Bastiao #8

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bem coisa de criança mesmo edição 8 ano 1 2012

www.bastiao.net

procuram-se pais o delicado universo da adoção infantil

acendam as luzes a prostituição na irlanda pedro simon meio século de política milonga blues o lamento de oly jr.


editorial

A

adoção é mais um tabu sem sentido da nossa sociedade. O mito de que uma criança que não nasce do ventre da mãe nunca será um filho legítimo. O mito de que nascemos com uma personalidade pronta e imutável. E novamente, a raiz de todos os tabus, o preconceito. É natural criarmos expectativas sobre algum assunto ou pessoa, ter uma primeira impressão. Só que é preciso enfrentá-la e criar uma segunda, terceira, quarta impressão.

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Um filho não precisa ter a mesma cor de pele, nem ser o bebê que sonhamos ninar um dia. Um filho não nasce, ele cresce. Ele cresce e se desenvolve do modo como for criado, amado e compreendido. Assim como essa nossa revista, que a cada edição se forma um pouco mais e vai criando personalidade; sem dizer mais do mesmo, mas colocando em pauta o que tem que ser questiona-

do. Não podemos adotar as 4.932 crianças que estão espalhadas pelo Brasil a espera de alguém que lhes dê mais uma chance, mas podemos, sim, mostrar que elas existem, e contar como essa infância é perdida dentro de um sistema que não funciona. É isso que fazemos aqui, não vamos mudar o mundo, mas podemos mudar alguém. Esse Bastião, criado e adotado por gente que vê além das cores da capa e procura o conteúdo onde ele realmente está: por dentro.

“Guarnecido de amor, o pensamento flui e dissemina”: tais palavras completam o desenho, segundo a carinhosa Luiza Zanotto. Temos o maior prazer em guarnecer nossa torre com seu traço apaixonado. www.quemimo.tumblr.com.

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torre à vista! Redação André Lacasi, Arthur Viana, Carlos Machado, Cíntia Warmling, Douglas Freitas, Gabriel Hoewell, Gilberto Sena e Luiza Müller Projeto gráfico e editoração Ana Elizabeth Soares e Ramiro Simch | Revisão Lisiane Danieli Capa André Lacasi e Ramiro Simch | Arte André Lacasi, João Filipe Padilha, Lucas Monteiro, Paulo H. Lange e Ramiro Simch Relacionamento Ana Paula Neri, Maurício Pflug e Samantha Diefenthaeler Colaborador Rodrigo Steiner Web www.bastiao.net | www.twitter.com/revista_bastiao | www.facebook.com/revistabastiao Tiragem Mil e quinhentos exemplares Praça Júlio de Castilhos, 74/152 - Porto Alegre - RS - Brasil | (51) 3311.1025 | Março de 2012


veja bem

ARQUIVO HUMANO Mais de meio século de política brasileira narrado através das memórias de Pedro Simon

E

u pretendo, em primeiro lugar, estar vivo”, declara Pedro Simon a respeito de seus planos após o fim do mandato. Há quase 30 anos ocupando o cargo de Senador da República, Simon soma 82 anos de experiência, sendo cerca de meio século desses, destinados à política. Para o parlamentar, esses são seus três últimos anos de atividade no Congresso. Coordenador nacional das Diretas Já, Simon presenciou a opressão da ditadura, a morte do amigo Tancredo, a ascensão de seu “amigo” Sarney, o impeachment de Collor, as privatizações de Fernando Henrique Cardoso, os escândalos do primeiro mandato de Lula e sua sequente reeleição. Com a memória fragmentada, própria de quem viveu demais – em tempo e em experiências –, Pedro Simon relatou essa história ao Bastião, com toda a ironia e esperteza características do Senador.

veio o Collor, uma maluquice. E aí houve o segundo grande movimento: dentro da democracia, da liberdade, da garantia de direitos individuais, se fez o impeachment e cassamos o Collor. A reforma política foi bastante comentada em 2011, mas pouco se fez. Para o senhor, como seria uma reforma política ideal? O congresso, infelizmente, não faz [a reforma política]. Por exemplo: financiamento público de campanha, que é uma das questões mais debati-

das. Eles querem que o governo dê dinheiro para o programa de televisão. Então, o programa de televisão seria financiado, o resto fica igual. Porque tu sabe que hoje, numa campanha nacional pra Presidente da República, por exemplo, 70% da campanha é o programa de televisão. Então eles querem que o governo pague esse dinheiro, o resto fica como está. É uma piada. Como seria o sistema eleitoral ideal? Pra mim, o ideal é o voto distrital. Agora, o voto

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Bastião - Sua primeira eleição para o Senado foi em 1978. Excluindo o tempo em que foi Ministro e Governador, foram em torno de 27 anos exercendo o cargo. Nesse período, que momento o destaca como o melhor? Pedro Simon - Se tu perguntasse o pior eu saberia responder com mais facilidade... Olha, há dois grandes momentos. O primeiro foi o movimento das Diretas Já. Foi quando começamos a movimentar, agir, avançar e conseguimos que a mocidade fosse para a rua; e reunimos milhões, mas não conseguimos ganhar no congresso. Lembro que no dia da votação cercaram o congresso e muitos parlamentares não puderam votar, e, como era emenda constitucional, precisava da maioria absoluta e nós perdemos por oito votos. Mas aí fomos para o Colégio [Eleitoral] e Tancredo se elegeu para Presidente da República. Foi um grande momento. Mas aí o amigo Tancredo fez uma maldade com a gente: no acordo não estava que ele morreria, ainda mais tendo deixado o Sarney; e o governo do Sarney foi um fiasco,

Luiza Müller

entrevista Carlos Machado e Luiza Müller


veja bem

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Tanto para o legislativo, quanto para o executivo? Não! Para executivo. No legislativo poderia haver uma espécie de teto. Lá pelas tantas tem que trocar. Não pode ficar que nem eu, 30 e tantos anos Senador. O senhor disse que os governos FHC e Lula foram semelhantes na corrupção. E na área econômica e social, na sua concepção existem diferenças? Tudo começou no governo Itamar, com o Fernando Henrique Ministro da Fazenda, quando foi criado o Plano Real. Esse foi o grande momento da nossa história, que realmente foi criado um plano pra valer. E o grande mérito do FHC, do Lula e da Dilma foi mantê-lo. Uma coisa negativa do FHC foram as privatizações. Por exemplo: o caso da Vale do Rio Doce. O Brasil tinha as maiores reservas de minério do mundo inteiro. Eles privatizaram a Vale, que era dona de todas as reservas. E privatizaram por U$3,5 bilhões, ou seja, deram de graça [estima-se que o valor de mercado da Vale, hoje, seria de mais de R$200 bilhões] . Eu não critico o Fernando Henrique pelas privatizações, mas pela maneira corrida, violenta e pela roubalheira que permitiu. Aí veio o Lula. O grande mérito do Lula foi que ele deixou de lado as bandeiras do PT, os exageros, e entrou no caminho, que seguiu desde o Plano Real até as privatizações, que ele continuou fazendo. E a Dilma agora está privatizando aeroporto. O PT na oposição, quando se falava em privatização enlouquecia. O grande mérito do PT foi aceitar que o mundo mudou. A Rússia mudou, a China mudou, ou seja, o conceito da humanidade mudou.

Qual a sua relação com o expresidente Lula? Quando o Lula ganhou, eu votei nele. Ele almoçou lá na minha casa, me convidou para ser ministro do PT. Eu disse que não havia razão pra ser, que ele tinha gente demais, que o PT do Rio Grande do Sul não iria gostar, mas que eu poderia fazer com ele o que eu fiz com o Itamar, que também me convidou pra ser ministro e eu disse: “Não!”. Aí fiquei trabalhando pelo governo, que é melhor, porque tu fica na coordenação do governo. Tanto que no início eu estava do lado dele, até que aconteceu aquele negócio do Valdomiro, que era o subchefe da Casa Civil. Vocês devem se lembrar porque apareceu 500 vezes na televisão aquela cena: o Valdomiro está sentado, aí vem um cara, ele pega o dinheiro, coloca no bolso e começa a negociar qual era a porcentagem, quanto é que ia levar. Eu saí da tribuna e fui falar direto com o Lula: “Demite esse cara, Lula! Tem que demitir agora”. O chefe da Casa Civil, José Dirceu, não deixou. E ele não demitiu. Aí eu entrei com uma CPI. José Dirceu com o Sarney no Senado não me deixaram brigar. Aí fui para o Supremo, ganhei. Mas ganhei um ano depois. Aí, quando eu ganhei, não era mais a CPI do Valdomiro, era a CPI do mensalão. Naquela CPI não saiu um impeachment porque o pessoal chegou à seguinte conclusão: era muito melhor deixá-lo sangrando, porque ele estava tão no chão que logo se acabaria, do que tentar cassar e ele ficar de vítima. Não cassaram. Ele ficou ali e terminou sendo reeleito. Luiza Müller

distrital não pode existir com 40 partidos. Acho que no mundo não existe país com partidos tão desmoralizados quanto no Brasil. Aqui tem 40 partidos, nenhum partido tem tradição, tem história. O único partido que nasceu e que parecia ser uma maravilha foi o PT. No início foi bacana, positivo, concreto, teve atividade, eu diria quase que notável, até ganhar a Presidência da República. Chegou à presidência, ficou igual ao PSDB. As mesmas corrupções, as mesmas coisas. E financiamento público de campanha. O cara só poderia ganhar tanto e não pode gastar nenhum tostão a mais. Fidelidade partidária: o cara é daquele partido, fica naquele partido o tanto que quiser. Não quer, cai fora, sai do partido e não é mais candidato. Se larga o partido, ele perde o mandato. Fim da reeleição. Reeleição no Brasil é uma desgraça.

Em 2009, o senhor fez um pronunciamento defendendo a saída de José Sarney da presidência do Senado. Na ocasião, o Senador Renan Calheiros disse que nos últimos 35 anos o seu esporte favorito era falar mal do Sarney. Qual é a sua relação com o Sarney? Eu sempre tive uma relação fraterna com o Sarney. Eu no MDB e ele como presidente da ARENA, do PDS. Ele foi um grande líder do Congresso na Ditadura. Houve um determinado momento, nas Diretas Já, quando não passou a emenda [Dante

de Oliveira] – mas o povo estava vibrando em sua caminhada – nós fomos para o Colégio Eleitoral pra derrotar [a ditadura]. E tivemos sorte com o candidato do governo, que foi o Maluf, que era uma corrupção, tinha tanta coisa contra ele. Mas a ARENA tinha maioria no Colégio. E aí houve um racha. O Sarney, inteligentemente, renunciou a presidência da ARENA e foi para o movimento que fez aliança conosco. Ele exigiu ser vice, e foi vice. E ganhamos a eleição. Ninguém imaginou que o Tancredo fosse morrer. Então, o Sarney assumiu e eu fui Ministro [da Agricultura]. Fiquei um ano e meio como Ministro. Fui muito amigo dele. As nossas divergências no Congresso são porque ele está há seis anos como presidente do Senado e todo esse “comando” do Senado foi ele que montou há 20 anos. E hoje nós estamos no chão. O Senador Renan Calheiros também disse que o senhor só fala mal do Sarney porque queria ser candidato a vice do Tancredo. Isso é uma piada que nunca existiu porque pra nós ganharmos no Colégio [Eleitoral], nós tínhamos que ter o vice da ARENA. Um vice [-presidente] dissidente do lado de lá. Porque o PMDB


sozinho não tinha condições nenhuma. O nosso candidato a presidente era o Dr. Ulysses, mas na hora de ir para o Colégio o argumento foi o seguinte: não dá pra ser o Ulysses. Ele passou a vida inteira demolindo com os militares, esculhambando com Deus e todo mundo e os militares não vão aceitar. O senhor acha que o Sarney ainda tem condições morais de ocupar a posição que ocupa hoje? Tu me pergunta isso porque tu está num jornalzinho novo. Se fosse do Estadão, tu não faria uma pergunta como essa. Condições morais nesse país não é razão pra coisa nenhuma, nem pra ser bispo. Infelizmente não significa grande coisa. Agora com a “Ficha Limpa” pode ser que comece uma nova realidade. No primeiro turno da eleição para a presidência em 2010, o senhor abriu o voto para a candidata Marina Silva (então PV). Dizendo com todas as letras que eu sabia que ela não iria ganhar. Eu votei nela com a consciência de que era uma grande candidata, mas que eu sabia que não iria ganhar. Mas já deixei claro que no segundo turno eu votaria na Dilma, como votei. O senhor chegou a sofrer represálias do partido por anunciar o voto em Marina Silva, já que o PMDB era vice da Dilma? O partido não tinha que me fazer represália. Eu nunca nomeei uma pessoa, nunca tive um cargo, nunca coisa nenhuma. Eu continuei igual: uma pessoa mal vista pelas bandeiras que defendo. O senhor declarou recentemente que as eleições para a prefeitura de São Paulo deste ano serão preliminares para as eleições de 2014. Por quê? No momento em que o Serra entrou e o Lula tirou a Senadora Marta Suplicy e escolheu um candidato dele [Fernando Haddad], que nunca foi candidato a coisa nenhuma. Uma coisa é interessante: o eleitorado no Brasil mais anti-Lula e anti-PT é da cidade de São Paulo. Ele não sai dos 30% em São Paulo. Tanto que ele queria o apoio

th

“Condições morais nesse país não é razão pra coisa nenhuma, nem pra ser bispo” O senhor acha que o Serra vai querer se candidatar a presidência em 2014? Eu acho que não. É o que vão bater muito nele. Ele vai jurar por tudo que é santo que não larga [a prefeitura, caso eleito]. E acho sinceramente que não larga. Ele até deu uma declaração muito interessante: “Eu morri. A diferença é que se eu ganhar vai ser um enterro de luxo e se eu perder, vai ser um enterro de ‘pé-rachado’.” O PMDB de Porto Alegre ainda não anunciou se vai ter candidato próprio à Prefeitura. Qual a função do PMDB no cenário político? Renato [assessor], dá o telefone do Ibsen [Pinheiro] pra ele! Fala com o presidente do partido. Ele que pode te responder. Mas como é para o senhor ser oposição no Estado, sendo governo em âmbito nacional? Isso é a anarquia da vida partidária. O prefeito [de Porto Alegre] é o do PDT, que apoia o governo federal. No entanto, o candidato de oposição [a Fortunati] vai ser o candidato do PT. Esse é o Brasil. Aqui no PMDB estadual o senhor é uma grande

WORLD VOICE DAY

16 DE ABRIL DE 2012 14ª CAMPANHA NACIONAL DA VOZ

Afine sua saúde e cuide de sua voz.

liderança. O senhor vê um sucessor? Sucessor não é o termo. Eu vejo grandes nomes no PMDB. O Ibsen, que está na presidência, é um grande nome. O [José] Fogaça, que nós cometemos um equívoco, ele tinha que ter ficado na prefeitura. Se o Fogaça ficasse na prefeitura mais dois anos e completasse os oito anos, ele seria um líder nacional. Em oito anos, ele iria fazer três vezes mais que o PT fez em 16 anos. Nós cometemos um equívoco, por que o Fogaça não queria sair da prefeitura. Em uma eleição perdemos duas vezes. Perdemos o governo [estadual] e a prefeitura. Mas ele continua sendo um grande líder. No debate sobre o poder do Conselho Nacional de Justiça de investigar magistrados e o senhor fez vários discursos defendendo a legalidade do órgão. O CNJ é uma solução extraordinária. Antes, não tinha norma nacional, não tinha determinação nacional. Foi o [Nelson] Jobim [ex-ministro do STF] que criou. Agora é diferente, porque o Conselho Nacional de Justiça dita as normas. O CNJ tem autoridade pra fazer investigação, desde o juiz até o ministro do Supremo. E a tese foi vitoriosa. Outra decisão importante foi a do “Ficha Limpa”, que foi aprovada. Veio do povão, foi uma luta tremenda e nós conseguimos aprovar. Outra decisão é a que está na mão da Dilma, que ela adote a “Ficha Limpa” no executivo; que na hora de nomear ministros, ou qualquer cargo, seja adotada a “Ficha Limpa” e capacidade para exercer o cargo. Se ela fizer isso, pode escrever: nós estamos começando um novo Brasil, que está terminando com a impunidade. O mal do Brasil se chama impunidade. No Brasil só vai pra cadeia ladrão de galinha. São mais de 50 anos na vida política. O senhor disse que este é o último mandato. O que pretende fazer na aposentadoria? No dia 31 de janeiro de 2015 eu encerro o meu mandato. Nesse mesmo dia, eu completo 85 anos. Eu pretendo, em primeiro lugar, estar vivo. Estando vivo eu já estou contente. O que eu vou querer fazer com 85 anos?

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do prefeito de São Paulo [Gilberto Kassab], que era inimigo dele, e já estava “namorando” com ele. Até o momento em que o Serra recuou e se candidatou. Se o Serra não se candidata, o prefeito de São Paulo apoia o Haddad. Então hoje é uma preliminar. Metade das atenções do Brasil vão se voltar para São Paulo. O Lula emplacou a Dilma e agora o Haddad. Eu acho o Haddad uma belíssima pessoa: sério, íntegro, correto decente. Mas assim, ele não tem – como a Dilma também não tinha – carisma. E na Educação ele fez coisa boa, mas o que ficou foi o lado negativo do ENEM, que eu acho que ele não é o culpado. E se ele ganhar, ninguém segura o Lula.

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especial

A infância presa no sistema Segundo dados do Cadastro Nacional de Adoção, divulgados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em 2011, existem cinco pessoas querendo adotar para cada criança apta para adoção. De acordo com esse cadastro, são cerca de 4,9 mil crianças para quase 27 mil pretendentes inscritos. Porém, o perfil desejado pelos adotantes não corresponde à maioria dos possíveis adotados. o resultado disso são crianças que crescem e atingem a maioridade em abrigos sem nunca serem adotadas. Em quase todas as culturas e civilizações sempre existiu a prática do abandono pelos pais biológicos, assim como sempre existiram famílias que criam, educam, amam, cuidam e reconhecem filhos que não são seus. A humanidade foi criando diversos arranjos sociais para estabelecer dinâmicas familiares baseadas em laços que não os de sangue, sendo um deles a adoção. Hoje, a adoção passa por um extenso processo burocrático em que tudo deve ser registrado pelo judiciário. Um processo lento, que normalmente dura anos, e que reprime a infância de crianças que crescem e se desenvolvem sem uma família.

André Lacasi

texto e reportagem André Lacasi e Cíntia Warmiling


Faltam crianças?

A

pesar de o número de candidatos ser superior ao de possíveis adotados, sobram crianças nos abrigos. O grande problema é que as crianças que já foram destituídas do poder familiar não correspondem ao que os adotantes querem. Cerca de 80% dos casais querem crianças brancas, de zero a um ano e saudáveis, e essas são minoria nos abrigos. A espera do casal por uma criança com esse perfil pode chegar a quatro anos. Carmen Godoy, assistente social do Núcleo de Abrigo Residencial Menino Deus (NAR Menino Deus), já conhece quem são as crianças mais escolhidas pelos adotantes: “As famílias que querem adotar querem bebês recém-nascidos. Passou dessa idade elas não querem; uma criança de dois anos até, por ali, com três anos de idade ninguém quer. [...] As pessoas não querem crianças grandes, e outra, não querem crianças negras.” Segundo a lei da adoção nº 12.010 o tempo máximo de acolhimento é de dois anos, mas na prática as coisas acontecem de forma diferente. Somente o processo de destituição familiar costuma demorar anos. Carmen Godoy explica que é comum as crianças chegarem ainda pequenas (com mais chances de serem adotadas) e só terem a guarda destituída da família depois de dois ou três anos. “A criança entra aqui bebê e vai pra adoção com dois, três anos. Tem os prazos, os mandados, daí a pessoa não comparece, daí faz uma nova citação, e volta aquele processo, vai e volta. Nós temos uma menina que entrou aqui com um aninho e tá com quase três. Não recebe visita de familiar, nunca recebeu.” Segundo ela, das 64 crianças que moram no abrigo em que trabalha, nem 10% tem contato com a família e a maioria delas não podem ser adotadas porque ainda estão sob a guarda dos pais biológicos. A Diretora Técnica da FPE, Luciane Almeida, explica que as crianças deveriam ser acolhidas apenas enquanto o processo delas corre na justiça, garantindo-lhes segurança enquanto o Estado trabalha para melhorar as condições de vida

da família para que ela retorne para casa. “Agora, com o estatuto, a família é responsável pelas suas crianças. Se ela não consegue dar conta porque há abuso sexual, há situação de pobreza, não há condições pra cuidar, é papel do Estado garantir políticas públicas, emprego, saneamento básico, educação, para que a família possa cuidar da criança”, explica. Mesmo assim, na tentativa de reingressar a criança à família, o estado às vezes compromete sua integridade física. A. F., de 17 anos, conta que quando nasceu foi dada pela mãe a um casal, que faleceu quando ela tinha cinco anos. O Juizado tentou realocála com outras famílias, mas depois de algumas tentativas decidiu que A. F. deveria morar com a mãe, usuária de crack. “Eu fiquei um tempo morando com várias pessoas, porque tentaram fazer de tudo pra eu não voltar pra ela. Só que era tudo na mesma comunidade, até que teve uma hora que eu tive que voltar pra ela. Aí foi quando eu comecei a fugir de casa, ir no Conselho Tutelar, porque ela me batia, ela usava droga. Eles me levavam em casa e eu fugia de novo, aí me levaram para um abrigo.” Em grande parte dos casos, as famílias não conseguem se reestruturar e as crianças não retornam às suas casas.

Busca e apreensão Hoje, o acolhimento é feito, em sua maioria, quando ocorrem situações de violência, de abuso sexual ou de envolvimento com drogas, nos quais a criança encontra-se em risco e precisa ter seus direitos preservados. “Nós temos hoje um me-

nino de quatro anos que fazia as trouxinhas de crack pro tio. Nosso acolhimento hoje é muito agravado, não é só pela questão social da pobreza. Situações bizarras. Pai ou padrasto que abusava da criança de três anos. São situações muito agravadas, com patologias bem difíceis de curar aquela família”, explica Luciane. A criança é, então, inscrita em um programa de atendimento individual, no qual a equipe técnica da fundação vai avaliar a situação familiar e realizar a tentativa de regressá-la. Feito isso, e verificado que a família não é mais capaz de cuidar da criança, é procurada a família extensa – tio, avô, parente próximo. Caso não haja identificação ou possibilidade de acolhimento por um parente, a criança passa por um processo de destituição do poder familiar, via judiciário, e permanecerá num abrigo para ser adotada. Uma situação diferente é quando a mãe, logo após o parto, diz à assistente social do hospital que não quer permanecer com a criança. Nesse caso, a mãe deve comparecer perante um juiz para que seja destituída do poder familiar. “Esses casos são raros, mas acontecem. Geralmente a mãe que não quer, ou tem envolvimento com drogas ou são soropositivas. Elas acham que não vão dar conta da vida delas, quanto mais da vida de um bebê”, explica Luciane. O sistema judiciário às vezes também prejudica essa recepção das crianças no abrigo. Quando chega uma criança sem documentos (certidão de nascimento, guia de vacinação), é o judiciário que fica responsável pela escolha do nome. Miriam França é enfermeira do NAR Menino Deus e

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especial responsável pelo cadastro das crianças no Sistema Único de Saúde, mas sem a documentação de identidade ela não pode fazer isso. “Agora, por exemplo, a gente cadastrou uma menina com um nome, trocaram o nome depois de seis meses, e agora ela continua sendo chamada pelo nome real [escolhido pelo juiz], mas ela se apresenta nos lugares com o nome antigo, porque eu não tenho como mudar o sistema.”

Abandono e rejeição

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O sistema judiciário e os processos necessários não facilitam a adoção, pelo contrário, a atrasam, principalmente para destituir a guarda da família. O resultado disso é o grande número de crianças acima de cinco anos e adolescentes nos abrigos. Existem casos em que adolescentes são adotados, mas são extremamente raros, como exemplifica Carmen Godoy: “Nós fomos numa audiência em que foi um adolescente pra adoção. Só que essa pessoa [o adotante] conhecia ele desde bebê. Quando ele tinha quatro anos de idade e não foi pra adoção. Esse menino tá aqui desde bebê, é órfão, ele não tem reconhecimento do pai. A irmã cresceu aqui, não foi adotada. Quer dizer, poderiam ter sido adotados quando eram bem pequenos. Então ele [o juiz] se surpreendeu: ‘Mas ele é adolescente’, pois é, mas ela conhece ele desde os quatro anos e ele não foi destituído.” Crianças soropositivas, com patologias mentais, deficiências físicas, negras, cuja mãe era usuária de crack durante a gravidez ou que chegam para adoção com mais de cinco anos, são a maioria que permanecem sem ser adotadas. Dos 610 acolhidos no Rio Grande do Sul, 160 já são adultos com alguma deficiência mental ou física agravada, cujos pais acreditaram não ter condições de criar. “Nós temos vários casos de crianças que estão com o poder familiar destituído, elas estão para adoção, mas elas são portadoras do vírus HIV, são negras, são vindas do crack e esses, infelizmente, têm ficado. Aí esses dois anos vão se protelando e vão ficando conosco”, diz Luciane Almeida, explicando que a lei nem sempre

consegue ser aplicada, e que o tempo máximo de permanência no abrigo acaba se tornando o tempo mínimo.

O pré-conceito dos pais Quando se aproximam da maioridade os jovens vão sendo colocados em um programa de desligamento, que começa a partir dos 14 anos, com cursos profissionalizantes e de aptidão, para prepará-los para quando não estiverem mais sob proteção do Estado. Aos 18 anos são oficialmente desligados da instituição. Eles ganham uma assistência para moradia e alimentação da FPE por algum tempo, mas trabalham e sobrevivem como qualquer outra pessoa. A maior parte das pessoas que querem adotar são casais que tentaram ter filhos biológicos, não conseguiram e vêem como última opção a adoção. Ainda persiste o medo de que as crianças tenham características da família de origem, como o de que filhos de usuários de drogas tenham mais tendência a serem viciados. São conclusões infundadas, características que não têm causa genética. “É preciso tirar o estigma de que a criança que tinha pais que usavam crack vai se

tornar um usuário. O que tu oferta para o teu filho é sim o fator que vai levá-lo para as drogas ou não”, diz Luciane, “o que a gente tem que tentar cada vez mais é sensibilizar as pessoas. O filho ideal pode ser aquele que tenha diferença de pele, que carregue uma história de vida diferente da minha, mas com o vínculo que eu vou estabelecer com ele, ele vai ser tornar uma pessoa, senão igual a mim, muito próxima”, conclui. Os problemas que os pais enfrentam com crianças e jovens adotados são os mesmos que enfrentariam com filhos biológicos. Vânia Visnievski ressalta que o importante é que a criança seja criada em um ambiente com afeto, cuidado, limites e sem violência. “Não há sequelas em consequência da adoção. Pode haver situações assim como em filhos biológicos. As crianças têm problemas de ter transtornos, de ter dificuldades, de serem agressivas, que vai depender um pequeno percentual da sua história, mas muito mais pelo ambiente em que ela vai ser acolhida.” Para educá-las e acolhê-las, além da burocracia, não há grande mistério, é necessário apenas o desejo de serem pais.


cifrada

NA FRONTEIRA DO MISSISSIPI COM O PAMPA A música experimental de Oly Jr., que mescla o blues estadunidense com a milonga pampeana texto e reportagem Gabriel Hoewell

Rodrigo Steiner

S

Oly queria “ser mais rebelde que o rock” e buscou uma música diferente da que todos ouviam e cantavam. Os acordes de Faxineira traçariam um novo destino para as rodinhas de violão dos amigos de Oly e para a carreira do músico iniciante. O blues de Nei Lisboa, inspirado no som do norte-americano Brownie McGhee, virou referência. McGhee e suas parcerias com Sonny Terry levaram Oly a buscar o músico Gaspo Harmônica para acompanhá-lo na gaita. Por aproximadamente dez anos, Oly fez blues buscando inspiração na banda Blues Etílicos, referência no cenário nacional e que, destaca ele, tem como mérito mesclar clássicos e cantar em português. Compor na própria língua parece ser fundamental para seu blues, já que a carga de sentimento que esse estilo musical exige só pode ser exprimida e percebida com clareza dessa forma. “O meu conceito de arte musical é criar em cima da tua vivência, do regionalismo e da música contemporânea. A perfeita arte é isso. Se eu não vivo o idioma inglês não consigo compor assim”, acredita Oly. Desde o início dos anos 2000, acentuou-se a mescla de Almôndegas com Bob Dylan. A primeira banda – pelotense, formada, entre outros, por Kleiton e Kledir – foi inspiradora por mesclar rock e música tradicionalista gaúcha. Já Bob Dylan tinha tudo o que Oly queria: compunha e tocava violão e gaita. A mistura de folk e

blues só deu um tempo em 2009, quando passou a servir apenas como uma das influências para sua milonga-blues. As overdoses de Bebeto Alves e Vitor Ramil foram definitivas para isso. A coragem de Bebeto em enfrentar os tradicionalistas conservadores e interpretar composições do regionalista gaúcho Mauro Moraes, misturando milonga e rock, chocou Oly. Nas experimentações de Ramil e Bebeto, Oly percebia de tudo, menos blues. Foi por esse caminho que ele enveredou, sabendo da necessidade de buscar sempre o novo. “O ponto principal da arte é agregar”, por isso ele buscou o inexplorado. Desde então, Oly Jr. segue por caminhos incomuns e diz já ter ideias para futuras invenções musicais. “Não existe regra na arte”, por isso há liberdade para se fazer qualquer tipo de experimentalismo e misturas. Apaixonado pelo que faz, Oly tem claro seu objetivo e sua função na música: “Para mim, a música deve ser uma simples expressão do pessoal. Eu busco nela a arte, não o lucro. Sou contra usar a arte exclusivamente para ganhar dinheiro. No momento em que não expressar o que eu sinto, em que for da boca pra fora, passa a ser mero entretenimento, não arte. A arte não pode ser burocrática, tem que ter sentimento.”

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entado debaixo de uma figueira, o gaúcho dedilha seu violão formando a cama musical perfeita para o repouso dos versos da poesia que declama. As estrofes que tece são profundamente influenciadas pelo que sente. Ele observa a imensidão do pampa e seu olhar se perde solitário em meio às coxilhas inabitadas. É essa solidão que ele exprime nos versos que canta para acompanhar sua milonga. No delta do Mississipi, o trabalhador descansa apenas na companhia de sua harmônica. Com voz grave expressa as tristezas da vida e o sofrimento do dia a dia extenuante. O sentimento que reflete o blues que ele toca se assemelha ao daquele gaúcho. Ambos transformam em música o mais verdadeiro e melancólico sentimento. “A milonga e o blues se encontram na lamentação”, percebeu Oly Jr. Antes disso, haviam se encontrado o acorde menor – essência sonora da milonga – e seu tradicional riff e a sonoridade do blues. Foi afinando seu violão e ouvindo Bebeto Alves e Vitor Ramil que Oly Jr. proporcionou o choque dos dois ritmos e criou o milongablues. Oly é blueseiro por rebeldia desde a década de 1990. Cresceu em meio ao turbilhão de criatividade musical que o Rio Grande do Sul presenciou no fim dos anos 1980 e início dos 1990. Frequentou o Bom Fim e foi rato de shows, como ele mesmo se define: acompanhou o crescimento de TNT, Cascavelletes, Nei Lisboa, Vitor Ramil. Idolatrou Nei – o senhor do Bom Fim, detentor de um incrível sucesso regional. Foi no disco Hein?!, de Nei Lisboa, que Oly Jr. descobriu o caminho para a subversão musical. O gosto pelo rock e pelo blues sempre existiu. Mas “a rebeldia do rock dava voltas em si mesmo”: já não havia mais prazer em tocar Cachorro louco com os amigos durante vinte e quatro horas por dia.


cartola

APAGUEM AS LUZES Na Irlanda, onde leis para a prostituição se confundem com políticas migratórias, dois grupos debatem questões do mercado do sexo, como criminalização e direitos humanos para os trabalhadores da área.

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Divulgação

texto e reportagem Arthur Viana

O movimento Turn Off The Blue Light teme que a criminalização da compra do sexo leve a prostituição ainda mais para o underground

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UBLIN - Para acender o debate sobre

a prostituição na Irlanda, antes pedem que apaguem as luzes. Primeiro a campanha Turn Off The Red Light, que visa à criminalização dos compradores do sexo. A resposta, Turn Off The Blue Light, supostamente luta por um plano de direitos humanos para os trabalhadores do ramo. Nusha Yonkov, uma das coordenadoras do Turn Off The Red Light, garante que não há oposição no debate: “Não levamos os argumentos desse outro grupo a sério”. Natural da Bulgária e com 45 anos, ela explica por que o outro lado não é sequer considerado oposição: “A campanha deles começou com o site escort-ireland.com, uma empresa com péssima reputação. Eles anunciam o serviço de mulheres, lucram com a prostituição. Lucram algo em torno de 70 mil euros por semana no anúncio de mulheres. Eles têm interesses claros. Quanto mais mulheres anunciarem, melhor”. Ela garante ter recebido cartas contendo ameaças após publicar no Twitter e no Facebook um artigo de jornal em que eram feitas associações entre a campanha Turn Off The Blue Light e redes de prostituição. “Não há nenhum nome associado ao grupo. Políticos disseram ter recebido e-mails deles e, quando respondiam na tentativa de marcar um encontro, não havia retorno.” Na produção desta matéria, por diversas vezes tentei contato com algum coordenador do Turn Off The Blue Light. E-mails não foram respondidos, mensagens de voz não tiveram retorno. Uma incógnita. Em seu website, dizem temer que a criminalização da compra do sexo acabe por levar a profissão ainda mais para o underground e torne a atividade mais perigosa para todos os envolvidos. Enquanto o Turn Off The Blue Light diz ser composto por trabalhadores do sexo, o Turn Off The Red Light é formado por órgãos de proteção ao imigrante, organizações de defesa à mulher e organizações médicas. A luta do grupo é pela criminalização dos compradores do sexo. Nusha Yonkov trabalha no Conselho do Imigrante da Ir-


tro tipo de prostituição – a de rua, com mulheres nativas que encontravam ali o sustento aos seus vícios. Em tempos modernos, a prostituição está entre paredes e é realizada, principalmente, por imigrantes do Leste Europeu que não encontram alternativas no mercado de trabalho. É necessário um novo regimento que se encaixe à atual realidade. “Precisamos de uma nova lei que puna aqueles que têm o poder da escolha”, decreta Nusha. O departamento de Justiça da Irlanda já admite a criação de um novo regulamento que puna a compra do sexo. Países nórdicos como Suécia e Noruega e, mais recentemente, o Reino Unido, são tomados como exemplo para isso. Desde 1999, a Suécia possui leis que punem os compradores do sexo – e isentam de culpa os que vendem. Estudos recentes comprovaram significativa redução no número de pessoas traficadas para a indústria do sexo no país, além da redução da quantidade de mulheres trabalhando na prostituição e de homens procurando serviços sexuais. Para Nusha, o grande mérito da campanha Turn Off The Red Light – e, por que não, do movimento Turn Off The Blue Light também – é chamar atenção para o tema, instigar o debate. “Conseguimos levar a campanha de uma simples ideia para algo maior. Surgiram projetos políticos”, comemora. Ainda há, claro, um longo caminho a ser seguido. “Durante todo esse A campanha Turn Off The Red Light acredita na igualdade de oportunidades entre imigrantes e locais como uma das formas de combate tempo, tentamos educar o público. à prostituição Existe uma ideia entre os irlandeses de que a prostituição é um assunto resolvido, já fazemos nada? Vamos deixar os imigrantes traque ela não está mais nas ruas e é exercida por balhando na indústria do sexo enquanto lhes imigrantes. Mas o demônio está aí. As pessoas negamos todas as outras oportunidades de traestão vendo, agora. Elas se questionam: ‘Como balho?’”. Apagar a luz vermelha, a luz azul, tanto isso tudo está acontecendo à nossa volta e não faz. Que se acenda o debate.

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landa como coordenadora antitráfico. “Acreditamos que nossa campanha é preventiva, ao atacar diretamente a demanda pelo sexo”. Foi após um estudo sobre a indústria do sexo na Irlanda entre os anos de 2006 e 2008 que o grupo percebeu a profundidade do problema e decidiu que alguma providência deveria ser tomada. “Fiquei absolutamente chocada com os resultados”, diz Nusha. No país, é estimado que mil pessoas sejam anunciadas diariamente para a venda de sexo na internet. Mais de 90% são imigrantes oriundas de países pobres – muitas delas vítimas de tráfico humano. Minoria que constitui maioria em casos de abuso, os imigrantes encontram pouco respaldo em lei: a atual legislação só os protege em casos extremos, como estupro. “A União Europeia tem leis migratórias muito restritas, e aqueles que não são da UE se deparam com poucas oportunidades econômicas. Trabalhamos para que essas leis deem mais opções aos imigrantes, a oportunidade de que se estabeleçam”, conta Nusha. O grupo almeja igualdade no mercado de trabalho entre imigrantes e locais. Acreditam que, desta forma, a prostituição nunca vai parecer uma boa alternativa. “Não defendemos de forma alguma a exploração. Não vamos dizer para que deixem trabalhadores estrangeiros serem empregados por menos do que o salário mínimo, sob a justificativa de que isso é mais do que eles ganham em São Paulo, por exemplo. Esse não é o caminho”. O Turn Off The Red Light quer evitar o pensamento de que “a prostituição é ruim, mas estamos melhores assim do que em outros empregos”. A campanha acredita que pequenas multas para os compradores de sexo são necessárias. Multas financeiras, somadas à possibilidade de divulgação pública, fariam com que os punidos pensassem duas vezes antes de voltar a procurar o serviço de prostitutas. O governo irlandês está atento à discussão. Reconhece que a indústria do sexo existe em larga escala e também que a legislação que regula a prostituição é bastante ultrapassada: datada do início dos anos 1990, foi designada para um ou-


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Paulo H. Lange


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