CULTURA.SUL 168 4NOV2022

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Porque é a arte usada por ativistas?

SAÚL NEVES DE JESUS Professor Catedrático da Universidade do Algarve; Pós-doutorado em Artes Visuais; http://saul2017.wixsite.com/artes

Muito recentemente duas ativistas do movimento “Just Stop Oil” atira ram o conteúdo de duas latas de sopa de tomate sobre a obra “Girassóis”, de Van Go gh, avaliada em mais de 86 milhões de euros, em exposição na National Gallery, em Londres. De seguida, colaram as palmas das mãos à pa rede abaixo do quadro.

“O que vale mais, a arte ou a vida? Estão mais preocupados com a pro teção de uma obra do que com a do planeta e das pessoas?”, questiona ram as ativistas, enquanto eram fotografadas pelos jornalistas e detidas pela polícia.

O movimento “Just Stop Oil” quer que o governo britânico decrete o fim imediato de qualquer novo projeto de petróleo ou gás e tem chamado a atenção para o assunto através de ações realizadas em museus de arte. Já em julho passado, ativistas deste movimento colaram-se na moldura do quadro “A Última Ceia”, de Leo nardo da Vinci, na Royal Academy of Arts de Londres, e no quadro “A carroça de feno”, de John Constable, na National Gallery.

A onda de manifestações ocorre quando o Governo britânico abre uma nova ronda de licenciamento para a exploração de petróleo e gás no Mar do Norte, apesar das críti cas de ambientalistas e cientistas que dizem que a medida prejudica o compromisso do país com o com bate às mudanças climáticas. Mas outros movimentos pelo clima têm recorrido a ações com obras de arte para protestarem. Por exemplo, ativistas do movimento “Extinction Rebellion” invadiram a National Gallery of Victoria, em Melbourne, na Austrália, e colaram as mãos ao “Massacre na Coreia” de Pablo Picasso.

Por seu turno, em maio deste ano, um homem disfarçado atirou um bolo à obra “Mona Lisa”, a mais icónica obra do Museu do Louvre, antes de dizer: “Há pessoas que

estão a destruir a Terra. Todos os artistas, pensem na Terra. Foi por isso que fiz isto. Pensem no planeta.”

As questões ambientais estão cada vez mais na ordem do dia, fazen do parte do discurso político e das preocupações das pessoas em geral.

As expressões artísticas têm acom panhado estas preocupações, procurando alertar e contribuir para a tomada de consciência das pessoas relativamente às questões ambientais e para a importância da prevenção através de comporta mentos mais adequados.

Aliás, os artistas envolvem-se fre quentemente em movimentos sociais, expressando a grande relação das ar tes com o ativismo político e social.

Ao longo do século XX, muitos ar tistas participaram em movimentos revolucionários e libertários, usan do a expressão da sua produção nas artes como meio de comunicação de ideologias nos espectadores ou no público. Os anos 60 foram ricos em manifestações artísticas inseri das em movimentos sociais, muitas vezes de caráter pacífico, que pro curavam questionar os modelos políticos vigentes, nomeadamente os extremos predominantes, com uma direita capitalista, que incentivava o individualismo e o imediatismo con sumista, e uma esquerda comunista, que instaurava o autoritarismo e a inibição da diversidade.

Manifestações de arte visual e musical, com performances e ha ppenings, ocorriam muitas vezes de forma aparentemente espontânea, “invadindo” a rotina do espaço pú blico, questionando e funcionando muitas vezes quase como contra cultura, aparentemente anárquica.

O Fluxus foi um movimento que se destacou nos EUA, na Europa e no Japão, a partir dos anos 50, com objetivos claros de ativismo políti co nas suas expressões artísticas.

O uso do próprio corpo, enquanto instrumento a favor da liberdade sexual e da igualdade de género era usado por artistas como Yoko Ono.

Mas é sobretudo nos anos 90, com o desenvolvimento da arte urbana, que a expressão visual como meio de protesto parece ter um maior in cremento, sendo vários os artistas que, na atualidade, procuram ter impacto sociopolítico com os tra

balhos que produzem.

Em artigos anteriores, fizemos re ferência aos trabalhos de alguns artistas, nomeadamente Banksy que, através de graffitis, que podemos encontrar em ruas, pontes e muros de diversas cidades do mundo, tem procurado criticar os conceitos de capitalismo, autoridade e poder.

Assim, a arte tem sido usada por ativistas artistas como forma de co municação, permitindo sintetizar as emoções e os sentimentos sociais já existentes em relação a certas questões psicossociais polémicas, complexas e atuais, podendo ajudar a promover a reflexão e o debate sobre as mesmas.

Além disso, a arte tem sido usada por ativistas não artistas que procu ram aproveitar-se do valor de certas obras de arte para manifestações de revolta contra algumas opções da sociedade capitalista que têm im pacto ambiental e logo, no futuro do planeta e das novas gerações.

Ambas as formas expressam a im portância da arte como instrumento de crítica e de tomada de posições políticas em relação a diversos as suntos, nomeadamente questões sociais e ambientais

Ficha técnica

Direção GORDA, Associação Sócio-Cultural Editor Henrique Dias Freire

Responsáveis pelas secções:

• Artes Visuais Saúl Neves de Jesus

• Diálogos (In)esperados Maria Luísa Francisco

• Espaço AGECAL Jorge Queiroz

• Espaço ALFA Raúl Coelho

• Filosofia Dia-a-dia Maria João Neves

• Letras e Literatura Paulo Serra

• Mas afinal o que é isso da cultura? Paulo Larcher

Colaborador desta edição Mauro Rodrigues e-mail redação: geralcultura.sul@gmail.com

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NOVEMBRO 2022 Ÿ n.º 168 Mensalmente com o POSTAL em conjunto com o 8.945 EXEMPLARES www.issuu.com/postaldoalgarve ARTES VISUAIS
Ativistas colam as mãos em pinturas expostas em museus de arte FOTOS D.R.

Consequências linguísticas da queda do paraíso

Podemos ser ou não crentes, mas vivendo num país de tradição cristã, existem textos que fazem parte da paisagem intelectual em que nascemos e fomos criados. Po demos nunca os ter lido, mas como desde sempre a eles são feitas refe rências, é possível que o que neles consta não nos estranhe. São textos que fazem parte do tecido cultural de que estamos feitos. No caso por tuguês, o livro do Génesis, do antigo testamento, é um bom exemplo. Provavelmente nunca parámos a pensar no que aí consta. O que hoje proponho é que tomemos este texto com um olhar fresco, como se nunca antes tivéssemos dele tido notícia.

É no livro do Génesis, na chamada obra dos seis dias, que Deus cria o mundo através da palavra. “Deus disse: ‘Haja luz’ e houve luz. Deus viu que a luz era boa, e Deus separou a luz e as trevas. Deus chamou à luz ‘dia’ e às trevas ‘noite’. Houve uma tarde e uma manhã: primeiro dia.”

Durante os dias seguintes Deus con tinua a sua obra criadora, sempre descrita sob a fórmula Deus disse, e o que quer que seja que fosse pronun ciado passava a existir. A palavra de Deus é criadora, pronunciá-la é criar a existência do que foi dito.

A excepção ocorre no sexto dia, com a criação do Homem. “Deus disse: ‘Façamos o homem à nossa imagem, como nossa semelhança, e que ele domine sobre os peixes do mar, as aves do céu, os animais do mésticos, todas as feras e todos os répteis que rastejam sobre a terra.”

Como se pode verificar, Deus não disse haja Homem. Pelo contrário, deus disse façamos o Homem. No segundo capítulo do livro do Génesis este fazer é explicado: “Deus mode lou o homem com a argila do solo, insuflou em suas narinas um hálito de vida e o homem tornou-se um ser vivente.” Ao criar o Homem, Deus pela primeira vez usa um material - o barro - e modela-o. Utiliza as suas mãos e o seu olhar para fazer o Ho mem à sua imagem e semelhança. Depois, insuflando-lhe o alento di vino, confere-lhe simultaneamente vida, espírito e linguagem.

A criação do Homem não foi produzida pela palavra, facto em virtude do qual o Homem é elevado acima da Nature za. Justamente, Deus cria os animais e depois condu-los ao Homem para que este os nomeie. Desta forma, toda a linguagem humana é um reflexo da

palavra divina: o mundo é criado pela palavra de Deus e é conhecido em seu nome de acordo com a palavra huma na. O nome é, então, a essência íntima da própria linguagem; nele nada é co municado, não há conteúdo. Quando nomeia, o Homem reconhece a exis tência de cada coisa para si mesmo e para o criador.

Num texto intitulado A tarefa do tradutor, o filósofo alemão Walter Benjamin (1892-1940) desenvolve a sua filosofia da linguagem precisa mente a partir do livro do Génesis Diz-nos Benjamin que as coisas são mudas e, portanto, imperfeitas, tendo-lhe sido negado o princípio linguístico formal: a palavra. No entanto, todas as coisas participam da linguagem porque todo o evento ou coisa, animada ou inanimada, comunica o seu conteúdo espiritual.

Assim, a palavra, que é criadora em Deus, torna-se receptiva no Ho mem. Pois “o nome que o Homem dá à coisa depende do modo como a coisa se comunica com ele”. O nome em Deus é conhecimento, Deus é pura realidade, transparente para si mesmo, não precisa da palavra. Quando Deus fala, a coisa acontece.

Por seu lado, o Homem nomeia à medida que vai conhecendo. A pa lavra humana formula-se no tempo.

Essa unidade de verdade do espíri to criador e da coisa criada, que se realiza no nome, é aquilo que Walter Benjamin denomina experiência au têntica, onde não há separação entre o sujeito e o objecto. Esta é a carac terística da linguagem de Adão no paraíso: um estado de contem plação, através do qual a essência espiritual das coisas se comunica ao Homem, que imediatamente as nomeia, conferindo-lhes som e símbolo, completando deste modo a criação de Deus.

Porém, o Homem ofendeu a pureza do nome, comeu o fruto proibido e com ele conheceu o conhecimento do bem e do mal, originando o julga mento e o conhecimento extrínseco da palavra que, então, passa a comu nicar algo fora de si. Daqui até à Torre de Babel vai apenas um passo. Diz Walter Benjamin: “Depois da queda que, ao tornar a linguagem mediati zada, havia plantado os fundamentos da sua pluralidade, faltava apenas um passo para chegar à confusão das línguas. Uma vez que os homens ofenderam a pureza do nome, bas tava que se cumprisse a separação daquela contemplação das coisas, através da qual a linguagem destas passa ao homem, para que a base comum do espírito linguístico, já quebrado, fosse tirada dos homens.”

Na linguagem adâmica a palavra reconhecia a totalidade da entidade pronunciada; com a confusão das lín

guas, cada uma delas atinge apenas um aspecto de cada coisa. É daí que vem o ditado quanto mais línguas falas, por mais homens vales. Pois a linguagem ocupa esse espaço entre o Homem e o mundo e constitui-se ela própria em via de acesso, em forma de estruturar o mundo. Não é como vulgarmente se possa pensar que as coisas estão aí e que a linguagem vem depois, como que para rotulá -las. Daqui resultaria, por um lado, o carácter convencional da lingua gem e, por outro, a neutralidade da substituição de um idioma por outro.

Em vez disso, cada língua fornece uma visão específica do mundo, é um modo de a ele estar ido, um ângulo através do qual o experienciamos. Em que consiste, então, a forma de uma língua? Não pode existir uma matéria que não esteja configura da numa forma. A forma de uma linguagem consiste na actividade espiritual de criar um som articula do que expresse um pensamento. A matéria seria então o som em geral, as impressões sensoriais, e toda a ac tividade espiritual antes da palavra, antes do conceito.

Toda a língua é originalmente fala, canção. Não há línguas sem som, embora existam línguas sem escri ta. Poder-se-ia considerar o som em geral como matéria prima de todas as línguas. As impressões sensoriais são não apenas aquelas produzidas pela palavra quando ela é pronuncia da, mas também a série ininterrupta de sensações que acompanha o ser humano. Sentir é algo permanente; porém, assim como acontece com as funções vitais como a respiração, por exemplo, não temos consciên cia do que estamos a sentir, a menos que algo desse sentimento rompa

o horizonte de indiferença em que normalmente nos encontramos. Quando isso acontece, é frequente libertar-se um som, uma exclamação ou uma respiração, que ainda não são uma palavra, mas são significativas dentro do contexto em que surgem. É o que acontece quando exclamamos um “Ah!” de susto ou um “Oh!” de admiração.

O filósofo e linguista prussiano Wi lhelm von Humboldt (1767-1835), num texto intitulado Sobre o es tudo comparado das línguas em relação com as diferentes épocas da sua evolução, dir-nos-á que a pala vra pronunciada ao transformar o objecto em representação mental, através do seu som específico, da entoação, e do seu contexto, “faz ressoar, embora muitas vezes de ma neira imperceptível, uma sensação que corresponde simultaneamente à natureza da palavra e à natureza do objecto”. É também neste sentido que aponta Walter Benjamin, num outro texto intitulado A origem do drama barroco alemão: “o precipí cio aberto entre a imagem escrita, dotada de significado, e o embriaga dor som articulado, separação que racha o sólido significado verbal, força o olhar a embrenhar-se nas profundidades da linguagem.”

O momento anterior à palavra, a ac tividade espiritual que a precede, é para María Zambrano o lugar em que em cada realidade aninha, como seu núcleo secreto e profundo. Dele, a palavra falada ou escrita é apenas um reflexo transitório e fugidio. O ser humano almeja chegar a esse centro de sentido, mergulhar nas profundezas trémulas de cada ser, descobrir a sua palavra, porque “no fundo da alma espera-se que tudo

o que é criado ou que tudo o que é natural tenha uma palavra para dar, o seu logos recôndito ou zelosamen te guardado” (Clareiras do Bosque).

Este momento anterior a todos os significados, e fonte de possibilida de para todos eles, recusa qualquer instrumentalização. É a palavra semen ou logos espermatikos, con tinua Zambrano, “geradora de musicalidade e abismos de silêncio, palavra que não é conceito porque é ela que nos faz conceber, fonte de conceber que está além do que se chama pensar.”

Sintetizando, os filósofos aqui apresentados coincidem no re conhecimento de três níveis de linguagem:

1.º – A linguagem divina; a realida de é criada assim que a palavra é pronunciada.

2.º – A linguagem de Adão; nomeia os seres que a ele comunicam o seu conteúdo espiritual; o nome reco nhece plenamente a existência de cada ser ou coisa.

3.º – A linguagem utilitária; acon tece a jusante da queda do paraíso; é uma linguagem que julga o que é bem e o que é mal, é dicotómica, perdeu o dom da equanimidade.

Poder-se-ia dizer que todo o es forço de poetas e pensadores vai no sentido de recuperar o dom da linguagem, a graça recebida pelo Homem pelo sopro divino que é vi da, fôlego e fala ao mesmo tempo, mas fala que não está destinada ao sacrifício da comunicação

Café Filosófico | 17 Novembro | 18.30

AP Maria Nova Lounge Hotel, Tavira

Inscrições: filosofiamjn@gmail.com

15CULTURA.SULPOSTAL 4 de novembro de 2022 FILOSOFIA DIA-A-DIA
*A autora não escreve segundo o acordo ortográfico
Adão e Eva expulsos do Paraíso, Marc Chagall 1961 FOTO D.R.

DIÁLOGOS (IN)ESPERADOS

Um Museu de Arte Contemporânea para o Algarve, uma conversa com Pedro Cabrita Reis

dessas mesmas cidades.

O Algarve é pequeníssimo. É um jardim maravilhoso onde é fácil e rá pido chegar a qualquer lugar. Por isso não vejo nenhuma motivação funda mentada, sólida e incontornável para fazer quatro filiais de um mesmo Museu de Arte Contemporânea. Sou adepto de uma localização única.

P Então qual seria a localização preferida?

luisa.algarve@gmail.com

Pedro Cabrita Reis é um dos principais artistas plásti cos da sua geração e um dos artistas portugueses com maior reconhecimen to internacional. A sua obra engloba uma ampla variedade de meios - pin tura, escultura, fotografia e desenho. Falámos sobre uma grande expo sição de arte contemporânea, a ter lugar no Quartel da Atalaia, em Ta vira, resultante duma parceria da “Casa das Artes”, a Associação 25 de Abril e o Regimento de Infantaria nº1. Será uma exposição integrante das comemorações do cinquentenário do 25 de Abril.

P Considera que este evento tem importância para a literacia cultural da cidade de Tavira?

R Claro que sim. E, numa perspectiva mais vasta, é importante porque se vai juntar a uma quantidade de outros projectos, de natureza idêntica, refi ro-me aqui às artes plásticas, que vão aparecer um pouco por todo o país.

Acho muito bem que em Tavira te nha sido criada essa convergência entre a “Casa das Artes”, a Associa ção 25 de Abril e o Regimento de Infantaria nº1, porque é seguramen te mais enriquecedor comemorar

uma data como o 25 de Abril, de uma forma ligada à arte e à cultura, em vez dos sempiternos discursos de circunstância desprovidos de qualquer iluminação de espírito ou de alma e que não passam de um proforma entediado, por parte de quem os faz, dessa data histórica, que mudou a vida dos portugueses. Já fui sondado para, eventualmente, integrar essa exposição e disse, a quem me perguntou que, com todo o gosto e entusiasmo o farei.

P Decerto já lhe terá chegado ao conhecimento a iniciativa de um grupo de Associações Culturais do Algarve, a “Casa das Artes” de Tavira, a “Sul, Sol e Sal” de Loulé e a “Laboratório Criativo” de Lagos, que se uniram para fazer a apre sentação ao Ministro da Cultura da pretensão de ver criado na Região um Museu de Arte Contemporânea.

O que é preconizado é um “de senho” original, em que o Museu se reparta por quatro/cinco po los, sob gestão única, localizados nos principais núcleos histórico/ patrimoniais/culturais do Algar ve – Tavira, Faro, Loulé, Lagos e, eventualmente, Silves, criando uma “rota de arte” que projecte a região como “destino cultural”.

Apoia este Manifesto para um Mu seu de Arte Contemporânea para o Algarve que se encontra a circular?

R Vamos partir do princípio de que quanto mais Museus existirem me lhor para a comunidade, sejam de arte contemporânea ou de outras áreas.

E sim, subscrevi esse manifesto. Um Museu é sempre um polo que junta em seu torno a comunidade onde ele está inserido. Seja pelas exposições que faz, seja pelas actividades de ca rácter didáctico que faz em relação ao seu património específico ou da comunidade onde ele está inserido. O Museu deve ser entendido como um laboratório de pensamento e de práticas que potenciem um melhor conhecimento da história, da cultura e das características específicas das regiões onde se inserem, mas sempre integrados numa visão alargada, glo balizada e cosmopolita.

Como princípio, acredito que deverá existir um Museu de Arte Contem porânea no Algarve, mas que não fique refém de quaisquer inconfes sadas ambições regionalistas. Um Museu, não é de nenhuma região ou cidade. É de todas as pessoas que a ele forem.

Lugar de acolhimento e de pen samento, para um Museu, a circunstância de estar aqui ou acolá não é relevante. Deverá, contudo, criar condições para que as pessoas da região em que se insere, possam desenvolver projectos, propor ideias, transformar coisas e de preferência fazendo tudo ao contrário do que se ria suposto fazer-se, já que, quando isso acontece, há razões para acredi tar que qualquer coisa de novo pode nascer. Os Museus são lugares para experimentar, para pôr em causa, pa ra interrogar, para construir dúvidas, mais do que para confirmar certezas ou insistir em trivialidades previsí

veis. É bom que haja um Museu de Arte Contemporânea no Algarve.

P Concorda com o desdobramento do Museu em quatro polos (Lagos, Loulé, Faro e Tavira)?

R Provavelmente a minha posição se rá entendida como conservadora, se disser que não me parece muito efi caz a ideia de desdobrar o Museu em quatro territórios diferentes. Vejo aí, com algum receio, o desenho de uma qualquer estratégia tendente para a construção de mini-regionalismos.

É a meu ver, uma visão paroquial de

R Neste momento não tenho preferência. Desconheço se as cidades mencionadas além de Tavira, têm con dições para construir equipamentos museológicos ou até mesmo a neces sária vontade política para o fazer. Reconheço que em Tavira, aliás a cidade que melhor conheço no Al garve, existe já um equipamento onde se poderiam criar as condições para a instalação de um Museu de Arte Con temporânea. Falo do Quartel de Tavira. Um quartel é um quartel. Um museu é um museu, mas há arquitectos, mu seólogos e peritos de todas as áreas que seguramente teriam de convergir no desenho de um Museu, que é um lugar precioso, que tem de ser tratado com muito cuidado. Não pode haver nem pressas, nem improvisos de qual quer natureza no seu desenho, seja dos princípios e motivações orientado res, seja mesmo enquanto património edificado. É certo que Faro é a capital do Algarve, tem aeroporto e o acesso de um público internacional, e apre senta condições extraordinárias, mas na verdade, o Algarve é pequeno, vai -se a quase toda a parte numa hora. Teriam de me explicar muito bem porque é que um Museu repartido em quatro filiais seria melhor do que um Museu num único local.

entender a relação do Museu com a comunidade e a sociedade. Não vejo porque é que um Museu do Algarve deveria estar sediado em quatro sí tios geograficamente distintos a não ser que fosse para satisfazer ambi ções de protagonismo por parte de quaisquer forças de natureza política

16 CULTURA.SUL POSTAL 4 de novembro de 2022
MARIA LUÍSA FRANCISCO Investigadora na área da Sociologia; Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa Maria Luísa Francisco – Obriga da por esta conversa em torno destas iniciativas originadas em associações culturais e que visam o harmonioso e coeso desenvolvi mento do Algarve. *A autora não escreve segundo
o
acordo ortográfico Conversa sobre Arte Contemporânea no Algarve entre Maria Luísa Francisco e Pedro Cabrita Reis Pedro Cabrita Reis, um reconhecido artista plástico com forte ligação ao Algarve FOTOS D.R.

Cultura(s) mediterrânica(s) – o que são?

Surge por vezes em confe rências e colóquios uma interrogação aparen temente simples, “se Portugal é banhado pelo Atlântico porque somos mediter rânicos?”

A pergunta tem fundamento e como outras é importante aprofundar, a resposta correcta deverá ter sempre por base os resultados de décadas de investigação pluridisciplinar, na geografia física e humana, climato logia, geologia, paisagismo, história, sociologia, ...

Num olhar geográfico a posição de Portugal é atlântica, mas pela análise climatológica vemos que coexistam no território influências atlânticas, da meseta ibérica, do Ma

Do ponto de vista cultural, em todas as suas dimensões, que evoluíram em mais de dois mil anos, foram na vegadores e comunidades vindas do mediterrâneo, fenícios, gregos, ro manos, árabes, berberes, genoveses e venezianos, que na Península Ibé rica modularam a cultura e a língua, as religiões e o urbanismo, introdu ziram tecnologias de captação e distribuição da água, desenvolveram as redes viárias, o comércio, a agri cultura e a salicultura, a filosofia, as ciências e as artes, a alimentação e a cozinha, festividades e convivia lidades com pratos de cada época do ano.

Orlando Ribeiro e outros cientistas em meados do século XX formu laram respostas fundamentadas, “Portugal é pela sua localização atlântico, mas culturalmente medi terrânico”.

As culturas mediterrâneas, con viviais e vicinais, acompanham os ciclos astrais e agrários, celebram sementeiras e colheitas, ritualizam

as casas do Sul têm orientações para receber a luz solar, protegem os habitantes dos estios quentes e prolongados com materiais constru tivos e fenestração adequada, têm pátios interiores refrescantes, fon tes, poços, arbustos e flores, hortas e pomares circundantes, …Encontra mos exemplos de norte a sul do País, o uso de materiais locais determinou a preponderância do granito a norte do Tejo e do barro a sul.

Aspecto determinante para características comuns é a origem me diterrânica das três grandes religiões monoteístas, baseadas no Profeta, no Livro Sagrado e no Deus Único. Coexistem hoje duas visões do Me diterrâneo, a da cooperação pacífica mercantil e o conflito que usa as su premacias religiosas e militares. Os povos nómadas do Médio Oriente, homens sem Estado ou religião oficial que os protegesse e represen tasse, encontraram no Islão alguma unidade. Quando o Império Romano se desagregou, em poucos anos to

por monges-cavaleiros, as popu lações doutrinadas, islamizadas e arabizadas. Deu-se a arabização do monoteísmo judaico-cristão de que estavam excluídas.

Nas fronteiras do mundo mediter rânico espreitavam os bárbaros que invadiram os territórios desejosos de viver como as populações do Sul, apreender as suas formas de organização, possuir as riquezas provenientes do comércio intenso no “grande lago”, gozar o quotidiano de cidades com termas, coliseus, tea tros, templos, festas, …A monarquia visigoda não trouxe consigo qual quer revolução cultural, adoptou o cristianismo, o Direito e as formas de organização social.

A verdade é que não é possível compreender a(s) cultura(s) me diterrânica(s) sem estudarmos as origens, os seus valores e o modo de vida que estão nas festividades cíclicas peninsulares desse mundo antigo. A alimentação mediterrâni ca mundialmente reconhecida só a poderemos entender nesse contexto

social, como cultura adaptada ao cli ma e às características geofísicas, de sabedorias indispensáveis à sobrevi vência humana.

O Islão, tal como o paganismo, o judaísmo e o cristianismo fazem parte integrante da cultura medi terrânica.

A narrativa histórica dos aconte cimentos dos séculos iniciais do primeiro milénio foi escrita na Idade Media, influenciada pelos interesses de domínio e supremacia.

As ortodoxias político-religiosas actuais que hoje influenciam a polí tica dos Estados pouco ou nada têm a ver com as origens do judaísmo, do cristianismo e do islamismo, são interpretações doutrinárias e instru mentais que afastam da compreensão do processo histórico-cultural.

As culturas mediterrânicas, neste contexto de “globalização”, são de importância vital para todos, pro motoras de equilíbrios ambientais, económicos, culturais e sociais.

*O autor não escreve segundo o acordo ortográfico

DOIS MINUTOS PARA OS DIREITOS HUMANOS

1. ISRAEL / TERRITÓRIOS PALESTINIANOS OCUPADOS

A Amnistia Internacional analisou os ataques à Faixa de Gaza, aquando da ofensiva israelita em agosto de 2022, concluindo que devem ser investigados pelo Tribunal Penal Internacional como potenciais crimes de guerra. A organização descobriu que dois ataques israelitas provocaram seis vítimas mortais entre os civis palestinianos. Num terceiro ataque, um míssil alegadamente lançado por grupos armados palestinianos fez sete vítimas mortais palestinianas.

2. BÓSNIA E HERZEGOVINA

Duas ativistas enfrentam processos de difamação infundados por manifestarem publicamente a sua preocupação sobre o impacto ambiental das centrais hidroelétricas da empresa bósnia BUKque é totalmente detida pela companhia belga Green Invest - no rio Kasindolska. Sunčica Kovačević e Sara Tuševljak contestaram as licenças ambientais concedidas, sublinhando a desflorestação descontrolada e a erosão do solo como potenciais danos ambientais irreparáveis.

3. QATAR

A Amnistia Internacional reiterou o seu apelo à FIFA e às autoridades do Qatar para a necessidade de se comprometerem com um fundo de compensação para com os trabalhadores migrantes explorados no país, e ainda com a implementação de reformas laborais. Milhares de trabalhadores continuam a enfrentar dificuldades assentes no atraso ou não pagamento de salários, negação de dias de repouso, condições de trabalho inseguras e acesso limitado à justiça.

4. ANGOLA

A Amnistia Internacional alertou para o desaparecimento de Mbapamuhuka Caçador, um menino de cinco anos, após uma rusga policial à comunidade Mucubai, na zona de Ndamba. A rusga foi provocada por uma disputa de terras e terminou com várias casas, cobertores e roupas incendiadas. A organização insta as autoridades angolanas a explicarem este desaparecimento, recordando que um desaparecimento forçado é um crime à luz do direito internacional.

5. NIGÉRIA

Dois anos após os protestos #EndSARS contra a violência policial, mais de 40 manifestantes permanecem detidos nas prisões nigerianas, sem terem tido um julgamento. A Amnistia Internacional relembra que os grupos criados para investigar a impunidade policial não conseguiram fazer justiça às centenas de vítimas que sofreram abusos pelas autoridades. Sublinha ainda que os suspeitos da tortura e morte de manifestantes devem ser submetidos a julgamentos justos.

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O Algarve de Costa-a-Costa: Loulé

Loulé goza do privilégio de ser servida pela estação ferroviá ria Loulé-Praia de Quarteira e, por conseguinte, de entrar na nossa lista de localidades a visitar neste percurso costa-a-costa(1). Mas, já se sabe, uma coisa é a desig nação de uma estação e outra bem diferente é a maior ou menor conve niência da sua localização.

O caso é que há uma distância de uma boa meia dúzia de quilómetros entre a dita estação e a cidade de Loulé, que não é nem suficientemente curta para ser feita a pé com facilidade, nem sufi cientemente longa para desistirmos da visita. Felizmente que, quando estáva mos prontos para palmilhar um légua até à cidade (pois que remédio…), sur giu na praça da estação um táxi, tendo ao volante uma espécie de reencarna ção de Quasímodo o que, porém, não nos impediu de embarcar de imediato no bem-vindo veículo.

Estamos habituados a passear num Al garve chão, por vezes a distinguir aqui

e ali mas sempre lá ao longe, silhuetas de montanhas e montes, difusos na distância. Não é o caso da cidade de Loulé, alcandorada a uma altitude de 170 metros. Dizia o Manuel da Fonse ca, numa visão com quase quarenta anos, que “Serra acima, como de um alto terraço a meio dos montes, Loulé defronta uma vasta paisagem que vai, em declive, por cerros, pomares, hortas, até ao mar.”(2)

Todavia, a visão do escritor nos dias de hoje seria seguramente muito dife rente. Os pomares e as hortas foram substituídas pelo betão, pelo tijolo, pelo asfalto e por tudo aquilo que co nhecemos pelo verbo urbanizar. Mas este progresso deverá agradar aos povos, pois Loulé é uma das poucas cidades que tem vindo a aumentar a sua população desde os anos oitenta, inclusivamente na faixa etária dos 0-14 anos, a que mais importa para o futuro.

Loulé, diga-se de passagem, é uma urbe muito antiga. Foi romana, foi moura, e foi cristã a partir de 1249, após ter sido conquistada no tempo do Rei D. Afonso III, com o auxílio do fortíssimo braço de D. Paio Peres Cor reia, cavaleiro e mestre da Ordem de

Santiago. Teve momentos de esplen dor, até o terramoto de 1755 a destruir de forma cruel, como aliás a metade do Algarve.

Ultimamente, o turismo tem puxado por este imenso concelho e sobretudo pelo seu litoral, substituindo alguma vaga indústria que ainda resistia às modas dos novos tempos. Até a ex tração do sal gema parou por falta de incentivo económico, de modo que es tou crente que se a torneira do turismo um dia se fechasse, morria de fome meio Concelho.

O nosso condutor, que nos tinha vindo a falar das dificuldades da vida, pára à beira de um bonito arco escavado numa muralha. “A muralha moura”, esclarece ele, e continua: “Agora é só irem por aí fora pelas ruazinhas até ao Castelo. É do que os turistas mais gostam.”

Passámos sob o robusto arco, não sem que o taxista todo esticado no banco ainda nos tenha bradado em alta-voz: “Ide também ao Jardim dos Amuados! É logo à esquerda.”

Iremos, iremos, amigo Quasímodo. Obrigado. Obrigado…

Seguimos o avisado conselho e, curio samente, também os passos do Manuel

da Fonseca: “O arco de grossas paredes caiadas, por onde se passa para a Igreja Matriz. O minúsculo e íntimo Jardim dos Amuados. E o vale. O bonito vale que o defronta, e fica entre a vila e uma encosta de cabeços nus, angulosos.”(3)

Pois, mas nós, infelizmente, apenas conseguimos ver bocadinhos desse panorama, porque o que faltava es tava oculto por construções diversas. Todavia, na colina fronteira, passado o grande vale, na “encosta de cabeços nus”, reparo num grande edifício todo redondeza e brancura. Que seria aqui lo? Um disco voador?

“É a nova ermida da Nossa Senhora da Piedade a quem os louletanos cha mam Mãe Soberana”, explicou-me o António, que é uma fonte inesgotável de informações interessantes, “é um culto com uma data de séculos. To das as primaveras fazem uma grande procissão e transportam lá para ci ma a imagem da Nossa Senhora num andor pesadíssimo. Vem gente de todo o lado. Multidões! E há oito ti pos fortalhaços que correm por uma ladeira acima com o andor aos om bros. Extraordinário! Há uns tempos fiz imensas fotografias dessa festa. Posso arranjar algumas, se quiseres.

Ou então voltamos cá na primavera.” Fiquei a ponderar na oferta do meu distinto amigo, enquanto nos pusemos a andar pela Rua de Martim Fartopelo que consta um indivíduo de fé e sobejamente endinheirado - e pelas demais ruelas estreitas e sinuosas. Entrar na Praça da República após atravessar a cerca intimista do Con vento do Espírito Santo é uma visão agradabilíssima: largos passeios, agradáveis comércios. Só mais tarde percebemos que o nosso percurso pelo núcleo antigo acompanhara os passos de um outro andarilho, este bem mais recente(4). Vou citá-lo: “O viajante dei xa-se levar pela intuição e mete-se pelo labirinto de ruelas […] até desembocar frente ao edifício do mercado, com as suas chamativas cúpulas vermelhas […] que sugerem uma decoração das Mil e Uma Noites.”

O Mercado impressiona de facto pela sua escala grandiosa e pelas suas cúpu las arabizantes, mas também pela sua estrutura interior em ferro, com uma floresta de colunatas elegantes que se unem, formando uma imensa abóbada sobre as bancadas dos comerciantes, num ambiente limpo, ordenado, bem iluminado. “Tem-se uma impressão de

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esforço doseado e de segurança que o an dar pausado dos habitantes reforça.”(5)

Um pouco abaixo do edifício dos Paços do Concelho espera-nos um contra tempo: o célebre Café Calcinha onde tantas tertúlias animaram as suas mesas, estava fechado! Uma senhora da loja ao lado, vendo o nosso ar de solado, informou-nos que andam em obras há uns tempos mas que tornará a abrir como café. Excelente notícia! embora nos conviesse mais que já es tivesse aberto para, confortavelmente sentados, podermos falar de alguns dos filhos insignes desta terra.

De figuras eminentes, como por exem plo do Eng. Duarte Pacheco, homem da Segunda República, mas a quem Loulé ergueu um monumento junto à Rua 25 de Abril (o que demonstra bas tante fair-play…). Também constariam do rol dois presidentes da República, um da Primeira, José Mendes Ca beçadas e outro da Terceira, Aníbal Cavaco Silva. Impossível esquecer a romancista Lídia Jorge, filha querida de Loulé e figura de referência nas Letras portuguesas e, last but not the least, António Aleixo, o bardo a quem chamam popular, nascido vi la-realense mas falecido em Loulé e a

quem mandaram fazer uma soturna estátua no exterior do Café Calcinha, eternizando-o muito sério, de perna traçada e sentado a uma mesinha, com uns poeminhas do próprio gravados no tampo, para que conste.

Decepcionado com a impossibilidade de saborear um merecido refresco no Café Calcinha, câmara fotográfica pendente do braço, o Mestre Homem Cardoso dirige-se inopinadamente à brônzea personagem: “Desculpe inco modá-lo, mas o senhor não é por acaso o poeta António Aleixo?

“Poeta, não, camarada. Eu sou tam bém cauteleiro. Ser poeta não dá nada, vender jogo dá dinheiro”, responde o vate. E com esta nos fomos de Loulé.

(1) Lembro o estimado leitor que eu e o António Homem Cardoso, uma dezena de crónicas lá para trás, combinámos correr o Algarve costa-a-costa utilizando exclu sivamente o comboio.

(2) FONSECA, Manuel, Crónicas Algarvias, Editorial Caminho, 2ª ed., Lisboa,1986, p 149. (3) FONSECA, op. cit. P 154 (4) MESA, Diego, Viagem ao Algarve Baseado na Viagem a Portugal de José Saramago, 1ª ed., 2014, p 44 (5) FONSECA, op. cit. p 149.

MAS AFINAL O QUE

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É ISSO DA CULTURA?

Tornado, de Teresa Noronha

nos dilacera e nos move, ou ainda a revoada de acontecimentos que acom panham o nascimento de uma nação.

Tornado, de Teresa Noronha, foi publicado pela Editora Exclamação em Março de 2021. Vencedor da 1.ª edição do Prémio Literário Maria Velho da Costa, criado pela Sociedade Portuguesa de Autores, e incluído no Plano Nacional de Leitura, o promis sor romance de estreia da autora foi novamente distinguido em Portugal, há semanas, com o Prémio PEN.

Carta a um tempo perdido

Começa assim: “Soube anos mais tarde, quando vasculhava nos arqui vos do Notícias à procura de alguma maldita crónica ou sinal daquele dia, com os jornais abertos à minha frente, que varri de trás para a frente e de frente para trás, sem encontrar qual quer sinal especial e nem mesmo o menor traço necrológico, notícia ou fotografia como se a tua morte fosse, mais do que anónima, ignorada. Mas soube aí, com surpresa – e talvez esse facto possa desenrolar o primeiro fio deste novelo que se emaranhou depois da tua morte – que o quarto dia do mês de outubro de 1983, em que decidiste pela enésima e derradeira vez deixar o mundo, pertenceu àquele estranho ano em que as acácias se esqueceram de florir.” (p. 11)

A ação passa-se em Moçambique, mais propriamente em Lourenço Marques, com passagens ocasionais por Lisboa, durante os anos da independência e da convulsão que foi o parto dessa nação. O tornado do título descreve assim o turbilhão da vida em geral, a dor que

Tornado não segue propriamente uma estrutura epistolar, mas desenrola-se como uma longa carta de uma mulher ao irmão, dois anos mais velho, que se suicidou. Vinte e cinco anos depois, quando se abriu a cova e se recolhem as ossadas do falecido, a narradora enceta um longo solilóquio, em que narra a sua vida e toma o irmão co mo narratário, como quem de súbito desenterra também as suas memórias recalcadas. O romance configura-se assim como uma carta a um irmão desaparecido, mas também a um tem po perdido. Este texto torrentoso, sem que isso o impeça de tomar a natureza de uma prosa poética, flui em catadu pa, como se a narradora procurasse recuperar os cerca de seis anos de vida em que não falou com o irmão.

Nesse ano em que o irmão decidiu

matar-se, vivia-se também a guerra civil em Moçambique. Ao recontar a sua história, a narradora (cujo nome nunca será nomeado) tece assim um romance de formação, oferecendo um relato da sua vida, desde a infância à entrada na idade adulta, com o primei ro amor de juventude.

“Teço como Penélope este manto de palavras, preciso dele para me cobrir, para descobrir quem sou.” (p. 13)

História dos que ficaram

Simultaneamente, ao emparelhar a identidade pessoal com a identidade nacional, cruza a sua experiência com o parto de um país, de colónia a nação independente. Um romance original (que corremos o risco de pensar como autobiográfico) que apresenta uma perspetiva diferente de Moçambique, pois embora haja obras que trabalha ram a questão da independência, vista

por autores moçambicanos, ou roman ces que versaram os retornados – como é o caso de O Retorno, de Dulce Maria Cardoso –, Tornado traz nova luz sobre a história daqueles que decidiram ficar, apesar da incerteza e do tumulto.

“A nossa cor nunca foi a dominante.

No tempo colonial não éramos bran cos, éramos arraçados de monhés, canecos de cú lavado, o termo pejo rativo para falar de um filho de goês e portuguesa. No período pós-colonial, eu não era negra e se, em Lisboa, me tomavam por brasileira ou por cabo -verdiana, já em França perdiam-se em cogitações sobre de onde seria e espantavam-se quando descobriam que era africana.” (p. 38)

Acresce ainda que a perspetiva da narradora, nascida da união entre pai goês e mãe portuguesa, é excêntrica.

Nascida em Moçambique, embora te nha estado algum tempo em Lisboa quando era ainda muito nova, é a par

tir de fora, de alguém que se sente uma estranha no seu próprio país, e na sua pele, que a narradora recapitula al guns dos momentos-chave como pano de fundo à sua história e às memórias familiares. A estranheza que sente na pele é agudizada pelo “medo associa do à cor de pele, o medo de existir” (p. 37). É em vão que a narradora deseja não ter pele, tornando-se invisível. A um sentimento de não pertença, e à perda do irmão, alia-se ainda um senti mento de orfandade, por uma mãe que a rejeita desde muito cedo, entregando -a ao fim de um ano aos cuidados da avó (alegando que a filha a rejeita), e pela sensação de uma família pulverizada pela morte do seu irmão.

Anos depois, esta jovem que se sente estranha na sua pele e na sua terra, torna-se errante, vivendo alguns anos em França. Além da família, de raízes dispersas, são igualmente nómadas várias das personagens que cruzam o romance, como por exemplo o profes sor por quem ela se apaixona.

Realismo mágico

Num primeiro capítulo bastante pun gente, com a dor provocada pelo luto do irmão, por uma perda reavivada com o desenterrar dos seus ossos, sente-se ainda assim laivos que apro ximam a narrativa de um realismo mágico. Acontece assim quando se abre a narrativa com um aconteci mento que se pode julgar insólito, como aliás o adjetivo reforça, nesse “estranho ano em que as acácias se es queceram de florir” (p. 11). Ou quando se evoca uma memória de um fuzila mento. Ou ainda, no final do segundo capítulo, quando a narradora, que vê o mundo pelos olhos do seu eu criança, enuncia que, ao chegar ao aeroporto de Lisboa para viajar de regresso a Moçambique, “esperei inutilmente que a sala imensa de chão de mármore onde nos encontrávamos descolasse e nos levasse a todos pelos ares ao lon

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PAULO SERRA Doutorado em Literatura na Universidade do Algarve; Investigador do CLEPUL
A escritora é editora de livros na Escola Portuguesa de Moçambique - Centro
de Ensino
e
Língua Portuguesa Teresa Noronha venceu o Prémio Literário Maria Velho da Costa com o romance de estreia Tornado FOTOS D.R. Tornado foi novamente distinguido em Portugal, há semanas, com o Prémio PEN
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Arquibaldo, de Carlos Tê

íntimos do protagonista, demarcados a itálico, no livro, assim como pelos seus estranhos sonhos.

Francisco Frade terá começado a trabalhar em serviço social nos seus primórdios: “No princípio, ao decla rar-se assistente social, Francisco induzia uma certa perplexidade no ouvinte, como o social fosse uma res sonância sem qualquer possibilidade de assistência, mas o termo perdera o seu cunho bizantino e entrara na linguagem corrente” (p. 62)

Entretanto ganhou fama e as pessoas reconhecem-no da televisão por certos casos que vieram a público.

“A Junta acabava de ser mencionada no boletim da OCDE como um dos vinte organismos europeus de poder local mais atentos à desigualdade. (…) Juncal desculpou-se: o trabalho de Francisco reverberava na imprensa e punha a Junta nas bocas do mundo.” (p. 85)

Mesmo que o poder local não lhe dê o devido crédito, ainda que outros o ape lidem de “São Francisco do Lagarteiro” (p. 86). O seu trabalho é também, aliás, um pouco refratário ao sistema. De for ma geral, Francisco evita prisões, quer na cama, quer na vida, pois nele pare ce residir uma “zona de despojamento interior onde ser proprietário de casas era uma sobrecarga desnecessária do espírito” (p. 57).

indústria, lúmpen emprestando esqui nas com um rasto de bedum e álcool, mas povo escolarizado e anunciado pelas profecias, emulando a beleza dos ricos nas novas lojas de pronto-a-ves tir, ensaio do pavão pop, do parvenu digital sacudindo a consciência de classe da gola da samarra como caspa da História” (p. 73).

Transmite-se assim a sensação da pobreza ou da miséria humana como mal que grassa pelo mundo é mile nar e nunca se resolve completamente mesmo naquilo que hoje se entende como uma Europa civilizada. O pró prio Francisco, a certa altura, começa a ver-se não tanto como o cavaleiro andante Arquibaldo, mas mais como um judeu errante, um “nómada” em busca das suas raízes judaicas. Essa busca interior leva-o por fim numa pe regrinação, em busca de respostas, como que a testar a herança deste po vo: “erram pelo mundo sem pertencer aos lugares, o pensamento livre é o seu pátio” (p. 190).

versão da sua história porque não há a versão definitiva. A gente refaz-se na história que conta aos outros e a nós mesmos.” (p. 129)

Como nota final, um leitor atento ou mais informado pode ainda encon trar ecos de uma figura real neste Francisco, ligeiramente inspirado no Chalana, um conhecido assistente so cial do Porto.

Arquibaldo é o primeiro ro mance do letrista Carlos Tê (Carlos Alberto Gomes Monteiro) a integrar o ca tálogo da Porto Editora, e o segundo romance do autor depois de O Voo Melancólico do Melro

Francisco Frade trabalha como assis tente social de uma junta de freguesia na periferia do Porto, em bairros di fíceis. Rodeado de pessoas a quem assiste, ocasionalmente reconhecido, fugitivo de compromissos sérios das várias mulheres com quem se envol ve, Francisco ora se imagina como um cavaleiro andante ora tem uma “sensação de queda numa brecha da realidade” (p. 33). Uma visão que o

persegue de quando em quando e que parece funcionar como metáfora do peso da realidade que o envolve, de miséria, pobreza e vidas perdidas que ele tenta remendar.

“A assistência social é o nome dado ao acolchoamento da miséria, o bastão que repele o caos” (p. 27)

Entretanto, para sanar a visão des se buraco de realidade, Francisco começa a ter sessões de divã com o doutor Pombeiro. Acresce que o nosso protagonista cria como alter ego Ar quibaldo, “cavaleiro da Casa do Bem” (p. 21), uma figura que inventa para manter a coesão da realidade.

Narrada na terceira pessoa, a narra tiva é pontuada pelos pensamentos

Romance disperso, quase polifónico, profundamente lírico por vezes, traça o retrato de uma realidade caótica e desfigurada, onde figuram geralmen te os marginalizados (prostitutas, homossexuais, drag-queen). A visão da sociedade é, por vezes, cáustica:

“Não vá na cantiga de dar cultura ao povo para o libertar. O povo não quer ser livre, quer dinheiro no bolso.” (p. 87)

As primeiras páginas do livro re metem o leitor para um ambiente medieval, sendo que essa sensação de Idade das Trevas não se dissipa completamente, transparecendo oca sionalmente em algumas passagens: “Não mais povoléu feio, campesinato desenraizado subsistindo na faixa da

É curioso notar como o diálogo en tre Francisco e o seu “psicanalista” se reveste de ironia e humor. Ainda que o nosso herói tente iludir o doutor Pombeiro, “com raciocínios erráticos e entremeados por sonhos recorren tes” (p. 83), este construiu uma chave de decifração para o seu perfil. As respostas do doutor Pombeiro são por vezes dignas de um poeta ou um filósofo, ficando a ressoar no espírito de Francisco: “O desapontamento é proporcional às expetativas da paixão inicial, procurar no outro o nosso re flexo é o ardil narcísico clássico, amar é incluir o diferente e ampliar o conhe cimento de nós mesmos” (p. 91).

Momentos há, sem querer intentar uma leitura forçada, em que podemos pensar nestes instantes de reflexão e de um solilóquio, com ocasionais respostas do terapeuta, como um diálogo entre autor e personagem. Afinal, naquele divã, Francisco tenta reconstruir o seu eu, a sua verdadei ra persona: “Você vem cá contar uma

Carlos Alberto Gomes Monteiro nasceu em Cedofeita, no Porto a 14 de Junho, de 1955. É um letrista e escritor português. Licenciou-se em Filosofia na Universidade do Porto. Tornou-se célebre como letrista com a edição do álbum Ar de Rock, de Rui Veloso. Participou também em discos dos Jafumega, Clã, Cabeças no Ar, Canto Nono com José Mário Branco, Jorge Palma, e José Pedro Gil. Colaborou, entre 1978 e 1981, em revistas de poesia. Entre 1991 e 1994, escreveu para o jornal Público uma série de crónicas que marcaram a sua presença no caderno local do referido jornal. Foi também cronista no jornal Expresso.

> go dos dez mil quilómetros, como um gigantesco tapete voador telecoman dado por um deus compassivo” (p. 30).

Dores de crescimento

Da mesma forma que a narradora nos conta as suas dores de crescimento, com a primeira menstruação, ou a descoberta da sua sexualidade aos 16 anos com um professor mais velho, intenta uma revisão histórica do país que a viu nascer e que ela vê renascer. “E naquela noite de 25 de Junho do ano de 1975 voltámos a nascer. Com outra identidade, noutra condição. Na noite em que morreu o país onde

nascemos e do seu corpo morto bro tou um outro, dançámos desajeitados ritmos que não nasciam dos nossos pés, mas que celebravam um país que inventaram para nós.” (p. 31)

A narradora ao relatar a sua vida, fá -lo naturalmente com a sapiência da mulher em que se tornou. Há várias passagens em que faz mesmo essa ci são entre a experiência de então e o conhecimento depois adquirido.

“Os contentores levam os despojos dos colonialistas. Os despojos de 500 anos de pilhagem. Os colonialistas fogem que nem ratos. Sabemos lá nós, com 10 anos, o que são colonialistas? Deve ser muito feio, pela forma como o dizem, pensas tu ao

ouvires o insulto que te dirigem.” (p. 101)

Mais ainda, há um discurso subtilmen te historiográfico, onde também não se poupam críticas quer à ex-colónia quer ao colonizador, em que se considera como os factos agora narrados nem sempre pertencem ao registo oficial:

“Os relatos parcos do único jornal da época em Moçambique também me dão conta de que estávamos nesse ano em plena guerra civil, ainda que não se en contre esta palavra em nenhum.” (p. 12)

Tornado é ainda, e sobretudo, um romance intimista, emotivo, nem sem pre cronologicamente linear, ainda que os acontecimentos históricos da independência moçambicana irrom

pam como pano de fundo: “7 de setembro de 74. O edifício da Rádio Clube de Moçambique, a pou cos metros da nossa casa, foi tomado. Há um grupo de militares, brancos, de Forças especiais, que se recusa a entregar o país. Os Acordos de Lusaka estão marcados para esse dia” (p. 102)

Teresa Noronha nasceu em Moçambique em 1965. Licenciou-se em Agronomia em 1986 pela Universidade Eduardo Mondla ne e, em 1988, foi para França, Montpellier, onde frequentou o mestrado em Desenvol vimento Rural. Em 1991 decide viver em Portugal, onde foi professora de Matemá tica, Ciências e Francês, em Lisboa e em Angra do Heroísmo. Começa a trabalhar

como tradutora (1996) e, posteriormente, em edição de livros na Editora Fim de Sé culo (1999) e Íman Edições (2000-2004) de que foi uma das sócias fundadoras. Tra duziu vários romances do francês para a editora Teorema. Um curto vestido de Festa, de Christian Bobin, editado pela Barco Bêbado, é uma das suas mais re centes traduções.

Em 2004 regressa a Moçambique e trabalha como editora na Escola Por tuguesa de Moçambique – Centro de Ensino e Língua Portuguesa. Neste âmbito, deu um impulso à edição de livros infanto-juvenis em Moçambique e as suas iniciativas editoriais têm mar cado o panorama gráfico deste país.

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Este é o segundo romance do autor, depois de O Voo Melancólico do Melro
LETRAS & LEITURAS
Carlos Tê tornou-se célebre como letrista com a edição do álbum Ar de Rock, de Rui Veloso FOTO D.R.

A fotografia de mãos dadas com a ciência

Com a invenção da fotografia a fazer quase 200 anos, desde o longínquo ano de 1826, o Mundo sofreu uma transformação radical, de tal for ma que um habitante dessa época se tivesse a oportunidade de viajar até 2022 ficaria literalmente com falta de palavras para descrever o futuro que se mostrava aos seus olhos. Desde veículos avançados como o avião que permite fazer viagens em redor do Mun do, o foguetão para visitar as estrelas ou até mesmo o transporte automóvel iriam parecer coisas incríveis. Por exemplo, o computador, o telemóvel e a televisão com os seus mági cos ecrãs que mostram informação e pessoas de todo o lado além de toda a comunicação e interatividade que possibilitam, ou ainda os avanços médicos fantásticos que permitem a visualização do interior do corpo humano com os famosos raios-x sem ter que recorrer a uma faca seriam coisas que quando voltasse atrás no tempo para contar, provavelmente ninguém iria acreditar que iriam existir num futuro pró ximo, mas a verdade é que a fotografia esteve presente em inúmeros momentos revolucio nários da ciência e continuará sempre a estar. Vamos conhecer algumas dessas fotografias que permitiram abrir os olhos da Humanidade para a realidade desconhecida do Universo.

nossa existência e do nosso Planeta ao perten cermos a esta imensidão de escuridão eterna de triliões e triliões de galáxias que se estima ter 200.000.000.000.000.000.000.000 de estrelas.

e equipamentos, incluindo a descoberta de um novo princípio fundamental da física, o campo magnético rotativo, que tornaram viáveis o uso de corrente alternada para transmissão de energia elétrica a longas distâncias. Outras invenções importantes foram o motor de indu ção elétrica, o controlo remoto, a transmissão via rádio, o sistema de ignição nos carros, a lâmpada fluorescente, transmissão de eletri cidade sem fios, radiografia (Raios-X) e o rádio entre muitas outras.

• A fotografia de Buzz Aldrin na superfí cie da Lua , é provavelmente a fotografia que mostra como o ser humano é realmen te uma espécie que é capaz de sonhar alto e chegar efetivamente onde se predestina a chegar. Foi tirada a 20 de julho de 1969 por Neil Armstrong, na missão Apollo 11 que levou os primeiros homens à Lua, um feito extraordinário da Humanidade que fez com que a evolução tecnológica a partir daí se desenvolvesse por muitas e variadas áreas, incluindo purificadores de água, tomogra fia axial computorizada, luzes LED, câmara fotográficas miniaturizadas, ténis Nike Air, aspirador portátil sem fios, colchões com es puma “memória”, o rato do computador, o computador portátil, entre outras inovações.

• O teste nuclear nome-de-código Trini ty a 26 julho de 1945 pelas 5:29 da manhã é efetivamente a primeira detonação de uma bomba nuclear, que foi uma culminação dos esforços conjuntos de um grupo de cientis tas responsáveis pelo Projeto Manhattan. A explosão do engenho de plutónio aconteceu a 56km de Socorro, Novo México, tinha a capacidade de 22 quilotoneladas e tinha a alcunha de “The Gadget”. Apesar de todas as descobertas relacionadas com a natureza dos átomos e da existência de novidades como a fissão nuclear, infelizmente esta tecnologia acabaria por ser usada na Segunda Guerra Mundial em 1945. A fotografia do evento em si foi da responsabilidade de Julian Mack e Berlyn Brixner que usaram cerca de 50 câ maras que fotografaram e filmaram a cerca de 10.000 frames por segundo a 730 metros de distância em bunkers especiais revestidos a chumbo e ferro.

• A fotografia 51 como ficou conhecida, tirada por Raymond Gosling em 1952 foi instrumental na identificação da estrutura tridimensional em hélix (dupla hélice) do ADN que eventualmente levou à formulação do seu modelo químico e revolucionou totalmente a nossa visão e conhecimento em relação à bio logia molecular. Obviamente esta descoberta é simplesmente mais uma peça do puzzle e foram vários os cientistas responsáveis até chegarem a essa conclusão, incluindo Mau rice Wilkins, James Watson, Francis Crick e Rosalind Franklin.

• A fotografia do campo profundo extremo do telescópio Hubble (Hubble’s extreme deep field (XDF)) é na realidade um conjunto de fotografias e dados que foram compilados durante 10 anos que resultaram a 25 de setem bro de 2012 na fotografia em si que equivale a uma percentagem pequeníssima do céu estelar, ao nível de muitos milhões, em compa ração é como se fosse menos de 1mm de uma folha de papel A4 a um metro de distância. Esta fotografia é luz captada num momen to no tempo que aconteceu há cerca de 13.2 biliões de anos atrás e mostra aproximada mente 10.000 galáxias. A idade estimada da origem do Universo é de 13.7 biliões de anos. Esta revelação só confirma a pequenez da

• Esta fantástica fotografia de Nikola Tesla no seu laboratório foi tirada em 1899, ao lado do seu transformador ressonante, uma invenção que ficou conhecida como a bobi na de Tesla (Tesla coil) foi na realidade uma fotografia tirada pelo fotógrafo Dickenson V.Alley usando o método de dupla exposição, ou seja, foram na realidade tiradas duas fo tos, uma com a máquina em funcionamento e outra apenas com o Nikola que depois foram juntas posteriormente em pós-produção. Um equipamento que mantém o título de maior do género construído até hoje e operava a uns gi gantes 12 milhões de volts. Nikola Tesla foi um importante cientista que ficou famoso devido às contribuições, descobertas e avanços que fez em diversas ciências, conceitos científicos

• “Isto é como a Vida começa!” uma série de fantásticas fotografias do sueco Lennart Nils son publicadas a 30 de abril de 1965 na revista LIFE que mostraram ao mundo pela primeira vez um feto humano em desenvolvimento na barriga da mãe antes de nascer. Uma edição que vendeu 8 milhões de cópias em apenas 4 dias foi das mais populares de sempre. Es tas fotografias foram conseguidas através de objetivas tubulares especializadas endoscó picas com lentes macro e grandes angulares em diversos estágios do bebé. Trabalhando em conjunto com o hospital conseguiu foto grafar material de crianças abortadas, daí o grande detalhe de composição e iluminação das fotografias, mas as do interior da barriga foram das melhores tiradas até ao momento, mesmo comparado com o que se tira atual mente. Mostrar o invisível, visível, algo que mostra o início da nossa viagem e define a Humanidade foi a intenção do fotógrafo ao captar estas fotografias.

Esta é apenas uma pequena amostra do que a invenção da fotografia permitiu, uma janela para os mistérios da Vida e do Universo que nos espanta constantemente. São imagens poderosas e incríveis que só mostram a com plexidade de tudo o que nos rodeia. Só temos que agradecer a todos estes fotógrafos e a todos os cientistas que permitiram explorar os extremos da ciência e do conhecimento, pessoas singulares que apenas fizeram uma pergunta na sua mente.

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ESPAÇO ALFA
“Então e se eu…” FOTOS D.R.
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