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MAIO 2022 n.º 162 6.909 EXEMPLARES

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ARTES VISUAIS

Como está a ser “vista” pelos artistas a guerra na Ucrânia? SAÚL NEVES DE JESUS Professor Catedrático da Universidade do Algarve; Pós-doutorado em Artes Visuais; http://saul2017.wixsite.com/artes

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screvemos o último artigo, intitulado “Como são tratadas as obras de arte durante a guerra?”, após o início da invasão da Ucrânia pela Rússia, procurando dar conta da destruição de museus e de obras de Mural “Freedom fighter” (“Lutador pela liberdade”), de MrDheo (Matosinhos, arte de artistas ucranianos, apresentando como exemplos do que tinha 2022) FOTOS D.R. acontecido no Museu Ivankiv, em Kiev, no Museu Nacional Andrey Sheptytsky, em Lviv, e no Museu de Arte em Kharkiv. É claro que isto parece ter pouca importância, comparativamente à devastação total de algumas cidades e à destruição de vidas humanas, sendo enorme o número de mortos e feridos, nomeadamente civis, para além de um número já superior a 10 milhões de deslocados ou refugiados ucranianos. É realmente uma tragédia humanitária, com elevadas perdas e sofrimento. À ESQUERDA EM CIMA Mural “War Child” (“Criança na guerra”), de No entanto, a arte e o património cultural material do mundo é a nossa Hilack (Los Angeles, 2022) herança comum, marcando a identidaÀ DIREITA EM CIMA Mural “Stop de e constituindo uma inspiração para toda a humanidade, tendo o poder de War” (“Parem com a guerra”), de Jef (Austin, 2022) nos unir e de promover a paz. Nesse sentido, em 1954, estipulou-se o artigo À ESQUERDA Mural de My Dog 53º da Convenção de Haia para a Proteção da Propriedade Cultural no Caso de Sights (Cardiff, 2022) Conflito Armado, sendo explicitado que são proibidos “quaisquer atos de hostilidade dirigidos contra monumentos históricos, obras de arte ou locais de culto que constituam património cultural ou espiritual dos povos”, sob pena de serem considerados crimes de guerra. Infelizmente, a guerra na Ucrânia continua, sendo imprevisível a sua duração... Durante as semanas em que tem decorrido esta guerra, têm sido inúmeras as manifestações de apoio ao povo ucraniano, muitas delas feitas por artistas. Neste âmbito foi já produzido um elevado número de imagens, sobretudo na forma de arte urbana, quer na Ucrânia, quer noutros locais do mundo, por artistas de vários países, expressando o impacto mundial que esta guerra está a ter, num mundo que é cada vez mais global e interconectado. Mural de Seth Globepainter (Paris, 2022)

Aproveitando a força das redes sociais, existem links que integram essas imagens, nomeadamente #artagainstwar# (“arte contra a guerra”), que já tem vários milhares de ilustrações, e #standwithukraine# (“fica com a Ucrânia”), que conta com centenas de milhares de publicações. De uma forma geral, as imagens pedem paz, manifestam revolta pela morte de crianças e pela separação de famílias, elogiam a resistência ucraniana e responsabilizam Putin pelo conflito. São imagens que falam por si, algumas feitas por artistas já conhecidos, outras por artistas jovens e desconhecidos, procurando expressar, não apenas a sua visão sobre esta guerra, mas também o seu apoio aos ucranianos que estão a viver esta situação dramática e traumática. Um dos artistas mais conhecidos é Hilack que realizou um mural em Los Angeles intitulado “War Child” (“Criança na guerra”), em que aparece uma criança com um urso num braço a desenhar o símbolo da paz no outro, numa parede cheia de buracos de balas. Também nos EUA, mas em Austin, Texas, Jef realizou o mural “Stop War” (“Parem com a guerra”) em que também aparece uma criança com uma mão aberta fazendo sinal para parar e com essa mensagem escrita. É também uma criança, com uma bandeira da Ucrânia, caminhando por cima de tanques de guerra que Seth Globepainter pintou em Paris. Por seu turno, em Cardiff, no País de Gales, o artista denominado My Dog Sights desenhou um olho com uma lágrima, usando as cores da Ucrânia, azul e amarelo, podendo ver-se na iris o reflexo daquilo que este olho está a ver, um monumento ucraniano a ser bombardeado. Numa entrevista, este último artista referiu “não posso pegar em armas, não tenho influência a não ser usar minha arte para fazer as pessoas pararem e pensarem”. Em Portugal, destaca-se o mural em Matosinhos, intitulado “Freedom fighter” (“Lutador pela liberdade”), da autoria do artista MrDheo. Este artista, que tinha já criado uma obra de apoio aos enfermeiros pelo trabalho realizado na guerra contra a pandemia da Covid-19, procura agora apelar à paz e homenagear a resistência do povo ucraniano. Tendo contado com o apoio da autarquia e de outras entidades e empresas parceiras, retrata os destroços provocados pela guerra e um homem que leva o

símbolo da paz. Segundo as palavras do próprio artista, "esta é a minha homenagem a todos os que perderam a vida, aos que tiveram de fugir do seu país e sobretudo a quem continua no terreno a desafiar o destino. À união de um povo, à defesa da sua honra e à sua resiliência em prol da bandeira. Um apelo para que os valores humanos falem mais alto e para que a paz prevaleça". São imagens que expressam como esta guerra está a ser “vista” pelos artistas em todo o mundo e que vão permitir manter viva a memória desta tragédia. A história é feita de acontecimentos marcantes, uns bons e outros maus, podendo a arte visual ajudar a manter vivas no presente as memórias do passado, ajudando a construir os caminhos do futuro. Acreditamos que, no âmbito de um movimento de “educação para a paz”, a arte visual pode ajudar a parar no tempo e a refletir, de forma a que não se repitam no futuro os erros do passado e, neste caso, do presente. Oxalá que quando escrever o próximo artigo para o Cultura.Sul se trate apenas de passado e já não de presente. Seria sinal de que esta guerra tinha terminado, para bem de todos. Vamos ver...

Ficha técnica Direção GORDA, Associação Sócio-Cultural Editor Henrique Dias Freire Responsáveis pelas secções: • Artes Visuais Saúl Neves de Jesus • Espaço AGECAL Jorge Queiroz • Espaço ALFA Raúl Coelho • Filosofia Dia-a-dia Maria João Neves • Fios De História Ramiro Santos • Letras e Literatura Paulo Serra • Mas afinal o que é isso da cultura? Paulo Larcher Colaborador desta edição Mauro Rodrigues e-mail redação: geralcultura.sul@gmail.com publicidade: anabelag.postal@gmail.com online em www.postal.pt e-paper em: www.issuu.com/postaldoalgarve FB https://www.facebook.com/ Cultura.Sulpostaldoalgarve


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FILOSOFIA DIA-A-DIA

O papel da Arte

A banda Pink Floyd e o cantor ucraniano Andriy Khlyvnyuk, da banda BoomBox, gravaram o tema Hey hey rise up FOTOS D.R. MARIA JOÃO NEVES PH.D Consultora Filosófica

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ivemos numa época em que a especialização prevalece e a distância e a separação se constituem em palavra de ordem. Os domínios da arte, do conhecimento e da ética encontram-se diferenciados e totalmente independentes uns dos outros. Contudo, nem sempre foi assim. Platão, no séc. IV a.C. estabelecia uma equivalência entre a verdade, a beleza e o bem. Esta trilogia durou até ao momento em que Aristóteles “libertou” as, pela primeira vez assim chamadas, “Belas Artes” da obediência à verdade. Já no séc. XVIII o filósofo alemão Emanuel Kant estabeleceu o belo como símbolo do bem, sendo este vínculo amplamente tratado na sua obra Crítica da Faculdade do Juízo, que versa sobre o belo na arte e o sublime na natureza. À medida que o tempo avançou, as divisões continuaram a suceder-se a e a multiplicar-se. O belo deixou de ser a única categoria estética reconhecida. Poder-se-ia até dizer que o belo ficou fora de moda, tendo outras categorias estéticas - como o interessante ou o grotesco - adquirido preponderância. O objecto a ser retratado pela arte não tem que ser belo e a forma como este é representado também não. E que dizer do bem e da verdade? Estes dois outros componentes da equivalência platónica também deixaram de importar. Porém, num momento em que a guerra eclode em plena Europa, interrompendo um extenso período de paz, parece que a arte volta a assumir o seu papel de embaixadora de uma causa: A famosa banda Pink Floyd reuniu-se para, junto com o cantor ucraniano Andriy Khlyvnyuk da banda BoomBox, gravar o tema Hey hey rise up. A canção, inspirada na marcha patriótica ucraniana intitulada Oi u luzi Chervona Kalyna foi lançada em vários canais de streaming, como o YouTube.

Os lucros revertem a favor do fundo Ukrainian Humanitarian Relief. A cantora ucraniana Jamala, que venceu o Festival da Eurovisão em 2016, é hoje uma refugiada da guerra. Quase como um prenúncio,

A cantora ucraniana Jamala, que venceu o Festival da Eurovisão em 2016, é hoje uma refugiada da guerra

esta canção vencedora intitula-se 1944 transportando-nos para o ano em que os tártaros da região da Crimeia - entre eles a bisavó da cantora- foram deportados. Esta limpeza étnica foi levada a cabo pelo exército da União Soviética, sob o pretexto de alegada colaboração desta minoria étnica Muçulmana com as forças da Alemanha Nazi. Agora é a bisneta Jamala, filha de mãe arménia e pai muçulmano (tártaro da Crimeia), quem foge da sua pátria com dois filhos pequenos nos braços. Os horrores da guerra teimam em repetir-se, e a canção de Jamala, vencedora há 6 anos atrás, reveste-se de uma aura de terrível profecia.

o mundo criaram murais comoventes para apoiar a Ucrânia. No caso português, o grafiti tem a autoria de MrDheo, intitula-se “Freedom Fighter” (Lutador pela Liberdade) e pode ser contemplado na rua Roberto Ivens em Matosinhos. A famosa revista de moda Vogue, habitualmente dedicada a questões mais frívolas, lançou a campanha Fashion for Peace com uma colecção exclusiva de 10 obras de seis artistas nascidos e sediados na Ucrânia - Anna October, Anton Belinskiy, Gunia Project, Ienki Ienki, Gudu e DressX - sendo que todos os lucros reverterão a favor da instituição Save The Children Ukraine. Trata-se de uma colaboração especial da Vogue Ucrânia e da Vogue Singapura que coloca obras de arte, esboços, e fotografias à venda na plataforma OpenSea. O “Intergalactic Freedom Dress” - um vestido longo em tule azul marinho, com metade do corpete em armadura dourada - inspira-se não apenas nas cores da bandeira ucraniana, mas também na delicadeza e coragem deste povo lutador. Foi criado pela retailer de moda digital DressX. Fonte da Exaustão, intitula-se a escultura de Pavlo Makov, é o ex-libris do pavilhão ucraniano na Bienal de Veneza que começou a 23 de Abril e durará até 27 de Novembro deste ano. A obra compõe-se de 28 funis de bronze, cada um deles com 2 canais de saída, organizados em forma piramidal. A água que escorre dos funis divide-se ao meio, sucessivamente, tornando-se cada vez mais escassa. No momento da sua criação, o autor tinha em mente uma metáfora: o esgotamento da humanidade e da democracia. Porém, nas actuais circunstâncias de invasão da Ucrânia pela Rússia, a escultura assumiu uma nova identidade, tornou-se “arte de guerra” e aponta para a batalha contínua que se vive neste momento. Pavlo Makov e a sua equipa de curadores sentem-se embaixadores do seu pais e da sua cultura. Neste momento crucial em que a existência da Ucrânia como nação é posta em causa pelo país invasor, consideram essencial

O “Intergalactic Freedom Dress”, um vestido longo em tule azul marinho, com metade do corpete em armadura dourada

presta também um tributo a Maria Prymachenko, uma das artistas mais conceituadas do séc. XX, cujo museu contendo muitas das suas obras foi bombardeado pelas forças russas.

de única de transmitir emoção e perda. Acrescentou que todas as tiranias se opõem à livre expressão artística por causa de sua capacidade de ilustrar erros morais. “A arte pode dizer ao mundo o que não pode ser partilhado de outra forma. É a arte que transmite sentimentos.” De facto, vários artistas ucranianos recorremàarteparaseexpressarenquanto se abrigam dos bombardeamentos. Os esboços de Daniil Nemirovsky, desenhados num bunker em Mariupol são um exemplo das obras que vão estar em exibição em Veneza. A violinista Vera Lytovchenko, de Kharkiv, leva consigo o instrumento cada vez que se abriga das bombas num bunker. O seu violino silencia-as e traz conforto aos que ali se encontram. A música é a arte mais “invasora” de todas as artes, ela entra-nos pelos poros adentro, queiramos ou não, ela interfe-

Fonte da Exaustão, intitula-se a escultura de Pavlo Makov, é o ex-libris do pavilhão ucraniano na Bienal de Veneza

A equipa de curadores, entrevistada re com a pulsação do nosso coração, a pela CNN Style a 22 de Abril, foi ques- unidade rítmica primordial. Mesmo tionada sobre a capacidade da arte sob a ameaça do perigo eminente, a para acabar com o actual conflito. “Eu contemplação do belo pode transcencostumo dizer que a arte é mais um der o sofrimento. diagnóstico do que um remédio. Não tenho a certeza de que a arte possa salvar Inscrições para o Café Filosófico: o mundo, mas pode ajudar a salvá-lo”, filosofiamjn@gmail.com respondeu Makov. Lanko também já * A autora não escreve segundo o acordo ortográfico tinha expressado a sua opinião na mesma linha de raciocínio: “A arte não vai parar esta guerra imediatamente, mas pode evitar a próxima.” Para German, a Fonte da Exaustão não é um símbolo de optimismo, mas acredita que o facto de terem chegado a Veneza estimula a esperança e mostra que a Ucrânia é Os esboços de Daniil Nemirovsky, capaz de avançar mesmo nos tempos mais sombrios: “Mesmo em tempos desenhados num bunker em Mariupol de guerra, somos capazes de construir nosso futuro.” No seu discurso, por videoconferência, na Bienal de Veneza, o presidente Zelensky afirmou que a arte pode desempenhar um papel poderoso na Grafiti da autoria de MrDheo, intitula-se “Freedom Fighter” (Lutador pela Liberdade) representação do sofrimento da Ucrânia A violinista Vera Lytovchenko, de Kharkiv, leva A chamada “arte de rua” tem tido um demostrar que a Ucrânia possui uma às mãos da Rússia, por consigo o instrumento cada vez que se abriga papel preponderante: artistas de todo identidade cultural sólida. O pavilhão causa da sua capacidadas bombas num bunker


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FIOS DE HISTÓRIA

Milagre de luz e poesia FOTO D.R.

RAMIRO SANTOS Jornalista ramirojsantos@gmail.com

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sol já passara sobre Cacela. E sentado no muro caiado da aldeia pequena e bela onde nasceu, lá está ele embriagado pela luz do sol poente que tingia o mar, e tudo à volta, de um vermelho laranja cor de fogo. As ondas que banham suavemente a pequena ilhota um pouco mais abaixo, trouxeram-no em sonho do seu exílio onde se encontra em Ceuta. Nas suas memórias, Ibn Darray al-Qastalli repara que, no largo agora com o seu nome, não tinha ideia da igreja existente ao lado do muro, e a cidade parecia-lhe mais pequena do que a antiga onde crescera e brincara quando criança. Iam longínquos os tempos! Dos seus antepassados, mantinha vivas as lembranças de um sétimo avô que viera nas campanhas do exército de Tariq Zihad. Esse ano de 711, no calendário cristão, marcou o início da chegada dos povos berberes a este lado do canal, tornando-os senhores da península do grande al-Andaluz.

Desse avô distante, de que recebeu o apelido de família mais o da cidade conquistada, guardou ele as vidas contadas que fizeram do nada o princípio de tudo: ibn Darraj al-Castalli, ou seja, filho de Darraj de Cacela. O nome, a terra e a história, herdeiras e guardiãs de um passado que gerações sucessivas prolongaram por séculos adiante. Naquele tempo, seguia a vida tranquila na pacatez da cidade, quando, pelo seu talento de poeta e homem da escrita, viria a ser eleito entre os melhores para glorificar os feitos e conquistas de Abdul Amir Almançôr, o novo governador do al-Andaluz. Como cronista da corte e do califado de Córdoba, percorreu o império árabe, gozando, por isso, dos privilégios de uma vida plena e feliz, interrompida, anos depois, por um exílio forçado e triste em Ceuta. E é agora dali que, no barco da nostalgia, empreende a viagem possível de regresso à sua aldeia de infância. Na distância e ao alcance de um olhar de saudade. Recorda, como se fosse hoje, que no seu tempo, Castalli se transformara num dos faróis de cultura e riqueza do Garb al-Andaluz. Era a terceira cidade em prestígio logo a seguir a

Xilbe - a Bagdad do Ocidente -, e à capital Ukxunuba – a antiga Ossónoba romana. Segundo o historiador Ahmed Tahri “ali nasceram ilustres poetas e intelectuais que deixaram a sua influência no pensamento, na gramática, na poética e na literatura da época”. O seu esplendor “ultrapassou as fronteiras do al-Andaluz, abarcando o Dar-al-Islam, tanto do oriente como do ocidente”. Ibn Darraj al-Castalli, foi - diz o investigador - “o maior do seu tempo” e embora poeta oficial de Almançôr, o seu brilho de pensamento e de expressão poética, “tornou-o porta voz e inspirador de uma geração de autores que floresceram no império islâmico” e em todo o território peninsular. Com a derrocada do califado e a dispersão do poder em pequenos reinos e taifas um pouco por todo o al-Andaluz, o domínio árabe mudou de mãos, e quando os cristão ali chegaram, Cacela ou Castalli já não era a cidade dos seus anos de menino. Todavia, ainda que transformada numa modesta povoação islâmica, soube preservar na sua alma identitária, a cultura e os valores árabes do al-Andaluz mais profundo.

Hoje Cacela, na sua pequena dimensão, “quando o tempo a vê em todo o seu esplendor/Vê tudo o que poderia sonhar de mais belo”, escreveu o poeta Abu Amer: o mar, o sol, a luz, a cor, a terra. E em redor do largo, lá estão a igreja, a cisterna, as casas térreas, a casa do pároco, a fortaleza e a memória do pelourinho que ali havia. E Sophia eternizou-a assim: “As praças fortes foram conquistadas/por seu poder e foram sitiadas/ as suas cidades do mar pela riqueza/ porém Cacela/ foi desejada só pela beleza”. Passados tantos séculos, robusta como a fortaleza que foi, ali permanece

imperturbável perante a pressão e as ameaças de novas ‘invasões’. Cacela é um “milagre e poesia”, diz o poeta José Carlos Barros, fazendo eco da voz que ali ressoa vinda do outro lado do mar: “... Nos muros de Cacela um poeta de longe vem com as ondas/ para morrer para morrer para morrer”. Referências e citações: “Cacela e o seu Poeta, Ibn Darray al-Qastalli na História e na Literatura do al-Andaluz Amhed Tahiri, CM VRSA e Fundação Al Idrise, 2009; José Carlos Barros, idem; “Livro Sexto”, Sophia de Mello Breyner Andressen..

ESPAÇO AGECAL

Heranças da habitação mediterrânica e a contemporaneidade JORGE QUEIROZ Sociólogo, sócio da AGECAL

A

s cidades portuguesas mais antigas e os territórios rurais por todo o País conservam a herança cultural das presenças romana e muçulmana, civilizações mediterrânicas que contribuíram para a nossa língua de origem latina, urbanismos, arquitecturas, engenharia hidráulica e viária, agricultura comunitária, religiosidades, alimentação, tradições festivas e celebrações cíclicas, entre muitos outros aspectos, em suma, o que se designou por estilo de vida ou “daiata”. As cidades romanas seguiram um modelo organizativo, definindo a estratificação social, funções e formas de construir, bairros e residências, o fórum e os templos, aquedutos e termas, anfiteatros, ... Em Lisboa conhecem-se as galerias subterrâneas da Baixa, o teatro romano de Olisipo (séc. I-II d.C.), o hipódromo que existiu num vazio a que chamavam tal como hoje o Rossio.

No mundo urbano romano, de inspiração grega, o “domus” é a casa das famílias ricas, com “atrium”, quartos, sala de refeições, jardim ou “hortus”, à frente a “tabernae” para comercio. Nas “villae” viviam os proprietários rurais romanos, foram estruturadas para funções agrícolas e de habitação, unidades que podemos ver em Braga, Conimbriga, Beja e outras regiões, mas também em Milreu (sec. II a.C.) perto de Estoi, “villae” onde se produzia azeite no lagar, se salgava peixe em tanques, onde ainda se conservam mosaicos temáticos. A maior concentração do País “cetárias”, tanques para salga e preparação do “garum,” encontra-se em Tróia. Os “montes”, alentejanos e algarvios, integram as herdades, se forem de menores dimensões chamam-lhes quintas. Existem por todo o sul exemplares de “montes” que sobreviveram, alguns deles melhorados pelos proprietários, revelando sensibilidade e respeito pelo património. Os bárbaros entraram na Península no século V, primeiro os suevos convertidos ao cristianismo e logo seguida da conquista

militar e estruturação do Reino Visigodo, de características feudais e organização por paróquias. Povos guerreiros vindos das florestas, eram cultural e artisticamente menos avançados que os habitantes da bacia mediterrânica, daí terem absorvido os conhecimentos e tradições locais, os aspectos construtivos, a chamada tardo-romanização. Historiadores designaram por Antiguidade Tardia o período entre os séculos III e VI, da Antiguidade Clássica à queda de Constantinopla, marco do início da Idade Média. Surgem as basílicas paleocristãs, a transformação e renovação das villae romanas, também as pequenas igrejas e capelas destinadas ao culto, as ecclesia. Mértola possui um dos mais significativos exemplares de basílica paleocristã que a arqueologia pôs a descoberto nos últimos anos. Com entrada do exército de Tarik em 711 pelo Estreito se dá início à feudalização muçulmana da Península, ao desenvolvimento de medinas cercadas por muralhas, mas trata-se de uma continuidade das formas de vida mediterrânicas. Surgem para o culto

local, mesquitas como a da Idanha-a-Velha ou a de Mértola, esta do período almóada, parte delas com o avanço dos cristãos para sul transformadas em igrejas, normalmente consagradas a Nossa Senhora. Xelb, actual Silves, foi centro político e residência de uma comunidade do Iémen, é a mais importante fortificação ou “alcácer” muçulmano do País, mas por todo o território surgem vestígios de estruturas militares dessa época, como o castelo de Paderne feito em taipa. A herança da islamização na parte ocidental do Al Andalus, em matéria de construções, não foi tão exuberante como na Andaluzia, onde Sevilha, Córdova e Granada foram centros difusores de cultura, ciência e arte, também porque os edifícios foram transformados pela cristianização. Mas a cultura herdada continua presente na toponímia e vocabulário corrente, existem na língua portuguesa mais de três mil vocábulos de origem árabe, também permanecem em formas de habitar. A casa muçulmana integra compartimentos para cozinhar, comer e dormir que rodeiam um

pateo interior, normalmente possuem um tanque ou poço, pavimentos em tijoleira, paredes em taipa e os telhados cobertos por telha mourisca. O ambiente da casa mediterrânica é agradável, com sons de água, aromas de fruteiras e plantas. Para além do “neoárabe” inserido no movimento romântico do século XIX, surgiram no urbanismo e arquitectura mais recente, concepções e intervenções inspiradas nas linhas estéticas da tradição, nas formas ecológicas que utilizam técnicas da arquitectura da terra materiais da região. Entre os exemplos de urbanismo e habitação de inspiração mediterrânico-muçulmana, o mais reconhecido é o Bairro da Malagueira em Évora, concebido pelo arquitecto Álvaro Siza Vieira. Para enfrentarmos as alterações climáticas, encontraremos as soluções mais simples e económicas no nosso património cultural, na sabedoria ancestral de equilíbrio com a natureza. * O autor não escreve segundo o acordo ortográfico


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MAS AFINAL O QUE É ISSO DA CULTURA?

O Algarve de Costa-a-Costa: Vila Real de Santo António FOTOS ANTÓNIO HOMEM CARDOSO / D.R.

PAULO LARCHER Jurista e escritor

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oi em Tavira, no verão do ano ido de 2021, numa noite morna em que conversávamos à beira do sossegado Rio Gilão, que eu e o António(1) tivemos a ideia de uma travessia exclusivamente ferroviária de um extremo do Algarve ao outro e, nesse percurso que sentíamos como mágico, encarnaríamos o papel de descobridores de factos culturais para tentar responder à insolúvel questão que titula estas crónicas “Afinal o que é isso da cultura?”. No rescaldo da pandemia que assolara o País, o ar cheirava-nos a liberdade e todos os projetos pareciam realizáveis. Todavia, mais tarde, iríamos perceber que atravessar o Algarve utilizando apenas o comboio era uma maneira de viajar incómoda, comparada com a facilidade em utilizar o automóvel privado e, embora o Manuel da Fonseca, o Diego Mesa e o Saramago tenham andado, dois em carro próprio e o outro de camioneta nas suas patrióticas travessias pelos algarves(2), a combinação fora firmada e - mesmo com exemplos tão ilustres - já era tarde para algum de nós pro-

por ao outro uma alternativa ao caminho de ferro. É pois desde agosto do ano passado que andamos à volta com estes percursos e com as concomitantes crónicas. Começámos exatamente por Vila Real de Santo António, que delimita o Sotavento, enfrenta o Guadiana e fita Espanha na outra margem. Partimos para esse início da peregrinação como se esta cidade fosse um mero cais de embarque, o que pareceria injusto se não tivéssemos a firme intenção de a ela voltar com mais vagar, e é hoje esse dia. O nosso plano na conquista de cada uma das localidades com estações da linha do Algarve passa naturalmente por fotografar esses sítios, não de um modo extensivo mas de uma forma intensiva, ou eu não estivesse acompanhado por alguém que fotografa não com a máquina mas com o coração. O António tenta sempre captar o espírito do lugar, sendo-lhe um pouco indiferente o local onde opera, seja ele um deserto ou a avenida comercial de uma grande cidade. Esta cidade, convém que se diga porque a história também é cultura, foi a expressão

de um vasto pensamento e de uma vontade de resgatar Portugal do marasmo desencadeado pelo esgotamento do ouro do Brasil. Como refere Gonçalves (2009)(3): “Vila Real de Santo António é, pelo que se sabe, a primeira fun-

dação urbana criada para desempenhar uma função económica específica, ou seja, terá sido o primeiro caso pensado e concretizado daquilo que, nos dias de hoje, se designaria como cidade-fábrica.” Esse foi o pensamento económico-social que presidiu à construção e que permitiu erguer do nada, e com pouquíssimos meios uma das cidades portuguesas mais simbólicas do espírito de uma época, o Iluminismo. A longa e elegante frontaria da Baixa

Mar (assim designam os vila-realenses a Av. da República) esconde um esmerado saber fazer, quer no que respeita aos aspectos construtivos, quer no que concerne às funcionalidades: “[…] As doze unidades correspondentes

às Sociedades pesqueiras, são autênticos complexos industriais de manufactura, armazenamento e comercialização de sardinha […]”, Figueiras (1999)(4). Contudo, terminado o ciclo do atum (é enternecedor que numa rotunda movimentada se tenha erguido uma estátua de homenagem ao dito bicho), os vila-realenses viram-se confrontados com um vazio que só viria a ser colmatado mais tarde com um tímido crescimento no turismo,

mas o caso é que a cidade não tem verdadeiramente um ponto focal que possa ser apreciado de per si. Não tem palácios. Não tem catedrais. Não tem as belezas naturais dos litorais de águas cristalinas e rochas cénicas. Não tem arribas imponentes. Terá então algum coisa a oferecer aos turistas? Claro que sim, pois a própria cidade é um monumento com dois séculos e meio de história e que ainda está vivo. É necessário promover o respeito por esse património e nesse “respeito” cabe não só a preservação do edificado mas também o património imaterial, a memória da fábrica-cidade e dos seus saberes. Como disse Horta Correia: “É que não há casas pombalinas a preservar em Vila Real de Santo António. Vila Real de Santo António é uma única e grande casa e é enquanto tal que ou se salva ou se condena.”(5) Para além desse aspecto crucial, e a modos de exemplo, quem passeia pela Baixa Mar inevitavelmente tropeça em duas estátuas que representam dois aspectos bem relevantes da vida da terra. Uma e vo c a u m a v i l a-realense, Luthgarda Guimarães de Caires e a outra lembra Sebastião José de Car valho e Melo, marquês de Pombal, que por acaso nunca pôs aqui os pés. Luthgarda foi uma mulher bem à frente do seu tempo. Nasceu em 1873 mas ainda jovem foi para Lisboa onde casou com João de Caires. Mercê de episódios muito dolorosos na sua vida pessoal, irá dedicar-se a diversas causas sociais de grande relevo. A partir de 1905 luta contra as injustiças do seu tempo, publicando artigos de âmbito social em diversos jornais onde, nomeadamente, defende o direito das mulheres à igualdade. Em 1922, publica Violetas, um livro de poemas dedicado ao irmão.(6) O Marquês de Pombal foi o mandante da construção da Vila em 1773 e a primeira pedra foi por sua ordem lan-

çada em 17 de março de 1774. As memórias do fundador estão por todo o lado e todos os vila-realenses sabem que devem a esse homem visionário e cruel a existência desta pérola do Sotavento algarvio. Outros poderiam ser lembrados e outras figuras poderíamos ainda nomear, todas elas contribuindo para a cultura, para a “Alma” da cidade: Vicente Campinas… António Aleixo… mas, para além de todos esses, devemos lembrar e celebrar o engenho e bravura do povo do Sul que arrancava das águas o seu sustento e a sua glória. Tudo mudou. O peixe rareou, as fábricas encerraram, os locais emigraram e a cidade afundou-se numa depressão que só o turismo de massas viria reanimar. Sobrevive-se com o fluxo diário de espanhóis que vêm em busca de atoalhados e de peixe grelhado e com pouco mais. A autarquia luta bravamente para manter a chama acesa, a academia apoia com avisados conselhos e estudos urbanísticos, entre outros, mas falta ainda muito para Vila Real de Santo António se poder levantar com o antigo esplendor. Não devemos porém perder a esperança porque bem sabemos que no Mundo a única coisa imutável é precisamente a mudança. (1) António Homem Cardoso, fotógrafo. (2) Vide as crónicas anteriores sobretudo a de novembro passado. (3) GONÇALVES, Adelino, “Vila Real de Santo António, Planeamento de pormenor e salvaguarda em desenvolvimento” in Monumentos 30: Vila Real de Santo António, A “Cidade Ideal”, Dezembro 2009. (4) FIGUEIRAS, Rui, “Vila Pombalina – Vila Real de Santo António”, Câmara Municipal de Vila Real de Santo António, 1999. (5) CORREIA, José Eduardo Horta, O lugar de Vila Real de Santo António na história do urbanismo português, Editorial do Departamento de Arquitectura, Universidade de Coimbra. Consultado a 2 de setembro de 2021 em http://hdl.handle. net/10316.2/37888 (6) CAIRES, Lutgarda Guimarães de, Violetas, Bibliotrónica Portuguesa, Lisboa, 2020


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ESPAÇO ALFA

Fotógrafos controversos ao longo da História: fotojornalismo

Fotografia de Donna Ferrato – Um homem ameaça a sua mulher depois de lhe bater. Saddle River, Nova Jérsia, 1982 FOTOS D.R.

MAURO RODRIGUES Membro da ALFA Associação Livre Fotógrafos do Algarve

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mera existência da máquina fotográfica, transformou o Mundo como nós o conhecemos, a imagem como forma de documentar a realidade autêntica e como forma de expressão artística da condição Humana veio criar ao longo da sua História momentos e figuras controversas que testam os limites da liberdade de expressão. Eu sou da opinião que a Humanidade é capaz do melhor e do pior e são sempre nos limites da nossa compreensibilidade, tanto física como mental, que o Mundo realmente avança ou se manifesta ou se descobre com novo conhecimento… sobre ciência, intelecto, lugares ou simplesmente sobre a nossa relação de uns com os outros e de como a sociedade tem de dar lugar a todas as formas de expressão e opinião sem que daí resulte a nossa própria aniquilação ou desentendimentos como por exemplo a guerra e a exploração. O fato de a fotografia ou outras artes do entretenimento como a música, o cinema, escultura, desenho, pintura ou a escrita, mostrarem estes momentos extremos ou escandalosos, só mostra que o artista em causa desencadeou uma emoção em nós que pode ser de vergonha, raiva, constrangimento ou surpresa, emoções essas que dado o que a fotografia mostra podem ser desencadeadoras de ação, podem dar início a discussão e debate que no fim podem ser benéficos para o avanço da sociedade.

Vamos conhecer algumas dessas fotografias e fotógrafos que de alguma forma ou outra criaram ou exploraram temas controversos, principalmente na área do fotojornalismo, como por exemplo Charles Moore (1931-2010) que foi responsável por documentar o movimento de direitos civis da comunidade negra nas décadas de 50/60 nos EUA, o debate sobre o racismo seria iniciado seriamente quando fotografou Martin Luther King Jr. ao ser preso por dois polícias. Donna Ferrato (1949-), fotojornalista na década de 80 foi

primeira vez cenas de alta brutalidade das consequências da guerra, com corpos mutilados e desfigurados caídos nos campos e nas ruas. Ron Galella (1931-) é o original fotógrafo que desencadeou o estilo de fotografia paparazzo, tendo imortalizado muitas celebridades fora do olhar do público, principalmente a partir dos meados dos anos 60, as fotografias saíram na maior parte das grandes publicações mundiais, mas também criou um movimento que testa os limites do direito à privacidade mesmo sendo figuras públicas. Stanley Forman (1945-) ficou famoso por ter sido o primeiro fotógrafo a ganhar o Prémio Pulitzer na categoria de fotojornalismo, duas vezes seguidas, uma dessas fotografia foi a de uma mãe e filha que em 1975 caíram desamparadas de umas escadas de serviço de incêndio de um prédio, esta série de fotografias quando foram publicadas no jornal, criaram sentimento de raiva e foram acusadas de sensacionalismo por parte do público um pouco por todo o mundo, mas levaram

Fotografia de Nick Ut – Crianças e soldados Vietnamitas fogem de um bombardeamento incendiário de Napalm a 8 de junho, 1972

responsável por muitas fotografias cândidas e íntimas dos seus sujeitos, da sua vida familiar, onde capturava situações de violência doméstica, principalmente contra as mulheres, algumas delas bastante violentas, o que originou um intenso debate sobre o assunto, que levou à aprovação de legislação para combater este problema. Mathew Brady (1822-1896) foi um dos primeiros fotógrafos de guerra, nomeadamente a Guerra Civil Americana. Em 1862 realizou uma exposição em Nova York em que mostrava a violência dos campos de batalha, onde seriam mostradas pela

a que as leis de segurança destes equipamentos fossem revistas em muitas cidades dos Estados Unidos. Kevin Carter (1960-1994) era um fotojornalista Sul Africano que além da brutalidade do apartheid na África do Sul documentou também a fome extrema no Sudão, em que numa das suas fotografias, fotografou um pequeno rapaz negro de magreza extrema caído no chão, com um abutre ao seu lado. Devido a depressão, dívidas e ao constante testemunho de tamanhas atrocidades que documentou, acabou por se suicidar, uma sombra que

paira em muitos destes fotógrafos. Nilufer Demir (1986-) mostrou ao mundo o quanto problemático se encontra a crise dos refugiados na Europa quando em 2015 fotografou um pequeno rapaz Sírio afogado numa praia, fotografia essa que causou uma reação bastante intensa entre o público do mundo moderno e desenvolvido, que pressionou os governos a tomarem atitudes e projetos mais humanitários para lidarem com este problema, além de ter mudado o rumo das eleições no Canadá. Nick Ut (1951-) um fotógrafo Vietnamita-Americano ganhou um prémio Pulitzer quando em 1973 fotografou uma série de crianças a fugir de um bombardeamento na guerra do Vietnam, incluindo uma rapariga totalmente despida, depois do seu corpo ter sido regado com Napalm (um agente químico incendiário extremamente volátil), o fotógrafo posteriormente acabou por salvar a sua vida do fogo. Esta fotografia veio mostrar ao povo Americano que o governo estava errado na demonização do povo Vietnamita. Chris Hondros (1970-2011) foi um fotojornalista da guerra do Iraque que em 2005 mostrou ao mundo como as motivações e participação dos EUA nesta invasão, eram bastante questionáveis quando soldados americanos dispararam contra cidadãos inocentes que regressavam a casa e foram confundidos por terroristas, a fotografia mostra uma criança coberta de sangue a chorar pela morte dos pais, rodeada de soldados norte-americanos. Perante tal violação dos direitos humanos, os EUA foram obrigados a rever as suas políticas e a procurar por soluções alternativas na deteção de terroristas. Kerstin Langenberger, fotógrafo de natureza, em 2015 fotografou um urso polar tão magro que só se notavam os ossos, esta visão é simplesmente mais um aviso sério, uma peça no puzzle das alterações climáticas, que pouco a pouco alteram significativamente o ambiente natural em que estes animais vivem, levando-os, tal como o urso polar, ao risco de ficarem extintos para sempre. Therese Frare (1958-) em 1990 fotografava David Kirby, um gay ativista

Fotografia de Therese Frare – David Kirby, infetado com o vírus da SIDA rodeado com a sua família numa cama no hospital

vítima do flagelo pandémico do vírus da SIDA, num estado moribundo, rodeado pela sua família numa cama de hospital, esta foto foi usada pela United Colors of Benetton numa campanha publicitária, que durante dois anos espalhou sensibilidade e notoriedade sobre a real escala e problemática da doença. Richard Drew (1946-) ficou famoso pela fotografia que tirou a 11 de setembro de 2001 de um homem em queda livre, quando se atirou do arranha-céus World Trade Center em desespero para fugir das chamas e do fumo, edifícios que momentos antes tinham sido vitimas de ataque terrorista, vários aviões comerciais foram desviados num curto espaço de tempo com o intuito de criar caos e terror numa das mais desenvolvidas metrópoles do Mundo. Sebastião Salgado (1944-), fotógrafo brasileiro, é responsável por documentar muitas condições desumanas em redor do Mundo, como por exemplo a exploração das minas de ouro da Serra Pelada (Brasil) e campos/rotas migratórias de refugiados em África entre outros locais. Por fim, não vou deixar de fa-

lar do fotógrafo português José Ferreira (1986-) que em 2012 fotografou uma das maiores lixeiras do Mundo em Moçambique, onde retratou pessoas que viviam nas condições mais desumanas, fotografias que impressionaram o canal de notícias da CNN, onde foi convidado para uma entrevista. O fotógrafo dedica-se a retratar outros temas controversos como por exemplo drogados, travestis, comunidades ciganas, entre outros. É preciso dizer que infelizmente, só quando é chocante, provocatório, escandaloso e aos olhos de todos que realmente se passa à ação e se mudam as coisas. O fotojornalismo é um dos pilares da liberdade de expressão, informação e comunicação e deve ser visto sempre com um olhar crítico de análise, mas também de Humanidade, estas fotografias servem para mostrar um lado negro da História da Humanidade que deve servir de reflexão, principalmente pelos que governam o Mundo. No próximo artigo vamos explorar figuras importantes e controversas na área mais artística.

Fotografia de José Ferreira – Uma das maiores lixeiras do mundo em Maputo, Moçambique onde pessoas vivem do lixo


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Vidas Seguintes, de Abdulrazak Gurnah em 1914), Ilyas decide juntar-se a esse exército de mercenários africanos, prometendo à irmã voltar em breve. A promessa fica por cumprir. Muitos anos depois, enquanto o paradeiro desconhecido do irmão continua a ensombrar a vida de Afiya, ela conhece Hamza (personagem que passa a ser o centro da intriga a partir do terceiro capítulo), ele próprio um desertor que conseguiu escapar aos horrores da guerra.

Guerras alheias e colonialismo

Livro é o primeiro do Nobel de Literatura a ser publicado em Portugal PAULO SERRA Doutorado em Literatura na Universidade do Algarve; Investigador do CLEPUL

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idas Seguintes, de Abdulrazak Gurnah, é o primeiro livro do Prémio Nobel de Literatura 2021, a ser publicado entre nós, pela Cavalo de Ferro, com tradução de Eugénia Antunes. Lançado originalmente, na língua inglesa, em 2020, foi finalista do Orwell Prize for Political Writing 2021 e nomeado para o Walter Scott Prize for Historical Fiction 2021. A Cavalo de Ferro dá, aliás, continuidade à publicação deste autor, lançando agora em maio mais uma obra, Paraíso. Abdulrazak Gurnah nasceu em 1948 em Zanzibar e foi laureado com o Nobel «pela forma determinada e humana com que aborda e aprofunda as consequências do colonialismo e o destino do refugiado no fosso entre culturas e continentes».

Vidas Seguintes A ação de Vidas Seguintes desenrola-se no território que é hoje a Tanzânia, num

tempo indeterminado, possivelmente os primeiros anos do século XX, por volta de 1907. Adiante, perceberemos como, ainda que os ecos sejam distantes, se aproxima a eclosão da Primeira Guerra. O romance inicia centrando-se na personagem de Khalifa, como anunciado na frase de abertura deste romance: «Khalifa tinha vinte e seis anos quando conheceu o comerciante Amur Biashara» (p. 7). Todo o primeiro capítulo serve para nos dar a conhecer Khalifa, desde a infância ao casamento. O segundo capítulo centra-se numa nova personagem, recém-chegada. Passamos a conhecer o jovem Ilyas, que rapidamente se tornará amigo de Khalifa, a quem conta a sua própria história; como, «em criança, fugira de casa e deambulara por vários dias até ser raptado na estação de comboios por um askari da Schutztruppe e levado para as montanhas. Aí foi então libertado e mandado para uma escola alemã, a escola de uma missão religiosa.» (p. 28) Quando chega à cidade, a preocupação de Ilyas passa a ser reencontrar a família, mas apenas encontra a irmã mais nova, Afiya. Anos mais tarde, perante a iminência de uma grande guerra entre Britânicos e Alemães (que estalaria em Tanga,

Na primeira parte do livro, conforme a Alemanha se prepara para entrar na Primeira Guerra, destaca-se a questão de como os africanos combatem uma guerra que não é a deles. É o caso de Ilyas que integra a Schutztruppe, a feroz «tropa de protecção» da África Oriental Alemã, e de Hamza. Ressalve-se que usualmente, quando se fala na presença colonial europeia em África, não se considerava o papel da ocupação alemã. Remontando a um período mais tardio, nos finais do século XIX, o império alemão compreendeu colónias na Namíbia, Camarões e parte da Tanzânia e do Quénia. A Namíbia, um dos países mais civilizados de África, representa bem como o domínio alemão foi tão brutal quanto eficaz… Foi também aí que se deu o primeiro genocídio do século passado, em 1904, com a campanha de exterminação das tribos Herero e Nama. Numa prosa quase sempre contida e desapaixonada, são raras as intervenções que se podem atribuir ao narrador, profundamente irónicas, como na passagem: «Quem é que não quereria sair de Zanzibar? Todas as doenças possíveis e imaginárias podiam encontrar-se em Zanzibar, incluindo o pecado e o desapontamento.» (p. 112) A crítica ao colonialismo que perpassa o livro é, geralmente, subtil, de uma fina ironia, como acontece aqui: «Os Alemães e os Britânicos e os Franceses e os Belgas e os Portugueses e os Italianos, e quem quer mais que fosse, tinham já feito o seu congresso e desenhado os seus mapas e assinado os seus tratados» (p. 9). O início da narrativa fala-nos justamente do período em que a colonização se enraíza de forma sistematizada, com a política colonial europeia que procurava encorajar os europeus a estabelecer-se na África Oriental Britânica: «As melhores terras foram tomadas à medida que mais colonos alemães chegavam. O regime de trabalho forçado foi alargado para construir estradas e valetas, e fazer avenidas e jardins para lazer dos colonos e em prol do bom nome do Kaiserreich. Os Alemães eram retardatários no que tocava à construção de impérios naquela parte do mundo, mas aplicaram‑se diligentemente com o objectivo de ficar por muito tempo e queriam sentir‑se

confortáveis enquanto levavam a cabo essa missão. As suas igrejas, os seus edifícios com colunatas e as suas fortalezas guarnecidas de ameias foram construídas tanto para providenciar uma vida civilizada como para maravilhar os seus súbditos recém‑conquistados e impressionar os seus rivais.» (p. 21) A primeira parte do livro fala-nos assim de como o «mundo inteiro estava em convulsão» (p. 140). Mas enquanto, além das guerras, uma epidemia de gripe dizima milhares de pessoas pelo mundo, e na Rússia uma revolução dita a morte do czar e da família, naquela terra tudo parece continuar como no princípio dos tempos: «É um lugar sem qualquer importância na história das proezas ou das conquistas humanas. Podíamos arrancar esta página da história do Homem que não faria diferença nenhuma. Compreende-se porque é que as pessoas conseguem viver satisfeitas num lugar como este» (p. 140).

Abdulrazak Gurnah venceu o Prémio Nobel da Literatura de 2021 FOTO MARK PRINGLE / D.R.

Amor e paz A história de amor a que a sinopse se refere consiste na segunda metade do livro. Note-se aliás como os casamentos referidos nos capítulos iniciais são absolutamente desapaixonados, tomados de forma puramente convencional e contratual. Há, contudo, de forma mais subliminar, a relação homoerótica do oficial alemão e Hamza, que consiste sobretudo num desejo recalcado ou, melhor dizendo, sublimado na forma como o tenta educar… O romance de Hamza e Afiya coincide ainda com o restabelecimento do país e, perto do final, com o princípio do fim dos impérios europeus. Entrelaçando história e ficção, é um romance lúcido e trágico sobre África, o legado colonial e as atrocidades da guerra, bem como as infinitas contradições da natureza humana. Vidas Seguintes, no início, parece ressoar a obra de V.S. Naipaul, pelo retrato das personagens deslocalizadas, em errância pelo mundo. Pode causar surpresa ao leitor a forma como a narrativa se descentra igualmente com frequência, nomeadamente na primeira metade, passando

de uma personagem para outra, sem que nada aparente uni-las. Ao longo de capítulos inteiros, ficaremos a conhecer personagens que, ainda que essenciais à história, se tornam depois secundárias, pelo que a atenção que o livro lhes concede pode parecer supérflua. A prosa é escorreita, essencialmente descritiva. Estão presentes temas centrais ao autor, como a experiência africana, o colonialismo, o refugiado, e a noção de identidade e do valor humano. Independentemente da colonização, há várias personagens cujas vidas são tratadas como se fossem capital, como o pai que vende o filho para cobrir as suas dívidas… O narrador é quase mudo, deixando as opiniões a cargo da forma como expõe as situações e, principalmente, no discurso das personagens. O final do livro pode parecer um pouco desequilibrado, uma vez que, para poder fechar a narrativa e encerrar algumas pontas soltas, há um salto temporal e a própria escrita perde o tom encantatório de antes, tornando-se mais factual. Releve-se ainda a centralidade da leitura e do livro, como símbolo de um povo e de um continente que se pretendeu mantido na obscuridade. Quando os tios de Afiya descobrem que ela está a aprender a ler e a escrever, é agredida de tal forma que se arrisca a perder o uso de uma mão. Quando o alemão que tomou Hamza a seu cargo, como uma espécie de patrão, ao mesmo tempo que pretende ser seu tutor, desaparece da sua vida, é justamente um livro que lhe deixa como presente, que segundo alguém era «demasiado valioso para um simples nativo» (p. 142). Isto depois de o oficial alemão ter ensinado quase diariamente ao soldado nativo a língua alemã, para que Hamza um dia fosse capaz de ler Schiller.

Autor e obra Na década de 1960, Abdulrazak Gurnah foi forçado a sair de Zanzibar, então em revolução. Na altura com 18 anos, chegou como refugiado ao Reino Unido, para poder continuar a estudar. Foi professor de Inglês e Literaturas Pós-coloniais na Universidade de Kent. Paraíso, a segunda e mais recente obra do autor, publicada por cá este mês, é uma fusão de um romance de formação, ficção histórica e literatura de viagens. Originalmente publicado em 1994, finalista do Booker Prize e do Whitbread Award, foi o romance que projetou Abdulrazak Gurnah para o palco internacional, consagrando-o como um dos grandes escritores da actualidade. No conjunto da sua obra destacam-se ainda os romances By the Sea (2001), nomeado para o Booker Prize e finalista do Los Angeles Times Book Award, e Desertion (2005), finalista do Commonwealth Writers.


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LETRAS & LEITURAS

Sontag, Vida e Obra, de Benjamin Moser

Benjamin Moser publicou a biografia de Susan Sontag em 2020 FOTO BEOWULF SHEEHAN / D.R.

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ontag, Vida e Obra, de Benjamin Moser, premiado com o Prémio Pulitzer de Biografia em 2020, apresenta-se como «o grande romance americano sob a forma de biografia», publicado pela Editora Objectiva. Incluindo dezenas de imagens, este livro parte de inúmeras entrevistas conduzidas em diferentes países. O biógrafo foi o primeiro a ter como fonte os arquivos privados da escritora e testemunhos inéditos de várias pessoas que com ela privaram, tendo realizado entrevistas com personalidades como Annie Leibovitz. Além disso Sontag deixou inúmeros diários, como quem nasce determinada a fazer nome e deixar um legado para a posteridade. É, na verdade, um dos aspetos mais marcantes desta biografia: a forma como compreendemos a determinação de Sue Rosenblatt se transformar em Susan Sontag. Essa capacidade de remodelar a realidade parece aliás vir da leitura: «Uma criança mais feliz talvez nunca se tivesse tornado uma leitora tão consumada.» (p. 41)

diários desde cedo (a Quetzal reeditou recentemente Renascer, Diários e Apontamentos, de 1947 a 1963). A autora teria então cerca de 14 anos, em 1947, e já então assume estar a escrever para futuros biógrafos… A biografia é escrita, geralmente, com avanços e recuos, de modo a tornar mais coerente ao leitor a linha de pensamento que se segue. É curioso como, paradoxalmente, se nota o fascínio do biógrafo por Sontag ao mesmo tempo que emerge uma acutilante certeza de que a figura era bastante pouco humana para os que lhe eram mais próximos. Por outro lado, Sontag era dotada de um genuíno altruísmo, como veremos adiante. Sontag mostrava muitas vezes consciência do quão difícil era; intransigentemente exigente consigo mesma e com os outros, perdeu inúmeros amigos ao longo da vida, especialmente nos últimos anos, ainda que se mantivesse intacto o fascínio e admiração que tinham por ela. Tirânica ao ponto de recusar-se a admitir que dormia, como qualquer outro ser humano. Tão genial quanto alheada

Susan Sontag foi uma das principais intelectuais americanas do século XX

«Infeliz em casa, esquisita na escola, deslocada geograficamente, refugiava-se dentro de si, na leitura – e, cada vez mais, na escrita.» (p. 51) Susan tinha uma relação conturbada com a mãe, figura que assombra todos os seus futuros relacionamentos, como mãe e amante, e começa a escrever

FOTO D.R.

de ações quotidianas essenciais, como tomar banho, lavar os dentes, ou pagar as contas. Em contrapartida, via todas as óperas, lia todos os livros. Um livro que explora quer as forças, quer as fraquezas de uma mulher mitificada, ainda quando viva, profundamente ciente de que ela própria vestia

uma máscara, movida por ambições tão precoces quanto arreigadas. Benjamin Moser denota isso mesmo nos diários da autora, que supostamente seriam textos íntimos e privados, escritos para si mesma: «Uma sensação de estar a representar, de se estar a esforçar para dar a impressão que era alguém que não era, permeia esses textos. Há um abismo não apenas entre a pessoa que ela é e a que os outros percecionam, mas também, mais incisivamente, entre si própria e alguma força superior que estivesse a zelar por ela. Fazer pose: não é coincidência que Susan Sontag tenha sido uma das figuras públicas mais fotogénicas da sua geração, nem que, no seu melhor romance, O amante do vulcão, a protagonista seja uma especialista em “atitudes”.» (p. 72) Até à publicação deste romance, que Sontag sente dever ser considerado a sua grande obra, tornara-se uma espécie de lugar-comum considerá-la uma excelente ensaísta, mas uma má ficcionista. Também os filmes que realizou eram bastantes crípticos, sem que os próprios atores compreendessem o que estavam a fazer. Quanto mais lemos, e mais nos é exposto sobre a sua vida e obra, mais fugaz parece ser a certeza de efetivamente a conseguirmos tocar e perceber. O próprio biógrafo parece reconhecer que falamos de duas mulheres: a Susan humana e a Sontag simbólica, ou seja, a metáfora. Quando jovem escritora, a tendência de Sontag em ver «o mundo como um fenómeno estético» implicava excluir o impacto da política e da ideologia (p. 173), por isso em França nunca menciona que o país quase mergulhou numa guerra civil por causa da Argélia, não menciona factos como o assassinato de Kennedy nos seus diários, e ao visitar Cuba em 1960 não há qualquer referência à revolução, apenas mencionando Fidel Castro para dar conta das suas opiniões sobre poesia. Décadas depois, Sontag torna-se muito mais envolvida socialmente e revela-se dotada de grande altruísmo, ainda que as suas atitudes denotem alguma inconsistência. Por exemplo, é presa por se manifestar contra a guerra no Vietname, mas durante a crise da sida nos anos 80 recusa terminantemente assumir a sua homossexualidade (nunca se assumiu como lésbica, da mesma forma que nunca assume a sua sobejamente conhecida relação com Annie Leibovitz). Quando escreve o ensaio «A sida e as suas metáforas», a reação geral foi de indiferença, sem que o artigo seja sequer referenciado, apesar da insistência dos amigos para que ela dissesse “eu”, “o meu corpo”, recusando-se a admitir que fizesse diferença ela “sair do armário” – quando, na verdade, era uma intelectual influente e uma das escritoras mais famosas do país, com incomparável autoridade cultu-

Obra foi vencedora do Prémio Pulitzer de Biografia em 2020

ral. Mais tarde, Sontag é das primeiras a apoiar Salman Rushdie, durante a fatwa em que a sua cabeça fica a prémio, e fá-lo justamente na condição de primeira presidente mulher do PEN América. Em 2003 na Feira do Livro de Bogotá recebe uma ovação da plateia colombiana por denunciar o apoio de Gabriel García Márquez a Fidel Castro, mesmo quando ele avança com a execução de intelectuais. Em abril de 1993, faz a primeira de 11 viagens a Sarajevo, levando a peito o dever público do escritor e demonstrando incompreensão perante os que não compareceram; há hoje uma praça no centro da cidade com o seu nome e o filho ponderou enterrá-la ali. Foi também capaz de escrever sobre o 11 de Setembro de forma tão profética quanto incompreendida, deixando a América em choque, como se já previsse que o governo de Bush estava prestes a mergulhar «na maior catástrofe de política externa desde o Vietname» (p. 544), manipulando dados e opinião pública. Uma leitura apaixonante que é também uma radiografia do século XX, ao longo da intimidade de uma mulher que escreveu sobre alguns dos grandes acontecimentos e conturbações sociopolíticas

das décadas ao longo das quais viveu. Os seus ensaios e outros textos, sobre arte, política, feminismo, homossexualidade, drogas, fascismo, freudianismo, radicalismo e comunismo, são igualmente passados à lupa por Moser, capaz de uma análise arguta, sem cair no risco de deificar a pensadora. Benjamin Moser nasceu em Houston em 1976. Formou-se em História pela Universidade de Brown, onde também estudou Português, escolha que influenciaria o seu trabalho futuro. Em 2009, publicou Porquê este mundo: uma biografia de Clarice Lispector, aclamada biografia da autora brasileira de origem ucraniana, finalista do National Book Critics Circle Award e classificada pelo New York Times como um notable book. Trabalha, há quase vinte anos, na edição anglo-americana das obras de Lispector. Mais tarde, na Holanda, onde vive atualmente, doutorou-se pela Universidade de Utrecht. Em 2020, publicou a biografia de Susan Sontag, agora traduzida entre nós, que foi na altura vencedora do Pulitzer, finalista do prémio PEN e considerada «Livro do Ano» para a Spectator, o Telegraph, a New Statesman e o Financial Times.


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