CULTURA.SUL 166 23SET2022

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• Espaço AGECAL Jorge Queiroz

SAÚL

Direção GORDA, Associação Sócio-Cultural Editor Henrique Dias Freire

• Diálogos (In)esperados Maria Luísa Francisco

Paulo Larcher Colaborador desta edição Mauro Rodrigues

Escultura “Horizonte Salgado”, de Henrique SilvaEscultura “Horizonte de Betão”, de Élsio Menau FOTOS D.R. Escultura “Observatório de Horizontes e Lonjuras”, de Gustavo Jesus

SETEMBRO 2022 Ÿ n.º 166 comemcomMensalmenteoPOSTALconjuntoo 10.636 EXEMPLARES www.issuu.com/postaldoalgarve

Neste âmbito, os artistas algarvios Henrique Silva, Élsio Menau e Gus tavo de Jesus inauguraram no dia 19 de julho, as três esculturas que dão vida ao Calçadão de Quarteira. Sendo todos algarvios, Élsio Menau e Gustavo de Jesus têm também a particularidade de terem sido estudantes de artes vi suais na Universidade do Algarve.

Mais recentemente, o mar tem sido abordado numa perspetiva menos positiva, pois têm realizado obras a partir do lixo encontrado no mar ou do lixo que pode ser encontrado nas praias, nomeadamente de plástico, trazido pelo vento e pelas correntes.

Pode o mar servir de enquadramento para as obras artísticas?

As expressões artísticas têm acompanhado as preocupações ambientais que predominam na atualidade, pelo que muitos dos trabalhos artísticos atualmente

N

Esta é uma mensagem importante sobretudo no Verão, em que muitas pessoas procuram locais próximos do mar para refrescar e relaxar. Mas deverão faze-lo observando os aspetos ligados à limpeza das praias e à reciclagem.

NEVES DE JESUS Professor Catedrático da Universidade do Algarve; Pós-doutorado em Artes http://saul2017.wixsite.com/artesVisuais;

• Artes Visuais Saúl Neves de Jesus

social à construção desenfreada que aconteceu em Quarteira nos anos 60 e 70 do século XX, com vá rios prédios junto à praia. Segundo o artista, nesta obra abrem-se as janelas e só vemos betão.

• Mas afinal o que é isso da cultura?

ARTES VISUAIS

o último artigo abordá mos o mar como fonte de inspiração para a pro dução artística ao longo dos tempos. Desde ima gens relaxantes que aproveitam a beleza do mar calmo ao pôr do sol, até imagens de ondas do mar que transmitem energia e vitalidade, o mar tem sido dos temas mais inspi radores da produção artística.

Ficha técnica

Mas o mar, para além de inspirar as artes visuais, pode também servir de enquadramento para as obras artísticas.

Por seu turno, o artista Élsio Menau, natural de Quarteira, apre senta-nos a escultura “Horizonte de Betão”, que representa uma critica

• Espaço ALFA Raúl Coelho

Responsáveis pelas secções:

• Filosofia Dia-a-dia Maria João Neves

Nesse âmbito, gostaríamos de des tacar uma iniciativa interessante do Município de Loulé, no senti do de aproximação da arte junto das pessoas, através da exposição intitulada “Linha do Horizonte” no Calçadão de Quarteira. Esta exposição inaugurada no passado dia 19 de julho integra três obras escultóricas expostas sobre a Praia de Quarteira. Estas obras têm co mo fonte de inspiração o mar e são valorizadas por terem como fundo

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• Letras e Literatura Paulo Serra

Por último, o artista tavirense Gustavo de Jesus expõe a obra “Observatório de Horizontes e Lonjuras”, pretendendo criar uma dialética entre uma Quarteira com pletamente densa no Verão, com uma população anónima que se quer divertir e que não tem tempo para observar nada, e o horizonte que permite desligar e relaxar, com a beleza do céu e do mar. É uma peça para ser apreciada também por permitir essa observação do horizonte pelas pessoas que quei ram espreitar por dentro da peça Paraescultórica.quem ainda não foi, fica o convite para dar um mergulho na Praia de Quarteira ou fazer uma caminhada no seu enorme Calça dão, aproveitando para apreciar estas três esculturas, procurando colocar-se de forma a ter o mar co mo enquadramento

feitos a partir do mar não dão tanta ênfase à beleza do mar, mas mais às questões ligadas à poluição do mar, procurando consciencializar e responsabilizar a população pela limpeza do mar e das praias.

o mar junto à Praia de Quarteira. Este é um projeto da Câmara Muni cipal de Loulé para valorização de artistas visuais que teve início em 2021, com a curadoria de Miguel Cheta, e que tem agora continuida de com esta exposição a céu aberto, tendo o mar como pano de fundo.

Com a escultura em pedra “Hori zonte Salgado”, o artista Henrique Silva, natural de Querença, desta ca o sal das praias da Ria Formosa, pois apresenta-nos uma espécie de salpico gigante de água do mar, em que a pedra colocada em cima pa rece uma pedra de sal.

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Tiveconferências.oportunidade de ouvir e con versar com Adriano Moreira na Sociedade de Geografia e tive o privilégio de ter tido aulas com o professor. Há cerca de 10 anos apresentei o seu livro A espuma do tempo – Memória do Tempo de Vésperas no Auditório Municipal de Lagoa no Algarve.

14 CULTURA.SUL POSTAL 23 de setembro de 2022 DIÁLOGOS (IN)ESPERADOS

Em São Paulo, a maior cidade do Brasil, surgiu em 2006 o Museu da Língua Portuguesa, reestruturado em 2021 após incêndio, definindo a língua comum como “bem cultural contemporâneo” orientando-se por um Plano Museológico revisto a ca da cinco anos.

era no início do séc. XIX um

Os livros de Adriano Moreira e o seu livre pensamento

JORGE QUEIROZ Sociólogo, sócio da AGECAL

* O autor não escreve segundo o acordo ortográfico

A sua vasta obra vai desde o en saio, crónica, tratados académicos, pareceres jurídicos, intervenções parlamentares até às inúmeras

Uma vida de dedicação à causa pública durante a qual conciliou a condição de cien tista social e de teórico político com o espírito de missão sempre que Por tugal o chamou a exercer funções. É uma voz escutada e respeitada, é um dos portugueses que melhor conhece a comunidade lusófona.

Efemérides, o Brasil independente e o museu que não temos

FOTO INÁCIO GRAVANITA / D.R.

FOTOD.R.

Uma personalidade cativante com um espírito jovial e que tem pro curado a convergência no espírito de fraternidade entre os povos de Língua Portuguesa.

do Brasil, País imenso e quase meta de da América do Sul. Resultou do encontro, a partir de 1500, entre populações originárias e colonos portugueses, da ida de milhares de escravos africanos embarcados para trabalhar nas plantações e minas, das migrações europeias dos séculos XIX e XX.

O novíssimo príncipe - Análise da revolução foi publicado em 1977 e é considerado a primeira e mais válida análise histórica sobre o fe nómeno geopolítico desencadeado pelo 25 de Abril de 1974.

das mais teumUmestarvezes:da.seuconhecimentorasensibilidadesvariadas,papartilharoseueogostopelaviReferevárias“Gostodevivo!”outrolivrocomregistodiferenintitulado

A primeira das datas refere-se à fundação de um novo Reino pe ninsular, o único que sobreviveu à pressão unificadora e garantiu a sua soberania. Ao longo de sete séculos Portugal conheceu um regime mo nárquico com trinta e quatro reis e duas rainhas, quatro dinastias com diferentes características e desíg Anios.monarquia,

Este é o Tempo resulta de um conjunto de conversas entre Adriano Moreira e o jornalista Vítor comconversassuamaisdescreveAdrianoGonçalves.MoreiraaspectosíntimosdavidaecontaasqueteveSalazarerelata

das Nações foi feita uma homenagem à qual assistiu por videoconferência. A sua simplicidade, a modéstia in telectual e ao mesmo tempo a sua postura ética não nos podem deixar indiferentes a uma figura marcante e a um pensador de imenso relevo no panorama intelectual português.

1926 que instaurou o regime auto crático, o Estado Novo. Vigente entre 1926 a 1974 foi incapaz de democra tizar o País, de o desenvolver e de descolonizar, o bloqueio de soluções políticas e a guerra colonial levaram à tomada de poder pelas forças ar madas em 25 de Abril de 1974, foram devolvidas as liberdades cívicas e instituições democráticas eleitas. Após cinco séculos de colonização nasceram em 1975 sete países sobe ranos de língua oficial portuguesa, os quais, a par de dezenas de comu nidades lusófonas, representam mais de 300 milhões de falantes da língua portuguesa. Monumentos e centros históricos de origem portu guesa, reconhecidos pela UNESCO, existem em todos os continentes, bem como múltiplas expressões do património imaterial.

uma história tão prolongada e rica de acontecimentos de importância universal, não tenha sido capaz de produzir o mais importante dos museus nacionais, o da sua própria história, patrimónios e língua. Qual quer cidadão consciente, professor ou educador, aluno ou visitante, sente necessidade desse instrumen to de conhecimento abrangente e visita, se cientificamente bem es truturado, pedagógico, dinâmico e aberto a actualizações. Espólios e competências não faltam, mas visão estratégica de política cultural. Celebrar 50 anos de democracia, preparar os 900 anos da Fundação, deveria ter como desígnio e corolário a concepção e abertura do Museu da História, Cultura e Língua Por tuguesa

A esperança num mundo melhor levou-o a uma profícua actividade cívica em diferentes áreas. Enquan to pensador e político abriu novos horizontes. Enquanto professor conseguiu autonomizar duas novas áreas académicas: a Ciência Política e as Relações Internacionais.

143, 1385, 1640, 1822, 1910, 1974… datas, efemérides, acontecimentos marcantes da História de Portugal.

ainda episódios menos conhecidos, como o processo que o conduziu à cadeia onde parti lhou a cela com Mário Soares.

A

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É um livro extraordinário, um livro de memórias que no futuro permi

É bem conhecido o seu percurso de professor, de político que foi ministro de Salazar e de líder do CDS.

A cultura e a língua são a grande he rança patrimonial do Pais, a par da diversidade biológica e natural hoje em sério risco.

quase “protetorado”, os britânicos exploravam os recursos nacionais, pressionavam a abertura dos portos brasileiros ao comércio internacio nal, diminuindo a importância de Lisboa e das rotas portuguesas.

Em 2016 lança mais um livro com o título Portugal e a crise global que é um conjunto de textos, comuni cações em ambiente universitário ou simplesmente da sociedade civil em que destaca janelas de liberdade que Portugal tem, como a CPLP e a Plataforma Continental.

É um retrato de um século de obser vações e que é recomendado pelo Plano Nacional de Leitura (PNL) para maiores de 18 anos.

Apresentação do livro A espuma do tempo - Memória do Tempo de Vésperas por Maria Luísa Francisco

Em Junho de 2022 foi condecorado pelo Presidente da República com a Grã-Cruz da Ordem de Camões, numa cerimónia particular. No passado dia 6 de Setembro no Pa vilhão do Conhecimento no Parque

MARIA LUÍSA FRANCISCO Investigadora na área da Sociologia; Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de luisa.algarve@gmail.comLisboa

É difícil entender que Portugal com

driano Moreira celebrou, no passado dia 6 de Se tembro, 100 anos.

na sua forma absoluta, liberal a partir de 1822, durou até 5 de outubro de 1910, data da instau ração do regime republicano ou 1ª República. Este foi derrubado por um golpe militar conservador em

Portugal fará em breve 900 anos de existência como Estado soberano, uma longa história que oscilou entre as luzes e o progresso, o obscuran tismo e estagnação.

ESPAÇO AGECAL

Publicou o manual Ciência Política e o manual Teoria das Relações Inter nacionais que ainda hoje são usados por muitos estudantes.

O Brasil soberano nasceu da vonta de da elite aristocrática de origem portuguesa, que recusou o “Reino Unido de Portugal, do Brasil e dos Algarves” decidido em 1815. Foram razões de autonomia decisória e vantagens económicas que levaram ao “grito do Ipiranga”, Portugal es tava enfraquecido, saqueado pelos exércitos franceses, D. João VI não desejava voltar a Portugal, foi obri gado a cumprir as ordens liberais deixando no Brasil D. Pedro como Portugalregente.

Depois de deixar a vida académi ca manteve a disponibilidade para aceitar inúmeras solicitaç ões e convites de diversas instituições,

* A autora não escreve segundo o acordo ortográfico

tirá entender melhor a segunda metade do século XX português.| Outro livro que representa um teste munho do pensamento de Adriano Moreira, intitula-se A nossa época – Salvar a esperança

A 7 de Setembro deste ano comemo raram-se 200 anos da independência

pacífico até que em 1801 o também britânico Tho mas Young (1773-1829) triunfa no meio científico com a experiência da dupla fenda que serve de base à sua teoria ondulatória da luz. Dirá que se o objecto é pequeno as ondas rodeiam-no e refazem-se atrás dele por difracção, não deixando prati camente nenhuma zona de sombra. No entanto, se o obstáculo for muito maior do que o comprimento da on da atrás dele fica uma zona de ondas paradas. Clarifica que, se a luz for uma onda, é também possível ter sombras bem definidas desde que o comprimento de onda da luz seja muito inferior às dimensões do ob jecto que projecta a sombra. No final do séc. XIX era preciso ser doido ou ser um génio para se atrever a contrariar a bem estabe lecida teoria ondulatória da luz. De novo se ouve a voz de Einstein cuja investigação sobre o comportamen to do átomo, consegue demostrar que a luz é corpuscular: trata-se de uma sucessão de quanta ou fotões Com assombro, verificou-se que o electrão não executa a transição de um nível de energia para outro por influência de qualquer causa exter na, nenhuma razão explica porque o salto quântico se dá agora e não antes ou depois. Trata-se de um aca so estatístico. A Lei da Causalidade começa a ficar abalada.

O físico austríaco Schrödinger (18871961), Nobel da física em 1933, vai refazer os estudos matemáticos. Pa ra espanto de todos, quer tomando o electrão como onda quer como partícula, os cálculos resultam em perfeita concordância!

Dito de uma forma muito simples, o problema que se coloca é o seguin te: se o grande é constituído pelo pequeno, como podem as leis que regem um e o outro ser não apenas diferentes mas contraditórias e ir reconciliáveis?.

Na mente do físico inglês surgiram então questões éticas que, neste mo mento, podem assomar a qualquer de nós: será o universo uma gigan tesca engrenagem? Serão os seres humanos uma espécie de fantoches, com movimento pré-determinado, e ausência de livre arbítrio?

FILOSOFIA DIA-A-DIA

Que implicações filosóficas decor rem destas três leis fundamentais da física clássica? Vimos no exem plo acima que o comportamento da caneta - a sua posição e velocidade - pode ser prevista se conhecermos a sua massa e as suas interacções com os outros objectos e forças que sobre ela actuam. Assim sendo, se conhe cêssemos a posição e a velocidade de todas as partículas do universo seria possível prever o futuro de qualquer partícula, portanto, seria possível prever o futuro do universo.

O pioneiro alemão da mecânica quântica Werner Heisenberg (19011976), Nobel da Física em 1932, decide retomar a experiência da dupla fenda, mas acrescentando-lhe um instrumento de medida. Uma

3ª A cada acção corresponde uma reacção de intensidade igual e de sentido oposto. Vejamos: ao deixar cair a caneta na secretária, apesar da obediência à lei da gravidade, ela não fura o tampo.

A experiência das duas fendas deu origem a diferentes interpretações: Teoria dos Fantasmas: um electrão assim que abandona a fonte, desdo bra-se em fantasmas independentes uns dos outros. Estes interferem en tre si e daí a interferência no alvo. Estes fantasmas só actuam quando não estamos a olhar. Se o fizermos desaparecem todos, à excepção de um que se materializa no electrão real.

Ou dito de outro modo: dividindo a força aplicada à caneta pela massa desta, o resultado é a aceleração.

máquina dispara electrões contra uma superfície que tem duas fendas. Se o electrão tiver um comporta mento de partícula atravessa apenas um dos buracos e deixa uma marca, tipo bala do outro lado. Se o electrão for uma onda, poderá atravessar os dois buracos ao mesmo tempo e dei xar um padrão de interferência do outro lado. O físico alemão viu-se a braços com o seguinte resultado: co locando um dispositivo que permite saber por qual dos orifícios passou o electrão, mas sem lhe obstruir a passagem, os electrões comportam -se como balas, ora passam por uma fenda, ora passam por outra. Nunca há passagem simultânea pelas duas fendas. Porém, sem esse dispositi vo, os electrões comportam-se como ondas. Os electrões parecem não só saber se os dois orifícios estão abertos ou não, mas sabem também se estão ou não a ser observados, e comportam-se em conformidade!

As maçãs caem das árvores desde que a macieira existe. Porém, foi preciso que um desses frutos, de certo tentadores - segundo consta fizeram que fossemos expulsos do paraíso - caísse, não numa cabeça qualquer, mas precisamente na de Isaac Newton (1643-1727) para que ele se perguntasse porquê. A maio ria de nós talvez tivesse soltado um impropério à fastidiosa maçã por interromper uma boa sesta à sombra de tão frondosa árvore e se virasse para outro lado tentando re cuperar o sono. E as frutas teriam continuado a cair das árvores, du rante os séculos seguintes, sem que ninguém se preocupasse com isso. A bem da ciência, Newton não desistiu da sua pergunta até encon trar a resposta que configura a lei da gravitação universal, publicada em 1687 nos seus Tratados de Fi losofia Natural: “duas partículas quaisquer do Universo atraem-se por meio de uma força que é direc tamente proporcional ao produto das suas massas e inversamente proporcional ao quadrado da dis tância que as separa. É devido a esta força fundamental que os planetas permanecem nas suas órbitas, que as fases da Lua provocam as marés na Terra, e todos os seres e todos os objectos são atraídos para o centro dela. O mundo funciona assim, toda a nossa experiência no-lo compro va, só um louco ousaria pensar que Anão”.voz

Teoria do Pantagruel Quântico e sua Receita Mágica: um acontecimento é igual à soma das condições iniciais

15CULTURA.SULPOSTAL 23 de setembro de 2022

Teoria dos Mundos Possíveis: existem tantos mundos paralelos quantas as possibilidades de materialização possível. A cada possibilidade pode corresponder um mundo diferen te. Ao observarmos tornamos real uma possibilidade, portanto, só é real aquilo que vemos.

MARIA JOÃO NEVES Doutorada em InvestigadoraContemporâneaFilosofiadaUniversidadeNovadeLisboa

Ao conhecermos todas as causas, poderíamos prever todos os efeitos

louca surge em 1915, na pes soa de Albert Einstein (1879-1955), prémio Nobel da Física em 1921, com a publicação da sua Teoria da Relatividade Geral que descreve a gravidade como uma curvatura do espaço-tempo. Dela não nos ocupa remos neste Regressemosartigo.aNewton. Continuan do a observar cuidadosamente a natureza, o cientista inglês aper cebeu-se de que o nosso contacto com os objectos no dia a dia pode ser enganador. Por exemplo, os objectos tendem a permanecer imóveis a me nos que sejam empurrados. Sendo assim, por que não se imobilizam nas suas órbitas os planetas ou a lua? Nada os empurra ... Newton afirma que os planetas estão num estado natural, livres de influências exte riores. Pelo contrário, os objectos na terra estão constantemente a sofrer as influências uns dos outros: se faço deslizar a caneta contra o tampo de secretária, o meu impulso é contra

2ª A força é igual ao produto da massa pela aceleração (F=MxA).

A investigação sobre a natureza da luz remonta à Antiguidade. Newton tentou também explicar o compor tamento da luz supondo que esta era composta por partículas cujo comportamento - de acordo com as leis que enunciámos anteriormente - poderia ser previsto conhecendo as interacções com as outras par

riado pelo atrito da caneta contra o tampo; se o atrito não existisse a caneta continuaria a mover-se inde finidamente, tal como ocorre com os planetas. Neste exemplo podemos observar as três leis fundamentais da física newtoniana:

tículas e forças que nela atuam. Se a luz fosse uma onda tenderia a espalhar-se como a água do mar sobre um rochedo. Ora o compor tamento observável da luz parecia sugerir tratar-se de uma sucessão de partículas que se deslocam em linha recta pois, quando a luz encontra na sua trajectória um obstáculo com um rebordo bem definido, produz-se uma sombra de contorno também Tudonítido.permaneceu

Isaac Newton FOTOS D.R.

Albert Einstein

Afinal como é o mundo?

*A autora não escreve segundo o acordo ortográfico

A vida quotidiana parece reger-se de acordo com as leis da física clássica, newtoniana. O microcosmos parece obedecer às leis da física quântica.

o mundo como exis tindo aí fora, independentemente de nós o percepcionarmos ou não. Porém, a física quântica vem dizer que de uma partícula nem sequer podemos afirmar que existe quando não a vemos. No mundo quântico só possuímos aquilo que vemos, nada é ontologicamente real. O máximo que se consegue são ilusões concor dantes entre si.

1ª qualquer objecto permanece imó vel, ou desloca-se a uma velocidade constante, desde que nenhuma força exterior actue sobre ele.

E agora, caro leitor, que implicações filosóficas retirar de tudo isto? Atre vo-me a propor algumas: Parece ser que uma dada obser vação é válida para a experiência em que é efectuada mas não pode ser usada para inferir acerca do que é observado. O mundo parece decidido a conservar até ao último momento todas as suas opções, ou probabilidades intactas. É o acto de observação que obriga o sistema a decidir-se por uma certa probabili dade que, então, se torna real. Como bem demonstrou Heisenberg, o ob servador não é neutro com respeito à Naexperiência.físicaclássica é possível saber a posição e a velocidade (quantidade de movimento) ao mesmo tempo. Portanto, existe a lei da causalidade. Na física quântica a posição é conhe cida à custa da perda de precisão do valor da velocidade e vice-versa. Portanto, não é possível a lei da cau Concebemossalidade.

com as condições finais. Desde que não se façam perguntas sobre o sig nificado tudo funciona bem. Se se perguntar por que razão o mundo é assim, não sabemos.

N

uma crónica anterior(1) falei muito brevemente de João Lúcio (18801918) um poeta natural de Olhão, onde também morreu, mas que não foi nem só olhanense, nem só algarvio: João Lúcio foi um cidadão da sua terra e também do mundo onde viveu e deixou marcas. João Lúcio - e é por isso que a ele regressamos - tinha também a particularidade de intuir a invisível alma das coisas. Dizia ele: “Quando em baixo, ruje, o temporal, sem fim, dessa miséria, oh Pó, em que tu te esfacelas, Eu subo à minha Torre esguia, de ondemarfim,me coa o sonho, o filtro das estrelas.”

Entra. Espreita e vê se entendes…”, parecia ele di zer-me. “É o fantasma do João Lúcio”, esclareceu -me a dona Ana, pousando a mão com familiaridade sobre a estranha figura.

a atenção para o facto foi o meu ami go António que - como já referi - no seu primeiro disparo, de baixo para cima, talvez levado por uma feliz in tuição, me entregou de mão-beijada a chave desse enigma. Na verdade, a Torre de Marfim do João Lúcio não é - como parece à primeira vista - uma celebração do número quarto e dos seus intermináveis significados: os quatro pontos cardiais; as quatro letras do nome de deus; os quatro elementos; as quatro divisões da vida; os quatro arcanjos; o qua drado; a cruz… Não! Se observarmos com atenção as três fotografias de interior que o António fez, lá ve remos outro número. Ora contem as colunas! Ora contem agora os misteriosos degraus!; Fi nalmente, atentem na rosácea de mármore no chão junto do fantasma do poeta que nos aponta não para a esquerda co mo eu supus mas para um local diferente, ou melhor para uma outra realidade. “Vem viajante. Entra e vê se entendes…”, dizia-me ele há pouco em silêncio e agora com satisfação eu lhe respondo: “Não é o quatro que me ofereces, João Lúcio, mas o oito”.

PAULO LARCHER Jurista e escritor

16 CULTURA.SUL POSTAL 23 de setembro de 2022

(1) Paulo Larcher, O Algarve de costa-a-costa Olhão, Cultura Sul, Postal do Algarve, 4-02-2022

O Algarve de Costa-a-Costa: O Chalé de Marim

FOTOS ANTÓNIO HOMEM CARDOSO | D.R.

corda da compaixão no coração da dona Ana pois, após breves apresen tações, franqueou a entrada, a nós e aos sortudos estrangeiros.

(3) João Lúcio, in Poesias Completas p. 55, p 114-20

Mas do que eu e o António(2) quere mos mesmo falar é, não de poesia, mas de uma certa arquitetura e talvez da sua simbologia oculta. Na verdade ficámos curiosos com o refúgio do poeta, essa tal torre esguia, de marfim, onde o filtro das estrelas lhe coava os sonhos. Essa Torre de Marfim não existiu apenas e só na imaginação de João Lúcio. Ela foi efetivamente construí da e seria nela que a grande Ceifeira - hélas - lhe marcaria o fatal encon tro. A casa é conhecida pelo nome prosaico de Chalé do João Lúcio e repousa na Quinta de Marim, nos arredores de Olhão, entre pinhais e aragens de maresia. Foi num dia de intenso calor que nos deparámos com a fachada (na verdade com uma das fachadas) do Chalé de Marim, semioculta entre os pinhais. Como tanta coisa pelo Al garve fora, também esta não estava acessível. Um casal de estrangeiros circulava por ali como nós, sacu dindo as portas fechadas. Eis senão quando se entreabre uma das portas e surge o rosto de Ana Bandeira, vi gilante, cuidadora e guia do Chalé. Sorte a nossa! Algo no nosso aspecto desanimado deverá ter feito vibrar a

E leio a outra luz os últimos versos do belo poema Descendo, que reza assim: “[…] quanta grandeza foge à curva da Quantovisão:espaço não há para além dos Espaços!”(3) Pois é, João Lúcio, parece-me que agora já entendi.

Muito já foi escrito e está por aí disponível ao público sobre a se miótica das “quatro” escadarias do Chalé. Remeto os meus leitores interessados para esses sapientíssi mos comentários e passo à frente, porque quero falar de coisa bem di ferente. Quero falar-vos de um Sinal que encontrei plasmado na pedra. É justo dizer que quem me chamou

(2) Mestre António Homem Cardoso, fotógrafo e amigo, que me tem acompanhado neste trajeto algarvio.

Na verdade João Lúcio foi um ho mem superior, mas que não teve à época o reconhecimento generali zado dos seus pares, talvez por um certo gosto pela solidão e pela trans cendência que esta torna possível e também, quem sabe?, pela jovem idade em que a morte injustamente o Aarrebatou.obraliterária de João Lúcio - que fala por ele, do ponto de vista artís tico -, foi contudo citada, referida e estudada em épocas diversas por diversos autores, e quem tenha curiosidade de conhecer melhor essa faceta do poeta tem muito ma terial à disposição.

MAS AFINAL O QUE É ISSO DA CULTURA?

O António atirou-se logo para o chão e começou a fotografar, de baixo pa ra cima, a cúpula que remata toda a construção. Eu fiquei no átrio, tolhido, a olhar com receio uma figura toda de branco que parecia convidar-me a tomar um caminho. “Vem viajante.

O oito. “O oito?! Mas porquê o oito?!”, perguntar-me-á o leitor. Pois então, siga o meu raciocínio: segundo o Li vro do Génesis, Deus fez o mundo em seis dias: os mares, os céus, a terra, as plantas, animais, homem e mulher. Ao fim desses dias bem trabalhosos, Deus - segundo o Livro - descansou. Era o sétimo dia. Tudo estava feito, completo, terminado. “Então tudo acaba aí?”, perguntará o leitor. “Não”, respondo eu, porque a seguir ao número sete vem o oito, um novo começo; uma nova gera ção. O oito é nada mais nada menos que uma ressurreição. Um recome ço. De alguma maneira, um símbolo de eternidade. Era isso então o que me sussurrava o fantasma do João Lúcio: “Estou por aqui, viajante e buscador, estou por aqui, só que num outro plano, numa outra dimensão.”

Ah!, o fantasma! Então estava tudo explicado. A presença de João Lúcio pairava ainda sobre a construção que imagi nou e concretizou: uma casa de dois pisos com quatro entradas iguais, alinhadas com os pontos cardiais, sobrepujando quatro escadarias todas com diferentes formatos e simbolismos. À volta da casa, ao nível do primeiro piso, corre uma balaus trada. Simbolizará um percurso sem princípio nem fim? Simbolizará quiçá a eternidade? Ou o eterno retorno?

• Ron Galella (1931-2022) foi um dos fotógrafos pioneiros do género Paparazzo, em que fotografava celebridades fora do olhar público ao ponto de as perseguir gerando muitos confli tos entre as próprias, incluindo Marlon Brando que em 1973 lhe deu um soco e partiu 5 dentes. Esta forma de fotografia apesar de controversa apareceu em mi lhares de revistas e foi mostrada em diversas galerias em redor do mundo, provando o seu valor sócio-cultural.

Mas… e existem limites para a liberdade de expressão dos fo tógrafos e da sua arte? Não, não existem limites, mas é uma linha ténue que muitas vezes estes fo tógrafos percorrem. Mas a não ser que as imagens incitem à violência e causem distúrbios e difamação dos fotografados, ge

Uma afirmação será... se estes temas existem no Mundo, por que não em fotografias, é quase como se fosse um barómetro pa ra o progressismo da sociedade.

O famoso livro "Sex" ( 1992) da cantora Madonna fotografada por Steven Meisel onde figura em diversas representações e conceitos de cariz sexual

o artigo anterior man tivemos o foco no fotojornalismo, que mesmo sendo contro verso ou chocante, tende a mostrar facetas reais de acontecimentos que são notícia e que precisam de ser mostra dos para informar o público em geral. Mas no campo da arte, da liberdade de expressão artísti ca, existe muito mais pano para mangas e ao longo da sua His tória muitos artistas chocaram o Mundo com as suas ideias na arte e continuam a chocar até Ahoje.liberdade de expressão faz parte dos ideais da democracia e permite ao povo manifestar as suas opiniões, mostrar o seu lado do argumento, permitin do-nos olhar para dentro de nós próprios e julgar a legitimidade das nossas crenças. O artista de certa forma cria um reflexo de si próprio e da sociedade em seu re dor e em última análise, levará a uma reflexão e reflexo da Huma nidade por mais controverso que seja, gera discussão sobre certos tópicos, muitas vezes proibidos e é um poderoso mecanismo de comunicação. A maior par te das vezes, mostrar algo que aparentemente é controverso em fotografia, é mostrar a complexi dade do nosso Mundo e da nossa sociedade, como por exemplo, injustiça, censura, xenofobia, etnias e pessoas diferentes, comportamentos imorais, san gue, nudez, sexo, sexualidade, violência e morte entre outros temas, que não são abertamente discutidos em público, mas quan do apresentados sobre a forma de arte, apresenta-se uma opor tunidade para poder lidar com esses mesmos temas.

• Gottfriend Helnwein (1948-) é um fotógrafo Austríaco, controverso pelos temas que aborda, um estilo fantás tico, mas de natureza geralmente críptica com violência teatral de tons eloquentes e luz divinal, temas que exploram a inocência subvertida, san gue, nazismo e a cultura consumista.

• Joel-Peter Witkin (1939- ) é um fotógrafo extremamente contro verso, na medida em que usa como temas principais a própria morte, usando cadáveres ou partes deles, pessoas com corpos desfigurados, displasia tanatofórica, transgéne ro, intersexo, muitas vezes usando a religião ou imagens da era da pintura clássica como inspiração. A sua complexa e indiscritível forma de apresentar a sua arte transgressiva, é na maior parte feita no México, uma vez que será o único local em que tem autori zação para fotografar cadáveres.

A mulher do chapéu azul, 1985 e o Anjo das cenouras, 1981 - É um desafio muito complicado escolher fotografias menos chocantes de Joel-Peter Witkin

17CULTURA.SULPOSTAL 23 de setembro de 2022 ESPAÇO ALFA

Esta fotografia de Gottfried Helnwein intitulada "Os desastres da Guerra" figurando os seus temas complexos e de natureza críptica

• Garry Gross (1937-2010) foi um fotógrafo que teve uma carreira rela tivamente calma, à excepção do caso das fotografias da modelo Brooke Shields em 1975, na altura com 10 anos, a mãe autorizou as fotografias e recebeu como pagamento, $450 dó lares para posar completamente nua para a Playboy. Apesar de ter tentado impedir a publicação das fotografias, o juiz concluiu que não havia sido vio lado nenhuma lei na altura, em 2009 uma reprodução foi retirada do mu seu britânico Tate Modern.

Fotógrafos controversos ao longo da História: Criatividade, moda e conceptuais

• Terry Richardson (1965-) É um fotógrafo famoso por ter fotografado inúmeras celebri dades incluindo o Presidente Obama e Miley Cyrus por exem plo, em 2004 decide lançar um livro controverso intitulado “Ki bosh” chamando-lhe o resumo da minha carreira, onde o foco principal do livro é o seu pénis. De notar que ao longo da sua carreira, foi acusado inúmeras vezes de assédio sexual e conduta imprópria.

• Irina Ionesco (1930-2022) foi uma fotógrafa francesa conhecida pelos seus trabalhos eróticos, a controvérsia foi ter usado a pró pria filha como modelo desde os 5 até aos 12 anos de idade. Ob viamente esta relação originou conflitos e uma relação amarga. Em 2012 a mãe foi condenada a pagar-lhe uma indeminização pelos danos mentais e públicos causados pelas fotografias.

• Guy Bourdin (1928-1991) é con siderado um dos mais controversos fotógrafos de moda de todos os tem pos, onde implementa narrativas interessantes, mas confusas, mo mentos surreais, chocantes e exóticos geralmente abraçados lado-a-lado com infusões de erotismo e nudez. O fotó grafo é conhecido pela sua reputação de alta exigência das suas modelos, ao ponto de algumas desmaiarem.

A fotógrafa Irina Ionesco fotografou a própria filha dos 5 aos 12 anos em poses sensuais

Em conclusão, o ser humano é uma criatura de extrema complexidade que tem no poder da sua mente, a criação das mais bizarras, sensacio nais e perturbantes experiências do intelecto. Uma prova disso é o tra balho que muitos destes fotógrafos fazem, que são tudo reflexos da nossa Humanidade, que acontecem no dia -a-dia das pessoas de uma forma ou outra, por mais chocantes que sejam. É tudo obviamente uma questão de perspetiva, discussão, estudo e refle xão. Se quiserem conhecer mais a fundo qualquer um destes fotógra fos aconselho-os a terem uma mente aberta e crítica, mas essencialmente um estômago forte, porque o que foi apresentado neste artigo, foi cuidado samente escolhido a dedo

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Terry Richardson juntamente com Miley Cyrus, uma das muitas celebridades que fotografou

Marlon Brando e Ron Galella (atrás) usando um capacete de futebol em 1974 FOTOS D.R.

• Diane Arbus (1923-1971) co nhecida pelas suas fotografias de pessoas comuns e pessoas margi nalizadas pela sociedade, como por exemplo, travestis, nudistas, pessoas com deficiência mental, casais de diversos estilos, etc. Devido a diversos episódios de depressão e violentas mudanças de humor, acabou por se suicidar com 48 anos.

• Andres Serrano (1950-) é um fotógrafo cuja obra é rodeada de temas controversos e inconve nientes, geralmente envolvendo objetos submersos em líquidos corporais, como por exemplo um crucifixo de Jesus Cristo mergu lhado em urina.

• Jill Greenberg (1967-) é uma bem-sucedida fotógrafa comercial que tem um distinto visual de edi ção particular nos seus trabalhos, as suas fotografias mais famosas encontram-se no livro “End Times” lançado em 2000 em que fotografou inúmeras crianças a chorar, a artista alega que o resultado é uma reflexão dos seus próprios sentimentos de rai va e angústia.

• Steven Meisel (1954-) é um fotó grafo de moda famoso pelo livro da Madonna intitulado “Sex”, mas foi quando levou supermodelos para o campo de guerra no Iraque, é que o caldo ficou mesmo entornado. Pu blicado na revista de moda Vogue italiana, sob o título “Façam amor e não guerra”, incluía sensuais foto grafias das modelos em poses com os militares vestidos com os seus uniformes. O fotógrafo foi acusado de sexualizar a guerra e glorificar temas como a violação.

• Jan Saudek (1935-) é um fotógra fo conhecido pelas suas fotografias que representam temas como por exemplo, simbolismo surrealista, metáforas políticas e sexualidade. No princípio da sua carreira viu-se obrigado a fugir da polícia secreta comunista Checa, trabalhando a partir de abrigos e caves.

Jan Saudek, auto-retratado à direita juntamente com uma modelo, geralmente usando a nudez para mostrar os seus trabalhos de natureza surrealista

ralmente não surgem problemas, apenas choque, que é o intuito do artista. Dependendo da situação e momento no tempo em que es tes trabalhos surgem, se forem demasiado controversos, a arte normalmente é tapada dos olha res do público, mas preservada para mais tarde ser mostrada de novo, desta vez com outros olhares e outro pensamento. Va mos conhecer alguns fotógrafos que através da sua arte foram de alguma forma controversos (aconselha-se aos mais sensíveis a parar a leitura por aqui):

MAURO RODRIGUES Membro da ALFA - Associação Livre Fotógrafos do Algarve

Baiôa sem data para morrer, de Rui Couceiro

que o narrador nos deixe indicações dispersas de como parece atravessar uma espécie de esgotamento mental ou depressão, estando precisado de medicação para dormir, e tendo como recomendação médica fazer uma desintoxicação do uso do telemóvel, em particular no que respeita a liga ção às redes sociais, como se percebe numa passagem que nos conta como ao tentar ler um livro, vai “inter rompendo a leitura no final de cada página, para ir ao telemóvel verificar, através das redes sociais, se algo ti nha acontecido no mundo, porque era imprescindível que algo estivesse constantemente a acontecer” (p. 85). Na verdade, não obstante esse possível estado psicológico alterado, os aconte cimentos que o narrador se prepara para recontar são tão fantásticos que é preferível deixar a nota ao leitor pa ra manter algum nível de descrença. Haverá pontualmente alusão a casos insólitos ou maravilhosos.

Até ao final do livro, será sempre muito pouco aquilo que efetivamente sabemos sobre a vida de Joaquim Bâ ioa, como se o homem se resumisse à sua presença no instante. O narrador sente-se aliás constrangido e evitará procurar saber demais, ainda que pas se a conviver com ele diariamente e a auxiliá-lo na tarefa de reconstruir as casas da aldeia.

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Regresso às origens

“Gorda-e-Feia apresentava-se como uma pequeníssima aldeia quase de serta, que noutros tempos não havia sido tão pequena nem tão deserta. Al gumas pessoas foram partindo, outras morrendo e certas casas acabaram por ruir, abandonadas.” (p. 43)

aiôa sem data para morrer, publicado pela Porto Edito ra, assinala a estreia literária do editor Rui Couceiro.

Dividido em 127 capítulos, além de um capítulo 0 e outro 0.1. em jeito de prólogo, este romance requer tempo e pede ao leitor alguma pa ciência, pois esta é uma história que se demora a ser contada e se compraz nisso mesmo, levando-nos a desace

Rui Couceiro estreou-se na literatura com o romance “Baiôa Sem Data Para Morrer”

Rui Couceiro é editor da Bertrand, tendo a seu cargo a chancela Contraponto

Bâioa será quem involuntariamente libertará o professor da sua “pacovice citadina” (p. 64), ensinando-lhe truques de sobrevivência e de como tirar melhor partido da vida, sem ser mediante um ecrã, ou apenas preocupado em captar a realidade

Morte e memória

é contada na primeira pessoa por esse jovem professor cujo nome nunca é revelado no livro e ad verte-nos desde logo que “ainda hoje continuo a ignorar se o que se passou durante os dezanove meses que vivi naquela aldeia se passou mesmo” (p. 10). Não se pense que esta incerteza advém do seu estado mental, ainda

O livro é a história da descoberta de uma outra vida fora da cidade

“Quando, com o seu andar macilento, saía para caminhar nos montes onde outrora vivera a fidalguia, o que eu via era um homem antigo a espalhar pelo vento a solidão que o habitava.” (p. 65)

FOTO NEURA AIRES / D.R.

Lugares descentrados

Joaquim Baiôa

Além deste sentimento de um mundo prestes da extinção, o tema central ao romance é o sentimento de finitude da vida. Como se escreve a certa altura, de repente todos co meçaram a morrer… sendo que uma grande parte das mortes acontece por suicídio. O autor cruza assim uma apologia de um Portugal an tigo que se arrisca perder, de uma geração envelhecida e deixada ao abandono, e um cenário real conhe cido, pois como se sabe o Alentejo apresenta “as taxas de mortalidade mais elevadas do país” (p. 381). A leitura do romance de Rui Couceiro pode assim remeter-nos, entre ou tras obras, como A última curva do caminho, de Manuel Jorge Marme lo (Porto Editora, 2022), que narra como o octogenário Nicolau Coelho, professor catedrático de Estética, autor de um par de livros, reformado e, perante um diagnóstico médico fatalista, retira-se para a terra da família, uma vila onde decide mor rer, o que o leva a um trabalho de arqueologia da memória onde con fluem as mais variadas temáticas.

PAULO SERRA Doutorado em Literatura na Universidade do Algarve; Investigador do CLEPUL

ce incorre, desfiando uma narrativa na berma do fantástico ou do mara vilhoso, num lugarejo apartado da realidade, remete-nos para um rea lismo mágico próximo do modelo sul-americano ou, para nos atermos ao caso português, para leituras como O Dia dos Prodígios de Lídia Jorge. À semelhança de Vilamaninhos, essa comunidade perdida no Algarve rural profundo, onde o progresso e o tempo da História não chegaram, esta aldeia alentejana encontra-se igualmente num limbo. Nesse Alentejo profun do o próprio tempo parece abrandar: “surgiram, atravessadas por um rio, as casinhas brancas e baixas, de telha torrada pelo calor e pelo tempo, esse que em lugar algum para, mas que ali se mostra afoito a abrandamen tos – talvez por isso tenha levado mais tempo a chegar de Lisboa àquela terra perdida do que se tivesse viajado de avião para Londres ou Paris.” (p. 13) Atravessado esse simbólico rio até àquele “Portugal que o passar dos sé culos, ao invés de aproximar, afastou mais ainda do centro onde tudo ou nada se passa” (p. 249), as poucas re ferências que encontramos dentro da aldeia apontam aliás para um espaço de morte: Rua do Além; Rua das Al mas Idas; Travessa da Defunta.

Gorda-e-Feia é um daqueles lugares atópicos que reforçam a natureza má gica patente neste romance, de que ainda falaremos adiante. A chegada do professor à aldeia representa uma entrada num mundo apartado da realidade portuguesa. A comprovar essa alteridade de um espaço exterior ao centro (“ex-cêntrico”), existem to pónimos igualmente peculiares com ressonâncias semânticas óbvias, como Vila Ajeitada ou a Ribeira Encalhada.

Quandolerar.

A reforçar o isolamento dessa aldeia, temos ainda a quase inexistência de tecnologia e, especialmente, a dificul dade de ligação à internet, cuja falta de rede terá o benefício de evitar que o narrador passe “dias inteiros a vergar a cerviz e noites em branco a alimen tar tendinites nos dedos” (p. 344) num imparável scroll down táctil em busca de algo que preencha o vazio dos dias. Parece sintomático que o melhor sítio para apanhar algum sinal de rede seja na ponte.

Como um anjo guardião dessa aldeia, destaca-se a personagem que empres ta o nome ao título do livro. Joaquim Baiôa, velho faz-tudo, decidiu recu perar as casas que os proprietários haviam votado ao abandono e inves te do seu próprio bolso, sem apoios do Estado, antes que a morte decida reclamar a aldeia por completo, mer gulhando-a no esquecimento. Além de reabilitar as moradias, mantém as ruas limpas e os canteiros com flores, como um guardião de um cemitério que procura manter a ordem e a vida possível pois, naquele lugarejo, como se verá, as pessoas não pararam de Baiôamorrer.passa a ser uma figura tutelar para o jovem narrador, enchendo-o de maravilhamento, designadamente na forma como rege a sua vida segundo rituais muito próprios: “cruzar-me com Bâioa no primeiro quartel do século XXI foi também conhecer al guém nascido noutro tempo, numa época distante” (p. 340). Não será por acaso que a primeira vez que o narra dor vê Baiôa, este tenha na mão um Prontuário Terapêutico, o que tanto intriga como muito desconcerta o jo vem professor.

B

É até possível que o professor seja quem também, inconscientemente, salvou o próprio Bâioa da sua solidão e da angústia de assistir ao fim de um tempo “que era o dele” (p. 66).

Alguns desses temas estão igual mente presentes em Baiôa sem data para morrer: a passagem do tempo; a vivência do instante; a erosão da me mória; a solidão; a doença; a velhice.

vê as fotos da casa de família, recuperada por um desconhecido, um jovem adulto da cidade muda-se para o meio do nada na planície alentejana. Na “minúscula” aldeia dos avós, no Alentejo profundo, que dá pelo “belo” nome impróprio de Gorda-e-Feia, este professor, cuja vida não tem grande rumo, procura sobretudo uma pausa do ritmo frenético da civilização e de uma vida vazia, que foi preenchendo com o frémito das redes sociais. Terminado o ano letivo, sem gran des perspetivas de nova colocação, o professor de trinta e um anos chega à casa dos avós no dia 9 de julho de 2015. Nessa aldeia, onde tudo parece morrer, a sua vida parece estar prestes a Acomeçar.narrativa

A natureza mítica em que o roman

FOTO MARIANA BENOLIEL / D.R.

mediante filtros para a imortalizar num efémero segundo.

É igualmente paradoxal que o narrador nos escreva várias páginas sobre os pri meiros dias (não chegará a cumprir os 10 dias previstos) passados num retiro de meditação, um espaço em que o objetivo ideal seria justamente “não pensar”. Sen do esse silêncio interior humanamente impossível, dever-se-ia alcançar um lugar de tranquilidade, onde deixar ape nas correr os pensamentos, sem neles se deter: “Mas como seria maravilho so, como seria repousante, que imenso progresso seria compor menos frases e ver um pouco mais. Ver as coisas como elas são, em vez de acrescentar à visão este género de comentário ininterrupto, subjetivo, tagarela, faccioso, condiciona do, que produzimos de modo incessante sem sequer nos darmos conta.” (p. 116) Abandonado o projeto de um “livrinho sorridente” sobre yoga, Emmanuel Carrère oferece-nos, ainda assim, uma poderosa história de transformação, descoberta, redenção. Ao revelar a sua história pessoal, que se enleia na do ata que ao jornal satírico Charlie Hebdo, o autor leva-nos de um primeiro espaço, de retiro espiritual, para um segundo

Estagiou na SIC e foi correspondente da LUSA, até apostar noutra paixão, em 2006 – os livros. Foi assessor de comunicação e coordenador cultural da Porto Editora durante dez anos até, em 2016, assumir funções de editor na Bertrand, tendo a seu cargo a chancela Contraponto. Nos últimos anos, rea tou colaborações com a comunicação social: primeiro, partilhou a autoria e apresentação do programa «A Bibliote ca de» com a escritora Filipa Martins, na rádio Renascença, e escreve para o site da revista Visão.

PAULO SERRA Doutorado em Literatura na Universidade do Algarve; Investigador do CLEPUL

Como veremos depois, essa (des) ordem narrativa não acontece por acaso… tendo por base uma certa de sarrumação psicológica.

De modo mais subtil e disperso, há vá rias passagens emblemáticas em que o narrador tece uma crítica ao Portugal de hoje e uma leitura contrastiva entre o mundo urbano e o mundo rural, quando fala, por exemplo, dos prédios com a sua bonita arquitetura de “empilhadas, pre claras e graciosas marquises” (p. 350).

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Outra leitura cruzada que podemos evocar é o primeiro romance de Rui Cardoso Martins, E se eu gostasse muito de morrer, obra em que impera o humor negro e ironia, como forma de retratar um tema sério e polémico, o suicídio no Alentejo. Na obra de Rui Couceiro, o suicídio, contudo, está claramente as sociado a quem opta por antecipar o seu dia final: “Um cancro no pâncreas não deixava dúvidas quanto ao futuro. Na corda, acabou com o cancro, antecipou o futuro e evitou o sofrimento.” (p. 149) Da leitura de Baiôa sem data para

Escritor é uma das vozes mais originais e populares do panorama literário francês atual

umas das facetas da natureza do Yoga; mesmo quando se fala de coisas que apa rentam ser distintas, a possibilidade de que estejam, afinal, ligadas é bastante grande. A divisão interior, a desconfian ça perante a alteridade, os migrantes e refugiados, a relação com o outro que é tão ou mais difícil do que aquela que ten tamos ter connosco mesmos, a paciência necessária à escrita afim da serenidade necessária à vida, são temas aqui cerzi dos de forma quase tão natural como o fluxo da respiração ao acompanhar os movimentos em câmara lenta do tai chi.

Y

Yoga é um misto de romance, ensaio, obra de autoficção – qualidades que aliás distinguem a obra de um dos mais importantes autores franceses –, e foi galardoado com o Prémio Princesa das Astúrias em 2021.

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Emmanuel Carrère é uma das vozes mais originais e populares do panora ma literário francês atual. Autor de uma dezena de romances e vários volumes de ensaios. É também realizador de ci nema. Yoga, forte candidato ao Prémio Goncourt, foi nomeado para o Prémio Médicis e o Prémio dos Livreiros Fran ceses, além de ter valido ao autor um dos prémios literários mais prestigiados do mundo, o Prémio Princesa das As túrias.

“Disse muitas vezes que temos de res peitar a nossa dor, que não a devemos relativizar, que o sofrimento neurótico não é menos cruel do que o sofrimento comum, mas comparado com o suplício pelo qual passaram estes rapazes de de zasseis ou dezassete anos, a história de alguém que tem tudo, absolutamente tu do para ser feliz, e que consegue sabotar a sua felicidade e a da sua família, é uma obscenidade que considero inconcebível pedir-lhes que entendam” (p. 256).

Quando tenta ensinar escrita criativa a um pequeno grupo de adolescentes que deixaram a sua pátria, a sua família, a sua vida passada, para poderem sobrevi ver, o autor-narrador dá por si, no final, a ensinar-lhes tai chi, em troca das suas his tórias de sobrevivência – mesmo quando estas aparentam ser fabricadas… Definitivamente abandonado o projeto anterior de um livro fácil e leve sobre yoga, a narrativa parece distanciar-se muito do seu início. Mas este estranho e complexo compósito reflete, na verdade,

Yoga, de Emmanuel Carrère

Livro foi galardoado com o Prémio Princesa das Astúrias em 2021

LETRAS & LEITURAS

“O termo yoga tem para mim um sen tido muito lato: o tai chi é uma forma de yoga. O sexo pode ser uma forma de yoga.” (p. 69)

momento mais fraturante, com o seu internamento durante alguns meses num hospital psiquiátrico, em que o autor chega mesmo a pedir a eutanásia. No livro IV e V, há novamente uma vi ragem súbita, quer de cenário quer de tema. Ao longo das últimas cerca de 120 páginas, o que corresponde a um ter ço do livro, o autor-narrador conta-nos de, como chegado ao verão, instalado na bela ilha de Patmos, onde tem uma casa perto de um mosteiro em que São João terá supostamente escrito o Apoca lipse, enfrenta o medo de que a loucura regresse. Entretanto, vai tomando co nhecimento do que se passa nas costas das ilhas gregas, onde todos os dias desembarcam milhares de migrantes vindos do Afeganistão, da Eritreia, da Somália e sobretudo da Síria. É então que decide visitar Leros, pois “naquela ilha tão próxima onde sucedem coisas graves, o destino oferece-me talvez uma segunda oportunidade de fugir a mim mesmo” (p. 202).

próprias vidas, nos quais todos os dias entravam na dupla condição de visi tantes e de objetos expostos.” (p. 153)

o pé, conforme o autor cruza temas e assuntos diversos.

que ele próprio continua a combater a sua própria dependência –, como quan do se descreve “fechado num pequeno apartamento de um quinto andar”, “socializando digitalmente através da minha seringa de dopamina (…) com os seus algoritmos viciantes” (p. 344). Rui Couceiro nasceu no Porto em 1984. É licenciado em Comunicação Social, mestre em Ciências da Comunicação e tem uma pós-graduação em Estudos Culturais. Decidiu que queria ser jorna lista e, aos quinze anos, começou um percurso de oito anos numa rádio local.

a escrever-nos as linhas que agora lemos dois anos depois dos factos que relata, num quarto de hospital, na primavera de 2017. Entretanto publicara, no outono anterior, O Reino (publicado entre nós em 2021 pelas Edições Tinta-da-china), livro que teve algum sucesso.

É, contudo, em torno do digital que, paradoxalmente, o narrador desfere as mais agudas críticas – considerando

Emmanuel Carrère é autor de uma dezena de romances e vários volumes de ensaios FOTOS D.R.

Neste maravilhoso livro, o autor começa por nos falar da sua própria experiência de meditação, e da sua prática de yoga, para depois articular essa busca de co nhecimento, de um espaço interior, do exercício da sua própria escrita, com a demanda de querer ser uma pessoa melhor, “um pouco menos atormen tada pelo meu ego” (p. 117): “procuro tornar-me uma pessoa melhor porque assim serei um melhor escritor. O que vem primeiro? Qual o meu verdadeiro objetivo?” (p. 117).

morrer (sobrevive era um jogo de pa lavras com a morte, mas já vi que não achaste piada…) perdura, contudo, uma galeria de personagens imbuí das de humor e de ironia, como Zé Patife ou a Ti Zulmira (que bem podia ser uma personagem da novela Tieta por razões que não compete aqui di vulgar). Leia-se a seguinte passagem sobre a D. Tomázia e a D. Vigência que voltam à sua antiga morada todos os dias, na carrinha do lar: “As casas de uma e outra eram memórias mori bundas delas mesmas, museus das

oga, de Emmanuel Carrère, com tradução de Sandra Sil va, contém uma advertência inicial: este não é um ma nual prático de yoga, nem um livro de autoajuda bem-intenciona do. A estranha natureza deste livro, cujos temas são particularmente difíceis, fica clara logo nas primeiras linhas: “Como tenho de começar por algum lado o relato dos quatro anos ao longo dos quais tentei escrever um livrinho sorridente e subtil sobre yoga, enfrentei coisas tão pouco sorridentes e subtis como o terrorismo jiadista e a crise dos refugiados, mergu lhei numa tal depressão melancólica que tive de ficar internado quatro meses no hospital (…) e, para rematar, perdi o meu editor, que pela primeira vez em trinta e cinco anos não lerá um livro meu” (p. 11). Depois deste preâmbulo impactante, o autor escolhe assim iniciar a narrativa numa manhã de janeiro de 2015, para lhe dar alguma linearidade. Nesse dia, numa fase particularmente boa da sua vida, em que não tem quaisquer problemas de que se possa queixar, o autor-narrador preparava-se para seguir para um retiro de meditação de dez dias. Desconectado de tudo, sem telemóvel, sem um livro nem um caderno. O autor-narrador revelará depois estar

Como nos escreve páginas depois, a es crita é uma forma de explorar como será estar na pele de outra pessoa mas, so bretudo, perceber o que é estar na nossa própria pele: “Tentar sabê-lo talvez seja o que há de mais interessante na vida: o que é ser outra pessoa. É um dos motivos que nos leva a escrever livros; outro é tentar descobrir o que é ser eu mesmo.” (p. 97) Nesta narrativa, como se compreende, a linearidade de pensamento foge cons tantemente, mas sem que o leitor perca

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