. Mais adiante, irão aguardar sem pressa que o senhor, meu pai, propicie que a mãe natureza lhes restitua outro corpo a fim de começarem uma nova etapa, uma nova luta, portanto, uma nova vida aqui na Terra, dando continuidade ao ciclo vital no plano terrestre.

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mildemente há mais de uma década, no canal 6 de Curitiba, que é muito difícil sobreviver da arte, principalmente representando uma entidade das trevas.

C: Lúcifer é uma das primeiras criações de Deus. O senhor proclama ser a reencarnação de Cristo, Toninho do Diabo diz ser o enviado de Lúcifer na terra. Vocês podem estar mais ligados do que pensam, não?

Inri Cristo. Foto: Reprodução

C: Sobre o seu legado na terra, o senhor tem planos de deixar algum herdeiro espiritual? IC: Um só não, eu vou deixar milhares de herdeiros espirituais. Todos aqueles que herdarem, guardarem as minhas palavras e que se coadunarem com as leis que ministro da parte de meu pai ser meus herdeiros naturais. Não importa a cor, a raça, a posição social. O importante é que meus herdeiros serão os que tiverem ouvidos para ouvir e olhos para ver. Se quereis questionar sobre um substituto aqui na Terra, não tive há dois mil anos. Enfim, não deixarei um substituto, mas sim milhares de herdeiros.

C: Aparentemente não foi somente Cristo que retornou à humanidade. Outra figura bastante conhecida é Toninho do Diabo, um dos maiores satanistas brasileiros que alega ter sido enviado para representar Lúcifer na Terra. O que o senhor pensa em relação a Toninho? IC: Não penso, e sim sei que ele é um artista; ele se investe nesse personagem para sobreviver. A posição dele é muito desconfortável, desagradável e até me inspira piedade. Ele confessou-me hu-

IC: A princípio é mister esclarecer que Lúcifer não é a primeira criação de Deus. Ele é uma entidade mitológica, uma ideia, um ser imaginário, mas não é um ser encarnado. Lúcifer é um corpo energético, que ocupa um corpo físico aqui ou acolá. Não é exclusivo a nenhum artista que personifique o demônio. Se assim preferis essa denominação, é possível encontrar Lúcifer em cada esquina, nas arapucas farisaicas, por isso ensino meus filhos como escapar dele, como se esquivar. Devem proceder com ele igual o toureiro procede

A morte é apenas um agradável sono após um árduo dia de trabalho, uma perspectiva de descanso, o começo de uma nova vida.

senhor e ele vos iluminará e protegerá em todos os momentos.

C: Hoje o senhor tem o dobro da idade que Jesus tinha quando morreu. Com a morte se aproximando, não passa por sua cabeça a possibilidade de perdoar Toninho do Diabo? IC: A morte está se aproximando de todos aqueles que pensam na minha morte. Meu pai disse que estes não viverão o bastante para ver o meu passamento. Nas sagradas escrituras está previsto que estarei com o cabelo branco da cor da neve quando a humanidade toda me verá. Eu não nasci de cabelo branco, tampouco vou tingir o meu cabelo, então é necessário esperar pacientemente até que cheguem esses dias. Quanto àqueles que ficam pensando na minha morte, deixo bem claro que é uma interpretação mística. Já vi um desfile tão grande de cadáveres, pessoas que falaram mal de mim na televisão, nas ruas, nas igrejas, posso enumerar centenas, que já baixaram à sepultura enquanto continuo cumprindo minha missão. Não quero viver aqui na Terra nenhum segundo senão só para cumprir a vontade do altíssimo, que me reenviou a este mundo, meu pai, o supremo criador, único ser incriado, único eterno, único ser digno de adoração e veneração, onipresente, onisciente, onipotente, único senhor do universo.

Inri Cristo C: O senhor tem pretensões de reencarnar novamente? com o touro. O toureiro diz olé e passa o touro pelo lado. É assim que eu ensino os meus filhos quando são assediados, perseguidos e tentados pelos espíritos das trevas, incluindo o que vós chamais Lúcifer. Basta desviar da mente o pensamento negativo e pensar no altíssimo, o criador supremo, e então blindar-se contra essas energias nefastas que tentam se apossar do corpo dos seres humanos. Aqueles que me ouvem e me levam a sério conseguem se proteger; no entanto, aqueles que titubeiam e ficam às vezes em dúvida, estes infelizmente já são possuídos. Confiai plenamente no

IC: Na verdade, eu não pretendo reencarnar novamente, nem pretendia ter reencarnado. Todavia, meu pai deixou claro que, após cumprir a presente etapa da minha missão, retornarei ao plano terrenal somente após mil anos. Já no plano espiritual, não faz nenhum segundo que fui crucificado, pois na eternidade o tempo não conta. Portanto, quando os filhos dos meus filhos começarem a se olvidar dos meus ensinamentos, sei que precisarei retornar para reavivar-lhes a memória e também ensinar, explicar todas as coisas que ainda não me são permitidas.


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Alternativa

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Texto: Fernanda Mafia Foto: Julia Mara Cunha Arte: Daniela Karine

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Em dezembro do ano passado, Jaílson Silva estava sendo vado ao centro cirúrgico quando recebeu a notícia de que o transplante ria abortado devido às condições do fígado doado. “Você fica naquela xpectativa de chegar sua vez, de ter uma esperança de vida e de reente chega a notícia de que não iria fazer. Tudo desabou na minha beça e eu pensei que iria morrer”, recorda. Quatro mesews epois, com um novo doador o medo se dissipou. Para Jaíln, uma benção. Para a medicina uma vida prolongada. O primeiro transplante - bem sucedido - de órgaos que tem registro, foi realizado nos Unidos no ano de 1954. esde então, essa técnica cirúrgica é vista, basicamente, mo um tratamento realizado através da transferência o órgão sadio de um indivíduo para outro, que teve as funções alteradas ou interrompidas por alguma sfunção em seu organismo, geralmente associadas a oenças irreversíveis e agudas. Experiências anteriores explicitaram a necessidade e compatibilidade entre doador e receptor, além da eitação do novo órgão pelo organismo de quem o cebia. No Brasil, os primeiros transplantes foram nais e feitos na década de 1960. Para o cirurgião do Programa de Transplante e Fígado do Hospital Israelita Albert Einstein, Luis ustavo Guedes Diaz, “o grande marco dos transplantes ortante i o desenvolvimento de medicações capazes de reduzir a ais imp m o “ ia daquele a famíl diante m sposta imunológica do paciente, permitindo que um órgão de e o t c n e e r u e fissão, é indif ianne q mo pro utra pessoa trabalhe adequadamente em outro organismo, sem para Viv que você não a medicina co com a morrar ho lher a e lidar frer rejeição”, afirma. elo velo. O é most ento”. Ao escoid e ter qu ista como um n i d e h d c a v i im m a il lh r é v f a u ib o b a a s s Dados da Associação Brasileira deco Transplantes de Órgãos unc pos ianç e tra os sãomorealizados r de se conhece a ia, a morte n rte de uma cr dpaís, local d e a c o e ç r l . a u m a c ic c r ABTO) mostram que atualmente, no cerca de 6.250 s mo diat de c or e méd Os pés a de iliarida esponsável p ergam a luz. te. “Na pe quila, já que a a”, afirma a jofam r ansplantes por ano, dapenas doadores falecidos. Os tecidos também id x n v é a m n a que a e r e , a a t d e a d ic a c d o is t l e ã a l a s ç lu a r in m n a u n u o u t e o it F a r it ã a s filh d já n José comos q mília em n odem ser doados após aomorte, im no quelidem ue exemplo, ar or fcórneas, pas o ver a a a ord nte, foi na fa r coveir ele por A a t oe u . n s q u o o o t a q c r d d ter ida rena, ch onfo eme dedica doações. 013 bateram isoladamente ão 13.744 vez a v o número nto. De o que Recent encontrou o c ermaneceu se m estar 7 sde e , 1 a m , s a m o lt n la c a pu a era ep não re Dos 62 lamento e se e valo- vem médic em vida, a mã empo que pud nsamenente ele o, é a falta d ve s t e , m já lo e im t e ia s r r p o u o s ia n m d cid Deu ram move oito a é conhe dáveres issão. deceu a a mãe me co consola ar a s e r o g r m r a e com ca Seu Zé, como cárias da prof e e t d n u m e o e a r d r e m e u co re ar fic tit da tec incomo s condições p s trabalhando eu Zé pos- juntas. “A a ras me entris acostum alheio, e m a S o v a r , e d e la a nto rização ase duas déca ” de Marian um homem te, essas pa mpo. Não qu sofrime lhor méo d s u e u o t e o t q d Há orte po, ors san esmo um me “campo marcas do tem ente com a m e aos m el diante da m de me torna o c in c ssa. ida rec as sív requ nos , ele pa lo insen e essa sensibil mano”, confe sionais se cou rosto m o contato f s e s la e p m e a u c sui se o co er h rofis m pe do acho qu elhor s esses p ém depende s, cruze abituad e passa u forte, h o por túmulo agem, e os qu ostumados dico e um m ade com que ce lg e a r e la od ac esc ad ais intensid o faleciment , estão pelo nome. te. Cerc do naquela p e se foi, a A u n m q e ia x r a d e a o s liza ntam em M a pes a, por diante já e , ic , a m m d im o n natura e m é r c a v e o p t m c e o ad “A om s rio San ça ali e o cum m o reconhe uma m afetivid ro Andrade. afeto c e e d d Cemité é n cu b e o m a s ã e r m d e ç , r g rela a expe eles Lean ua p tos ta junto d ncontra-os o psicólogo er uma ue possui um nte de com a s os mor c e t e le n t e e n b e a m e ee est ica elm m, já q cificam o coProvav hor mora prat do cemitério, stá pintado plo, parece falecera sse caso espe o, e e t n s u n e e o q s e r n t o o s s e m e f o e e n qu tancia idas, acient ucos m o do seu tele precisarem d is v p o d que se p r a e a t lv le n a aque s ”. “A de sa apare úmer o de s a casinh n m o a o iv c d c t O a r o . s t a e culo pes ent eiros para . ta vi- crianças”. A estabelece vín igos não traço diariam des do local, r e t o n H s pesie e d n e ar bém riência ivian e r “am o expe e m V u o d p a q p a t x r a pelas p a e a t r o t o s ir a ia m f ve ser huos tr e sua e afir , a ped rviços alquer ência, eza, foram, já que ual do sujeito u t u seus se nte de Seu Zé e q q is r e o t r f m e d co id a mort enos Difere mistura encarar a história indiv arão a forma rrer ou o com m a m e m t u r e o d É n am s. “ omo icio esso vencia m toda essa. C iliares soais cond r com o proc ou-se e tência”, conf os fam a n d a r li io a c r á . p o la o ir dr em po tícia rricu mano za Lean ção e im dar a triste no na matriz cu ade em si”, finali frustra id o m a a c m t u s o o c con ap ou as que pesar d morte, sinou isciplin ina, porém, a a já en d in o t ã o s r a ic , d não o e ã m s profis sos de dos cur xperiência na e a c e pou

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Feito Feitoem emcasa casa O trabalho na funerária São Luiz, em Mariana, Minas Gerais, é feito em família, e até o cachorro recebe os que procuram esses serviços. Romeu Miranda é o proprietário e responsável pelas atividades gerais, como o transporte dos falecidos, e a venda de caixões. Tamanha é sua intimidade com a morte, que Romeu sabe até o dia que vai abotoar o próprio paletó de madeira, produto que ele vende e garante ser extremamente confortável. Na pequena placa de metal estão inscritas a data do seu nascimento - 19 de setembro de 1958 - e da sua morte, 142 anos depois, em - 18 de setembro de 2100. Em meio a caixões, coroa de flores um arrependimento: aquele que desde muito cedo era um frequentador velórios, confessa que “se pudesse voltar atrás, teria escolhido outra profissão”. A esposa Edna Miranda é responsável por dar vida, usando os recursos da maquiagem, àqueles que já se foram. O filho, ainda no ventre da mãe, a acompanhava pelos necrotérios, no resgate dos corpos já falecidos. Ela confessa que foi exatamente quando estava grávida que se sentia mais impactada na sua rotina de trabalho, sobretudo quando em seu caminho encontrava com crianças que já estavam na imobilidade. Edna é carinhosa com os falecidos que recebem seus cuidados. “Coloco o morto com bastante delicadeza na urna e tenho que deixá-los bonitos para o velório! Barba feita, batom bem passado, sobrancelhas aparadas”. A roupa ou a cor da maquiagem quem escolhe são os familiares: “A família gosta que eles estejam usando exatamente a mesma coisa que usavam em vida”. Ela conta ainda que nas primeiras vezes que precisou embelezar os falecidos, sentia medo, mas com o tempo, o processo foi se tornando natural. Na floricultura, “nem todas as flores tem a mesma sorte”. Enfeitar a morte também faz parte do ritual, e as flores são usadas tanto nos caixões quanto nas coroas que homenageiam aqueles que acabaram de partir. Hugo Stefano, propietário da Recanto Verde, conhece de perto a rotina de fornecer as flores para os velórios. Segundo ele,

“nesse momento, temos que ser discretos. Quando o falecido é muito querido, a família exige que as coroas sejam as mais bonitas e feitas com flores naturais”. Para o poeta Mário Quintana, “A morte deveria ser assim: um céu que pouco a pouco anoitecesse e a gente nem soubesse que era o fim”. Como anjos, o trabalho, carinho, conhecimento e experiência desses profissionais ameniza o sofrimento, tanto dos que estão no processo de partida, e dos que ficam e sentem a ausência daquele que se foi.


Sensação

O pulso ainda pulsa / O corpo ainda é pouco

Já nã o res piro, mas i nspir o Texto: Hiago Maia Foto: Viviane Ferreira Arte: Caroline Gomes

Índia. Logo que você me vê, já constata o

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porque do meu apelido. Embora já não possa abrir voluntariamente os meus olhos, meus traços não negam: descendo dos primeiros habitantes deste ilustre - e injusto - país. Hoje, carrego um pouco do fardo que pesava sobre as costas dos meus antepassados, o de ser explorada. Não! Não estou reclamando dessa condição, muito pelo contrário. Já que minha história em vida não foi tão mágica quanto a de Pocahontas, e muito menos fui a personalização da famosa Iracema dos lábios de mel, agora que já parti deste mundo, muito me orgulho da função que assumi. Há tempos, me mudei para Ouro Preto, para um lugar muito bem localizado no Morro do Cruzeiro. Nossa, mas como venta e faz frio por aqui! Estou até gelada... Pelo movimento de jovens ansiosos por desbravar o mundo pela profissão que escolheram, logo notei que havia me mudado para uma Universidade. Passei a ser um dos cadáveres de estudo da UFOP, mas prefiro dizer que me tornei universitária, porque não?! Mais do que isso, adotei para mim todos aqueles que me vem visitar, e que passam a ser meus melhores amigos. Peço que não tenham medo de mim! Já não posso lhes fazer mal algum e não pretendo acordar tão cedo deste sono tão pesado que durmo. Para mim, não há alegria maior do que quando pequenos grupos vem me fazer companhia. Abram meus olhos. Olhos que já viram muita coisa por esse mundo afora, mas que hoje servem para que vocês enxerguem através deles, o seu futuro. Mexam nas minhas mãos, que um dia também já usei para buscar os meus sonhos, como vocês fazem agora. Explorem os meus orgãos, quero que vocês entendam perfeitamente o que acontece dentro de vocês, é para isso que estou aqui. Mas peço um cuidado especial com o meu coração. Ah o meu coração... esse já bateu intensamente, cheio de vida. Já me proporcionou amores, aflições e alegrias.

Já passei momentos de tristeza aqui também. Tenho horror só em ouvir a palavra “greve”. Cheguei a ficar meses aqui sozinha, me sentindo esquecida. O silêncio nos corredores me fazia até pensar que estivesse morta, acreditam? Ao me ver aqui, da forma como estou, espero que se lembrem do quanto a vida é frágil e cuidem do corpo de vocês. O mesmo cuidado e carinho que vocês tem ao me tocar, é o que eu tenho por vocês. Por vezes já quis abraçar aquele futuro médico que sofre com a distância de casa e quis aconselhar aquela futura farmaceutica que acabara de por fim a um namoro. Já compartilhei com vocês a vontade de ter no cardápio do RU, um dia de comida japonesa e petit gateau na sobremesa. E quantas vezes já quis pintar meu rosto e usar um cocar de penas para ir às festas a fantasia no CAEM?! Inúmeras! Mas já que não posso sair daqui - esse frio realmente me desanima, aff! - me contento em vivenciar com vocês todos esses anseios. Quando meus amigos se formam, fico aqui mortinha de orgulho. Não garanto colocar um belo vestido longo para comparecer ao baile – minhas pernas sempre foram duras demais para dançar, e agora então... - mas permaneço aqui, torcendo pelo sucesso de cada um deles. A g o r a que já falei demais, vou voltar ao meu repouso. Sabem como é né?! Essa vida (ops!) de ser visitada e observada não é fácil. Tenho me sentido tão badalada, Iracema que se cuide...

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Comum

Analisando essa cadeia

Quanto custa a tua p “Esta cova em que estás, com palmos medida. É a conta menor que tiraste em vida. É de bom tamanho, nem largo, nem fundo. É a parte que te cabe neste latifúndio.”

Já se foi a época em que a música de Chico Buarque, Morte e Vida Severina, fazia jus aos velórios e enterros. Atualmente, as opções para as cerimônias funerárias são variadas e podem chegar a oferecer pacotes com preços exorbitantes, que englobam transmissão ao vivo do sepultamento, transformação de cinzas em diamante, e outras várias formas de se despedir: espalhando os restos mortais em um vôo de balão, no mar ou quem sabe, no espaço sideral. Além do valor emocional, muito se paga ao se preparar um funeral hoje em dia. No entanto, você sabia que há uma tabela referencial de valores das atividades de mais de 5.500 empresas funerárias no Brasil?

PADRÃO DE REFERÊNCIA DE FUNERAL

Categorias que definem o tipo do atendimento conforme a qualidade dos artefatos e especificações dos serviços Assitencial Serviço essencial destinado especialmente a pessoas não identificadas, famílias que não possuem renda/assistência/ e/ou recurso. O valor compreende custo do funeral gratuito realizado sem cerimonial. Social Serviço simples com cerimonial incluso, destinado especialmente a pessoas beneficiadas por programas governamentais e/ou serviço social municipal. Básico Serviço básico com artefatos, prestações de serviço e cerimonial compatível. Plano Funerário Compreende funeral conforme descritivo do plano funerário adquirido pelo contratante. Especial Categoria standard com artefatos de primeira e detalhes do serviço definidos conforme padronização da contratada. Solene Compreende serviço e cerimonial especial diferenciado pelos artefatos e cerimonial. Personalizado Serviço personalizado pela contratada. Exclusivo Serviço personalizado conforme solicitação do contratante.


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* Dados vigentes na tabela referencial 2013/2014 da Associação Brasileira de Empresas e Diretores Funerários, Administradoras de Planos Funerários, Assistência à Família, Crematórios e Laboratórios de Tanatopraxia (ABREDIF).

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Habitar

Ação e re-ação

Texto: Marcos Resende Foto: Isabella Madureira Arte: Flávia Silva

Tão perto, tão só Esses dias reparei uma situação curiosa: a relação das pessoas com a tecnologia e seus gadgets. De relance, contei pelo menos oito, de dez pessoas, que, enquanto esperavam pelo ônibus, não tiravam seus olhos e rabiscavam freneticamente com o dedo a tela de seus smartphones...


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Acompanhemos a vida de um tipo peculiar de estudante universitário durante um dia ordinário de aula. Começando pela manhã, ao acordar, nosso personagem checa seu email e suas redes sociais antes mesmo de colocar os pés para fora da cama. Em posse de um smartphone, um tablet, e um notebook, o hábito de compartilhamento e checagem das redes repete-se durante todo o dia. No caminho para a faculdade, mesmo acompanhado por um colega de quarto, nosso personagem coloca fones de ouvido e segue caminho até o ponto de ônibus escutando música pelo smartphone, isso tudo sem trocar uma palavra. No ponto, um ou dois cumprimentos se fazem necessários, mas nada que tire por muito tempo sua atenção do WhatsApp, onde conversa com pelos menos 3 pessoas simultaneamente. Ao chegar à faculdade, a disponibilidade de internet sem fio torna melhor e mais veloz a navegação, e assim que o estudante passa pelo portão do campus, seu WiFi é ativado. Após a chamada, aparentemente o único momento em que olha em direção ao professor, entram em cena também o tablet e o notebook, que ocupam a mesa até que a aula chegue ao fim. Na volta pra casa, tudo se repete até que é chegada a hora da última postagem do dia, e então, cama. Um dia de conexões. Reais ou virtuais?

Gadgets e interações limitadas

E ora, vejam só, a tecnologia concede, até aos que já se foram, uma maneira de ainda estar em vida por intermédio de seu antigo perfil de rede social. É muito provável que já tenhamos nos deparado com o perfil de alguém que já faleceu. Não chega nem a ser estranho que alguém expresse suas condolências via rede social da mesma maneira com que se deposita em uma lápide os últimos sentimentos em relação a alguém. E mais, em uma breve pesquisa na internet, encontramos parentes que conversam com o perfil de um ente querido que faleceu, como se aquilo aliaviasse, mesmo que figuradamente, a saudade de quem já se foi. Não é difícil encontrar, também, páginas e grupos que fazem uma coletânea desse tipo específico de perfil. Tudo isso nos faz tocar na ideia da memória eterna propiciada pela tecnologia e o recentemente tão debatido direito ao esquecimento, mas não entramos no mérito. Paramos por aqui. Deseja saber mais detalhes? Confira a Curinga Online: www.jornalismo.ufop. br/revistacuringa

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A evolução das tecnologias de comunicação encurtou as fronteiras entre as pessoas. Todavia, tal evolução trouxe, também, um contexto de isolamento ao oferecer aos usuários uma segunda realidade de interação entre os indivíduos: a realidade virtual. Substituída pela realidade virtual, a realidade física deixou as interações sociais comuns (conversa cara a cara, cumprimentos, despedidas, etc) em segundo plano. Tal prática dá origem ao que chamamos de “mortos sociais”. Trata-se de um tipo específico e singular de morte - a morte social - que não se constitui como uma morte em si, mas evidencia como o biológico e o social se cruzam. Em termos de definição, segundo a Tanatologia (parte da medicina legal que se ocupa da morte), o fim da vida ocorre quando determinadas perdas de funções – sejam elas físicas e/ou sociais –, impossibilitando ao indivíduo o desempenho de seu papel em um determinado grupo. Esse tipo de morte atrela-se ao fato do indivíduo tornar-se improdutivo e, por não desempenhar os papeis postulados pela sociedade, permanece, diante dela, marginal e à parte da vida social. Seriam esses os efeitos da tecnologia? Hoje, a partir de um único aparelho de tamanho minúsculo, os chamados gadgets, podemos obter uma vasta gama de informações e entretenimento, o que, ao passo que facilita nossas vidas, nos torna cada vez mais dependentes tecnológicos. Segundo Ana Elisa Novais, professora do Instituto Federal de Minas Gerais - campus Ouro Preto (IFMG-OP) e pesquisadora da área de Interação Humano-Computador, o fascínio pela tecnologia dos gadgets se dá pela quantidade de interações que ele permite. “Quanto mais interações, mais complexos vão se tornando esses dispositivos. Quanto mais complexos e mais integrados, quanto mais facilitam nossas vidas, mais nos atraem”, afirma. Questionada também sobre os possíveis malefícios oriundos da evolução da cultura digital, Novais afirma que há tempos deixou de lado a tentativa de definir se a tecnologia é boa ou ruim para o homem, no entanto ressaltou que existem sim práticas nocivas que são potencializadas pela tecnologia tal como a pedofilia, a exposição sem limites e o uso excessivo de dispositivos móveis. “Essas práticas, assim como crimes, podem ser evitados, se esclarecidos sem tabus e inverdades”, completa. Logo, como aponta Novais, podemos achar que os limites são impostos pelos sistemas tecnológicos, mas eles foram feitos por seres humanos, e vão ser utilizados por outros seres humanos, também complexos. A tecnologia e todo o leque de possibilidades oferecido por ela, enfim, se apresenta ao homem, não como algo bom ou ruim, mas sim como caminho e ferramenta a serviço da humanidade.

Perfis póstumos

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Opinião

Eu devo dizer

(Dú)vida após a morte

A gente começa a morrer assim que nasce. A morte é uma das únicas certezas que temos na vida e ainda assim um grande mistério, afinal, o que é que acontece quando passamos dessa para melhor? Sobre a terra dos pés juntos ninguém sabe muita coisa ao certo, mas o que não falta é especulação. Os rituais funerários carregam sempre uma simbologia a respeito do que se espera que aconteça a seguir. A coisa vai mudando de figura conforme as crenças de cada povo. Enquanto no Egito Antigo os grandes faraós eram enterrados com tudo aquilo que o morto pudesse precisar depois da morte, desde tesouros até seus gatos de estimação, para os Hindus ele deve ser cremado para se livrar de tudo ligado à matéria e a este mundo, ficando assim livre dos seus pecados e pronto para a próxima vida. Um ritual comum para os esquimós antigamente era amarrar seus anciãos no fim da vida a uma espécie de maca, para que ficassem flutuando pelas águas geladas. A prática garantia que eles tivessem uma morte digna, sem que se tornassem um peso para a família, podendo assim alcançar a paz eterna. A maioria das religiões prega que a

morte é apenas o fim de um ciclo. Para os budistas a vida na terra serve apenas para que as pessoas deixem de ser ignorantes e alcancem a sabedoria e o desprendimento que as levará à perfeição espiritual. Já de acordo com as religiões cristãs, a justiça divina dirá se o sujeito foi bom o suficiente para ir para o céu ou se merece o inferno como castigo por suas ações terrenas. É curioso pensar que, tanto o luto típico do velório como a comemoração do Dia dos Mortos, são práticas de quem está vivo. Não que sejam uma celebração do fim, mas um culto às lembranças dos que se foram. A morte dói mais para quem fica por aqui mesmo, morrendo de saudade de quem vai. Com exceção do medo do fogo eterno, que tanto assombra as crianças quando fazem alguma má criação, até que as histórias sobre a morte parecem concordar em um ponto: o depois parece bom. Agora temos que convir, pela quantidade de versões diferentes sobre o que acontece nos capítulos pós-vida percebese que o homem é capaz de chegar à lua. Mas ninguém jamais voltou da morte para nos contar como vai ser quando fecharmos os olhos pela última vez.

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Texto: Dayane Barretos Foto: Isadora Ribeiro Arte: Gisela Cardoso


Travessia


Uma parte Abílio Theo Lila Billy Teodora Denis YumiMercedes Rogério Kevin Tulio Amalia Paulo Pedro Mia Amanda, Marian Rômulo Bruno Luiz Tiago, SilviaSarah José João Bárbara Carolina FelipFlávio Orlando Olívia, Eduarda Fadia Carlos Nina Otho Samuel Arthur Joana Maysa Luíza Júlio, Hiago Rodolfo Dalilia Bruno LumaTamara Adriana Izabel Sales Gustavo Gabriel Francisco Fabiana Cristiano Ludovico Heitor Beatriz Elaine calixto Heverton Jessica Fido Lucas Ivone Tadeu Odair Antônio Kaio Luciana Rafael Nathan Pedro Ana Viviane Tatiana Vinícius Larissa Cláudia Agata Cícero Cristina Lucília Pablo Mariana nathalia Daniel Henrique Jenifer Marcos Matheus Bianca Brigido Fernada Wanessa Irineu Regina Rose Heric Janaina Thabata Betina Julia Maciel Mara Geovane Pietro Sophia Juliana Silmara Junior Lorena Rodrigo Tobias Ricardo Thiago Tomé Íris Maurício Cássia Camila Liza Lídia David Miguel Monica Guilherme Bernardo Jean Helena Nicolas Murilo Victor Richard Verônica André Augustus Dener Neide Moises Catrina Wanda Thaís Tulio Madalena Daisy Éric PatrickTácio Valdir Tânia Jefersson Carina Jair Carmem Elizabete Débora Mariza Joenalva Valdomiro Rayza Ramana Otávio Orlando Olga Milton Abel Enzo Emili Caetano Jacó Nádia Keila Olímpio Quitéria Paloma Mabel Jacir Lara Rani Cauê Alana Brenda Raimundo Charles Paolo Mafalda Sabrina Sandra Robson Salomé Ulisses Yasmim Luka Zélia Zenaide Yoco Wallace Livia Samara Olavo LiMagno Kaleb Édison Dália Basílio Edgar Elias Aranaldo Liliam Lucilia Toby Clara Marcela Tobias Lara Samira Yan Texto: Bárbara Monteiro Foto: Maysa Alves Arte: Carol Lourenço


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continua a pulsar

Em dezembro do ano passado, Jaílson Sil-

va estava sendo levado ao centro cirúrgico quando recebeu a notícia de que o transplante seria abortado devido às condições do fígado doado. “Você fica naquela expectativa de chegar sua vez, de ter uma esperança de vida e de repente chega a notícia de que não iria fazer. Tudo desabou na minha cabeça e eu pensei que iria morrer”, recorda. Quatro mesews depois, com um novo doador o medo se dissipou. Para Jaílson, uma benção. Para a medicina uma vida prolongada. O primeiro transplante - bem sucedido - de órgaos que se tem registro, foi realizado nos Unidos no ano de 1954. Desde então, essa técnica cirúrgica é vista, basicamente, como um tratamento realizado através da transferência do órgão sadio de um indivíduo para outro, que teve suas funções alteradas ou interrompidas por alguma disfunção em seu organismo, geralmente associadas a doenças irreversíveis e agudas. Experiências anteriores explicitaram a necessidade de compatibilidade entre doador e receptor, além da aceitação do novo órgão pelo organismo de quem o recebia. No Brasil, os primeiros transplantes foram renais e feitos na década de 1960. Para o cirurgião do Programa de Transplante de Fígado do Hospital Israelita Albert Einstein, Luis Gustavo Guedes Diaz, “o grande marco dos transplantes foi o desenvolvimento de medicações capazes de reduzir a resposta imunológica do paciente, permitindo que um órgão de outra pessoa trabalhe adequadamente em outro organismo, sem sofrer rejeição”, afirma. Dados da Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos (ABTO) mostram que atualmente, no país, são realizados cerca de 6.250 transplantes por ano, apenas de doadores falecidos. Os tecidos também podem ser doados após a morte, como por exemplo, as córneas, que em 2013 bateram isoladamente o número de 13.744 doações.

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Assunto restrito Embora seja um tema importante, falar sobre a doação de órgãos ainda causa desconforto por diversos motivos. “O desconhecimento da sociedade sobre a forma como ocorre o processo de doação, os benefícios para quem os recebe somado a temas que envolvem diretamente o campo religioso e a esfera política, também são entraves que fazem com que o assunto seja pouco debatido”, afirma o sociólogo formado pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Giulliano Placeres. Muitas pessoas argumentam também que falar sobre a doação de órgãos é incômodo por ser um tema intimamente ligado à morte. Porém, deixar de falar sobre o assunto em vida faz com que o número de doações caia consideravelmente, já que a única maneira do transplante ser efetivado por parte do doador é a autorização da família para a retirada e transplantaçào. O bancário Jaílson, aos 29 anos, lutava há sete contra uma doença autoimune. O jovem percebia a contradição entre a necessidade de se falar sobre a doação de órgãos e a ausência deste assunto na rotina das pessoas quando precisou de um fígado. “A gente passa a ver com outros olhos quando precisa. Enquanto não faz parte do seu cotidiano, muitas vezes você não se importa”, relata. A linha que separa a vida e a morte é tênue nos casos dos transplantes. Segundo informações do Sistema Nacional de Transplantes (SNT), a fila de espera é nacional, sendo separada de acordo com o órgão que se necessita e obedece a critérios de

gravidade e ordem de inscrição. Os órgãos que serão transplantados podem ser captados em qualquer local do país, porém não são todas as regiões que realizam a cirurgia do transplante. Preferencialmente, quando surge algum órgão em um Estado, procura-se por um receptor compatível na mesma região, devido ao tempo limite extracorpóreo (fora do corpo) dos órgãos, que varia entre 4 e 48 horas. Apesar das angústias individuais, todos os casos têm uma semelhança: a necessidade de haver um doador. No caso de Jaílson, a espera foi de 10 meses. “Quando você está na lista de transplantes, você pensa muita na morte, porque ela faz parte do seu cotidiano. Você vê milhares de pessoas que estão aguardando por um órgão não suportarem e isso te deixa muito abalado”, completa. No Brasil, a se julgar pelos números, essa espera vem diminuindo. Ao comparar o desenvolvimento da doação de órgãos, é notório o aumento de transplantes realizados. Os números nas doações saltaram de 4.976 no ano de 2004 para 7.656 em 2013. Segundo Luis Gustavo Guedes Diaz, “o transplante de órgãos é um bom exemplo de serviço público de alta complexidade, que trabalha de forma eficiente e transparente fazendo com que o país possua o maior sistema público na área em todo o mundo”, ressalta o médico. A atitude de quem faz doações sempre está relacionada a um ato de altruísmo, mas também de consciência. Para o sociólogo Giulliano Placeres, além de conceitos ligados a ideia de solidariedade, é necessário uma reflexão da sociedade perante o assunto. “O aumento da conscientização entre a população sobre o processo que envolve a doação e seus benefícios ajudam a explicar o


crescimento das doações, muito mais que apenas um ‘gesto nobre’ ou de ‘caridade’”, argumenta.

Solidariedade Consentida

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Danielle Diehl autorizou há quatro anos a doação das córneas de sua mãe. Mesmo sem nunca terem falado sobre o assunto, o motivo que prevaleceu para que a doação ocorresse foi pensar na possibilidade de trazer novamente a visão a alguém. “Na hora agi por impulso, mas lembro que cogitamos qual era a diferença que iria fazer ela ser enterrada ou não com as córneas. Pouco tempo depois, quando comecei a entender, a ter consciência, percebi que duas pessoas iriam voltar a enxergar por causa dela”, explica. No Brasil, a legislação anterior referente à doação de órgãos previa a “doação presumida”, que consistia em uma registro de autorização para ser doador em documentos como a Carteira de Identidade e a Carteira Nacional de Habilitação. Essa lei foi válida apenas até os anos 2000, pois as pessoas se mostraram contrárias ao consentimento da doação por acreditarem que não receberiam atendimento, principalmente, de urgência, caso fosse necessário por serem doadores. Segundo o médico cirurgião, Luis Gustavo Guedes Dias, é importante reforçar que essa legislação não está em vigor e que esse risco não existe. Atualmente, apenas a família do doador diagnosticado com morte encefálica (morte de um indivíduo em que as funções dos órgãos são mantidas por pouco tempo devido a suporte clínico) pode autorizar a doação dos órgãos. Nesse sentido, o diálogo familiar é extremamente importante. “Isso irá facilitar a opção dos familiares em torno da doação de órgãos, assim como o cumprimento de todos os trâmites legais para efetivar essa doação”, completa o cirurgião.

para ele a experiência do transplante foi mais que um renascimento: foi a oportunidade de poder sonhar e viver. “Muitas pessoas me perguntam sobre o doador e essa é uma pergunta que não tenho resposta. O que eu sei é que vivo graças a ele. Nós podemos salvar uma pessoa, mantendo parte dela dentro de nós. Esse é o grande mistério do transplante”, conclui.

Vida nova

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Em 2002, Antônio Luis Bonini recebeu um novo pulmão. Ele sofria de talcose alveolar e sobrevivia apenas com 9% da capacidade pulmonar. A qualidade de vida era quase inexistente e a fila de espera para o transplante demorou quatro meses. O que se sabe a respeito do doador é que era um jovem que salvou outra vida doando também o coração a uma mulher. “A sensação de respirar novamente supera qualquer pensamento. É uma gratidão muito grande para com a família e normalmente a família do doador vê como uma evolução da pessoa que morreu. Uma parte que continua viva”, completa. Nesses onze anos após o transplante, Antônio faz acompanhamento médico a cada três meses. Segundo ele, questões relativas aos transplantes se desenvolveram nesse tempo, como o maior diálogo sobre o assunto, a evolução nos medicamentos e no tratamento pós-operatório, circunstâncias que ofereceram melhores condições de vida após a cirurgia. Os aniversários passaram a ter outro significado e são mais comemorados no 16 de novembro, dia do transplante, do que na data que realmente marca seus 57 anos. O bancário Jaílson está completando cerca de três meses de cirurgia e já percebeu mudanças em seu corpo, como a cor de sua pele e olhos, que pouco a pouco estão voltando ao normal. Sem saber absolutamente nada sobre o doador,

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O peso do caminhar “Quando não houver saída Quando não houver mais solução Ainda há de haver saída Nenhuma ideia vale uma vida...” (Titãs)

De acordo com um re-

latório

da Organização Mundial de Saúde (OMS) a cada 40 segundos uma pessoa se mata no mundo. Isso corresponde a um milhão de suicídios, por conseqüência de uma depressão ou de um transtorno mental. Conforme os dados do Datasus (banco de dados do Sistema Único de Saúde do Brasil), o uso da palavra suicídio é evitado nos laudos médicos, sendo escrito como: “morte por lesões autoprovocadas voluntariamente”. O suicídio, assim, além ser tratado como um tabu social, ainda não é encarado como um problema de saúde pública. Esse número tem crescido entre os jovens e no Brasil o suicídio é a terceira causa de morte entre os adolescentes. A psicóloga do Centro de Atendimento Psicossocial de Ouro Preto (CAPS), Alexandra Albano, afirma que a maioria dos casos envolvendo adolescentes que chegam à instituição são por tentativas de suicídios. “Com bastante freqüência realizamos atendimento de jovens entre 15 e 23 anos que tentaram de alguma forma se matar. Em quase todas as situações

essa ação é motivada pelo fim de um namoro. Mas, é importante ressaltar que em vários casos não existe a intenção de morrer, porém chamar atenção dos familiares”. Ao longo da história casos de morte auto provocadas ficaram famosos: como o da cantora Marilyn Monroe, do rei do Rock Elvis Presley, do pintor Vincent Van Gogh, e outros que conquistaram fama, dinheiro, prestígio e tudo mais que, sob o ponto de vista material, alguém poderia desejar para ser feliz. No entanto, por meio de um ato que parece ser incompreensível, decidiram por não mais viver. Para Alexandra Albana, cumprir com padrões exigidos pela sociedade, para algumas pessoas, não é fácil. Por isso o entendimento desse tema está no foco de discussões de corrente de estudiosos.

Suicídio em questão Autores da sociologia e da psicanálise desenvolveram perspectivas distintas para compreender o fenômeno. Dentre eles destacam-se o sociólogo Émile Durkheim e o psicanalista Sigmund Freud. Em

Texto: Dalília Caetano Foto: Ana Luísa Reis Arte: Thiago Novais


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1897, Durkheim publicou o livro “o Suicídio- Estudo sociológico” em que o autor tentou explicar o suicídio como sendo uma conseqüência da relação entre o individuo e a sociedade na qual está inserido. Segundo Durkheim quanto mais profunda for à relação dos indivíduos nos grupos sociais, maior será a possibilidade deste suicidar-se. Por isso, para o autor, o suicídio ainda que seja uma ação particular, pode estar atrelado a causas que permeiam a sociedade. Já para Freud existem duas possíveis explicações para autodestruição. A primeira é quando um amor não é correspondido e toda agressividade do homem volta- se contra ele mesmo. A segunda é quando o autor constata que o homem possui dois instintos antagônicos desde o inicio da vida: O instinto da morte que se opõe ao instinto da vida e de reprodução ou libido, e que ambos poderiam sobrepor-se um ou outro, dependendo das condições que a pessoa está exposta na sociedade e em seu contexo familiar. Em ambas as teorias a sociedade é vista como o principal elemento motivador do suicídio, por se tratar do lugar onde o individuo estabelece suas relações afetivas com o outro. O professor de sociologia da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), Ubiratan Vieira, afirma: “somos quem somos, pois nos relacionamos com outras pessoas, e nossas ações têm implicações para as pessoas com as quais nos relacionamos”. Dentro da psicanálise alguns casos de tentativas de suicídios resultam de contextos nos quais o sujeito se vê acometido por um excesso de traumas que seu aparelho psíquico mostra-se incapaz de processar e metabolizar, ou devido à existência de laços afetivos e familiares desestruturados. Como salienta a professora de psicologia da UFOP, Margareth Diniz, “o suicídio é um ato que acontece após um contínuo existencial conturbado e incerto, que está relacionado a um processo psicossocial, que somos quem somos, pois nos se inicia na família. Assim, diante da hipótese de se ter relacionamos com outras pessoas, vivido sob vínculos frouxos e e nossas ações têm implicações pouco estruturados, esse papara as pessoas com as quais drão tende a se repetir pela nos relacionamos socialização secundária: grupo conjugal, de trabalho, de Ubiratan Vieira educação, de religião. Sem o apoio, essa dificuldade pode levar às tentativas de suicídio e aos suicídios fatais”, explica. Viver ou morrer são um direito e uma escolha, porém nota-se que a sociedade condena o suicídio, considerando um ato de loucura, covardia e egoísmo. Todavia, não é possível traçarmos uma definição quanto à legitimidade deste ato. De acordo com a psiquiatra Ana Cláudia Lemes, que atua no CAPS de Ouro Preto: “Não é possível condenar o ato de suicídio como sendo uma loucura, como muitos pensam, pois jamais seremos capazes de julgarmos a dor do outro. Porém, temos que tentarmos ser solidários com pessoas que apresentam tendência suicida, visto que o suicídio é uma doença grave, e como tal necessita de tratamento”. “O mundo a cada dia exige que as pessoas sejam perfeitas e que alcancem êxito em tudo o que fazem. Para ser reconhecido e valorizado é preciso se adequar a um padrão estético, econômico e social criado pela sociedade. Quando o sujeito foge ou não alcança esse patamar é considerado um fracassado, assim é obrigado a viver refém desse medo de nunca ser aceito dentro desse grupo”, afirma Ana Cláudia Lemes. A psicóloga declara ainda que dentro deste contexto muitas pessoas acabam por desenvolver uma depressão que pode ter como uma conseqüência possível o suicídio. “Não é qualquer pessoa que é capaz de sobreviver em uma sociedade em que você é obrigado a superar o outro e a si mesmo. Existem várias pessoas que não dão conta de manter estáveis tantos laços e, por isso, passam a acreditar que são inúteis, inferiores, até chegarem ao estágio de pensarem que não tem mais importância e em virtude disso pensam que não vale mais apena viver”.

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Atos e consequências

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Quando parecem ser insuportáveis o peso e as cobranças do mundo, o desejo de não mais ter que confrontar-se com essa situação torna-se constante. No entanto, nem sempre optar pela ausência definitiva no mundo é o caminho. Atentar contra própria vida é uma ação muito séria e que pode consequências tanto para quem o pratica quanto para as pessoas ao redor. Isso pode ser confirmado pelo fato de pessoas que tentaram o suicídio, quando procuradas para entrevistas, recusaram-se a falar do assunto, alegando que não desejavam relembrar esse momento doloroso. Para quem perde alguém a dor também existe. A dona de casa I.S comenta sobre a dificuldade de compreender este fato. “Lidar com a morte de qualquer ente querido é doloroso, mas quando a causa da morte é devido a um ato de suicídio a dor é acentuada. Quando soube que minha tia havia se matado com

as próprias mãos, a primeira sensação que me ocorreu foi a culpa. Na verdade não buscamos encontrar uma explicação para o caso, é um momento de grande confusão mental, mas sim um responsável.” Para a psicóloga Alexandra Oliveira, discutir as causas e as conseqüências desse ato é o primeiro passo para ajudar pessoas que sofrem com esse transtorno. “O comportamento suicida abrange três etapas: os gestos suicidas, as tentativas de suicídio e o suicido consumado. É considerado um processo de autodestruição, pois até chegar a consumação deste ato ele passa por várias tentativas, em alguns casos traumáticos, ou tão somente pelo fato de não receber ajuda e apoio necessário que o impeça de tomar essa decisão. Assim, falar sobre o assunto é de fundamental impor-

tância no combate e prevenção do suicídio”, avalia. No dia 10 de setembro é comemorado o Dia Mundial de Combate ao Suicídio, uma forma de alertar sobre essa questão e divulgar maneiras de evitar este acontecimento. Em 2013, o tema escolhido pela Organização Mundial da Saúde foi “Estigma: uma barreira para o combate ao suicídio”. A temática evidencia que os governos desenvolvam políticas públicas e estratégias nacionais de prevenção ao suicídio, por meio de programas de conscientização e atividade nas comunidades.


O mundo em mim CURINGA | EDIÇÃO 11

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Habitar

Eis a questão

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Feliz é viver CURINGA | EDIÇÃO 11 CURINGA | EDIÇÃO 11

Texto: Danielle Diehl Fotos: Mayra Santos Costa Arte: Pablo Silva

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Do ciclo da vida, sabemos que nascemos, crescemos, envelhecemos e morremos. Segundo a pesquisa “Idosos no Brasil - Vivências, desafios e expectativas na 3ª idade” (2007), realizada pela Fundação Perseu Abramo, em parceria com o SESC Nacional e SESC São Paulo, a imagem da velhice está principalmente associada ao fim da existência, tanto para os próprios idosos (88%) como para os mais jovens (90%). Entretanto, 69% dos idosos se sentem satisfeitos ou felizes com a idade que têm. Mesmo entre aqueles que já não moram juntos da família, como os que estão no Lar Comunitário Santa Maria, há muitos que não enxergam a chegada do tempo como algo triste ou que os impossibilite de qualquer coisa. Cantam, riem, rezam, jogam bola, carregam netos e bisnetos. Vivem o hoje sem preocupações com o amanhã. A beleza de estar vivo e procurar ser feliz.


Entre o corpo e a mente

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Sensação

O pulso ainda pulsa / O corpo ainda é pouco

e u q á r

Se

? o cid

e d eu

Texto: Kênia Marcilia Foto: Lucas Machado Arte: Flávia Silva

Há anos, a eutanásia é fonte de opiniões divergentes. Afinal, a morte, assim como a vida, é um direito?

O engenheiro Deivid Oliveira, 31, não tinha certeza se já havia pensado sobre a eutanásia antes da tragédia que acometeu sua vida. Recuperado de um grave acidente em 2002, quando lesões no cérebro o deixaram em coma e mais de 20 dias no CTI de um conhecido hospital de Belo Horizonte, é enfático em dizer “que para quem está vegetando, talvez o ‘descanso em paz seja a melhor opção”. Entre a comunidade médica, é quase unânime a posição contrária à prática. É compreensível a relutância dos profissionais da medicina acerca da eutanásia, pois ela significa, de certo modo, a desistência ou fracasso diante da tentativa de salvar vidas. Ainda assim, há os que são contrários ao prolongamento artificial da vida. Além da preocupação com o sofrimento do paciente, existe a necessidade de abrir vagas em UTIs e o custo alto de manter viva uma pessoa sem prognóstico de sobrevivência. Considerada ilegal no Brasil, passível de condenação (4 a 17 anos de prisão) a eutanásia causou acirradas discussões em 2012, quando uma comissão de juristas foi nomeada pelo Senado para apresentar um anteprojeto do Novo Código Penal, que propõe aplicar penas mais brandas a quem praticá-la. .


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Ética x Arbítrio Por séculos o ‘abreviar a vida’ vêm sendo discutido. Na filosofia encontramos posições contrárias em referência a “morte boa”, como era considerado o suicídio para muitos filósofos gregos e romanos. Nietzsche considerava a idéia do suicídio um poderoso consolo “ela ajuda a passar mais de uma noite ruim”. Já Hipócrates, conhecido como pai da medicina ocidental condenava a prática da eutanásia.“Mesmo instado, não darei droga mortífera nem a aconselharei; também não darei pessário abortivo às mulheres”. A polêmica que cerca a eutanásia é motivada pelo incompreendido, a morte sempre foi cercada de mistério e a vida cultuada como um direito indissolúvel. Quando o desejo pela morte é justificado por fins de compaixão, piedade ou alívio, acaba por ir à contramão do natural, que é a luta por sobrevivência. “Acredito que vivemos em uma era onde há uma supervalorização da vida. As pessoas são obrigadas a viver sobre qualquer circunstância. A eutanásia voluntária é um ato de solidariedade sem dúvida, uma atitude altruísta”, diz Gabriel Lage, filósofo e professor do Sistema de Educação Profissional em Itabira (MG). O conflito ético não se resume às discussões somente no âmbito da filosofia. Na religião, principalmente no Catolicismo,

a eutanásia efervesce as discussões. A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil lançou em 2008, a Campanha da Fraternidade “Escolhe, pois a vida” evidenciando o posicionamento desfavorável da Igreja Católica em relação à eutanásia. Em uma cena memorável do filme espanhol Mar Adentro, vencedor do Oscar (2005) por melhor filme estrangeiro, um padre tenta convencer Ramón a desistir da idéia de morrer. O personagem justifica este desejo dizendo “que uma vida que impede a liberdade não é vida”. A cena explicita o quanto é delicada a decisão pela morte. Em países como a Holanda, Bélgica e Luxemburgo o cidadão pode registrar legalmente o desejo pela morte nos casos em que o prognóstico seja fatal e os meios de continuação terapêutica não resultem em benefício ao doente. Mas, e quando a família toma a decisão pelo paciente? É comum casos de acidentes ou vítimas de maus súbitos que não tiveram tempo de expressar o desejo pela interrupção da vida e a família então assume a responsabilidade de decidir pelo paciente. E é nessa transferência de responsabilidade que está a maior polêmica de todas: decidir pela morte de alguém que não tem condições de expressar o desejo de continuar vivendo, mesmo que em sofrimento e artificialmente.

Por amor Rebeca Wright, 21, tinha 16 anos quando o tio, após um traumatismo craniano devido a uma queda, entrou em estado vegetativo. Desde então, a família nunca mais foi a mesma. Tiveram que mudar toda a rotina e revezarem nos cuidados ao tio. “Ele ficou durante alguns meses no hospital e depois foi levado para casa, mas após seis anos ainda não acordou. Tivemos que contratar uma enfermeira, mas como enfermeira em tempo integral é muito caro, os irmãos tiveram que aprender a cuidar da alimentação, higiene, para revezar com ela” Rebeca diz que a família é constantemente questionada sobre manter o tio vivo mesmo com prognóstico negativo de rea-

ção. A resposta, segundo ela, é simples “a esperança de que um dia ele vai voltar a sorrir”. Sorrir! É o sorriso de Ramón, no filme Mar Adentro que comove a advogada vivida por Belén Rueda a ajuda a vencer nos tribunais e obter o direito de morrer. Indagado pela advogada sobre o porquê de sorrir tanto ele responde: ”Aprendi a chorar com sorrisos”. A dualidade presente na frase nos leva a reflexão do quanto ainda é complexa a discussão sobre eutanásia, deixando muitos sem respostas para a pergunta “qual o limite entre um ato solidário e o homicídio”?

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Habitar

Ação e re-ação

Vida reescrita Quem vê Robson por aí, parado na porta dos estabelecimentos da cidade de Mariana ou garantindo a segurança das casas de show da cidade, com seus quase dois metros de altura, pode não imaginar metade do que ele já passou.


Como foi a sua vida dentro da cadeia? Quando uma pessoa vai presa, independente do ato que pratica - pode ser o furto de uma agulha ou o crime mais horrendo do mundo - se diz inocente. Eu não; já cai no sistema sabendo que eu não era inocente. Eu tinha consciência de que teria que pagar pelo crime que havia cometido. E lá dentro eu desenvolvi um dom que eu tinha em São Paulo, mas que não praticava: a pintura. Esse dom me ajudou a passar esse tempo. Minha família vinha me visitar periodicamente. Eu não podia tornar o meu comportamento dentro do sistema penitenciário prejudicial a mim mesmo. Então, cumpri o que foi imposto: quando pediam um atestado de antecedentes era sempre ótimo, e eu prestava serviços de pintura dentro da delegacia. Acredito até que minha pena tenha sido reduzida em virtude disso: a cada 3 dias trabalhados, um dia é descontado. Você diz que não se arrependeu do crime que cometeu. De alguma forma isso ficou te atormentando? Sim. Principalmente nos dias que sucederam ao crime. Colocar a cabeça no travesseiro e pensar na situação enquanto você está ali, preso, é difícil. Quando você está na rua, corre, vai para o mato, pula numa cachoeira, vai à praia, foge. Mas quando você está num espaço físico limitado, não tem o que fazer. Então você tem que ocupar o tempo, criar algo para se distrair. Isso tudo me atormentou muito, por um bom tempo. Mas aí eu tive uma companhia de um cara chamado Deus e de um livro que se chama Bíblia. Eu resgatei o que eu era no passado e fui melhorando, aliviando as preocupações sobre o futuro, e de como eu olharia na cara das pessoas. Você também desenvolveu o dom da escrita enquanto esteve na cadeia? Não. Desde o início de minha adolescência eu gostei muito de escrever. Hoje, mesmo tendo computador, tenho o

meu caderno e a minha caneta. Eu só passo pro computador quando percebo que no papel está perfeito. E só divulgo na internet quando vejo, de verdade, que se vierem as críticas, elas serão positivas. Tudo o que escrevo tem uma história, seja ligado a minha vida, minha profissão e minha família. Nada é banal. Eu tenho um livro escrito com a minha biografia, a minha história. No último dia 4, fui até Belo Horizonte receber um titulo da Academia Brasileira Virtual de Letras, que me foi entregue em reconhecimento à qualidade da minha escrita. Recebi um certificado de honrarias ao mérito. E, em novembro, receberei o título da Academia Nevense de Letras, Ciências e Artes (ANELCA), da cidade de Ribeirão das Neves, que também lançará um especial com 70 poemas meus em seu site oficial. Você diz que matou pela sua família. Você não pensou na família daquela mulher? Eu disse isso abertamente para o juiz e vou repetir. Interprete isso como quiser: eu pensei na família dela da mesma forma que, quando ela foi até a casa da minha ex-mulher e praticamente cometeu um ato trágico, pensou na minha família. Só que ela teve a infelicidade de existir uma grade entre ela e o meu filho. Entre mim e ela não havia uma grade para defendê-la. Como foi depois que você saiu da cadeia? Foi interessante demais. Eu sai da cadeia numa quartafeira, era véspera de feriado, 8 de dezembro. Eu estava andando pela cidade, passeando. Passei em frente ao Restaurante Xodó, antigo em Mariana, na Praça da Sé. Do outro lado da rua, havia uma danceteria. Então eu li: precisa-se de segurança. Comecei a trabalhar no mesmo dia. Não parei mais, e estou nessa vida até hoje. As pessoas tem medo de você, Robson? Sim! Muita gente tem medo de mim. Algumas pessoas deixam de ter amizade comigo porque não sabem de fato quem eu sou, não sabem da minha história, das minhas ideias. Elas criam uma mentalidade de que sou prepotente, carrancudo, mau, ruim, metido a besta. Eu não gosto desse preconceito. Muita gente critica: “nossa, o cara matou uma pessoa outro dia mesmo e agora anda armado e com algemas”. Essa pessoa não sabe que eu passei por avaliação psicológica e psicotécnica, não sabe que sou registrado na Polícia Federal, e que tenho cadastro e registro para exercer a minha profissão. Eu tenho uma empresa de segurança, não posso colocar um colete e portar uma arma de forma irregular.

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Você se arrependeu pelo que fez em algum momento? Lamentavelmente eu tirei a vida dessa pessoa. Mas eu não me arrependo. Eu tenho um filho que hoje tem 26 anos, é casado. Eu tenho um neto de um ano e meio, um filho de 15 anos e outro de 7. Pra defendê-los, independente da situação, da circunstância – podem criticar, podem me chamar do que for – se tiver que chegar a esse ponto de novo, eu chegaria. As palavras “família”, “sangue” têm um significado muito forte. Pra defender a minha família, pode ter certeza que eu me transformo num bicho. O sangue fica quente demais.

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Robson Martins Carvalho é segurança e escritor. Viveu cinco anos na cadeia, condenado por matar uma mulher. Sem arrependimentos, sem segredos e como um livro aberto, a vida de Robson (e Robson) mudaram depois do ano de 1990. Um crime que assustou o pequeno distrito de Antônio Pereira: Robson, cego de raiva, num ato impulsionado pelo ódio, tirou a vida de uma mulher que ameaçou sua ex-mulher e o filho de um ano de idade. “Eu via tudo branco. Eu não enxergava casa, não enxergava nada. Só pensava em realmente dar fim àquela vida. Fiz e na mesma hora me entreguei. Aí que a situação começou a tomar forma novamente: cores, casas, objetos, pessoas à minha volta”. Hoje Robson é casado, pai de 3 filhos, tem 49 anos e vive uma vida diferente de quando cometeu o crime, há 25 anos atrás.


O que você quer deixar para seus filhos? Eu quero deixar a minha nova vida de 1995 pra cá, no que eu puder servir de exemplo pra eles. Primeiro, de um cara muito trabalhador, honesto, que tenta andar no caminho mais centrado, que evita ao máximo dizer uma palavra dura para o próximo. Tentar mostrar pra eles que a vida vale muito mais do que uma facada, um tiro. Desejo que eles possam enfrentar e resolver os problemas de uma forma diferente da minha: de forma mais saudável, mais inteligente, sem chegar ao extremo. Mas eu quero que eles tenham o mesmo amor, a mesma entrega, a mesma dedicação, a mesma submissão em termos de afeto, de amor e carinho para com os filhos deles, assim como eu tenho com eles. Você acha que, no seu caso, o problema poderia ter sido resolvido de outra forma? No meu caso não. Eu sinto que se não fosse naquele dia, seria em outro. Mas o fim seria aquele. Eu estava totalmente cego. Por isso eu não quero esse caminho para os meus filhos. Porque mesmo não me arrependendo, eu tive que pagar. E você perder hoje 5 ou 6 anos da sua vida, no mundo acelerado e agitado como está, é perder muito tempo. Como você conheceu sua atual esposa? Aqui em Mariana, na cadeia. Ela sempre foi muito católica. Às quintas-feiras os presos tinham direito a visita, e às quartas, tínhamos reunião para as orações. E ela era uma das líderes do grupo de oração carcerário. Nós começamos a namorar porque eu não ficava em cela, eu tinha meu alojamento. Quando ela chegava, era eu quem abria a grade que dava acesso às celas. Era eu também quem distribuía a alimentação para os outros presos. Começamos a nos olhar, nos falar e, em 1995, começamos a namorar. Casamos um ano depois.

Alguma vez ela te questionou algo sobre o crime que você cometeu? Nunca. Sempre fomos muito francos um com o outro, com muita abertura. Mas ela nunca me questionou o por quê, mesmo com a grande abertura para o diálogo que nós temos. Eu nunca escondi nada dela, ela simplesmente me aceitou. Tanto que depois que nos casamos, nós passamos a fazer parte da Pastoral da Igreja, fomos um dos casais coordenadores do curso de noivos. Sua vida então mudou? Você se considera uma pessoa melhor? 75% melhor! O único perfeito morreu na cruz, de braços abertos, e não agradou a todos. Eu não digo que sou perfeito nunca, seria muita pretensão. Eu melhorei muito, antigamente eu não tinha estopim. A minha esposa diz que quando me conheceu eu era uma pedra bruta, que precisava ser lapidada. Ela está tirando umas lasquinhas ainda (risos). Eu era muito irritado, qualquer situação era motivo para questionar, botar o peito à frente, indagando. Foi difícil, principalmente quando eu comecei a trabalhar: as pessoas apontavam pra mim na rua e eu ficava nervoso. Hoje em dia tudo funciona no diálogo. Tenho filho adolescente que exige isso de mim. Tenho que ter discernimento para não ferir o outro lado da família, que é o de convívio, de responsabilidade de pai, sem tirar a responsabilidade de um filho. Defina o Robson de 1990 com uma palavra: Estúpido. E o Robson de hoje? Flexível.


Manteria sua agenda? Vinte e quatro horas. O que se

pode fazer com esse tempo, caindo, de grão em grão na ampulheta? Imagine ser um mosquito ou um efemeróptero, que possui apenas 24 horas de vida ou menos. Qual a melhor saída? Pod emos fazer algo melhor antes que acabe e não tenhamos a sensação que acabou antes da hora. O que faria se só te restasse esse dia? Fazer essa reflexão, “o que faria se soubesse que ia morrer”, antes de saber disso é um desafio. O livro da americana, enfermeira de pacientes terminais, Bronnie Ware, “The Top Five Regrets of the Dyin g”, trata dos arrependimentos mais comuns manifestados pelas pess oas antes de morrerem. Por que fiz o que esperavam de mim e não o que eu queria? Por que trabalho tanto? Por que não expressei meu sentimento antes? Por que não mantive contato mais próximo com os amigos? Como numa lista de tarefas esboço o que faria. Preciso ligar pro meu pai e dizer a ele o quanto o amo e o quanto ele foi importante na min ha vida desde que minha mãe se foi. Preciso pedir desculpas por não ser tão presente na vida da minha irmã mais nova, por não ter feito tão bem o papel que me cabia. Preciso conv encer meu irmão de que por ele não ter voltado quando minha mãe clam ou por sua volta, ela não deixou de amá-lo um só segundo. Eu sabia, eu sentia. Precisava fazer mais ligações, mui tas ligações. Porque se eu pudesse eu viajava, mas o tempo não me deix a. Precisava ligar pra Tita e dizer que eu a amo e o quanto aquele distanci amento da adolescência me fez sofr er, dizer que doeu e dói. Ligaria pra vári os amigos dizendo o quanto são espe ciais. Faria um vídeo dizendo o qua nto a vida republicana foi importa nte pra minha vida, pro meu crescimento e pra abertura da minha mente. Comeria. Comeria muito. Chocola te, lasanha, salmão, pizza, e mui to mais, comeria. Ia falar, cara a cara pra alguém o quanto nos meus sonh os nós fazíamos amor. Faria sexo. Fari a... Ao lado enxergo a parte de baixo da ampulheta encher. Só escrevi. Por que não fiz nada disso antes? Faze r enquanto há tempo é a meta, por que não encerramos o dia com a consciên cia tranquila de que se acabasse esta ria tudo bem? Por que não temos a sensação de que nada mais prec isa ser feito antes do fim? Se você pensa que, no futuro, pod e se arrepender do que está fazendo agora, talvez não deva fazer. A idei a é viver sempre como se fosse o último dia, buscando a paz. Dizer no fim da vida “faria tudo de novo, exatame nte do mesmo jeito”. Manter sua agen da do dia como está, você manteria ? Faria tudo como estava planejado ante s de saber que o tempo estava acab ando? Talvez lhe falte trilha sonora pra refletir. Paciência. “Será que é tempo que lhe falta pra perceber, será que temos esse tempo pra perder? E quem quer saber? A vida é tão rara”

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Opinião

Ser ou não ser

Texto: Danielle Diehl Foto: Thiago Huszar Arte: Pablo Silva

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Alternativa

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A morte é

Texto: Gabriel Falconiere Foto: Pedro Carvalho Arte: Maria Fernanda Pulici

! P O P

Ela não responde à lei, não liga para o sistema e não se importa de ser vista com aparência macabra em plena luz do dia. Nunca frequentou uma aula de canto ou teoria musical, mas mesmo assim faz vários shows ao redor do mundo. Poderia se tratar de uma rockstar dos anos setenta, não é mesmo?

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...e não poupa ninguém! A diva pop mais famosa do mundo tem alguns bilhões de anos de idade (e aparenta uns vinte, sem photoshop). Usa preto e nunca sai de moda. Frequenta todos os círculos sociais. É capa de revista. Só não tira foto no espelho. E onde quer que chegue, está sempre causando. Brincadeiras à parte, a morte é um dos temas mais recorrentes da indústria da mídia, e está presente em uma parcela significativa dos filmes, livros, jogos e outras manifestações culturais contemporâneas. Algumas mortes tornaram-se icônicas, representativas dos produtos que a veicularam. É impossível pensar na série de Chuck Lorre e Lee Aronsohn, Two and a Half Men, sem lembrar da famosa morte de Charlie Harper, um dos personagens principais (ver box ao lado). Da mesmo maneira, a morte da personagem Aeris no jogo Final Fantasy VII e as milhares de mortes na série multimídia The Game of Thrones são ambos símbolos de suas respectivas séries. Como personagem, a Morte é múltipla, tem várias faces, várias roupas. Em Family Guy, série de TV estadunidense, Morte vive com a mãe, tem problemas de relacionamento e possui um cão de estimação, que coleta as almas de outros cães quando estes morrem. Os quadrinhos da Turma da Mônica apresenta uma Dona Morte bem-humorada e espirituosa, que vive no cemitério com alguns fantasmas, uma múmia, um vampiro e outros personagens de histórias de terror. Personalidade completamente diferente é a do ranzinza Puro Osso, da série As Terríveis Aventuras de Billy e Mandy. Woody Allen veste a Morte de branco em A Última Noite de Boris Grushenko (1975); e nos quadrinhos Sandman, todo o padrão estético tradicional (caveira, foice e capa preta) é abandonado para apresentar uma Morte gótica, jovem e absolutamente simpática. Talvez a personificação mais famosa da morte seja a de Ingmar Bergman no filme O Sétimo Selo, aonde o personagem principal desafia a morte para um jogo de xadrez. Esta é até hoje uma de suas principais influências modernas, tendo consolidado a imagem da Morte como um personagem de capa negra que joga com mortais por suas vidas. Para a professora e pesquisadora da UFOP, Denise Prado, cada uma dessas representações da Morte é, em si, uma tentativa de entender a própria morte. “Nós representamos o mundo para tentar compreender o mundo”, explica.

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Metonímia: A morte pela obra A morte é um elemento tão marcante em algumas obras da cultura de mídia que a própria morte torna-se símbolo daquela obra. A série Game of Thrones e o diretor de cinema Quentin Tarantino ficaram famosos por uma quantidade incomum de mortes, enquanto a morte de um dos personagens principais de Two and a Half Men marcou intensamente a série. 1 – Número de mortes em Game of Thrones: Foram estimadas 5.179 mortes exibidas nas três primeiras temporadas do seriado de televi2 – Número de mortes nos filsão Game of Thrones. mes de Tarantino 560 mortes nos 8 filmes de tarantino. 3 – Morte de Charlie Harper em Two and a Half Man O número de buscas para a série Two and a Half Men no website Google logo após a morte do personagem Charlie Sheen, subiu para 263% desse número no mês anterior. Este foi o maior pico de buscas na história da série.

E se as personagens Morte se espelham nesse “fato inexorável” da vida, como diz Denise, cada uma delas sugere uma abordagem diferente sobre o assunto. Dessa forma, podemos por vezes encontrar “Mortes” vis e cruéis (Cavaleiros do Zodíaco; Evil Ernie), mas também outras gentis e carinhosas, agradáveis (Sandman; Turma da Mônica). E há ainda as absolutamente indiferentes, que estão só fazendo o seu trabalho, quase como um funcionário público do universo (Belas Maldições; Discworld). Tão variada quanto seu caráter é a sua aparência. Apesar de a caveira, o capuz negro e a foice serem símbolos bastante difundidos da Morte na cultura de mídia, todos os símbolos associados à morte variam bastante. O gênero da personagem,

por exemplo, costuma variar em função do país onde o produto se origina. Em países de língua latina, onde a palavra “morte” é do gênero feminino, esse também é normalmente o gênero da personagem, enquanto na língua inglesa a ausência de gênero nos substantivos faz com que sejam encontradas personagens Morte de ambos os gêneros. Ainda, na cultura oriental, a morte geralmente é representada não por um, mas vários personagens, intitulados Shinigami. Essas e outras questões tornam a Morte uma figura extremamente complexa, com muitos nomes, muitas aparências e um temperamento que varia entre todos os extremos conhecidos. É definitivamente um caso seríssimo de múltipla personalidade.

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Eu devo dizer

A Morte por ela mesma... Na cultura pop! Curinga: Bom dia. A senhora poderia nos dar uma entrevista? Morte: Se é sobre o caso Elvis, dou a minha palavra de que ele está morto! 1 C: Não. Apenas algumas perguntas. M: Sem problemas. 2 C: A senhora é provavelmente a personalidade mais famosa da história. A que você deve essa popularidade? M: Eu conheço todo mundo muito bem. 2 C: Muitas pessoas não confiam na senhora. Você acha que é inveja ou recalque? M: Com absoluta sinceridade, tento ser otimista a respeito de todo esse assunto, embora a maioria das pessoas sinta-se impedida de acreditar em mim, seja quais forem meus protestos. Por favor, confie em mim. Decididamente, eu sei ser animada, sei ser amável. Agradável. Afável. E esses são apenas os As. Só não me peça pra ser simpática. Simpatia não tem nada a ver comigo. 3 C: Com todo o respeito, mas a senhora já tem alguma idade. Você tem medo de envelhecer, de perder a boa aparência? M: Rugas? Hm... Confesso que é um assunto que me preocupa. Engordar... não. Eu faço o tipo esquelética. 4 Mas desde que o mundo é mundo que eu tenho essa aparência. 1

C: Então a senhora cuida da aparência? M: Claro. Pensa que é barato manter este cabelo sedoso e esta maquiagem perfeita? Só nessa semana o meu salto quebrou três vezes! Eu mato quem inventou o salto alto! Bom, pensando bem, acho que já fiz isso. 1 C: Já que tocamos nesse assunto, por que a senhora sempre veste preto? M: Eu sou o Ceifador Sinistro. Não sou o Ceifador Alegre das Manhãs Ensolaradas. 6 C: Se não se importa com a indiscrição, mas precisamos lhe perguntar: Qual é o sentido da vida? E o que acontece com os vivos depois da morte? M: É meio que um assunto grande, e tem um monte de respostas. E as próprias respostas não significam muita coisa. Não são perguntas estúpidas, mas poderiam bem ser “Quando é roxo?” ou “Por quê faz quinta-feira?” se você entende o que eu quero dizer. 5 C: Você está neste ramo há muitos anos. Não se sente entediada? M: As pessoas não me entediam. Eu gosto das pessoas.5 C: A senhora é muito simpática. M: Fale baixo! Tenho que manter a minha fama de má... de indesejável! 4

Referências: 1 Cascão, Nº1. Janeiro de 2009. 2 Death - The High Cost of Living. 1993 3 Zusak, Markus. A Menina que Roubava Livros. 2ª Ed. 2010 4 Turma da Mônica, Nº 89. Maio de 2014. 5 Death - The Time of Your Life. 1996. 6 Puro-OSâmbulo. As Terríveis Aventuras de Billy & Mandy. 2005


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Comum

Em cheque

bi uários

Orkut: Um museu de novidades com os dias contados

2004 2014

MSN Messenger Service, MSN messenger, Windows Live Messenger ou Messenger 1999 2013 Faleceu em 15 de março de 2013 o MSN, que chegou a ser considerado o maior software de bate-papo do mundo. Amigo de aproximadamente 130 milhões de pessoas, que lhe enviaram cerca de 9 bilhões de mensagens confidenciais, o MSN esteve presente nos momentos mais marcantes na vida de seus convivas. Primo do Orkut, do MySpace e do Twitter; irmão do ICQ e pai do Whatsapp, o MSN se configurou como importante rede social na história da comunicação do mundo. O MSN Messenger Service nasceu em 21 de junho de 1999, numa produção independente da companhia Microsoft, disponibilizado em versão inicialmente simples. Com os anos que se passavam, vieram as atualizações em sua interface, que o deixavam mais dinâmico, completo e pratico, aproximando cada vez mais amigos de sua convivência. O MSN morreu, ou ficou off-line por tempo indeterminado, por falta de uso, decorrente da criação de novas redes sociais mais modernas, e seus usuários foram obrigados a migrar para o Skype – famoso software que possibilita a execução de vídeochamadas - existente desde 2003 e comprado pela Microsoft em 2011. As conversas, mensagens e fotos trocadas pelos usuários se perderam pela rede, mas todos guardarão boas lembranças dos papos, das indiretas postadas nos “sub-nicks” (frases de efeito em frente ao nome do usuário) e dos emoticons coloridos que animavam as conversas. Afinal, quem nunca paquerou ou contou seus segredos mais íntimos para o MSN?

O Orkut já foi sentenciado a morte: vai à forca em 30 de setembro de 2014. E, junto a ele, se vão as memórias, os depoimentos, as fotos, as comunidades hilárias e toda as histórias construídas em seus 10 anos de existência e amizade. Oficialmente substituído pelas novas redes sociais – que incluem Facebook, em primeiro lugar, e vários outros softwares e aplicativos de smartphones – o Orkut assumiu um dos últimos lugares no ranking das redes sociais, sendo acessado quatro vezes menos que o Facebook nos últimos anos. O Orkut é, hoje, o depósito de memórias de uma geração inteira, que marcou época com suas comunidades, - que definiam a personalidade dos usuários – perfis característicos e peculiaridades. Ele ainda funciona como um acervo de fotos, scraps e depoimentos carinhosos dos amigos adicionados. Parecido com um museu: visitas esporádicas, um rápido tour para visitar as principais atrações e rever as tralhas encaixotadas ao longo do tempo e abandonadas posteriormente. A rede nasceu em Janeiro de 2004, criado pelo engenheiro turco Orkut Büyükkökten, e se manteve em primeiro lugar no ranking das redes sociais no Brasil durante seis anos, onde conquistou metade dos 70 milhões de usuários do mundo inteiro. Em 2007, foi comprado pela Google, que patrocinou a rede social desde sua criação. Hoje, quando os usuários visitam seus antigos perfis no Orkut, têm uma sugestão para migrarem para o Google+ - criado em junho de 2011, como uma alternativa de substituição - tendo a possibilidade de levar consigo todas as fotos e informações arquivadas no Orkut. A sensação de poder sempre revisitar esse velho amigo confortou os usuários do Orkut por algum tempo – que reviviam o passado, fazendo uma visita à rede para matar a saudade. Mas, por mais que as atuais redes sociais exerçam amplamente o papel de conectar pessoas e espalhar informações de forma rápida, a nostalgia sempre fará parte da vida dos que usaram essa obsoleta ferramenta.

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epitafio

Aqui jaz um bêbado equilibrista, um poeta entre os loucos. Um bom, entre tão poucos. Um astuto meio torto, um malandro colorido. Aqui está o descarado, o inútil, o descartável. Aquele que não fez rir. Um boêmio irremediável, um compadre. Alguém que não tem medo do ridículo. Alguém sem idade, que é o antigo do novo ou seu revés. Um descarado. Irônico e afável. Inconvenientemente biodegradável. Um verdadeiro crítico sem filtros. Um louco. O hipócrita da vida, o palhaço. Curinga, Bobo da corte, bufão, bufo ou simplesmente bobo. Foi-se o bobo, da corte pra morte, partiu dessa pra outra sorte. Seu norte sempre foi fazer rir. Um riso bem bobo mesmo, que na verdade ri de si. Que coisa engraçada, logo o bobo partir. Mesmo indo ainda deixou um último riso antes do seu fim. Morreu sorrindo, sim. De um lado da face a incompetência, noutra, sua triste risada móribida e cansada. Pobre palhaço. Foi descansar em outra freguesia, não tão palpável assim. Virou permanente. Imortal. Foi perecível sua matéria. Mergulhou no mundo virtual. Desgastado de tanto informar e reformar. Foi ser espelho do mundo refletido na tela. Descobriu que a realidade não era mais tão engraçada assim. Rir de si mesmo já não tinha a mesma graça, nem o mesmo fim. O bobo foi amassado. Sozinho. Rasgado, morreu. Pra dar lugar a outros bobos, a outros loucos, a outras cores. Morreu para deixar que seus filhos continuem seu caminho. Foi-se. Se jogou na rede. Navegou. E a jangada voltou só. Mas voltou. Por que o fim do bobo só mostra que morrer é ridículo pra quem morre. Morrer é dar lugar. Morrer é pedir licença pro outro entrar. Morrer não dói. Sepultado, sem solução, sem soluço, só a certeza de voltar um dia. No riso do outro. De quem vê beleza na vida. Gente que toca, que precisa do sensível. CURINGA | EDIÇÃO 11


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