Jornal Lampião - edição 6

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LAMPIÃO Jornal Laboratório I Comunicação Social - Jornalismo I UFOP I Ano 2 - Edição Nº 6 - Abril de 2012

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Edição: Bruna Silveira e João Felipe Lolli

Abril de 2012

editorial

Na estranha ordem da máquina do mundo 1711. Ciclo do Ouro. Vila. Bandeirantes. Garimpeiros. Exploração. 2012. Mineradoras. Trabalhadores. Cidade. Universidade. Passado. Presente. A cidade transborda. Pessoas, pessoas, pessoas. E o que fica para o futuro? A máquina do mundo, também máquina do tempo, estranhamente, transforma a velha e pequena em uma moça. Moça moderna e grande. Moça imatura, que cresce de forma inconsequente, não pensa no que corre nas veias, em sua própria sustentação. Mariana era a filha tradicional, que ia todos os domingos à missa e que tinha sempre as mesmas companhias. Agora, é a garota eclética que desfruta de várias fés e tem novos amigos. Mas, como uma boa mineira, é

desconfiada e se assusta com novidades. É conhecida pelas marcas que carrega do passado colonial, e ainda há quem olhe por elas. Há quem olhe para elas. Há quem admire. Hoje, respira trânsito, comércio, grandes empresas, obras e até criminalidade. Em uma simples caminhada pelo centro se percebe a quantidade de olhares, vozes, histórias. Quanta gente! Algumas em passos lentos, inspirados por aquele “bom dia” que outrora receberam de um vizinho. Outras, apressadas, preocupadas em não perder a condução. Carlos Drummond de Andrade, no poema “A Máquina do Mundo”, se descreve como um personagem que se recusa a entrar em tal máquina, não se deixa levar pela visão

abrangente do universo. Quer mesmo é que não se apague a chama da poesia. Tem medo da modernidade. Enxerga uma nova cidade em sua jornada, “dá volta ao mundo e torna a se engolfar na estranha ordem geométrica de tudo”. Nesta edição, o LAMPIÃO, que também acredita na leveza da poesia, abusa da liberdade em sua capa e desenha Mariana como o eu-lírico da máquina do mundo. A senhora anda por um caminho “pedregoso”, que precisa seguir, mas que reluta em aceitar. Assim, se torna, aos poucos, a moça. Os desafios propostos pela máquina a amedrontam. Nosso pensamento é tratar com clareza os casos, contar histórias, e, sobretudo, refinar as palavras. Também buscamos

lampejar personagens escondidos por essa Marianamoça que não tem tempo de olhar para o lado. É possível medir em números as consequências da expansão para a cidade. Mas a matemática jamais poderá dizer como funciona a combinação do tradicional com o moderno. A questão que fica é: até quando? Dariam as montanhas, os sinos e os ladrilhos lugar para os prédios, o minério e as pessoas? A primeira nascida em Minas é uma das últimas a crescer. Eficiente e imperdoável, a máquina do mundo confunde os pensamentos da vila-moça e dissipa a sabedoria da cidade-velha. Assim, em um silêncio ensurdecedor, contado por decibéis incontáveis, a primaz cresce.

lampEjos “Para mim, essa obra foi precipitada e feita sem planejamento algum”. Edson Theodoro, sobre as obras do Córrego do Catete, p. 4

“A rua me traz preconceito. Sofro muita coisa também. Faço amizade muito fácil. Todo catador de papel é feliz”. Maria Aparecida Viana, catadora de papelão, p. 11

tamente. Conviver num ambiente alegre faz a gente se sentir muito melhor, mesmo quando se está morrendo de cansaço. Em contrapartida, estar constantemente rodeado de maus pensamentos, mau humor e pessoas tristes deixa qualquer “teletubie” muito mais do que jururu. As relações interpessoais se modificaram, e desconfio que para pior. Talvez, seja porque eu tive uma criação interiorana. Cresci em uma cidade em que conheço todo mundo, em que as pessoas se cumprimentam na rua, perguntam se você está bem e, também, como vão seus pais.

um dos lados ocupado por uma pessoa, em qual deles você se senta? Aposto que será no que está completamente vazio. Em contrapartida, se você for um ocupante do assento que tem uma das metades ocupadas e alguém se sentar ao seu lado, vai ficar se perguntando, durante o resto da viagem, a razão de a pessoa ter se sentado logo ali. Com direito a inúmeras teorias duvidosas sobre a índole do seu colega de banco. A questão do julgamento prévio é duramente criticada na imprensa, porém, são poucos os que olham para dentro e percebem que tam-

lo. Não entendo o quão grande pode ser o esforço de olhar para e frente e para os lados ao invés de olhar só para baixo. É tão simples... Não pense que estou isenta desses males, afinal, todo mundo, em maior ou menor grau, tem algum telhado de vidro... Errar é normal, embora errar e achar que está sempre acertando não seja. O que devemos pensar é que cada pequena e boa atitude, cada sorriso distribuído, vai ser algo que vai nos fazer sentir melhor. O profeta Gentileza tinha toda a razão e não é preciso mudar uma vírgula do que Leonardo Alves

nem uma felicidade constante e absoluta, mas é que falta pensar no outro, lembrarse do outro. Às vezes, acordo cedinho, com certa dificuldade, é claro, e vou para meus compromissos matinais. Minha cara geralmente está amassada e minha expressão é de desanimar qualquer um. Mas é só passar por mim alguma senhora simpática na rua e dizer um “bom dia!” cheio de vontade e sinceridade para meu humor mudar. Foi numa dessas vezes que comecei a esboçar este texto. É difícil se dar conta do quanto “influenciamos” as pessoas, mesmo que indire-

Hoje, estamos tão acostumados a andar cabisbaixos que, às vezes, passamos por velhos conhecidos e nem os percebemos – e fazemos isso sem maldade, simplesmente por não perceber direito a realidade a nossa volta. O mundo não tem culpa se você está tendo um dia ruim, e descontar seu mau humor no próximo não vai te fazer se sentir melhor; há pessoas que acreditam piamente nisso, e praticam. Estamos ficando muito individualistas. Um exemplo claro: ao entrar em um ônibus desses circulares, onde há uns dois pares de assentos vagos e outros dois com

bém os reles mortais praticam isso o tempo todo. Quem nunca teve aquela antipatia instantânea e infundada por alguém sem sequer direcionar a ele uma única palavra? Acontece com uma frequência muito grande. E já aconteceu comigo. E eu poderia quase jurar que com você também já aconteceu. Gostamos muito de falar, apontar o dedo, sempre nos preocupamos com o que o outro faz, mas, quase sempre, nos esquecemos de olhar para nós. Estamos ficando indiferentes, esquecendo de avaliar nossas próprias atitudes. Só nos lembramos do resto do mundo para criticá-

ele disse: “Gentileza gera gentileza”. É um conceito muito simples, mas muito eficiente se nos esforçarmos para segui-lo. Andar pela rua observando algo diferente dos seus pés, algo como a paisagem, uma pequena fonte, as árvores e, principalmente, as pessoas, faz o percurso ficar muito mais agradável. Perceber as miudezas do dia-a-dia e valorizá-las faz toda a diferença, e é por isso que todo mundo precisa de um “tudo bem?”, de um “muito obrigado!”, de um “como vai você?”, de um “oi”. Todo mundo precisa de um “bom dia!”.

Jornal Laboratório produzido pelos alunos do 6° período de Jornalismo – Instituto de Ciências Sociais Aplicadas (ICSA)/ Universidade Federal de Ouro Preto – Reitor: Prof. Dr. João Luiz Martins. Diretor do ICSA: Prof. Dr. José Artur dos Santos Ferreira. Chefe de departamento: Profa. Dra. Ednéia Oliveira. Presidente do Colegiado de Jornalismo: Prof. Dr. Ricardo Augusto Orlando – Professores responsáveis: Adriana Bravin (Reportagem), Anderson Medeiros (Fotografia) e Priscila Borges (Planejamento Visual) – Editora-chefe: Bruna Silveira. Subeditor: João Felipe Lolli. Diretor de fotografia: Ricardo Maia. Diretora de arte: Aline Rosa de Sá. Reportagem: Alice Piermatei, Ana Luísa Ruggieri, Cacau Dias, Gérsica Moraes, Greiza Tavares, Joenalva Porto, Kamilla Abreu, Lorena Silva, Maressa Nunes, Maysa Souza, Mickael Barbieri, Natália Ambrósio, Natália Goulart, Pablo Gomes, Rafael Camara, Renata Felício, Thalita Neves, Thiago Guimarães. Fotografia: Camila Maia, Gabriel Sales, Kleiton Borges, Leonardo Alves, Lucas Araujo, Marcelo Quintino, Mayara Coutrim, Pedro Fernandes. Diagramação: Bárbara Zdanowsky, Fernando Ciríaco, Flávia Rodrigues, Giovana Bressani, Gustavo Aureliano, Janini Sanches, Jorge Lelis, Kael Ladislau, Lara Beatriz, Nathália Barreto, Suellen Amorim. Revisão: Eduardo Braga, Laio Monteiro, Lidiane Andrade. Monitores: Lincon Zarbietti (Planejamento Visual) e Yasmini Gomes (Reportagem). Colaboração: Edmar Borges, Fábio Germano, Marly Moysés, André Luis Carvalho, Ricardo Augusto Orlando. Impressão: MJR Editora Gráfica. Tiragem: 3.000 exemplares. Endereço: Rua do Catete, n° 166, Centro. Mariana - MG. CEP 35420-000. Twitter: @JornalLampiao Facebook: facebook.com/jornallampiao E-mail: jornallampiao@gmail.com.

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“A educação é central para o desenvolvimento de qualquer cidade ligada à mineração, porque o minério é finito”. Reitor da UFOP, João Luiz Martins, sobre a expansão, p. 6

Fábio Germano

Uai, sô! Será que os bandeirantes tão invadindo Mariana de novo?

Mine IDADE C r e a t irva d o r a s L A adas A RE n s i t o Mão â vem d-de-obra a Bahia Aumen to da po pulação Estupidez

Todo mundo precisa de um “bom dia!”

Alice Piermatei Todos os dias andamos nas ruas e nos deparamos com dezenas de pessoas. Raríssimas são as vezes em que sabemos quem elas são, de onde vêm, para onde vão, se têm filhos, marido, pais ou avós. Não fazemos questão nem de olhar para o lado, de ver o rosto dessas pessoas, estamos sempre preocupados com nossa vida, nossos problemas, e se a chuva que pode cair vai molhar nossas roupas no varal. Obviamente, não proponho nada nem parecido com um cadastro dessas pessoas,

va, sobre o transporte público, p. 4

charge

entre olhares

“No ônibus para Santa Rita Durão tem apenas quatro vagas para idosos, e os demais têm que pagar”. Floriano da Sil-

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opinião

O desafio de ser primaz Marly Moysés * O escritor Ítalo Calvino, em “As cidades invisíveis”, descreve o perfil de cidades de nomes femininos, como Mariana, não do ponto de vista geográfico, mas enquanto símbolo e expressão da existência humana. Nessas cidades imaginárias, valores como justiça e injustiça, bondade e perversidade, leveza e vulgaridade se sucedem. É que os seres que as habitam, em seu modo de ser e de viver, exteriorizam o mundo que trazem dentro de si. Assim, a verdadeira cidade é como uma sucessão de cidades diferentes contidas umas dentro das outras, pois quem faz de uma cidade atrasada, maltratada, inóspita e suja um espaço agradável, acolhedor, limpo e civilizado, é quem a habita, quem no dia- a -dia tenta reconhecer “quem é e o que, no meio do inferno, não é o inferno”. Quem é capaz de preservar o bem e o belo, de cuidar de si mesmo e do lugar onde vive, superando-se e superando desafios, abrindo espaço para o desabrochar da vida, da paz, da felicidade e do bem-estar coletivo. Embora guarde fortes semelhanças com as demais cidades históricas mineiras, Mariana possui características singulares que a tornam única: primeiro povoado elevado à condição de vila; primeira sede de bispado; primeira Câmara que elegeu, em Minas, vereadores pelo voto secreto; única, dentre as cidades históricas mineiras, a ter um plano urbanístico traçado para assegurar-lhe possibilidade de expansão. Hoje, Mariana sofre os efeitos de aceleradas e nem sempre favorecedoras mudanças. Tudo aquilo que atinge as demais cidades – aumento desordenado da população, expansão de áreas ocupadas, trânsito intenso, ausência de saneamento básico, violência, desemprego, miséria – nesta terra de tantas primazias torna-se mais desafiador. Considerada arquétipo da cidade colonial brasileira, berço da “civilização” mineira, a célula-mãe sente-se desafiada a encontrar o caminho da compatibilização do crescimento sem controle com a preservação do que a fez única. Refletindo sobre tudo isto, pergunto-me o que vimos fazendo, século após século, ano após ano nós, marianenses nativos ou de adoção, para imprimir-lhe a marca de nossa passagem. Será a da ética, da delicadeza? Do afeto e do cuidado, com o que nos foi legado? Do zelo com nosso patrimônio e com o patrimônio público? Temos sabido preservar o que é bom e justo para todos? Temos conseguido transmitir, geração após geração, valores permanentes que se cultivem na família, na escola, no ambiente de trabalho, no lazer? Temos sido competentes na escolha de nossos governantes? Temos nos mantido mobilizados em defesa da vida e do bem estar coletivo, contra as agressões ao meio ambiente que sobrepõem o econômico ao social e à preservação do precioso patrimônio que a nós cabe preservar? A superação de tantos desafios exige consciência cívica, sentimento de pertença, mobilização e participação. Só assim, exercitando nossa cidadania ativa, nossas vozes serão ouvidas. Dentro e fora de Mariana. *Marly Moysés é marianense e pedagoga.

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Edição: Maressa Nunes e Alice Piermatei

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PolÍtica

Desanimado com a política eleitor não crê em mudanças

Corrupção e descontentamento com as mudanças de prefeitos em Mariana levam ao desinteresse pelo processo político Maysa Souza Ladrões, aproveitadores, mentirosos. Vergonha, sentimento de impotência, falta de fiscalização. Esses são alguns dos adjetivos e das impressões que resumem a visão dos marianenses sobre os políticos e a política brasileira. O LAMPIÃO foi às ruas e perguntou à população qual a primeira coisa que se pensava quando o assunto era política. Os resultados mostraram um quadro de descontentamento, descrença e desconfiança, tanto em nível nacional quanto municipal. “A gente vê no jornal, na televisão, que a corrupção é geral, e até aqui, em Mariana, acredito que existe também”, constata a empregada doméstica Irene das Dores Silva, 46 anos. Nos últimos quatro anos, o município viveu imerso em turbulências políticas. Até abril deste ano, cinco prefeitos diferentes,

por sete vezes, se revezaram à frente do Executivo municipal, já que Raimundo Horta e Terezinha Ramos assumiram a Prefeitura duas vezes. A insatisfação com o panorama político da cidade gerou a falta de esperança de que esse quadro mudará, mesmo com as eleições municipais se aproximando. “Isso não se resolve fácil”, afirma a aposentada Mª Lourença Martins, 82 anos. Os recentes escândalos de corrupção no município, como a acusação de que a ex-prefeita Terezinha Ramos teria retirado R$98 mil dos cofres públicos para pagar seus advogados particulares – o que resultou no seu afastamento do cargo, em fevereiro de 2012 -, e o desânimo com a atual situação da Prefeitura, afastam os eleitores do debate sobre a vida política. Muitos se concentram em trabalhar e em resol-

ver os próprios problemas, e acabam se desinteressando dos assuntos públicos. A doméstica Irene das Dores Silva confirma essa visão. “Eu não acompanho muito a política da cidade; sei mais ou menos o que acontece em Mariana”. Outros fatores se referem à falta de conhecimento sobre os procedimentos políticos e à atividade dos governantes, somados à descrença com relação ao que envolve a política, é o que opina a estudante Derliane dos Santos, 17 anos. “Eu creio que todos os políticos são corruptos”, assegura. Conscientização A Organização Não-Governamental (ONG) Transparência Brasil (http:// www.transparencia.org.br/), organização independente comprometida no combate à corrupção, elaborou uma cartilha com informa-

pedro fernandes

ções sobre voto consciente. Segundo a ONG, é fundamental analisar as propostas dos candidatos, já que muitos prometem o que não podem cumprir, e se informar sobre o passado dos políticos. A cartilha sugere , ainda, acompanhar o processo eleitoral através dos noticiários, rádios, jornais e revistas para que, assim, possa se fazer uma escolha mais consciente. Durante o processo eleitoral, os temas pautados pelo debate público e as demandas apresentadas pela sociedade são de extrema importância, ressalta o documento da Transparência. Assim, os candidatos firmam compromissos com a população, que tem o dever de fiscalizar e cobrar dos governantes eleitos. O aposentado Nilton Nicolau Dias, 62 anos, concorda. “A população tem que se unir e fiscalizar mais, porque ninguém exige nada”.

“Na hora, prometem tudo, e depois ninguém cumpre. Tanto dinheiro que eles ganham pra fazer o que com o povo? Com a saúde, a educação?” Irene das Dores Silva, doméstica pedro fernandes

“Eu tenho certeza que o Brasil está evoluindo. Podia estar melhor, mas depende muito da população, não é apenas ficar cobrando dos políticos”. Evaldo Quintão, empresário pedro fernandes

“Todo mundo vê o que tá acontecendo. É uma loucura, uma maluquice. A população tem que se unir e fiscalizar mais”. Nilton Nicolau Dias, aposentado pedro fernandes

“Política é bom para os políticos. Eles não fazem nada pra gente. Isso não se resolve fácil”. Mª Lourença Martins, doméstica

Comentário *Mateus Pereira A participação política, hoje, é menor que no passado recente (1945-1968/ 19781990). É possível reverter esse quadro? Inicialmente, é preciso compreender algumas das razões do declínio da ação coletiva. Poderíamos dizer que os principais fatores são: redução da cidadania ao consumo; desmobilização, fruto da força que a ideologia neoliberal adquiriu; institucionalização e cooptação dos movimentos sociais; incapacidade de renovação das utopias transformadoras; e

transformação da política em administração. Uma questão interessante para pensarmos as possibilidades de democratização da democracia é a construção de um horizonte onde as manifestações e o uso das redes sociais possam resultar em maior ação política organizada. É na internet que reside a esperança de mudança. Destaco dois bons exemplos, são eles: o Movimento Mariana Viva (www.marianaviva.blogspot.com.br) e o blog Cuidar de Mariana (www.cuidar-

demariana.blogspot.com.br). É possível que na eleição deste ano possa surgir, pela sociedade, uma agenda de ação com a finalidade de políticas mais inclusivas, justas e plurais. Nesse sentido, seria preciso que os atores sociais se organizassem em torno de questões tais como: quais são as reivindicações dos diversos segmentos que vivem, por exemplo, em Mariana?; qual é a cidade que queremos? Seria bem mais eficaz pautar os políticos do que ser pautado por eles.

Desafios que implicam em sacrifício em prol da coisa pública, virtudes cívicas e a submissão da economia à política em um contexto de narcisismo, consumismo e individualismo desenfreado. Só a política vivida como dissenso, conflito, mobilização social e ação coletiva pode, de fato, instaurar a emancipação, autonomia e liberdade. *Doutor em História pela Universidade Federal de Minas Gerais e professor da Universidade Federal de Ouro Preto

Movimento incentiva transferência de títulos eleitorais Em busca de reconhecimento de seus direitos estudantis, alunos da UFOP se reúnem para discutir sobre a política local Natália Ambrósio to e justifica essa mobilização. De um lado, uma sucessão Segundo ele, apesar de os estude prefeitos, em curto período dantes, em sua maioria, morarem de tempo, marca o quadro polípor pouco tempo nessas cidades tico recente de Mariana. Do ouuniversitárias, “eles viverão (na tro, direitos básicos garantidos região) por cinco anos, e isso já por lei aos estudantes são ignoé o bastante”. A ideia (do morados. Para influenciar nas muvimento) é despertar o valor que danças dessas situações, os aluum voto pode ter para mudar nos da Universidade Federal sua sociedade, e acho que dede Ouro Preto (UFOP) querem pois de partirem, os estudantes maior participação na vida pose lembrarão deste valor”. lítica de Ouro Preto e Mariana, O universitário comenta que cidades onde vivem e estudam. o movimento se organiza de Além de históricos e turísmuitas formas, seja de converticos, estes municípios também sas nos corredores à reuniões na são reconhecidos pelo expressiUniversidade. Quando o Transfivo contingente de esra UFOP” atintudantes do ensino seu obje A ideia gir superior. Porém, eles tivo de atrair do movimento um grande núsão privados de dié despertar o mero de estureitos básicos garantidos por lei, como, valor que um dantes que vopor exemplo, o meiovoto pode ter. tem na região, passe no transporte o próximo pasThiago Dias público. so será cons“Transfira UFOP”. cientizar sobre Esse é o nome do movimena importância de se conhecer to que apoia e incentiva os esbem o candidato escolhido, vitudantes a transferirem seus títusando o que for melhor para os los eleitorais para as cidades de estudantes e o município como Ouro Preto e Mariana, afim de um todo. exercerem plenamente sua cidaO advogado marianense Fredania. O estudante do curso de derico Ozanan é um admirador Ciência da Computação, Thiago da iniciativa de cidadania dos Dias, é integrante do movimenjovens. Principalmente porque o

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município possui um “complicado quadro político”. “Acredito que o responsável por toda essa crise é a Justiça Eleitoral, por não resolver os problemas em tempo hábil, colocando e retirando candidatos do poder, quebrando o ciclo de vida natural da política”, afirma. Do ponto de vista da socióloga Giulle da Mata, o impacto social dos estudantes no espaço público das cidades de Ouro Preto e Mariana é inegável. Além disso, pode fazer a diferença nas eleições de candidatos que venham a zelar pela causa estudantil. Porém, pondera que a política não deve se basear apenas em lealdades ou benefícios próprios, mas na capacidade de ação em favor do que é público”. Ela ainda afirma que é preciso considerar que a atividade política séria depende fundamentalmente da consciência e estabilidade institucional. “A cidade tem dificuldade de se constituir como comunidade de interesses. Não há consenso sobre quais interesses públicos devem ser defendidos”, completa a socióloga. A ação do movimento busca conscientizar os eleitores sobre a importância do voto para garantiar o acesso aos direitos básicos.

Datas importantes para as eleições de 2012 09 MAI Último dia para o eleitor requerer inscrição eleitoral ou transferência de domicílio. 06 JUL

Início da propaganda eleitoral.

29 JUL

Último dia para que os títulos de eleitores que requereram inscrição ou transferência estejam prontos para entrega.

08 AGO Último dia para o eleitor fora do seu domicílio eleitoral requerer a segunda via do título em qualquer cartório eleitoral, esclarecendo se irá recebê-la na sua zona eleitoral ou naquela em que a requereu. 07 SET

Último dia para entrega dos títulos eleitorais resultantes dos pedidos de inscrição ou de transferência.

27 SET

Último dia para o eleitor requerer a segunda via do título eleitoral do seu domicílio eleitoral.

05 OUT

Último dia para entrega da segunda via do título eleitoral.

07 OUT

1º turno das eleições municipais.

28 OUT

2º turno das eleições municipais. Fonte: www.tse.jus.br

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Edição: Ana Luísa Ruggieri e Maysa Souza

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Cidades

Transporte: concessão irregular

Edital vencido pela Transcotta, em Mariana, em 2003, apresentava termos que favoreciam a empresa; desde então a concessão é alvo de processos no Tribunal de Justiça. A companhia diz que seu serviço não pode ser interrompido

Para-choque quebrado ilustra as condições do transporte

cia que contraria o princípio da igualdade, do artigo 30 da Lei 8.666/9. Além disso, uma parte da pontuação das concorrentes era feita de maneira subjetiva, “advinda exclusiva-

Acessibilidade De acordo com o Estatuto do Idoso, os ônibus são obrigados a destinar, pelo menos, 10% das vagas para maiores de 60 anos, o que representa quatro vagas em um coletivo. Em Mariana, esse cálculo é seguido à risca, porém, não é suficiente para atender a demanda. É o que reclama o aposentado Floriano da Silva, de 84 anos. “No ônibus para Santa Rita Durão (Vale do Ouro) tem apenas quatro vagas para idosos, e os demais têm que pagar passagem. Acontece de vir quase dez idosos pagantes”. Quanto aos deficientes físicos, a Lei Federal n° 7.853, de 24/10/89, afirma que as edificações públicas, assim como os meios de transporte devem ser de fácil acesso às pessoas com deficiência.

Em Mariana, os ônibus não contam com o mecanismo para o acesso, principalmente dos cadeirantes. O atual secretário de Transportes do município, Ildeu Alves, que assumiu o cargo em abril deste ano, afirma que não há previsão para a adaptação dos ônibus aos deficientes físicos, apesar de estar ciente dessa necessidade. A marianense Teresa de Oliveira, que tem uma deficiência na perna, conta que, apesar de ser transportada gratuitamente, é muito difícil subir as escadas estreitas do ônibus, além de ter que enfrentar o descaso de motoristas e trocadores. Ela reclama também, que os horários dos ônibus não atendem às necessidades dos moradores dos bairros de difícil acesso.

mente do íntimo dos integrantes da Comissão de Licitação”, como apontado no processo. O edital também previa pontuação diferenciada em relação ao tempo de experiência de cada licitante, o que, segundo o processo, viola o princípio da impessoalidade previsto no artigo 30, da Lei 8.666/93. Em novembro de 2004, o juiz Wagner de Oliveira Cavalieri, que julgou a ação, decidiu pela anulação do edital. “Com tais considerações, dou provimento ao agravo, para reformar a decisão acatada e deferir a liminar pleiteada no mandado de segurança”, sentenciou. Cerca de um mês após a decisão judicial, a Transcotta, representada por Renato Andrei de Castro Cotta, e o então prefeito Celso Cota, assinaram o contrato da con-

cessão do serviço de transporte público, por 20 anos, com possibilidade de prorrogação por igual período. Mesmo com a determi-

As mudanças na prefeitura dificultaram a realização de um novo edital. Jamil Abjaudi

nação judicial de anular o edital, a empresa Transcotta permanece à frente do serviço de transporte público na cidade. Segundo o ex-secretário municipal de Transportes, Jamil Abjaudi, as constantes mudanças na prefeitura dificultaram a realização de um novo edital, que, segundo ele, “precisa ser feito o mais rápido possível”. O advogado da Transcotta, Bruno Camillo-

to, admite a importância da elaboração de um novo edital, e explica que a empresa continua atuando na cidade porque o serviço de transporte “é essencial para a população e não pode ser interrompido”. Além disso, Bruno Camilloto afirma que o processo para o cancelamento do edital aponta falhas da Comissão Permanente de Licitação, presidida na época por Rogério de Souza Moreira, e não da empresa. A vereadora Aida Anacleto ressalta que a população deve ser ouvida para a elaboração de um novo edital, que “realmente atenda as necessidades dos marianenses”, salienta.

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Mayara Coutrim

a Co u t

rais (TJMG) pela vereadora Aída Anacleto (PT), por apresentar termos que, de acordo com o processo, favoreciam a empresa. Entre as falhas apontadas na ação judicial, o edital exigia que os concorrentes estivessem inscritos no Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (CREA), o que não teria nenhuma ligação com a função de transportar passageiros. Outro critério de classificação favorecia as empresas que já se encontravam estabelecidas e possuíam garagem no município de Mariana, exigên-

Mayar

Gérsica Moraes Veículos lotados, em condições precárias, e atrasos nos horários são problemas que viraram rotina para os usuários de transporte público em Mariana. Além disso, a concessão desse serviço, há mais de oito anos, é alvo de um processo na Justiça. O edital 002/03, divulgado em 2003, abriu concorrência para o serviço de transporte público no município e foi vencido pela Transcotta Agência de Viagens LTDA. Em novembro do mesmo ano, o edital foi encaminhado ao Tribunal de Justiça de Minas Ge-

Usuários disputam espaço na fila do ônibus

Comerciantes reclamam das obras do Catete

Kleiton Borges

Prejuízo chega a 70% no atendimento; prefeitura admite falhas no projeto Rafael Camara Gilmar Marques é um dos muitos proprietários de estabelecimentos comerciais na Avenida Nossa Senhora O comerciante Gilmar Marques mostra o acesso à sua loja, prejudicado pelas obras na Avenida Nossa Senhora do Carmo, que já duram mais de nove meses.

Kleiton Borges

Transposição próxima do fim A transposição do córrego do Catete, na Avenida Nossa Senhora do Carmo, em Mariana, está chegando ao fim. A data estipulada pela Secretaria de Obras da Prefeitura de Mariana, para que o trabalho seja concluído, é 15 de maio. Projetada para ser realizada em 180 dias, em caráter de emergência, atrasos na obra adiaram o prazo duas vezes. Caso o novo prazo seja cumprido, a obra completará exatamente um ano assim que for concluída. Os 1.041 metros da nova rede de esgoto já estão prontos, segundo informações da Secretaria de Obras. Faltam agora obras auxiliares e de conclusão na Avenida Nossa Senhora do Carmo, no Bairro Vila do Carmo. O contrato firmado entre a Prefeitura de Mariana e a Comple-

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ta Engenharia, responsável pela obra, foi de R$ 20 milhões. Desses, já foram gastos R$ 19 milhões. Essas intervenções não serão as últimas., pois o antigo córrego deverá passar por reformas para minimizar os efeitos do desgaste Segundo o engenheiro de obras da prefeitura municipal, Carlos Henrique Antunes, a conclusão de transposição do córrego do Catete representa apenas três das sete etapas necessárias para que o problema possa ser resolvido definitivamente. “Nas próximas semanas será feito um estudo para decidir o que fazer com a antiga rede de esgotos, que já está bastante desgastada e pode oferecer novos riscos à população. A partir daí abriremos licitação para dar início às novas obras”, afirma.

do Carmo, principal via de entrada e saída da cidade de Mariana. E, assim como muitos outros que trabalham ali, sente no bolso os prejuízos que a transposição do Córrego do Catete trouxe desde o seu início, em maio do ano passado. A autoelétrica Eletro Marques existe há mais de 20 anos e trabalha com empresas como Vale e Samarco. Porém, há cerca de seis meses, não consegue receber máquinas e veículos de grande porte. Uma imensa cratera aberta em frente à loja impede a passagem de veículos e causa prejuízos que chegam a 70%. Gilmar só consegue atender carros de passeio devido a outro espaço improvisado, próximo ao seu comércio. Ele não pode deixar de se queixar nem quando chega em casa. Como mora exatamente em cima da loja, os problemas aumentam com barro e poeira. “Minha filha já teve crise alérgica e eu estou lutando contra uma bronquite, há três meses, por causa da poeira que invade a minha casa”. Prevista para terminar em 180 dias, em caráter de emergência, as obras de drenagem e transposi-

ção do Córrego do Catete já se estendem por mais de nove meses, causando indignação e prejuízos aos donos de estabelecimentos comerciais. Com buracos que nunca fecham, trânsito desviado e muita poeira (que se transforma em lama, quando chove), os comerciantes já não sabem mais o que fazer com tanto transtorno. “Nosso prejuízo foi de

Tivemos que trocar os pneus com o carro andando.

Carlos Antunes

15%. Antes tínhamos cinco vendedores, agora estamos com três. Perdemos funcionários que pediram demissão por não conseguirem cumprir a meta e, consequentemente, ganharem sua comissão. E nós nada podemos fazer porque estamos de mãos atadas. Todos nós perdemos com isso”, protesta o gerente da Nacional Tintas, André Carlos. Falhas O engenheiro de obras da Prefeitura de Mariana, Carlos Henrique Antunes, ad-

mite falhas na elaboração do projeto de transposição do córrego, e que, como a obra estava em caráter de emergência, o prazo estipulado para realizá-la não foi o suficiente. “Tivemos que trocar os pneus com o carro andando”, compara. E completa: “todos os envolvidos com a obra têm uma parcela de culpa nisso”. Ele diz entender e se solidarizar com a situação dos comerciantes. “Não tiro a razão de ninguém que está reclamando. Só quem está sofrendo com isso sabe como é ruim”., finaliza. Para alguns comerciantes, a saída é buscar reaver, na Justiça, o prejuízo causado com transtorno. Gilmar Marques, da Eletro Marques, além de recorrer à Justiça pelos prejuízos nos negócios, pretende mover também uma ação por danos morais. Isso porque cada vez que alguém entra em sua casa, passa pelo incômodo de sujar os pés com barro. “Quando chove, mal dá pra sair ou entrar em casa”, lamenta. Outros, como Sandro Castro, da Escapamentos São Geraldo, afirmam que não acionarão a Justiça. “Só quero que essa obra acabe para que tudo volte ao normal”. Sem dúvida, esse sentimento é compartilhado por toda a cidade.

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Edição: Mickael Barbieri e Lorena Silva

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Quem vai proteger você?

polícIa

De 2010 para 2011, os índices de crimes violentos aumentaram 65,7% em Mariana e 91,6% em Ouro Preto Cacau Dias “Até agora só um [dos envolvidos] está preso”, disse o proprietário de uma joalheria arrombada recentemente em Mariana, que prefere o anonimato, e que ainda não recuperou os bens de valor. Ele atribui o prejuízo ao aumento generalizado da criminalidade. A afirmação condiz com os dados da Polícia Militar (PM) que mostram que, em 2011, Mariana teve um aumento de 65,7% dos índices de crimes violentos. Foram 63 ocorrências no ano passado e 38, em 2010. Em Ouro Preto, os crimes violentos cresceram 91,6%, passando de 36 registros, em 2010, para 69, em 2011. Se forem considerados os homicídios registrados no mesmo período, os números saltam de 49, em 2010, para 75, em 2011, registros de violência em Mariana; e de 40, em 2010, para 74, em 2011, em Ouro Preto. Contradição Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), censo 2010, Mariana tem 54.219 habitantes, e Ouro Preto apresenta uma população de 70.281 pessoas. Administrativamente, os dois municípios integram a mesorregião metropolitana de Belo Horizonte. A primaz de Minas teve cinco prefeitos desde 2008

e, atualmente, está sem delegado de Polícia Civil e juiz em sua comarca. No mesmo período citado, a taxa de crimes violentos (homicídios, estupros e roubos, tentados e consumados) cresceu 10,8%, no estado de Minas Gerais. O índice, que em 2010 era de 250,5 crimes por 100 mil habitantes, passou para 277,7 em 2011, segundo dados do Centro Integrado de Informações de Defesa Social (CINDS), da Secretaria de Estado de

A primaz de Minas, atualmente, está sem delegado de Polícia Civil e juiz em sua comarca. Defesa Social (Seds). Os números foram questionados em matéria publicada pelo jornal Hoje Em Dia, de Belo Horizonte, em 06 de fevereiro deste ano. A reportagem “PMs acusam comando de manipular dados de crimes” traz a denúncia de policiais militares (de determinado batalhão) forçados por seus superiores a registrarem as ocorrências como se fossem “menos agressivas”, para “melhorar” as taxas do Estado e ganharem bônus de produtividade. Sobre o crescimento do

índice de criminalidade na região de Mariana e Ouro Preto, o responsável pela comunicação do 52º Batalhão da PM-MG, em Ouro Preto, capitão Laércio Jorge Marques, disse que “o ano de 2010 foi atípico, devido aos baixos índices”. “Já os números de 2011 estão abaixo do que foi registrado em 2008, permanecendo em um nível aceitável”. Em relação às práticas de combate ao crime, o capitão informou que a PM realiza policiamento preventivo nos bairros e tem reforçado a apreensão de armas de fogo. Drogas Para o comandante da Polícia Militar de Mariana, 1º tenente Gláucio Caetano, o tráfico nessas cidades, o uso de drogas e, também, a maior circulação de veículos e dinheiro têm atraído quadrilhas especializadas para a Região dos Inconfidentes. Esse fato faz com que o número dos registros e a falta de segurança aumentem. Em novembro de 2011, o Anuário Brasileiro de Segurança Pública apontou Minas Gerais como o Estado que mais investe no setor, ao mesmo tempo que, contraditoriamente, o registro de crimes violentos voltou a crescer. Minas, ao lado do estado de Alagoas, destina 13,4% de seus recursos para a segurança pública.

Durma-se com um

Mariana

Ouro Preto

Fonte: 52º Batalhão da PMMG, de Ouro Preto

Além dos números Os moradores de Ouro Preto e Mariana, ouvidos nesta reportagem, preferiram não se identificar. O comerciante, citado no início desta matéria, está no ramo há oito anos, e, há menos de quatro, abriu uma loja em Mariana. Ele já havia sofrido um assalto em outro município do interior mineiro, onde também possuía um estabelecimento comercial. Isto foi há sete anos, quando ele e uma funcionária foram rendidos por bandidos armados, dentro da loja. Traumatizado, o comerciante disse não confiar no fato de que o poder público possa protegê-lo, por isso, está investindo em vigilância particular. Jovens Uma moradora do Bairro Taquaral, em Ouro Preto, onde vive há 18 anos, contou que, nos últimos anos, soube de quatro crimes violentos no local. Para ela, o Programa Educacional de Resistência às Drogas e à Violência (PROERD) é uma iniciativa que tem ajudado na redução a criminalidade.

Um morador criado no Bairro Caminho da Fábrica, em Ouro Preto, contou que o lugar sempre foi considerado violento. Na última década, segundo ele, a situação piorou devido aos casos de adolescentes que se envolveram com o tráfico, ou são usuários de drogas, e têm roubado e depredado casas no bairro. Ele afirma ainda que no local há menos patrulhamento do que deveria haver, e depois das 22 horas os moradores não se sentem seguros para circular pelas ruas do bairro. Reclamou que, devido a assaltos aos ônibus das linhas Bauxita-Santa Cruz e Cooperouro-Santa Cruz (da empresa Turin), os coletivos não sobem ao ponto da rua da Igreja de Santa Efigênia. A assessoria de comunicação da empresa Turin informou que não foi identificado em seus registros o referido ponto de parada e disse, ainda, que no período de chuvas alguns itinerários foram alterados por ordem da Prefeitura. Por isso, não poderia confirmar o que motivou tal mudança.

barulho desses

Sem aparelho medidor de decibéis, Fiscalização de Mariana não pode multar quem ultrapassa níveis permitidos de som

Fonte: http://www.mspc.eng.br/tecdiv/somdb130.shtml

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Alice Piermatei Em janeiro de 2012, os vizinhos do Sagarana Café Teatro, localizado no Bairro Chácara, em Mariana, entraram na Promotoria Municipal com uma ação contra o estabelecimento. Entre as reclamações estava a afirmação de que o som emitido pelas festas realizadas na casa ultrapassava os 70 decibéis, quando o máximo permitido por lei, no período noturno, é de 60 decibéis. O juiz da comarca de Mariana, Dr. Antônio Carlos Braga, não acatou a ação, pois julgou o texto do promotor impreciso. A ação afirmava que a casa noturna ocupava as calçadas da Rua Cônego Amado com mesas e cadeiras, além de emitir som acima dos decibéis permitidos. No entanto, o Sagarana não utiliza as calçadas e, segundo a proprietária Ana Gastelois, nunca houve medição do som na casa noturna. A informação foi confirmada pela fiscal de Posturas de Mariana, Lourdes Aparecida do Carmo. “Nenhum tipo de medição de decibéis foi feita no local,

desde setembro de 2011 até abril deste ano, porque o órgão não recebeu denúncia relativa ao Sagarana no período citado”, afirma. A Fiscalização de Mariana não possui o aparelho Medidor de Nível de Pressão Sonora (MNPS), também conhecido como decibelímetro, já que ele parou de funcionar. De acordo com a fiscal Valdirene Mendes, nenhum dos responsáveis se interessou pelo seu conserto. Ou seja, ao se dirigirem aos locais denunciados por cidadãos incomodados com o barulho alheio, os fiscais não têm como averiguar se o som excedeu o limite permitido. Solicitado outro aparelho junto à Prefeitura de Mariana, a Fiscalização de Posturas não teve retorno sobre a compra. Medição O decibelímetro mede o nível da pressão sonora emitida e o transforma em decibéis. O valor emitido por ele é que comprova se um estabelecimento está excedendo ou não o limite de emissão de som permitido por lei. A Fiscalização de Pos-

turas é o órgão que inspeciona bares, casas de show, obras e outros tipos de atividade dentro da cidade, que podem perturbar ou incomodar os vizinhos. Em Ouro Preto, atua com base na Lei Municipal 178/80, que é o Código de Posturas do município, bem como na Lei 16/2006, conhecida como Lei do Silêncio. Em Mariana, o LAMPIÃO não teve acesso às leis que regulamentam o trabalho da fiscalização, apesar de solicitar a informação aos responsáveis. Nas duas cidades, as fiscalizações funcionam diariamente. Como funciona Em Mariana, mesmo sem o decibelímetro, o setor atende, principalmente, denúncias sobre som alto em bares, repúblicas e, também, falta de alvará de funcionamento dos estabelecimentos. A maioria das denúncias diz respeito aos bares do Centro Histórico da cidade. Em Ouro Preto, além de atender as denúncias, o órgão também realiza vistorias regulares a lugares em que o sossego dos mo-

radores é constantemente perturbado. Na primeira vez que recebe a denúncia, o fiscal vai ao local com o decibelímetro e faz a medição. Se o som estiver acima do permitido, é feita a notificação preliminar. Se não ultrapassar o limite, é recomendada a redução do volume do som. Se o local denunciado for reincidente, aplica-se a multa. O valor mínimo em Ouro Preto é de 50 vezes a Unidade Padrão Municipal (UPM), sendo que cada uma equivale a R$ 60,75. Ou seja, a menor quantia a ser desembolsada por um infrator é de R$ 3.037,50. As multas são pagas ao Departamento de Receitas do município, que emite uma guia com o valor a ser pago. Em Mariana, a Procuradoria toma providências em relação aos reincidentes. A guia para o pagamento também é emitida pela Receita Municipal. Para mais informações, a Fiscalização de Posturas de Mariana atende pelo telefone 3557-9098; em Ouro Preto pelo 3559-3442 e 3559-3108.

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Edição: Renata Felício e Natália Ambrósio

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Expansão: as que a cidad

Lorena Silva Todo semestre, cerca de 350 alunos ingressam nos dois institutos da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), em Mariana. Esse processo acentua a expansão que a cidade vem passando nos últimos anos e faz com que sofra por não oferecer moradias suficientes. No fim da década de 70, foi implantado na cidade o Instituto de Ciências Humanas e Sociais (ICHS), com os cursos de Letras e História. Em 2008, cinco novos cursos foram abertos, resultados do Programa de Reestruturação e Expansão das Universidades

Federais (Reuni). Quatro deles (Administração, Ciências Econômicas, Jornalismo e Serviço Social) estão no prédio do antigo colégio Padre Avelar, hoje Instituto de Ciências Sociais Aplicadas (ICSA), enquanto o quinto (Pedagogia) está abrigado no ICHS. Nesse cenário, a ausência de moradia é o principal problema que afeta os universitários, e gera outro ainda mais grave: a especulação imobiliária. “O aluno tem que morar em lugares cada vez mais longes e pagar aluguéis altos. O mesmo acontece com professores, que vêm de outras cidades e muitas ve-

zes não se adequam da melhor maneira. Na primeira oportunidade que têm, retornam às suas cidades natais”, explica o diretor do ICHS, professor William Menezes. Segundo o reitor da UFOP, João Luiz Martins, “a universidade tem duas frentes que costuma utilizar para tentar amenizar esses efeitos: a bolsa permanência e de alimentação, para fixação do estudante e ajuda dos custeios; e a moradia estudantil. Em Mariana já estão sendo construídas moradias atrás do Posto Sorriso, na Rua do Catete, em que 120 vagas serão entregues”. Benefícios Por outro lado, a inserção da UFOP em Mariana tem apectos positivos. Para a contadora Maria de

Lourdes Pereira, moradora da cidade há 40 anos, “a presença da universidade trouxe muitos benefícios na questão do desenvolvimento econômico e na educação. Incentivou a população a estudar e melhorar a situação da cidade.”. A universidade mantém, ainda, um constante contato com a comunidade. O projeto “UFOP com a Escola”, criado em 2006, conta com a participação de professores das áreas da Educação e das Ciências Humanas. Seu objetivo é melhorar a formação dos professores que atuam em escolas de ensino fundamental e médio da cidade. Além disso, cresceu o número de alunos que ingressam na UFOP e são moradores de Mariana e região. Em 2005, esse número era de 8%, agora já está em torno de 30%.

Mickael Barbieri Mais gente nas calçadas, mais dinheiro circulando. Por outro lado, menos espaço. Essa é a atual situação de Mariana devido aos reflexos da expansão das mineradoras e da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). Se alguns setores da sociedade são beneficiados por esse processo, outros continuam com problemas frente a falta de investimentos e de infraestrutura. Os exemplos estão nas áreas de saúde, meio ambiente, lazer, moradia e comércio, que lidam com a presença da população flutuante. As melhorias na cidade são lembradas pelo advogado marianense Frederico Ozanan. “Antes, as pessoas tinham de sair da cidade para fazer a vida e estudar. A coleta de lixo era feita com carroças e era difícil ir até Ouro Preto porque a estrada era ruim”, conta. Crescimento chinês Durante a exploração do ouro, nos séculos XVIII e XIX, os recursos beneficiaram principalmente a Inglaterra, no período chamado de Revolução Industrial. Por volta de 30 anos atrás, outra demanda internacional voltou a atenção das mineradoras Vale e Samarco para o minério de ferro encontrado na cidade: o crescimento econômico da China. Mais de 50% do aço no mundo vão para esse país. O Brasil e a Austrália são grandes produtores mundiais de minério de ferro e formam o chamado Mercado Transoceânico. Mariana despreparada Para a vereadora Aída Anacleto (PT), as mineradoras não prepararam a cidade para receber as expansões. “A Vale já chegou a propor melhorias, mas com recursos públicos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o que não é justo, porque o faturamento da empresa é muito grande e a dívida dela com a cidade é de quase R$ 230 milhões em royalties”. Conforme a Gerência de Comunica-

Thalita Neves “-Tem picolé de creme? -Não, porque é o que mais vende. -Uai, se é o que mais vende, é o que mais deveria ter!” Com esse exemplo, em tom “mineirês”, o gestor administrativo da Associação Comercial de Mariana, Heliélcio Vieira, define a economia local. Para ele, o empresariado evolui junto à expansão populacional da cidade, mas ainda deixa a desejar no quesito planejamento. “Hoje temos mais a oferecer que há 20 anos. Mariana está de cara nova e a facilidade de compra é muito maior. O empresariado tem feito sua parte, mas não pode esquecer que, com a expansão, o consumidor se torna mais exigente, e o que é bom hoje, pode não ser amanhã, por isso temos que nos planejar”, afirma. Mariana tem, atualmente, cerca de 1,5 mil estabelecimentos comerciais e, segundo Heliélcio, há

empreendedores com investimentos “em ponto de bala” para aplicar na cidade, principalmente nos ramos alimentício e de entretenimento. Para o gerente da padaria Vitória, Allan Dilly, não houve tempo de planejar a expansão do negócio. “A expansão veio rápida demais, comprometendo o que podíamos suportar. Só este ano contratamos sete funcionários e aumentamos o espaço de lanchonete, que suportava dez pessoas sentadas e hoje suporta 23”. Segundo a proprietária da farmácia Dom Bosco, Regina Ferreira, a expansão trouxe benefícios ao comércio, mas prejudicou o tráfego. “Hoje todo mundo tem carro e, por isso, o trânsito aqui é caótico, além de faltar estacionamento”, afirma. Mariana vive uma evolução. Quem chega à cidade para estudar ou trabalhar geralmente não identifica as mudanças mas, para

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os habitantes de longa data, a cidade está melhor hoje. Quanto aos entraves à melhoria da qualidade de vida, o fato é atribuído à instabilidade política. “As falhas que temos são fruto das inconstantes administrações do município. Para que economia e qualidade de vida caminhem juntas é necessário regularidade na Prefeitura”, avalia Heliélcio. Emprego Há oferta em todos os setores, sobretudo na mineração, onde as áreas de Elétrica e Mecânica são as que têm mais vagas. Os dados são do Sistema Nacional de Empregos (SINE-Mariana) que, recentemente, fechou sua primeira parceria com a Samarco Mineração, para valorizar a mão-de-obra local. Os empregados e empregadores concordam que a oferta é grande, porém, para os últimos, faltam

profissionais qualificados no comércio. “A mão-de-obra existe, mas é difícil encontrar gente capacitada. Temos que treinar os funcionários e faltam cursos de capacitação em Mariana”, afirma a proprietária do restaurante Gaveteiros, Valéria Araújo. Segundo o coordenador do SINE-Mariana, Gustavo Ribeiro, as pessoas estão entendendo que as vagas exigem cada vez mais qualificação dos profissionais. “Eles estão buscando se qualificar, principalmente nas áreas técnicas. Vejo isso porque as vagas que requerem menos qualificação, como pedreiro e carpinteiro, estão ociosas aqui no SINE”, afirma. Para quem procura por um emprego, o SINE-Mariana oferece vagas de trabalho na cidade. Para mais informações o endereço é Rua Wenceslau Braz, 88, no Centro. Telefone: (31)3558-2001

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Edição: Renata Felício e Natália Ambrósio

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as mudanças ade enfrenta ção da Vale, a empresa investiu recursos próprios em projetos de engenharia compatíveis com as exigências de órgãos federais, e tem trabalhado em parceria com o poder público para solucionar problemas dos municípios em que está presente. Sobre a dívida, a Vale disse que mantém em dia o pagamento dos tributos devidos e que a discussão sobre os royalties do minério corre em âmbito judicial. Em 1979, a Casa de Cultura local promoveu o I Encontro para o Desenvolvimento de Mariana (EDEM I). Uma das reivindicações atendidas, a partir dessa mobilização, foi a construção da Rodovia do Contorno, para que o fluxo de veículos pesados fosse desviado do centro histórico de Mariana. Segundo a vereadora, as empresas prometem gerar vagas para trabalhadores do município, mas o que acontece é a importação de mão-de-obra de outras regiões para trabalhar em serviços terceirizados, enquanto a qualificação local é deixada de lado. A Vale argumenta que faz investimentos em Programas de Formação Profissional, em parceria com o Senai, e que capacita jovens da região em áreas relacionadas à mineração. Aluguéis altos Com efeito, a já alta especulação imobiliária cresceu exponencialmente nos últimos dois anos por conta da expansão de mineradoras e da Universidade. Boa parte dos imóveis que os estudantes ocupam do não condiz com o valor cobrado pelos altos aluguéis, sendo o preço muitas vezes superfaturado. Quem nasceu na região também enfrenta dificuldades para conseguir moradia. Mas, o reitor da Universidade, professor João Luiz Martins, acredita que a UFOP vai trazer mudanças para a cidade no futuro. “A educação é central para o desenvolvimento de qualquer cidade ligada à mineração, porque o minério é finito”, explica.

Ana Luísa Ruggieri Muitas filas e poucos médicos nos dois únicos centros de saúde pública de Mariana. O problema é o número elevado de pacientes em comparação ao número de médicos. Estima-se que, somente na Policlínica, 600 pessoas são atendidas por dia, enquanto a cidade conta com apenas 21 clínicos gerais e dez pediatras no atendimento público. Para o secretário municipal da saúde, Altacir Barros, o momento é de quase calamidade pública. O município conta com uma policlínica, gerida pela prefeitura, e um hospital privado, o Monsenhor Horta, que, em parceria com a administração pública, atende pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS). Os dois centros sofrem com a alta demanda de pacientes. Altacir Barros afirma que as filas são explicadas pelo momento de expansão vivenciado pelo município, pois a verba que a cidade recebe para a saúde não acompanha o crescimento. “O Governo trabalha com dados do último Censo, que es-

tima que Mariana tenha 54 mil habitantes, porém, trabalhamos com uma projeção da população que chega a 70 mil”, explica. As mineradoras contratam empreiteiras para a mineração. Seus funcionários se tornam moradores flutuantes da cidade. De acordo com o diretor do Sindicato Metabase Inconfidentes, Valério dos Santos, a Vale passou a exigir das empresas contratadas um plano de saúde há três anos, mas são planos precários, “e os trabalhadores acabam obrigados a irem para as filas do SUS de Mariana”. Os pacientes da rede privada também sofrem as consequências da expansão. Para marcar consultas leva-se meses. A qualidade do atendimento, para os que têm convênio médico, também deixa a desejar. É o que diz o comerciante Claudson Monteiro, “É a mesma coisa que ser atendido pelo SUS. Você chega lá, tem 50 pessoas na sua frente, e você tem que esperar”. “O atendimento é o mesmo”, critica. O secretário municipal da Saúde afirma que será construída uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA), em Mariana, para tentar sanar os efeitos do crescimento populacional.

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Ana Luísa Ruggieri Saúde, educação e segurança não são as únicas necessidades básicas para o ser humano. Entretenimento e cultura também são itens fundamentais para uma boa formação e bem estar. Com a nova demanda de moradores, o município de Mariana tem dificuldade em atender a população quando o assunto é lazer e diversão. A cidade possui poucas áreas de convivência e descontração. “Eu não vejo lazer em Mariana. Onde tem pra gente ir com o filho além do Jardim? A gente vai lá, tá lotado de gente e não tem como brincar com o filho”, afirma a caixa de comércio Eliana Viçoso Ramos, moradora do município. Eliana diz que o mesmo acontece com a Estação do Trem da Vale.

Ana Luísa Ruggieri Com a expansão das mineradoras e a instalação do novo campus da UFOP, em Mariana, em 2008, a pressão populacional foi inevitável. Porém, a área urbana do município não suporta a nova demanda de moradores. O secretário municipal do Meio Ambiente, Marcelo Albano, diz que a prefeitura “está tomando cuidado para que as áreas de preservação ambiental não sejam afetadas”, contudo, o meio ambiente sofre outras consequências.

Outros afirmam que não passeiam aos finais de semana, pois não têm dinheiro para frequentar lugares privados da cidade, que são as únicas opções na falta de espaços públicos.

Quase não saio em Mariana porque aqui não tem lugar para sair. Elana Fernandes

A situação não é diferente para os estudantes da UFOP. A estudante de Serviço Social Rafaela Barros,

Alguns bairros que crescem ao redor de áreas de preservação ambiental, por exemplo, acabam interferindo nessas localidades. É o caso do Santa Rita, no entorno do Parque do Itacolomy. Os moradores provocam queimadas que afetam o parque. Outro exemplo é o Bairro São Cristóvão, com casas às margens do Córrego do Canela. Com o assoreamento da margem do córrego e o excesso de chuvas, a água transbordou colocando em risco os mo-

26 anos, diz que prefere ficar em casa ao invés de sair na cidade. “Quase não saio em Mariana porque aqui não tem lugar para sair. Quando tem, são algumas festas universitárias”, diz a estudante. Já a estudante de Economia Elana Fernandes, 20 anos, concorda. “O que acontece em Mariana, quando não é feito pelos próprios alunos, é de custo um pouco inacessível para a nossa realidade ou então não possui divulgação suficiente”. Devido à falta de opções, muitos moradores procuram meios alternativos de diversão. O que mais pode ser observado é o ponto de ônibus para Ouro Preto lotado de pessoas nos finais de semana, que vão passear na ci-

dade vizinha. Festas em residências, principalmente nas repúblicas estudantis, também são comuns, gerando conflitos devido à potência do som em horários impróprios. A cidade de Mariana não tem mais para onde crescer, o que dificulta a construção de um novo ambiente de lazer que comporte grandes públicos e diferentes tipos de interesses culturais na cidade. Resta à prefeitura propor parcerias com espaços privados para suprir a necessidade de diversão e lazer da população. O LAMPIÃO contactou a prefeitura para conhecer propostas da administração municipal para solucionar o problema, mas ela preferiu não se pronunciar.

radores locais. O problema expõe a falta de fiscalização dos órgãos públicos diante da ocupação irregular de áreas próximas ao leito de rios e córregos. Quanto maior o número de moradores, maior a produção de lixo. Marcelo Albano diz que “o aterro sanitário deveria suportar 30 anos de carga, agora o tempo de vida dele diminui”. Além disso, o aumento dos carros na cidade prejudica a qualidade do ar com a maior emissão de monóxido de carbono.

A mineração traz consequências irreparáveis ao meio ambiente. Para o diretor do Sindicato Metabase Inconfidentes, Valério dos Santos, “as mineradoras não têm preocupação sócio-ambiental”. A crítica é rebatida pela Vale. “Somos uma empresa que preza o desenvolvimento de suas atividades de forma sustentável”. Valério revela também que a Vale tem um projeto para explorar o minério itabirito, com início em 2013. “A mineração vai custar um investimento de R$ 8,5 bilhões e a área a ser explorada abriga vestígios de Mata Atlântica e serras”, diz. A Vale nega a afirmação e explica que o projeto apresentado é o Mariana Itabiritos, que se trata basicamente da construção de uma usina e deestruturas com o intuito de aproveitar os minérios de baixo teor.

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Edição: Cacau Dias e Thalita Neves

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Chuvas

Impactos das águas de janeiro

Famílias ouro-pretanas ainda sofrem as consequências das chuvas do início deste ano Marcelo Quintino

Greiza Tavares A dona-de-casa Sueli Gomes Dias, 61 anos, chora ao se lembrar do desespero que passou em janeiro deste ano com o marido, o aposentado José das Neves Dias, 64. Deslocamentos de terra causados pelas chuvas obrigaram o casal a deixar a casa de quatro cômodos, onde moraram por 24 anos, na Rua Águas Férreas, Bairro Taquaral, um dos mais atingidos em Ouro Preto. Eles ainda enfrentam situação de risco porque estão em outra moradia, na mesma rua, também sujeita a novos deslizamentos. “Antes de chover, apareceram trincas pequenas (na residência). Quando começou a chuva, as trincas aumentaram e saímos correndo; tivemos medo. Dormimos duas noites fora. Depois disso, fizemos a mudança e viemos dormir nesta outra moradia”, contou Sueli, que teve seu imóvel condenado pela Defesa Civil de Ouro Preto. No quintal da casa onde o casal morava ainda resiste a farta horta que plantaram. Sueli con-

sidera uma tragédia o que aconteceu e diz que não pode seguir a recomendação da Defesa Civil de sair do local. “A Defesa veio aqui. Muita gente falou que isso tudo pode descer (a encosta). Nossos parentes estão na mesma situação. A gente nunca na vida precisou pedir nada a ninguém; a gente não ia sair, deixar a criação, deixar para trás tudo que conquistamos com muito sacrifício”, lamentou. Desabrigados Segundo a Defesa Civil de Ouro Preto, assim como Sueli e seu marido, cerca de 200 pessoas sofreram danos causados pelas chuvas do início de 2012. Desse total, 31 famílias foram abrigadas na Escola Monsenhor João Castilho Barbosa, na Barra, e o restante foi para casas de parentes. Com o fim das chuvas e com a retomada das aulas na escola, em fevereiro, apenas uma família solicitou permanência no abrigo e foi conduzida ao Morro Santana. A maioria das pessoas voltou

para suas casas, se sujeitando ao risco. Aquelas que se encaixaram nos critérios socioeconômicos do programa social Bolsa Moradia, recebem R$ 250,00 para alugar um imóvel. A família do aposentado Vicente dos Santos, 65 anos, não conseguiu esse benefício e paga, com dificuldade, R$ 500,00 de aluguel. Ele, a esposa, as duas filhas, o genro e o neto tiveram que deixar a casa onde viviam no Taquaral porque, segundo laudo da Prefeitura de Ouro Preto, o imóvel, que é geminado a outro, causa risco às residências vizinhas, e, assim como outros dois imóveis no bairro, deve ser demolido. A auxiliar de cozinha, Joana Ferreira, 25 anos, filha de Vicente, conta que a família não autorizou a Procuradoria Jurídica da Prefeitura de Ouro Preto a realizar a demolição. “A gente não autorizou demolir. Aí a Prefeitura entrou na Justiça. A gente quer uma indenização. Preferimos receber pouco do que não receber nada”, disse.

O casal Sueli e José Dias, em seu imóvel condenado pelos deslizamentos

Áreas de risco em Ouro Preto

Fonte: Núcleo de Geotecnia da Escola de Minas – NUGEO

Demolição Segundo a Secretaria de Obras de Ouro Preto, as demolições de quatro casas, dentre elas a de Vicente Ferreira, em áreas de risco no Bairro Taquaral começaram em 18 de abril. As famílias tiveram até 30 de março para retirar seus pertences. De acordo com a procuradora do município, Juliana Pires de Souza, a prefeitura abriu processo para demolir as casas a partir do laudo do engenheiro civil Ney Nolasco. Ela disse que as famílias envolvidas foram infor-

Alto risco madas da situação de risco e da necessidade de apresentarem documentação dos imóveis. “Esclarecemos que não tinha indenização prévia. Mesmo assim, colocaram em risco a comunidade e não aceitaram a demolição. Como o indicativo de demolição era urgente, ajuizamos uma ação para realizá-la”, informou. Sobre a indenização, a procuradora esclareceu que houve decisão judicial para que, por precaução, cada imóvel fosse avaliado levando em conta a possibi-

lidade de ganho de causa ao fim do processo. A procuradora geral do município, Juliana Pires de Souza, complementa que existe uma ação civil pública, em andamento desde 2004, aguardando perícia para limitar onde se pode morar no Bairro Taquaral. Sobre intervenções no bairro, existe um projeto para as ruas: Cruzeiro, 15 de agosto, Tomé de Vasconcelos, Francisco Isaac, 13 de maio, Tomé Afonso e Avenida Renée Gianetti.

A situação das vítimas das chuvas de janeiro expõe um problema maior: a ocupação irregular do solo, recorrente em muitas cidades brasileiras. Em Ouro Preto, onde o espaço urbano é compactado, grande parte da população mora nas encostas. Os dados indicam que 60% da área urbana apresenta risco alto e muito alto de deslizamentos e acidentes. Esse número está presente na carta geotécnica de Ouro Preto, desenvolvida pelo professor Romero

César Gomes, do Departamento de Engenharia Civil da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). O mapeamento divide a zona urbana da cidade em quatro áreas de risco: baixo, médio, alto e muito alto. “Não existe nenhuma cidade que tenha risco nulo. Como Ouro Preto é encaixotada entre duas serras, a população ocupa as encostas. Por isso, os escorregamentos que ocorreram na área de maior risco, onde estão os bairros Taquaral, Piedade e São Francis-

Quanto se paga pelo sossego ?

Pablo Gomes Q u e m precisa alugar um imóvel, em Mariana, sabe que os preços estão, desde sempre, pela hora da morte. Mil, mil e duzentos reais em uma casa com três quartos, no Bairro Colina, não é para qualquer um. E ainda tem o trânsito, um inferno! Sair de casa de carro é um exercício de paciência. As ruas de pedra até que dá para relevar, já os buracos... Saúde, então, nem pagando! E você acha que mudando para um distrito, um aqui pertinho mesmo, só para fugir dessa confusão do trânsito, barulho e principalmente do assalto no aluguel,

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resolve o seu problema? Bom, pense duas vezes, pois essa ideia já está velha. Os distritos estão lotados e achar casa por lá, é tão difícil e caro quanto em Mariana. Sorte teve Ana Maria Aparecida dos Santos, a dona Ana, como é chamada essa aposentada de 75 anos, que se mudou de Ouro Preto depois de sofrer um infarto, e hoje mora no distrito marianense de Padre Viegas. A intenção de dona Ana, ao se mudar para o lugarejo (a nove quilômetros de Mariana), era simples. “Fugir da agitação, né. Chega uma idade que o que a gente quer mesmo é sossego. E o preço do aluguel, naquela época, compensava” - menos

da metade do valor cobrado se o imóvel fosse em Ouro Preto mas isso foi há quatro anos. Segundo Juçara Santana, 21 anos, que trabalha na Imobiliária Mariana, hoje só compensaria investir em um imóvel nos distritos se fosse para comprar lote, uma vez que um terreno, em Passagem de Mariana chega a ser, em média, 100 mil reais mais barato que em Mariana. Já aluguel e compra de imóveis têm valores muito próximos nos dois lugares. A faxineira Valéria Patricia dos Santos, 36 anos, não teve escolha. Foi morar no distrito de Passagem de Mariana porque, há cinco anos, quando chegou ao local, os preços de aluguéis em Mariana já não cabiam no seu orçamento. “Não fi-

quei em Mariana porque era caro demais”, afirma. E está ainda mais caro. A locação de uma casa de dois ou três quartos custa em torno de mil a mil e duzentos reais. O que explica esses valores são as últimas expansões da UFOP, que trouxeram centenas de alunos, professores e funcionários para os novos cursos criados na universidade, além da Vale e Samarco, que atraíram milhares de trabalhadores para a mineração.

Distritos transbordando Fez as contas? O resultado é simples: não cabe todo mundo na cidade. E, ainda, é preciso lembrar que nos dois distritos citados não há bancos ou casas lotéricas. Médicos? Só os alunos da UFOP, em

co, tiveram consequências muito graves”, explicou o professor. Para Romero César Gomes, é preciso a elaboração de uma política pública com ação mais eficaz que combata esse tipo de ocupação. “O que temos hoje é uma situação que passou dos limites. Deve ser criada uma zona de expansão em Ouro Preto, para onde as famílias das áreas de risco devem ser levadas, e impedir de forma enérgica novas construções nessas áreas para não agravar o problema”, alertou.

um único posto de saúde que funciona de segunda a sexta-feira, tanto em Padre Viegas quanto em Passagem de Mariana. A principal diferença entre Passagem e Padre Viegas são os ônibus, que para o primeiro saem a cada 30 minutos, durante a semana, e a cada hora, nos finais de semana. Já em Padre Viegas os ônibus são escassos e com grandes intervalos de tempo. Pois é, tudo isso significa que quem tem dinheiro e carro está, cada vez mais, saindo do Centro da cidade em busca de um conforto que custa, para a maioria, horas de espera por um coletivo, falta de comércios e de serviços básicos, como agências bancárias e postos de saúde.

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Edição: Gersica Moraes e Greiza Tavares

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Patrimônio

Descaso com imóveis privados

A preservação dos imóveis particulares de Ouro Preto e Mariana é importante para manutenção do conjunto arquitetônico Gabriel Sales

Maressa Nunes Viver em um casarão que possui centenas de anos tem seus prós e contras. Muitas famílias estão nestas casas por gerações e têm muita história para contar. Por outro lado, a ação do tempo e a modernização fazem com que os imóveis precisem de adaptações para novos usos e, ainda assim, mantenham o caráter colonial. Ao andar por Mariana, é possível perceber que algumas casas estão em situação crítica ou abandonadas. Este é o caso de uma residência na Rua Alphonsus de Guimarães, que incomoda os moradores próximos ao imóvel por atrair animais e correr risco de cair. Um dos vizinhos já reclamou da situação ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), à Prefeitura e à Vigilância Sanitária, e nada foi feito. “Já falei com o dono da casa várias vezes e ele diz que prefere deixar [a casa] cair a mexer nela”, diz o vizinho, que não quis se identificar. Custos Proprietário de um casarão na Rua Monsenhor Horta, no Bairro Rosário, o aposentado José Lima, 83 anos, já recebeu notificações do IPHAN. Segundo ele, o órgão já averiguou a situação do imóvel, que é um dos poucos da rua que preservam a arquitetura colonial. José Lima não tem condições de arcar com os custos da obra de revitalização, nem pedir outro empréstimo. “Se eu tivesse recursos, faria a casa do jeito que era antigamente, mas como não tenho, vou aplicando do jeito que dá”, diz. Ele reclama, ainda, da atuação do IPHAN na cidade. Conta que, no passado, a preocupação com a restauração se restringia ao Centro da cidade e que os órgãos de fiscalização negligenciaram essas áreas. Um exemplo é o que aconteceu com o Bairro São

Gonçalo, onde muitas casas foram desacaracterizadas. A arquiteta Luciana Vilas-Boas não vê o trabalho do IPHAN de forma negativa. Ela diz que não concorda “com algumas coisas”, mas que o órgão é importante para a preservação do patrimônio histórico. “Se as pessoas fizessem o que tem que ser feito, do jeito certo, seria muito mais fácil de resolver os problemas. O que falta é fiscalização.” Fiscalização O casario colonial de Mariana e Ouro Preto é tão relevante para o patrimônio histórico quanto as igrejas e monumentos públicos. São cerca de 500 casas, em Mariana, segundo o Inventário Nacional de Bens Imóveis (INBI). Com o passar dos anos, muitos imóveis sofreram descaracApesar de receberem as notificações do IPHAN, alguns proprietários ainda não restauraram seus imóveis terização. Para garantir que sejam preservados, é necessária para verificar a situação das cacomparecer no prazo de 15 dias, uma fiscalização destes monuteração de fachada, como retisas. Quando uma irregularidade receberá uma notificação extrajumentos, realizada pelas prefeiturada de portas e janelas e da é identificada, o proprietário redicial. Se, ainda assim, não houras e pelo IPHAN, por meio pintura, causam a maioria das cebe uma primeira notificação ver resposta em um período de de notificações aos proprietários notificações. Outros motivos são para prestar esclarecimentos so15 a 30 dias, é instaurada uma que promovem reformas ou mua má conservação, reforma interbre o problema. ação judicial. As punições podanças no patrimônio sem aprona e desacordo com o projeto. Se a situação não for reguladem ser desde multas até desavação prévia do A fiscalizarizada, ou o dono do imóvel não propriação do imóvel. órgão. ção do patriAté o mês de Se eu tivesse mônio privado abril deste ano, em forrecursos, faria a émafeita O Monumenta foi um programa do IPHAN com o Ministério da Cultuo IPHAN notifide notificara que realizou revitalização em monumentos de 26 cidades históricas do cou 23 proprie- casa do jeito que ção ou denúnera antigamente. cia. Proprietários Brasil, entre elas, Mariana e Ouro Preto. Foi financiado pelo Banco Intetários de imóveis localizados no Mas como não de imóveis que ramericano de Desenvolvimento (BID), e apoiado pela Unesco. Atuou em Mariana de 2004 a 2011, executou cinco obras públicas e financiou reforCentro Histórico alguma tenho, vou me possuam mas em 13 imóveis particulares. tombado de Mairregularidade virando como dá. As obras de recuperação do patrimônio público foram realizadas nas riana. Deste tosão notificados, José Lima praças São Pedro dos Clérigos, Minas Gerais, Tancredo Neves e Cláudio tal, 43% foram seja por falta de Manoel (Sé), e na Casa da Rua Direita, atual Centro de Atendimento ao regularizados e manutenção ou Turista e Secretaria de Cultura, em Mariana. 29% estão em construções que Para os imóveis particulares, o programa ofereceu um financiamento processo de regularização. Os comprometam a arquitetura colopara a reforma com condições especiais, juros zero e até 20 anos para parestantes ainda não regularizaram nial. Já a denúncia pode ser feigar. Das 13 obras realizadas, nove foram concluídas e quatro ainda estão a situação, o que pode levar à ta no IPHAN por qualquer pesem andamento. Se inscreveram para receber o recurso proprietários de 41 notificação extrajudicial e, postesoa que se sinta prejudicada com imóveis, mas 28 desistiram. Um dos motivos foi a dificuldade para conriormente, à ação judicial. a situação do imóvel. seguir os papéis para dar entrada ao processo. Segundo o IPHAN, existe a Situações como construção de Em Mariana, o órgão realipossibilidade de o programa retornar para a cidade em dois anos. anexos, segundo pavimento, e alza, semanalmente, uma vistoria

Monumenta em Mariana

Patrimônio local ameaçado Kamilla Abreu Fachadas sujas e mofadas. Muros caídos ou com rachaduras na parede. Esta é a situação em que se encontram importantes bens históricos de Mariana, entre eles, as igrejas do Rosário e de São Francisco de Assis. E, mesmo com a

situação crítica desses imóveis, a chefe do escritório técnico do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) de Mariana, Maria Raquel Ferreira, informou que “no momento, não estão sendo realizadas obras em nenhum bem cultural tombado pelo órgão”. Gabriel Sales Recentemente, foram realizadas somente obras emergen­ ci­ai­s pa­­­ra a ma­ nutenção da torre da Igreja do Rosário. Porém, os muros desta e da São Francisco de Assis desmoronaram em dezembro do ano passado e permanecem do mesmo jeito. De acordo com Maria Raquel, as obras para restauração da Igreja do Rosário estão em fase de captação de recursos pelo Programa Nacional de Apoio à Cultura (PRONAC) Igreja de São Francisco de Assis precisa ser restaurada e não tem prazo

Edição 7_Pagina9_JaniniSanches_Laio.indd revisao JF Lolli 3

para serem realizadas. A chefe do Departamento de Patrimônio Cultural do município, Erika Meyer, disse ao LAMPIÃO, em um primeiro momento, que não poderia falar com precisão sobre nenhum investimento na restauração do patrimônio. Sobre a restauração da Igreja de São Francisco, disse que não tinha previsão. Em outro momento informou que a previsão desse restauro seria em maio deste ano, pois depende de um projeto que está em andamento. Para o casal de turistas aposentados de Petrópolis (RJ), Regina, 72 anos, e Job Duarte, 78, o patrimônio histórico de Mariana está abandonado, o que representa uma falta de interesse das autoridades. Já o guia turístico da cidade, Daniel Marcos, acredita que o conjunto histórico precisa urgentemente de restauração, pois a cidade só tem a ganhar com a revitalização dos bens públicos. Segundo o IPHAN, a verba para a revitalização dos monumentos públicos vem do Ministério da Cultura, através do PRONAC, dos Planos de Ação do IPHAN, do Fundo Municipal de Cultura e da Arquidiocese de Mariana, proprietária das Igrejas, que são bens particulares de uso público.

Gabriel Sales

Maressa Nunes O IPHAN determinou que os estabelecimentos comerciais do Centro Histórico de Mariana retirassem as vitrines fixas ou portas de vidro. A justificativa é que essas modificações descaracterizam o patrimônio histórico da cidade. Foram identificadas vitrines fixas em mais de 20 estabelecimentos e, até o mês de abril, a maioria acatou a ordem. Muitos comerciantes não gostaram da decisão, afirmando que sem a vitrine sua mercadoria não fica exposta, além de acumular poeira. Já a comerciante Elaine Chaves concordou com a decisão desde que todos façam as modificações.

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Edição: Pablo Gomes e Rafael Câmara

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esporte

Pé no chão, na bola e no futuro

Entre sonho e realidade, jovens talentos disputam a Copa Estrada Real mesmo com a falta de estrutura Joenalva Porto É dia de jogo na Europa. Barcelona e Milan se enfrentam pelas quartas de finais da Liga dos Campeões. Aqui, é dia de treino da Seleção de Mariana. O meia-esquerda Raul Patrik Pinto se divide entre assistir à TV e calçar as chuteiras que tanto lhe trazem sorte. Ele tem 16 anos e é apaixonado por futebol. Admira o jo-

gador do Barcelona, Messi, mas confessa que sua maior inspiração é o pai, Geraldo Tomaz, dono dos troféus que enfeitam seu quarto. Ganhou seu primeiro par de chuteiras com apenas seis meses de idade e cresceu jogando bola pelas ruas do Bairro Cabanas. Atualmente, a quadra, os treinos e os pequenos campeonatos fazem parte da sua rotina. Pedro Fernandes

Raul Patrik, jogador da seleção de Mariana, treina no campo do Guarany

Mas, esse ano, Raul é um dos 30 meninos que irão representar Mariana na Copa Estrada Real, que reúne 25 cidades de Minas Gerais. Mesmo com paixão e talento, Raul mantém os pés no chão. Ele conta que os estudos são prioridade em sua vida, como orientam seus pais, e reconhece as dificuldades encontradas por jogadores no interior. Ronaldo Celestino e Werley Calazans são amigos de Raul e também vão disputar a Copa. Os três afirmam que preferem os gramados, mas no dia-a-dia precisam jogar na quadra por falta de disponibilidade dos campos. Eles apontam que o medo de falsos empresários e a falta de uma estrutura melhor para os jogadores diminuem a esperança em uma profissionalização. Quando o assunto é olheiros nos jogos e a possibilidade dos jogadores serem escolhidos para testes, Ronaldo explica. “A gente pensa nisso, mas espera acontecer. A gente está ali e não olha quem está do lado de fora. Isso tem que ser consequência”. À frente do time está o técnico Sandro Arcanjo, também apaixonado pelo futebol desde pequeno. Deixou um pouco o sonho de lado, e, com o curso de Educação Física, se tornou professor. Sandro batalha dia-a-dia para que recursos básicos como transporte e mais profissionais na preparação do time cheguem até os jogadores e para que o esporte faça a diferença na vida desses meninos. Ele afirma que a instabilidade política local é

Pedro Fernandes

Jogadores da Seleção de Mariana na partida de estreia do campeonato

uma das maiores responsáveis pelas dificuldades que a seleção enfrenta. Para ele, o sucesso do time vem de sua aposta na proximidade com os adolescentes. “A maioria dos jogadores eu já conheço há bastante tempo e também tenho um bom convívio com eles. Acho que isso ajuda bastante, porque a gente não tem muito condição de treino, então,

tem que ser na união”. Mesmo com os desafios, as expectativas do time são grandes. Para o treinador Sandro, o plano agora é pensar etapa por etapa e tentar chegar até a final, que será disputada em junho. Já o meia-esquerda Raul, exibe medalhas de vários campeonatos que disputou, sabe da responsabilidade que tem, mas espera, com ansiedade, o troféu

Copa Estrada Real Criado em 2006, o campeonato tem o propósito de alcançar jovens e adolescentes de áreas consideradas de risco social. A competição de futebol amador teve início em março e privilegia garotos de 16 a 20 anos. Na primeira fase, as 25 seleções estão divididas em dois circuitos. O Inconfidentes ou Ouro, que reúne equipes das cidades da região de Mariana e Ouro Preto, e Diamante, relativo a Diamantina e cidades próximas. Em junho, os vencedores dos dois cir-

cuitos se enfrentarão pelo título de campeão, e até lá serão disputados 60 jogos. Um dos objetivos dos organizadores é que, no futuro, o estado do Rio de Janeiro faça parte da competição, tornandoa nacional. Para o idealizador e presidente do comitê central da Copa, Jaime Fortes, isso irá aumentar a visibilidade do campeonato e criará oportunidades para que uma maior quantidade de jovens jogadores cheguem aos times profissionais.

cultura

O renascer de notas musicais

Edmar Borges

Pedro Fernandes

O professor da Escola de Musica Lucas Duarte ensina a aluna Gabriela Luiza

Uma menina entra na sala. Sentada numa cadeira de madeira, ela observa, como eu. A blusa marrom, de mangas compridas, combina com a sala. As notas continuam a saltar. O ritmo é acelerado. 19h07. Para a música. E Tereza cobra: “articula melhor”. Meus pés acompanham o compasso, tento entrar na dança. A música Passaredo”, de Chico Buarque, cai bem aos ouvidos. Quando algo está errado, a professora logo percebe. 19h20. A menina de marrom continua no mesmo lugar. Concentrada. Sons agudos e graves me invadem. Acabou o ensaio. Chamo Tereza para uma entre-

ediçao6_pagina10_revisão grafica__Eduardo.inddFECHADA BRUNA 2

vista breve. Bacharel em violão clássico, ela toca desde os sete anos de idade. Em 2003, participou como professora da oficina de musicalização infantil, em Mariana e Ouro Preto, com o apoio da Paróquia do Pilar e da Fundação Cultural de Minas Gerais (FUNDAC). Os olhos de Tereza demonstram a paixão pela música. A sutileza nas palavras. A paciência para ensinar. 19h38. Entra o maestro. Voz grossa, camisa azul, cinto preto. Concentrado, as mãos se mexem em movimentos precisos e suaves. Na mão direita, a varinha preta. A menina de marrom começa a tocar o vio-

loncelo. O coral Francisco Gomes da Rocha começa a cantar. Sopranos, beltranos, ciclanos. E o maestro, com uma postura impecável, continua a coordenar as notas “sis” fora do caminho, os “res” perdidos. Levanto a cabeça e vejo o sorriso do maestro. 19h52. “Compasso sete. Estamos errando, tá inseguro”, comenta o maestro. O vento entra devagar. Parece acompanhar as notas tocadas pela Orquestra Jovem de Ouro Preto. 19h57. Gosto de tons graves. Outra vez, a música me invade. Garoto elegante tocando violoncelo. 20h21. A camisa de gola polo vermelha o deixa sério. A cabeça se move junto com os dedos, seu olhar é compenetrado. Pergunto ao maestro, Marcio Miranda Pontes, 53 anos, qual é a sensação de coordenar a orquestra a cada ensaio. E ele diz, com a voz afinada, que a música é dinâmica. Ao vivo, nada se repete. Sempre há um detalhe, uma sutileza. O maestro conta sobre o acervo de partituras do Século XVIII resgatado na Paróquia do Pilar. Memórias que dão vida ao contexto histórico e cultural da cidade de Ouro Preto. Vitória Maria Coelho Viana, 15 anos, estudante de flauta e violino, é uma das alunas que, desde 2004, faz ressurgir essas notas. Para ela, a vida sem os instrumentos não faz sentido. Quando Vitória toca é como se não existisse mais nada. É uma coisa mágica, uma fantasia.

Edmar Borges

Natália Goulart Um, dois, três. Sentada em uma cadeira, observo os alunos e a professora de flauta da Escola de Música Padre Simões, em Ouro Preto. A sala é grande. As janelas cor bege. O chão de uma madeira nova. Os seis alunos estão de costas para mim. Vejo apenas uma pequena parte de seus rostos. A professora, Tereza Miranda, 45 anos, começa o ensaio. Mas, antes, ela se vira para mim e diz: “o grupo é composto por um quarteto de vozes”. Faço um sinal com a cabeça, mas não entendo o que isso significa. O clima é descontraído. Começa a primeira música. Alguém parece estar fora do tom. E Tereza corrige: “gente, não tá bom não. Vamos de novo”. Daqui vejo rabiscos pretos. Não enxergo muito bem as partituras.

Gosta de escrever, mas guarda tudo sem mostrar a ninguém? Aproveite a chance e inscreva-se no I Concurso Literário do Jornal Lampião. O tema central que vai inaugurar o concurso é CIRCO e foi pensado por conta da visibilidade que os artistas da região ganharam nos últimos anos com o Encontro de Palhaços. Os dois primeiros colocados serão premiados e os poemas vão aparecer edição de junho do LAMPIÃO. Não perca tempo, pegue o lápis ou ligue seu computador para começar a escrever. Envie seu poema para o e-mail jornallampiao@gmail.com até o dia 31 de maio. Consulte o regulamento em: http://migre.me/8OCuo

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Edição: Joenalva Porto e Thiago Guimarães

Abril de 2012

RETRATOS

A invisibilidade das ruas Maria Aparecida Viana: uma história de vida na simplicidade das caixas de papelão Natália Goulart Quase não os vejo: os olhos dela. Sem chapéu posso vê-la melhor. É como chegar mais perto. Próximo a uma história única, assim como a sua. Mas o sol é forte. O trabalho é árduo. E o chapéu protege do sol escaldante. Maria Aparecida Viana, 41 anos, dobra e se desdobra. Busca. Separa. Não deixa molhar. Fácil? Não. A catadora de papelão salva um mundo chamado MaCamila Maia

pela própria família. Na escola, a chamavam de burra. Feia. Magra. Amarela. Leite sem sal. Um dia, ela decidiu sentar na primeira carteira. Escolheu não ser coitada. Mas a professora a colocou, novamente, no mesmo lugar. “Aparecida, vai sentar lá atrás. Porque ela não aprende, ela é burra”. - Eu era muito triste, tinha complexo de inferioridade. Não gostava de brincar. Até que Sueli, uma professora da 2ª série, apareceu. E colocou a menina no colo. O problema de Aparecida não era a “burrice”. Faltava a ela concentração e só. Mas ninguém enxergava. Ou, talvez, tinham mesmo preguiça de ver. De fato, havia preconceito. A não ser de Sueli, que não cerrou os olhos, que não cegou. Mesmo assim, Aparecida saiu da escola e voltou anos depois, ainda com medo de sofrer tudo de novo. No curso supletivo, todos a aceitaram. Aparecida, ali, não estava à margem de nada. Ela era igual. Estava dentro. Mesmo sentada na última ou na primeira carteira da sala. E, para sua alegria, acaba de passar em 11° lugar, no curso do PEP (Programa de Educação Profissional): - Aparecida, te falta alguma coisa? - Quero ver os meus filhos formados. Não posso ter um filho analfabeto. Pessoa sem estudo, sem nada. Do que você tem medo, pergunto a ela. E esperei qualquer resposta, menos: tenho pavor de chuva forte. Fogo. Medo de relâmpago. Aparecida é simples até no que a amedronta. Separada há dez anos, ela cria os três filhos sozinha. E ainda tem mais dois filhos do coração, Chiara e Dimes. Dos anos que passou com o esposo, a depressão a consumiu de tal maneira, que ela nem conseguia pentear os cabelos.

O que tirou Aparecida da depressão foi Deus e a escola: - Pode colocar aí: final de relacionamento não é o fim do mundo, discursa ela com segurança nas palavras. - O que a rua traz? - A rua me traz preconceito. Sofro muita coisa também. Tomo chuva. Faço amizade muito fácil. Todo catador de papel é feliz. Pausa. Ela pensa na frase e complementa: quase todos.

Camila Maia

riana. Faz sobreviver, também, o dela e o dos três filhos: Jonatas, 16 anos, Natanael, 18, Elezer, 20. “Lixo é responsabilidade mundial. Não me sinto diminuída não. Precisa reciclar o lixo, segundo os estudos”, diz, em nosso primeiro encontro em sua casa, no Bairro São Gonçalo. Magra e baixinha, Aparecida tem alma de menina. No entanto, as rugas marcam a testa, a maçã do rosto, o canto da sobrancelha. As linhas fundas da face demonstram o sofrimento. A força. O acreditar na vida. Mesmo desconhecendo berços de ouro. E ela fala. Fala de tudo sem medir palavras, como em um sopro de si. “Sou muito criança. Pulo. Sou contadera (sic) de histórias”. Das oito da manhã às cinco da tarde ela está ali, ao lado do supermercado Varejão Popular, na esquina da 16 de Julho, rua movimentada do centro de Mariana. A rua é o seu lugar, assim como de tantas Marias, Terezinhas, Fátimas e tantos Josés. Gente que ninguém vê. Histórias submersas. Invisíveis. Sem cor. Histórias trocadas. E até perguntam quanto Aparecida cobra por programa: - E digo: não sou isso, não, sou catadora de papel! Aparecida não gosta de ser tratada como coitadinha. De ser mais uma vítima do mundo. De não ter cor: - Eu sou otimista, teimosa. Sempre acreditei. A infância não foi nada fácil na cidade chamada Mendes Pimentel, leste de Minas Gerais, quase divisa com Espírito Santo. Filha de servente e dona-de-casa, Aparecida era rejeitada pelos colegas de classe, professores e até

Ermida São Geraldo: o personagem do jardim quase secreto de Mariana

Renata Felício Observo atentamente o que acontece ao meu redor. Crianças brincando no meu jardim, trabalhadores descansando depois do almoço, idosos apreciando minha beleza, rezas, cantos, missas, pedidos realizados e graças alcançadas. Fico ali, proporcionando paz para aqueles que a procuram durante a agitação do dia no centro da cidade. Faço parte do patrimônio histórico de Mariana e vivencio tudo isso há mais de 47 anos, quando me tornei um local aberto ao público. Mas já observava os devotos marianenses desde muito tempo, quando era bem novinha, feita de papelão e latão.

Neste tempo, apenas minha família podia me visitar. Evoluí para pau a pique e, às vezes, alguns amigos também rezavam nas minhas dependências. Todos tinham que passar por aquela estreita portinha azul, ali na Rua Direita, número 199, subindo pelas escadas que narram a trajetória da minha família. Esta era a única forma que meus amigos podiam me visitar. Agora que cresci, tenho uma entrada só para mim. Ainda passo despercebido por muitos olhos apressados. Mas garanto satisfação para aqueles, que por um pequeno momento de curiosidade, cedem um pouco do seu tempo para me conhegabriel sales

pagina 11 final.inddFECHADA BRUNA 3

cer melhor. Recebo amigos diariamente, mas, cá entre nós, sempre prefiro a segunda-feira, às 18 horas. Neste dia, o Padre Celso ou o Padre Luiz celebram a minha existência com uma linda missa, em que recebo muitos amigos para rezar comigo. Também adoro quando comemoram o meu aniversário. No dia 16 de outubro, todos se reúnem para homenagear São Geraldo. É tudo tão lindo, recebo novenas, cantos, presentes e procissões. Neste dia, minha mãe, Dona Zita, distribui aos meus amigos o pão, a água e o sal bento. É uma devoção muito grande que deixa a minha família muito feliz. Também recebo, duas vezes ao ano, o Cerco de Jericó, uma tradição em que os devotos rezam sete dias e sete noites ininterruptamente. Faço parte do passado, presente e futuro da histórica Mariana. Graças à minha família e, em especial, à minha mãe, Dona Zita, é que existo até hoje. Também tenho o meu querido zelador para cuidar de mim, mas o que me mantém viva é a fé das pessoas. Por isso, quase secretamente, continuo aqui, firme e forte. Atendo a todos os pedidos da-

queles que vem ao meu encontro. Guardo comigo graças que

se escondem entre flores e arbustos do meu jardim. Gabriel Sales

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Edição: Natália Goulart e Kamilla Abreu

Abril de 2012

leoNARDO alves

A fé se move nas montanhas? Diferentes forças, diferentes religiões. Cada uma, a seu modo, exerce um papel na construção da compreensão humana

leoNARDO alves

Edição7_Página12_EditorLara_ Beatriz.indd revisada JF Lolli 2

Thiago Guimarães São seis da manhã. Ouço sons ritmados. O barulho me faz despertar. É assim, sempre foi assim. Quando os sinos acordam, me pergunto: será mesmo que tenho que me levantar? Mas o fato é que sempre acordo. O dia será longo. Hoje, decidi quebrar a rotina. Vou me permitir, me questionar. Afinal, o questionamento é a base do conhecimento. Sem ele, não há motivação para ir em busca da descoberta de novos caminhos, de fixar novos valores e, assim, alcançar outros patamares. Sem ele, as relações tornam-se estáticas. Vivemos em um universo tão vasto em tamanho quanto em riquezas, mas que se torna reduzido e pobre quando limitado. Há muito me questiono sobre duas fontes que exercem influência direta sobre as relações humanas: a religião e a ciência. A religião prega a fé como motivação, já a ciência traz a ideia da evolução como condição biológica. Neste cenário, a dinâmica social é traçada de forma polarizada. Para alguns, a lógica da ciência é essencial para a explicação das forças presentes no universo; para outros, o poder divino é legitimamente capaz de elucidar a questão. O curioso é que me vejo em meio a essas acepções e nunca me enquadro a nenhuma delas. Minha vontade de explorar novas formas de conhecimento é maior, e isso causa estranhamento a algumas pessoas. Levo sempre em questão que os pontos divergentes não estão apenas entre a religião e a ciência, mas também entre as diferentes manifestações da fé, e isso me intriga. Para mim, a verdadeira essência está na busca pelo equilíbrio, e este é o ponto em comum entre todo esse vasto campo do conhecimento. Por que, então, tanto estranhamento? Concluo que é justamente a busca pela resposta que nos torna agentes sociais, acima de tudo, seres pensantes. Agora, estou pronto para caminhar entre as variadas manifestações e crenças. Sinto-me livre, porém, sei o que me move: a necessidade de vivenciar conceitos e colocá-los à prova, de reformular o meu modo de pensar, de não só incorporar, mas também externar cultura. O som dos sinos já não me chama mais a atenção ao meiodia. O silêncio do ambiente desperta minha reflexão, as cores

vermelha e dourada ofuscam meu olhar. Já não pertenço mais ao universo cristão, estou em um mosteiro budista. Em meio à disciplina dos presentes, estou inquieto, o questionamento me acompanha: busco um ponto em comum entre a filosofia de Buda e a fé cristã; mais que isso, busco uma explicação para sua presença em um espaço predominantemente cristão, como é o Ocidente. Já não consigo me concentrar, ouço outros sons, desta vez mais fortes, que me atraem e confundem; não são tão ritmados como os habituais. Timbres de vozes que não compõem a imagem de quem os emite, corpos que se debatem. As folhas emitem ruídos ao se chocar com estes corpos; colares de miçangas se chacoalham. Neste momento, habito outro território, os sons dos tambores ecoam pelo terreiro umbandista. Danças, vozes, cantos e expressões me causam um misto de estranhamento e curiosidade: qual seria o objetivo desse ritual? Observo alguns elementos familiares. São imagens e símbolos que, apesar de semelhantes, recebem, aqui, diferentes nomes. Novamente os sinos me chamam; são sete da noite e lembro que está na hora da reunião. A mesa está pronta e todos estão de mãos dadas. Forma-se uma corrente e a energia parece fluir. As orações evocam e buscam despertar os espíritos. Um dos membros da mesa começa a se manifestar; ele fala, mas não em seu nome, sua expressão já não é a mesma. Quem envia a mensagem já não pode falar, talvez, por isso, o silêncio dos demais torna-se tão precioso neste momento. Não me concentro. Apesar de possuir menos elementos, tudo me remete ao local visitado anteriormente. De tudo, a cor branca da mesa é o que mais me chama a atenção. São nove da noite, e a reunião acabou. Os sinos já não tocam e o silêncio volta a reinar sobre a cidade. Reflexivo, vou para casa. Não consigo ainda encontrar um elo entre tudo o que presenciei, nem tampouco respostas para os questionamentos que fiz. Mas tranquilizo-me. Agora eu tenho uma certeza: o universo é, sim, vasto. Porém constituído de diferentes forças, que, interdependentes, exercem, cada uma a seu modo, um papel essencial na construção da compreensão humana.

GABRIEL SALES

03/05/12 17:30


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