Jornal Lampião - Edição 32

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LAMPIÃO DESDE 2011

LEIA E REPASSE

Jornal-laboratório | Jornalismo UFOP | Ano 8 | Edição Nº 32 | Julho 2018 www.lampiaodigital.ufop.br

` Ate

quando? ~

Cercados de incertezas, ` atingidos esperam ha mais de dois anos pela ~ construcao dO Novo ` Bento. PaGINAS 4E5

POLÍTICA

CIDADES

MEIO AMBIENTE

TERCEIRIZADAS SÃO ACUSADAS DE DISCRIMINAÇÃO

TRÁFEGO DE CAMINHÕES ABALA CASAS EM MARIANA

AGRICULTURA FAMILIAR É ALTERNATIVA AO EXCESSO DE AGROTÓXICOS

Empresas e Sine foram denunciados por rejeitar mulheres em processo seletivo; prática é proibida. Página 3.

Moradores da rua Dom Silvério procuram órgãos públicos para relatar problemas estruturais. Página 3.

Produção agrícola marianense utiliza técnicas de conservação do solo e é passada de geração em geração. Página 6.

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2 OPINIÃO

LAMPIÃO

JULHO DE 2018

EDITORIAL

O que você vê n a s entre l i n h a s

?

O jornalismo é uma equação. A soma de uma ideia acertada com o trabalho duro resulta em boas histórias. Para se obter um resultado satisfatório é preciso estar disposto a ouvir. E mesmo assim, há erros. Ainda bem. Desconfie do jornalismo imune às erratas. Aliás, suspeite dos tais jornalismos que buscam encontrar o produto de x e y. Jornalismo não tem que seguir nenhuma lógica cartesiana. Desde o nascimento das pautas, são propostos novos caminhos em direção ao outro. É no momento inicial que ocorre (ou deve ocorrer) o exercício da alteridade. Tanto faz dizer que as narrativas de um jornal nos convidam a ver o mundo por um outro olhar se não estamos dispostos a enxergar. A janela do vizinho nos conduz a novos lugares, mas é uma via de mão dupla. Jornalista e leitor devem vestir a si mesmos com a pele alheia. Revezar seus papéis de empatia. Conhecer as potências da língua é um passe para o flerte das minúcias. Em todo texto, há detalhes implícitos capazes de criar ambiguidades. A troca do artigo o pelo a delineia relações de gênero e poder, por exemplo. Escrever pressupõe, então, arquitetar cada vírgula. Driblar a complexidade dos sujeitos. O principal adversário são sempre os caracteres, que espremem todas as conjunções. Na verdade, creio que há outro obstáculo: o Brasil do meio do caminho. É um vai e vém ligeiro, que todo dia provoca uma rachadura diferente. Pelo menos a luz tem por onde entrar. Narrar vidas é esperar pelo xeque-mate, sabendo que as peças podem ter sido escolhidas por outro alguém. Às vezes, a espera nunca termina. Tem gente que, enquanto espera, desenha um futuro de incertezas. Qualquer graveto substitui um lápis. Não precisa de muito para sonhar. Certo é que ninguém anseia o que já tem. Só há espaço para o

porvir. Ou por aquilo que foi tirado sem pedir licença. Tirado? Tirado por quem? Por um sujeito oculto? Nesse caso, contrariando as regras da língua, o sujeito dono da ação está longe de ser oculto. Tem nome e endereço. Na verdade, tem só endereço, porque o nome foi renovado. E, mesmo com o rebatismo, a responsabilidade persiste. E a esperança, ao contrário de certas indenizações, não foi por água abaixo. Diante das muitas promessas que nos são feitas, questiono até se as justiças são, sim, justas. Aí, me lembro que existe a cacofonia e que ela justifica a última frase, porque ultimamente está sendo incoerente redigir justiça e justa na mesma sentença. Justiça não faz mais jus ao nome e entrou na classe das palavras vazias de significado. E, em se tratando das promessas que são feitas apenas para cumprir a cota jurídica, a justiça foi demitida há tempos e não faz mais o perfil do país. O motivo da expulsão: ser um substantivo do gênero feminino. Na contramão do mundo, o Jornal LAMPIÃO buscou conhecer as caras do outro. Cada página contém inúmeras histórias que se cruzam. São narrativas pensadas para ultrapassar o centro-histórico. Não que as pedras em rococó e os vestígios da arquitetura colonial portuguesa sejam menos importantes, mas há muito mais para ser visto. O ato de olhar para fora do próprio quintal incita em mergulhar em outros universos. Inclusive aqueles sem vizinhança. Ao entrar na orquestra do jornalismo, não fique imune aos estrangeiros. Leia todas as entrelinhas e, se for preciso, releia. Contar é, necessariamente, virar do avesso a realidade em busca de versões inauditas. Por isso, convidamos você a passear o olhar em mais uma edição do Jornal LAMPIÃO.

ENTRE OLHARES

CRÔNICA

Solidão comunitária TEXTO: JÚLIA MILITÃO

Em seu sentido geral, comunidade significa participação em comum, ou seja, indivíduos que vivem em comum e dividem os mesmos interesses. Assim, a universidade ou a igreja que você frequenta, ou até mesmo o bairro onde você mora, formam comunidades específicas. É impossível estar no mundo sem o outro e sem viver dentro de uma comunidade. Existe uma frase, da qual eu gosto bastante, que diz “ninguém é tão alguém que não precise de ninguém”. E, realmente, muitas são as vantagens de se ter pessoas por perto. A vida fica melhor quando podemos compartilhar nossas dores e amores. Mas para isso é preciso, também, paciência. Para enfrentar os dias, para lidar com o outro e, até mesmo, para reconhecer os momentos de estar sozinho. Por isso, me lembrei que quase todos os dias encontro uma senhorinha parada pelas ruas do centro de Mariana. De cabelos grisalhos e quase sempre vestida com uma peça xadrez combinando com o restante da roupa, ela costuma ficar sozinha, sentada ou em pé, olhando para o vazio e com uma sacola na mão. Em alguns desses encontros, já adivinhei o seu lugar preferido: a fonte do Jardim. Parece até rotina. Acorda, toma um bom café e vai andar pela cidade à procura de qualquer distração. Essa fonte, em especial, é o local mais visitado. Ela observa as crianças brincando, alimenta os peixes e fica ali, com um olhar fixo, vendo tudo em silêncio. Me parece que, em algum momento da vida, essa senhorinha decidiu passar os seus dias sozinha. Mas por quê?

Ao pensar nela, me propus a refletir, então, como estava o meu dia todas as vezes em que a vejo. Correria, horários para cumprir, preocupação com trabalhos, aqueles e-mails importantes que não chegam, falta de dinheiro no final do mês, estresse ao andar pelas ruas com pressa, fins de semana sem descanso, muitas xícaras de café, faxinas para cumprir, falta de tempo em casa, dias sem conversar com a minha mãe, diálogos que não fluem… ufa! Em meio a tantos dias atropelados, pouco sobra para as pessoas à nossa volta. O caos que enfrentamos diariamente é o mesmo que nos leva a viver uma vida para nós mesmos. Estar em comunidade e ao mesmo tempo estar só é uma das grandes incoerências da atualidade. Em meio aos silêncios que esvaziam casas tão cheias de gente e disputas de ego entre colegas de trabalho, as pessoas parecem estar se bastando. São muitos os casos em que, por mais que não esteja tão explícito, pessoas vivem como essa senhorinha do Jardim. Se veem cercadas e observam as relações ao seu redor, mas, na verdade, estão sozinhas. Fico me perguntando quão numerosas foram as decepçõe pelas quais essa senhorinha passou (se realmente passou). Até que ponto ela deve ter aguentado uma vida tão cheia? Por que ela decidiu passar os dias sozinha? Tomar uma decisão de afastar-se de tudo, de sentar-se sozinha no banco de uma praça é a melhor solução para enfrentar a vida? Ou, então, será que alguém também já parou pra observar essa senhora? Alguém já tentou conversar e conhecer a realidade dela? Não seria esse o sentido de viver em comunidade? Espero que sim. Espero estar enganada. Sobre ela e sobre nós.

Jornal-laboratório produzido por estudantes do curso de Jornalismo | Instituto de Ciências Sociais LAMPIÃOAplicadas (ICSA) / Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) | Reitora: Profa. Cláudia Aparecida

Marliére de Lima | Diretor do ICSA: Prof. José Benedito Donadon Leal | Chefe de Departamento: Profa. Karina Gomes Barbosa | Presidenta do Colegiado: Profa. Michele da Silva Tavares | Docentes responsáveis: Adriano Medeiros da Rocha (Audiovisual), Ana Carolina Lima Santos (Fotografia), Jan Alyne Prado (Interface), Kamilla Morando Avelar (Sonora), Karina Gomes Barbosa (Texto), Michele da Silva Tavares (Visual) | Editor-chefe: Deivid Oliveira | Editoras de Interface: Júlia Militão, Laryssa Gabellini | Editora de Impresso: Rafaela Queiroz | Gerente de mídias sociais: Raphaela Cyrne | Revisor: Ramon Vinny | Fact Checker: Lucas Mantovani | Editora de Visual: Mariana Storto | Editora de Sonora: Patrícia Consciente | Editor de Fotografia: Fábio Augusto Carvalho | Editor de Texto: VH Gonzaga | Sub-Editora de Texto: Karina Peres | Editor de Audiovisual: Celso Peixoto | Equipe de Visual: Felipe Cunha, Igor Oliveira, Luana Maciel, Renato Rinco | Equipe de Sonora: Amanda Egídio, Georgyanne Sena | Equipe de Fotografia: Domingos Gonzaga, Elis Cristina, Larissa Maiane, Suzane Pinheiro, Tânia Scher, Túlio Garilio| Equipe de Texto: Bruno Campos, Carlos Romano, Juliana Carvalho, Maic Costa, Patrick de Araújo, Tuila Dias | Equipe de Audiovisual: Brener Mouroli, Guilherme Frutani, Larissa Venâncio | Monitoria: Francielle de Souza, Matheus Iglesias, Mayron Brito| Tiragem: 3000 exemplares | Endereço: Rua do Catete, nº 166, Centro, Mariana - MG - CEP: 35420-000

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Fábio Augusto Carvalho

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LAMPIÃO

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CIDADES

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Veículos pesados causam transtornos Casas da Dom Silvério sofrem com rachaduras e complicações causadas pelo fluxo de caminhões e vans na rua histórica SUZANE PINHEIRO

será feita a partir do segundo semestre deste ano, ação de portaria na entrada da cidade para fiscalizar se os veículos cumprem as normas e uma campanha educativa de conscientização dos comerciantes que usam veículos de grande porte para realizar os serviços”. RESPONSABILIDADE DE QUEM?

Anseio. Da sacada de casa, Maria de Lourdes aguarda soluções, mas por enquanto movimentação e problemas persistem TEXTO: BRUNO CAMPOS FOTO: SUZANE PINHEIRO ARTE: LUANA MACIEL

Composta por casarões seculares, a Dom Silvério é uma das principais ruas de Mariana e dá acesso à praça Minas Gerais, ponto turístico da cidade. No dia 14 de maio, Maria de Lourdes Antunes Santos, moradora da rua há aproximadamente 40 anos, fez uma reclamação junto à Câmara dos Vereadores a respeito do tráfego de caminhões e outros veículos de grande porte, como vans, SUVs, caminhonetes e 4x4. Esses veículos, ao passarem por ali, abalam as estruturas das casas, causam trepidação, rachaduras, deslocam telhas – o

que, em períodos de chuva, geram goteiras e danificam bens materiais. A reclamação foi encaminhada para o Departamento Municipal de Trânsito e de Transportes (Demutran). O departamento enviou um ofício para a casa de Maria de Lourdes e marcou uma reunião, que aconteceu no dia 23 de maio. A moradora conta que, no encontro, foi estipulada uma segunda reunião. Nela, os órgãos responsáveis iriam apresentar uma resolução para o problema. O segundo encontro ocorreu quase um mês depois, no dia 21 de junho. Ao contrário do que ficou combinado, nenhuma resolução foi apresentada. A Câmara marcou então, uma terceira reunião para o dia 1º de agosto. Até lá, a situa-

ção se mantém a mesma. Questionado sobre uma possível vistoria nos lares afetados, Eliabe de Freitas, chefe do Departamento de Trânsito, informou que essa função não compete ao Demutran, e sim, à Defesa Civil. Ele citou, ainda, um caso ocorrido em uma casa no bairro Chácara, onde houve reclamação referente ao aumento do fluxo de veículos. Após vistoria, foi confirmado que a falha estava nas estruturas do imóvel e que não foi causada pelo trânsito. Eliabe ressaltou que a principal complicação está na regulamentação de pesos e medidas desses veículos de grande porte. “Algumas formas de sanar o problema seriam a implementação de sinalização por meio de placas, que

Além de Maria de Lourdes, o LAMPIÃO conversou, também, com Marília Queiroz Camillo, Arley da Graça Camillo e Marlene de Souza Maia. Moradores da Dom Silvério, todos têm reclamações semelhantes. Contam que as casas precisam passar por reformas periódicas que geram gastos e fogem do planejamento financeiro. Segundo Eleonardo Lucas Pereira, engenheiro civil e professor do curso de Engenharia Urbana da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), vários fatores podem causar essas complicações estruturais. Peso do veículo, da carga transportada, a velocidade e a distância entre a casa e a rua. Para determinar com precisão se as casas da Dom Silvério são afetadas por esse fluxo, Eleonardo vê necessário realizar uma vistoria aprofundada com testes específicos, mas diz que é possível que o trânsito cause rachaduras e deslocametos nas casas. O professor ressalta que as fundações dessas edificações não foram dimensionadas para suportar efeitos de vibração. O LAMPIÃO procurou os órgãos responsáveis, e encontrou o que parece ser um jogo de empurra entre Demutran, Defesa Civil e Secretaria de Obras. Até o fechamento desta matéria, o jornal não obteve nenhuma resposta conclusiva. O Iphan alegou que o que cabia ao órgão foi feito. Estando de “mãos atadas”, informa que não pode fazer nada além de cobrar a prefeitura. Defesa Civil e Secretaria de Obras não responderam à reportagem.

POLÍTICA

Empresas são alvo de denúncias TEXTO: MAIC COSTA ARTE: LUANA MACIEL

No dia 26 de abril de 2018, a Câmara de Mariana recebeu, por meio de duas moradoras do município, uma denúncia de discriminação de gênero que teria sido cometida na unidade do Sistema Nacional de Emprego (Sine), em Mariana, e pela empresa Salum Construções, terceirizada da Fundação Renova, em processo seletivo para contratação de funcionários. Na reunião, as denunciantes afirmaram que as empresas e o Sine estariam colocando especificações de gênero para as admissões, práticas proibidas pela Lei nº 9.799, de 26.5.1999. Sandra Marques, técnica de segurança, afirmou que foi impedida de concorrer a uma vaga de técnica em Segurança do Trabalho que seria destinada a candidatos do sexo masculino. “Se nós mulheres podemos eleger um presidente, um prefeito, um vereador, por que nós não podemos enfrentar o mercado de trabalho? Se temos o direito de tirar a carteira de trabalho, a CNH, é para quê? Para ficarem guardadas?”, questionou Sandra durante a reunião em que a denúncia foi discutida. Na mesma sessão, outra trabalhadora, Sara Teixeira, afirmou que, além de determinarem o gênero, as vagas exigiam mais do que é determinado por lei. Sara contou que, para a vaga pleiteada por ela, também técnica em Segurança do Trabalho, era requisitado que os candidatos fossem do sexo masculino, pois seria necessário que o contratado carregasse peso, o que configura desvio de função. Segundo a Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), do Ministério do Trabalho (MTE), as atribuições da profissão não incluem carregamento de peso. O coordenador do Sine-Mariana, Gustavo Ribeiro, afirmou à equipe do LAMPIÃO que o órgão não tem qualquer prática discriminatória e ressaltou a impossibilidade de definirem critérios de contratação, sendo isso de total responsabilidade das empresas contratantes. “O Sine envia um formulário para a empresa e ela o responde, devidamente preenchido, informando os dados da vaga de acordo com o que a instituição necessita, mas sem a possibilidade de especificar gênero.” Quando a questão da presença de um “M” no formulário foi levantada na entrevista ao LAMPIÃO, um funcionário do Sine assumiu

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que o órgão utilizou dessa prática para facilitar a vida do trabalhador, para que os candidatos não tivessem que perder tempo em filas para vagas em que não seriam selecionados. O funcionário disse que esses atos não acontecem desde o final de 2017, antes do processo seletivo que causou a denúncia, e que o Sine Mariana chegou a ser repreendido pelo MTE, o que levou à suspensão da conduta. O Ministério do Trabalho e Emprego informou ao LAMPIÃO, que definir o veto do gênero nos critérios de contratações vem da Lei nº 9.029/95, que deixa clara a proibição a qualquer medida discriminatória. Em contato com a Salum Construções, contratante das vagas em questão, o diretor da empresa, Marcelo Abrahão Salum, afirmou não ter recebido nenhum comunicado oficial sobre as denúncias e que elas podem ser decorrência de insatisfação de trabalhadores que não são selecionados para as vagas. Marcelo falou, ainda, que não possui ou compactua com qualquer prática discriminatória.

profissional das empresas”. O LAMPIÃO entrou em contato com Assessoria de Comunicação da Casa, que afirmou não poder se manifestar enquanto a sindicância não for finalizada. A Fundação Renova também se posicionou com a seguinte nota: “Sobre a denúncia de discriminação de gênero envolvendo uma empresa terceirizada, que está em apuração pela Câmara de Mariana, a Fundação Renova reafirma que o seu trabalho é pautado pelo respeito aos direitos humanos de todas as pessoas com as quais se relaciona, sem tole-

rar qualquer tipo de discriminação por origem, raça, cor, gênero, idade, orientação sexual, religião ou opinião política, entre outros, em seus programas, projetos e ações, incluindo as indenizações”. Procurada pelo LAMPIÃO, a Prefeitura Municipal de Mariana, representada pelo viceprefeito, Newton Godoy, afirmou não compactuar com qualquer tipo de preconceito ou discriminação. Disse ainda que o município tem solicitado oportunidades de seleção, entrevistas, análise e a efetivação de contratos a todos os marianenses que buscam emprego.

Perfil do Contratado Fundação Renova Média de idade funcionários sexo feminino 37 anos

De 488 funcinários, 27% são de Mariana

SINDICÂNCIA Após receber a denúncia, a Câmara Municipal abriu Comissão de Sindicância composta pelos vereadores Marcelo Macedo (PSDB), como presidente, Daniely Alves (PR) e Deyvson Ribeiro (SD) para averiguar as acusações. Procurado para falar sobre as investigações, o vereador Marcelo Macedo afirmou não poder dar detalhes da sindicância, que ainda está em processo. Questionado sobre possíveis sanções que a Fundação Renova, a Salum e o Sine poderiam sofrer se considerados culpados, Marcelo disse que, se for o caso, o departamento jurídico da Câmara irá analisar e tomar as medidas necessárias, pois essa parte do processo não é da alçada dos vereadores. A eles só cabe a análise da denúncia. A vereadora Daniely Cristina Souza Alves, na reunião da Câmara, falou sobre as dificuldades enfrentadas pelas mulheres no mercado do trabalho em diversas esferas, inclusive na política. Na reunião, Daniely declarou que “ouvir as denúncias em pleno 2018 é muito triste. Diante das informações, a Casa se indigna e é por isso que sempre cobramos da Fundação Renova. A qualificação nós temos, sim, mas às vezes falta a oportunidade para a população marianense fazer parte do quadro

O maior número de funcionários está na cidade de Belo Horizonte

18 cargos de chefia em Mariana 67 cargos de chefia 43 homens 24 mulheres

Média de idade funcinários sexo masculino 39 anos Cargos de chefia em Mariana 12 homens 6 mulheres

133 funcionários em Mariana Do quadro total de funcinários 243 são homens 245 são mulheres

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4 CIDADES

LAMPIÃO

JULHO DE 2018

A angústia da espera TEXTO: JULIANA CARVALHO TUILA DIAS FOTO: DOMINGOS GONZAGA ELIS CRISTINA ARTE: FELIPE CUNHA

em maquete 3D, considerando a aplicação das características de cada terreno em específico. A visita in loco também faz parte do processo, caso seja o desejo da família”.

“Olhando pra trás você só via carro flutuando e gente gritando. A lama lá, e nós aqui no alto”, conta José do Nascimento de Jesus, 72, mais conhecido como Zezinho do Bento, sobre o dia do rompimento da Barragem de Fundão. Hoje, dois anos e oito meses depois desse dia, ele caminha pelo chão de terra, mostrando a disposição das ruas no local em que futuramente será erguido o novo Bento Rodrigues. “Só de ver essa movimentação, meu coração fica aliviado”, diz. Zezinho se refere à instalação do canteiro de obras, que teve início em maio deste ano, em Lavoura, terreno escolhido para a reconstrução do subdistrito, a oito quilômetros da sede de Mariana. O que, em tese, seria um avanço no processo de reassentamento dos atingidos, na realidade é apenas um pequeno marco em um projeto cada dia mais complexo. De acordo com o prazo estabelecido pela Fundação Renova, o reassentamento estaria finalizado em meados de março de 2019. Porém, nas reuniões realizadas pela instituição, juntamente com os atingidos e outros órgãos envolvidos, já paira o entendimento de que esse prazo está longe de ser cumprido. As etapas do reassentamento não têm seguido uma ordem lógica, o que talvez assegurasse um melhor cumprimento dos prazos. Como exemplo, Juliano Scarpelin, assessor técnico da Cáritas Brasileira, aponta a demora em estabelecer diretrizes para garantir minimamente os direitos dos atingidos no processo de reassentamento. Essas diretrizes só foram criadas dois anos após a elaboração do primeiro projeto urbanístico. Atualmente, arquitetos contratados pela Renova começaram o desenho das casas junto com os futuros moradores do novo Bento. Para Juliano, essa iniciativa pode ser uma medida precipitada, uma vez que eles têm pouco conhecimento das características do terreno, podendo resultar em esboços inexecutáveis e que, consequentemente, precisarão ser refeitos, atrasando ainda mais o cronograma. Por outro lado, a Renova afirmou que, “além dos momentos de diálogo com os arquitetos, está prevista a apresentação para a família da projeção da casa

Relações de vizinhança: uma prioridade Em novembro de 2016, o primeiro projeto urbanístico apresentado pela Renova foi recusado pelos atingidos por não respeitar as demandas exigidas no levantamento de expectativas, realizado pela própria fundação em junho daquele ano. Mauro Marcos da Silva, 49, integrante da Comissão dos Atingidos, afirma que a principal reivindicação dos ex-moradores de Bento foi, desde o início, que a disposição das casas seja mantida como no antigo Bento, bem como todo o conjunto do subdistrito, considerando igrejas, escolas e praças. O projeto em questão foi amplamente divulgado na mídia e recebeu elogios por ser considerado melhor que o vilarejo original, exceto para os maiores interessados: os atingidos. “A gente não quer um Bento lindo e maravilhoso, a gente quer um Bento mais parecido com o antigo e principalmente manter a relação de vizinhança”, conta Mauro. A saudade da vida tranquila que levavam no subdistrito de Mariana estava começando a apertar e, diante disso, Mauro e a esposa resolveram usar o dinheiro que tinham guardado para a reforma da casa em Bento e compraram uma residência no distrito de Bandeirantes, que fica a dez quilômetros da sede de Mariana. Assim, aos fins de semana, quando Mauro não está trabalhando em sua oficina mecânica, o casal pode ter algum respiro da cidade. Ainda assim, eles se deram conta de que Bento Rodrigues é insubstituível, não só pelos pertences perdidos, as casas destruídas, mas principalmente pelas relações cotidianas que não existem mais. “A casa é muito boa, só faltou uma coisa: o Bento. Tem piscina, área de churrasco, mas faltam

Elis Cristina

Trajeto. Hoje só máquinas e trabalhadores têm acesso ao novo Bento

as pessoas, os amigos que a gente chegava na porta, ‘oh fulano vem cá, pra gente bater um papo’. Isso não tem mais. A gente vai lá mas não tem a empolgação que a gente tinha em Bento”, desabafa. Embora pareça que tudo caminha para o tão sonhado reassentamento, após a Renova aparentemente ter conseguido a aprovação dos Mauro Marcos da Silva atingidos no que diz respeito ao loteamento, Juliano Scarpelin demonstra preocupação em relação à maior reivindicação: a vizinhança. Segundo ele, essa é uma preocupação apresentada por cerca de 70% dos entrevistados no levantamento de

A gente não quer um Bento lindo e maravilhoso, a gente quer um Bento mais parecido com o antigo e principalmente manter a relação de vizinhança”

expectativas. O assessor técnico da Cáritas conta que o projeto, votado em fevereiro de 2018, não foi apresentado pela Renova anteriormente ao dia da votação, sendo feita uma breve explicação no dia da decisão, que apontava as mudanças que os atingidos haviam pedido. Ele afirma ainda que na ânsia e no cansaço da luta que parece não acabar mais, votaram a favor, visto que os apontamentos aparentemente foram respeitados, porém, os atingidos não têm certeza de que serão vizinhos das mesmas pessoas. Segundo a fundação, “o projeto conceitual, que foi elaborado e aprovado pela comunidade, buscou respeitar ao máximo essa premissa”. Para Mauro, a manutenção dessa relação será importante para a adaptação ao novo local e irá amenizar o sofrimento da comunidade. “Quem faz o lugar são as pessoas”, completa. Hoje, com as famílias espalhadas por Mariana e alguns distritos, fica mais difícil

ETAPAS DO REASSENTAMENTO 03/2016 Samarco, Vale, BHP, Governo de Minas e do Espírito Santo, O MPMG entre outros órbloqueia bens gãos, assinaram os da Samarco no valor de R$ 300 Termos de Ajustamento de Conduta milhões, que passa a ser usado (TTAC’s), que define para a reparação as bases para fundação da Renova. dos atingidos. 11/2015

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08/2016

11/2016

Os atingidos A Cáritas Brasileira recusaram 05/2016 foi escolhida para ser o projeto Constituição da Em assembleia, Fundação Renova, assessora técnica dos urbanístico atingidos, responsável porque, segundo Lavoura foi es- para reparar os por auxiliá-los eles, a Renova colhido para ser danos causados não respeitou o o terreno para o pelo rompimento e acompanhar o processo de levantamento de reassentamento de da barragem de reparação. expectativas. Bento Rodrigues. Fundão. 06/2016

01/2017 Segundo projeto urbanístico recusado, dessa vez pela SEMAD, por conter incoerências técnicas, tais como: declividade imprecisa, lote inadequado e ausência de mapa topográfico.

12/2017 O prefeito de Mariana sanciona a PL que autoriza a transformação do terreno de Lavoura em zona de urbanização.

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LAMPIÃO

JULHO DE 2018 de manter as relações iguais. Zezinho lembra com saudade e expectativa da sua vida de antes, que pode voltar ao normal em Lavoura, se o processo de reassentamento seguir os desejos dos atingidos. “Minha vida em Bento era ótima, porque a gente tinha tudo, liberdade, confiança, batia papo todos os dias, sábado e domingo no Bar da Sandra. Tem uma árvore lá que eu que plantei, cuidei dela até crescer e fiz uns bancos, fiz uma mesa pra gente jogar truco nela. Todo sábado e domingo era aquela rotina, queimava uma carninha, jogava truco numa praça muito linda, então é por isso que a gente tem esse carinho todo”

O prazo de março de 2019 O Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), como órgão fiscalizador das ações da Renova, deu entrada em uma ação de cumprimento de sentença, pedindo a conclusão dos reassentamentos até março de 2019, mas o processo foi suspenso por seis meses para a discussão das diretrizes de reassentamento entre os envolvidos. Sendo assim, não há uma decisão judicial que obrigue as empresas envolvidas a concluir o processo até essa data. O pedido de licenciamento ambiental do terceiro projeto foi formalizado no dia 23 de maio e liberado no dia 5 de julho. Com a aprovação do licenciamento, faltam a anuência prévia da Secretaria de Estado de Cidades e de Integração Regional (Secir) quanto ao parcelamento do solo e o alvará da Prefeitura de Mariana. Segundo a Renova, só depois que esses documentos forem emitidos, será possível iniciar as obras de infraestrutura do novo Bento, como pavimentação, drenagem, redes de esgoto, distribuição de água e de energia. A fundação afirmou ainda que, com a aprovação do licenciamento, o prazo para o reassentamento é de 22 meses, porém ainda não há um cronograma de obras. Enquanto isso, os ex-moradores de Bento aguardam, ansiosos, para voltar às suas vidas normais, aos jogos de truco, aos churrascos e aos cafés com a vizinhança. “Quando você lembra como as coisas eram na sua simplicidade e perfeição e lembra de como são agora, é muito doloroso”, comenta Mauro.

Indenizações “Eu acho que tava vivendo assim, em outro mundo. Era um sonho realizado”, relembra Marcos Muniz, 54, sobre o primeiro ano de aposentadoria no qual pôde se dedicar integralmente

CIDADES

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Domingos Gonzaga

à plantação e à criação de animais em Bento. “Dinheiro nenhum paga o que a gente tinha ali, a história, o projeto de vida, o sonho que eu tinha, não só meu, mas da família”, completa. Diante de um crime ambiental inédito, é difícil calcular valores que correspondam a uma reparação justa para os atingidos, já que não há um modelo que atenda os prejuízos causados pelo rompimento da barragem de Fundão. A lama destruiu não apenas bens materiais, mas também sonhos como os de Marcos. Ainda assim, a indenização é necessária e segue a passos lentos. Diferente das outras localidades atingidas pelo rompimento da barragem, Mariana é a única Comarca que tem uma Ação Civil Pública (ACP) referente às indenizações, que tramita na Justiça Estadual. No restante da bacia do Rio Doce, a Fundação Renova já Reivindicação. Mauro aguarda enquanto idealiza um lar semelhante ao que vivia possui uma Matriz de Danos com parâmetros de indenização utilizada no Programa de Indenização Elis Cristina Mediada (PIM). Inicialmente, o PIM também seria usado para a reparação de danos dos atingidos de Bento Rodrigues, porém eles recusaram e exigiram que uma assessoria técnica mediasse o processo de levantamento de danos. Do contrário, a Renova seria a única responsável por elaborar a matriz, adotando critérios próprios. Tais critérios não incluíam alguns tipos de danos morais, além disso, o dano moral era considerado apenas para quem estava nos locais por onde a lama passou no dia do rompimento. A partir da ação civil, a Cáritas reformulou o cadastro dos atingidos. Esse cadastro possui uma série de procedimentos que auxilia o levantamento de perdas e danos causados. Nele também Atraso. Com previsão de entrega para março de 2019, obra ainda está em fase inicial estão previstas as indenizações de bens imateriais, referentes à história e meDomingos Gonzaga mória da comunidade perdidas, e aos danos morais, como adoecimento físico e psicológico causados pelo trauma do rompimento, humilhações e constrangimentos sofridos pelos atingidos. Com o cadastro finalizado, será elaborada, pelo MPMG, uma Matriz de Danos com valores base para indenização de tudo o que foi perdido pelos ex-moradores de Bento. Segundo a Renova, “não há valores mínimos ou máximos a serem pagos pelos danos”. Uma vez homologada, essa matriz será utilizada para calcular o valor da indenização para cada atingido. Para os atingidos, como Marcos, a espera já se tornou uma constante: “Hoje eu rezo e peço a Deus mais anos de vida pra ver como que nós vamos ficar daqui uns anos: resolveu tudo? Resolveu mais ou menos?”. Compromisso. Seu Zezinho é representante dos cidadãos na fiscalização das obras

TO DE BENTO RODRIGUES 06/2018 12/2017 Cáritas assume o cadastramento dos atingidos, em quatro 02/2018 etapas: Formulário, O projeto Cartografia Social, urbanístico foi Vistoria e Conversa para levantamento de aprovado para o perda imaterial e danos reassentamento de Bento Rodrigues. morais.

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É assinado um novo 06/2018 TTAC: o acordo prevê 05/2018 maior participação dos Câmara aprova atingidos nas decisões 03/2018 Secretaria doação de terreno sobre o reassentamento Municipal de à Renova que e também liberdade para A justiça homologa Obras de Mariana 05/2018 regulariza e a Renova reajustar diretrizes que concede alvará permite a futura os prazos. O acordo determinam para a implantação Pedido de licença transferência mantém suspensa duas as linhas que a do canteiro de ambiental é enviado dos lotes para os ações judiciais que reconstrução obras. para a SEMAD. moradores. somam R$ 155 bilhões. deverá seguir.

07/2018 Semad aprova o licenciamento ambiental para a construção do novo Bento.

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6 MEIO AMBIENTE

LAMPIÃO

JULHO DE 2018

Consciência a favor do consumo Agricultura familiar é alternativa ao consumo exagerado de agrotóxicos. Em Mariana, agricultores trabalham com produção orgânica TÂNIA SCHER

Eu adoro mexer com terra, horta pra mim é sagrada.” Sirlene da Silva, agricultora

TEXTO E ARTE: JULIANA FOLHADELLA FOTO: TÂNIA SCHER

Aprovada no dia 25 de junho, o relatório do “PL do Agrotóxico” traz à tona, mais uma vez, a discussão sobre o uso de agrotóxicos no plantio. A comissão especial da Câmara dos Deputados aprovou o projeto, que agora segue para o plenário. O projeto de lei número 6299/02 prevê a alteração do nome agrotóxico para pesticidas, para que o registro das fórmulas sejam facilitadas. Além disso, o Ministério da Saúde e do Meio Ambiente são excluídos do processo de analisar e registrar produto. O Ministério da Agricultura passaria a ser o único responsável, e poderia aprovar licenças temporárias de produtos sem que houvesse a necessidade dos testes prévios. A Vigilância Sanitária, o Ministério da Saúde, o Ibama e outras instituições como a ONU criticam o projeto, afirmando que o exagero de agrotóxicos no controle de pragas tem muitas desvantagens, já que as substâncias químicas presentes são nocivas ao meio ambiente e ao homem. O uso reduz a biodiversidade do solo, as pragas ficam mais resistentes e os pesticidas permanecem nas plantas e nos alimentos que chegam à mesa. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a intoxicação por agrotóxicos podem resultar em câncer, dificuldades respiratórias,problemas neurológicos

e má formação do feto. Uma alternativa ao uso de pesticidas é o cultivo orgânico, que ocorre na agricultura familiar. Segundo o governo brasileiro, a agricultura familiar do país é a 8° maior do mundo. Em Mariana, existem cerca de 800 trabalhadores que utilizam essa técnica. O cultivo familiar vem sendo transmitido de geração em geração na cidade. Sirlene da Silva é agricultora há 18 anos e tem uma estufa que compartilha com outras cinco famílias. O filho foi criado na roça, onde ela sempre morou. “Eu adoro mexer com terra, horta pra mim é sagrada.” Sirlene é apenas uma dos diversos agricultores que vivem em Mariana. Confira o perfil do agricultor familiar na cidade. De acordo com a apuração feita pelo LAMPIÃO, não existem dados em relação à localização desses trabalhadores. Isso ocorre devido à dificuldade de acesso aos locais onde as lavouras estão, além da falta de internet e telefonia, explica Cinthia Ribeiro Teodoro, nutricionista do projeto Circula Agricultura. O engenheiro agrônomo da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater-MG) Ronaldo Venga Filho explica que a única forma de ter as informações dos agricultores é através da Declaração de Aptidão (DAP) ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf). O documento serve para declarar que o cultivador está apto a participar de programas de benefícios do

governo, como o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). Atualmente, são cerca de 400 agricultores com a declaração ativa no município marianense. Existem algumas parcerias que valorizam o agricultor familiar em Mariana. Confira o infográfico.

OS CUIDADOS COM A TERRA Para entender melhor como essa técnica funciona, é preciso entender qual o solo da região de Mariana. De acordo com o engenheiro agrônomo Frederico Miranda, “o predominante aqui na região é o latossolo, que são terrenos profundos e mais pobres”. É formado principalmente de minerais, propensos a absorver água, ou seja, mais úmidos. Em questão de técnica, a mais utilizada pelos agricultores é o plantio convencional ou direto, em que restos vegetais como folhagens e palhas são deixados na superfície. Dessa forma, não é necessário o uso de máquinas pesadas para arar o solo, pois ele não é misturado. Essa técnica é benéfica à terra, mantém seus nutrientes e reduz a erosão. A adubagem é vegetal, dispensando uso de material químico. São usados, por exemplo restos de alimentos e vegetação antiga, a palhada. A técnica permite a conservação do solo, evitando a perda da terra por agentes externos, como vento e chuva. Além disso, essa cobertura superficial evita evaporação de água, mantendo os nutrientes na lavoura.

PROGRAMAS DE APOIO:

PERFIL DO AGRICULTOR: IDADE

PNAE: Programa Nacional de Alimentação Escolar O Projeto oferece alimentação às escolas públicas. 30% do valor repassado do governo deve ser utilizado na compra de produtos advindos da agricultura familiar. Cerca de 70 agricultores participam do PNAE em Mariana.

COR Aluguel de tratores Prefeitura doa 3 horas de aluguel de tratores, que são usados para assentar o solo na lavoura.

Venda de Adubo Através de uma licitação, o município vende adubo ao agricultor familiar que pode iniciar o pagamento um ano depois.

PAA: Programa de Aquisição de Alimentos Programa que pretende colaborar com o combate à fome junto à valorização dos agricultores familiares. Sem a necessidade de licitação, o governo compra produtos de cultivadores familiares e destinam às entidades de assistência social, restaurantes populares, cozinhas comunitárias, bancos de alimentos e para as cestas de alimentos do governo. Mariana não adotou esse programa. Segundo Ronaldo Venga Filho, engenheiro agrônomo da Emater-MG, o PAA paga mais barato pelos alimentos do que o PNAE. Uma alface, por exemplo, ao invés de ser comprada por R$2,00, é comprada a R$0,80 no PAA. “Além disso, o número de trabalhadores não é suficiente para atender aos dois programas”, explica Ronaldo.

O QUE É MAIS PRODUZIDO?

Leite

GÊNERO

Horticulturas

Cana de açúcar Frango: corte e ovos

Fruticulturas

Café

Mel

Feijão

Milho

Eucalipto TÂNIA SCHER

VENDAS Circula Agricultura

Acontece todas às quartas, das 9h às 13:30h, no Instituto de Ciências Sociais Aplicadas (ICSA), localizado na rua do Catete, n° 166, Centro, Mariana.

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Feira Livre Municipal

Acontece aos sábados, das 7h às 12h, no Centro de Convenções de Mariana, na Avenida Getúlio Vargas, no Centro.

Cultivo. A capinagem auxilia no plantio orgânico, permitindo que os alimentos cresçam

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JULHO DE 2018

LAMPIÃO

CULTURA

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Grupo musical mantém tradição Coral Nossa Senhora do Rosário supera dificuldades e luta para continuar vivo na história do distrito de Padre Viegas Túlio Gariglio

TEXTO: CARLOS ROMANO ARTE: IGOR OLIVEIRA FOTO: TÚLIO GARIGLIO

Em 1960, o Cônego Jadir Trindade Lemos assumiu a Paróquia de Nossa Senhora do Rosário do Sumidouro, no distrito de Padre Viegas, em Mariana. Foi quando sugeriu para Geraldo de Jesus Gomes, na época seminarista, que criasse um coral de músicas sacras para cantar na igreja. Geraldo convidou alguns amigos, amigas e gente que gostava de cantar para formar o grupo musical. Reuniu, então, 12 pessoas e, no início, eles ensaiavam na casa de sua mãe. A estreia aconteceu no dia 7 de outubro de 1960, sem instrumentos musicais. Cantaram a Missa de Angelis - cerimônia realizada inteiramente em latim e em canto gregoriano, que ocorre em datas comemorativas, como o aniversário do grupo. Esta tradição existe até hoje, fazendo do Coral Nossa Senhora do Rosário um dos poucos que ainda canta em latim no Brasil. Ele deixou o seminário e se tornou maestro. Desde que o coral foi fundado, passaram pela regência de Geraldo cerca de 30 pessoas. No começo, os músicos da Corporação Musical do Sagrado Coração o ajudavam em grandes apresentações, com a participação de sopristas e violonistas. Com cantores do coral e músicos da corporação, o grupo passou a rodar Minas Gerais. Segundo Padre, apelido dado a Geraldo pelos amigos, foram além das fronteiras estaduais. Viajaram cerca de 16 horas para cantar o tradicional Oratório de Natal, na cidade de Cândido Mota, no interior de São Paulo, o lugar mais longe em que estiveram. Mesmo sendo o responsável pelo início das atividades do coral, o maestro não se considera o único fundador. Para ele, o cônego Jadir - o idealizador - e os 12 primeiros cantores são igualmente precursores. Por mais de 30 anos, Geraldo foi o único regente do grupo. Hoje, o músico Júnior Nonato divide essa vaga com ele. Nonato desenvolve o projeto de musicalização infantil para crianças de até 10 anos. O intuito dessa atividade é dar continuidade e renovação ao projeto. NOVOS TEMPOS A falta de recursos financeiros sempre esteve presente, mas, em 2008, alguns desses problemas foram resolvidos. Um edital da empresa Samarco trouxe mudanças positivas. O projeto foi orçado em R$ 50 mil pelo coral e aprovado com verba inicial de R$ 20 mil. Esse dinheiro foi utilizado para comprar materiais de escritórios, cadeiras, mesas, computadores e uma impressora. Nonato relatou que alguns ensaios

Trajetória. Geraldo de Jesus Gomes rege coralistas do distrito marianense desde 1960

eram cancelados por não haver cópias das letras para todos os cantores. Passado algum tempo, a empresa repassou os R$ 30 mil que faltavam. A verba possibilitou a criação de cursos de instrumentos de cordas gratuitos para toda a comunidade de Padre Viegas. São oferecidos, hoje, pelo Coral Nossa Senhora do Rosário cursos de violão, violino, cavaquinho e violoncelo. Júnior estima que, ao longo dos anos, 100 pessoas já passaram pelo curso de violão. Além das aulas gratuitas para a comunidade, foi criada a banda Skactus, de reggae, em parceria com a corporação. Atualmente, os ensaios e as aulas acontecem na sede da Associação Comunitária de Padre Viegas (Acompav). Os apoiadores financeiros de todos os projetos são os próprios componentes do coral, que ajudam com uma mensalidade. Entretanto, esse recurso diminuiu com o passar do tempo, relata Nonato. A prefeitura concede uma verba anual de R$ 3.500 por meio do repasse social para todas as entidades de mesma natureza. O curso de musicalização infantil é composto por aulas de flauta doce e canto coral, e é oferecido desde 2016, a fim de incentivar a formação de novos músicos. Obrigatoriamente elas devem participar de ambas as aulas, isso porque, de acordo com Nonato, a flauta proporciona aprendizados básicos para qualquer músico em formação, como altura, intensidade e duração. O canto coral, por sua vez, tem como objetivo a afinação musical. Quando as aulas introdutórias são encerradas, as crianças são apresentadas aos instrumentos musicais de sua escolha. Todas as atividades realizadas

pelos integrantes do grupo, incluindo ensinar música para as crianças, são voluntárias e realizadas com muita dedicação. Alguns problemas colocam em risco a continuidade do Coral Nossa Senhora do Rosário. A falta de uma sede própria faz com que tenham que dividir o espaço com a Acompav, impossibilitando a abertura de novas turmas de musicalização. As participações em todos os eventos da comunidade e das missas mantêm viva a vontade dos integrantes. AS LEMBRANÇAS Joaquim Nonato Em 2000, Joaquim ainda era um músico de bar com poucos estudos em teorias musicais, mas com grande capacidade de reproduzir as músicas de ouvido, sem as partituras ou cifras. Foi quando ele e seus amigos receberam o convite do maestro Geraldo para integrar o Coral Nossa Senhora do Rosário. Com receio, por falta dos conhecimentos técnicos, Joaquim aceitou o convite e foi para o ensaio no domingo. Ao chegar, percebeu que os amigos não compareceram. Em sua primeira apresentação na igreja, por não saber ler partitura, se sentou ao lado de uma ex-violonista do coral. Conseguiu acompanhá-la com perfeição e foi parabenizado pelos novos companheiros, que insistiram que ele passasse a frequentar os ensaios. Quando a ex-violonista faltou em um domingo, o maestro Geraldo colocou uma partitura na sua frente. Nesse momento, decidiu que aprenderia teorias musicais e conseguiria

tocar violão não só de ouvido. Hoje, Joaquim é o violonista principal do coral, além de presidente. Desde que ingressou, nunca mais deixou o grupo, parou de tocar em bares e tem se dedicado exclusivamente às apresentações. Além disso, foi uma influência para seus filhos, que logo se interessaram e ingressaram no grupo musical. Joaquim é pai de Júnior Nonato, músico formado que trabalha com a musicalização da nova geração de cantores de Padre Viegas. Seu sonho para o futuro do coral é a construção de uma sede própria, onde o espaço será todo revertido em melhores condições para a equipe. Sueli da Silva Pereira Dona Sueli, carinhosamente chamada de Lica pelos integrantes do coral, é a pessoa que, junto ao maestro Geraldo de Jesus Gomes, está há mais tempo na instituição. A convite do maestro, passou a integrar o grupo ainda com 10 anos. Nenhuma adversidade foi suficiente para afastar Lica dos ensaios. Mesmo com os filhos pequenos, ela conseguia programar a agenda para conciliar as atividades de mãe e dona de casa com as apresentações. Após sete anos casada, se mudou com a família para um sítio distante do centro do distrito, e, mesmo assim, se esforçava para comparecer, ensaiar e se apresentar com o grupo. Em 2017, Sueli enfrentou um problema familiar. Entre visitas à nora, internada na época, e ensaios, era do coral que Lica retirava forças para enfrentar os problemas. Lá é onde ela tem alegria para superar qualquer tipo de adversidade: "Cantar no coral é muito bom, cantar no coral é vida". Inúmeros são os bons e importantes momentos com toda a equipe, tantos que dona Sueli não consegue listar apenas um. Seu maior desejo é que o Coral Nossa Senhora do Rosário nunca acabe, que perdure e transmita felicidade para as próximas gerações de cantores, músicos e espectadores. Dona Sueli enxerga nas crianças essa possibilidade, esse amor, e deseja transmitir para elas o sentimento de carinho e de pertencimento a um grupo tão especial. Por ela, sua passagem no coral só acaba quando ela não estiver mais viva. A partir da história do Coral Nossa Senhora do Rosário, o LAMPIÃO preparou uma peça sonora que aborda questões artísticas, culturais e relatos dos principais personagens do grupo. Para ouvi-la, acesse: lampiaodigital.ufop.br

ESPORTE

Futsal feminino ganha espaço Túlio Gariglio

Empenho. Mulheres exibem habilidade e força com os pés nas quadras da região TEXTO: LARISSA VENÂNCIO ARTE: IGOR OLIVEIRA FOTO: TÚLIO GARIGLIO

Por muito tempo as mulheres tiveram seu lugar restrito somente ao lar. Os esportes de contato eram restritos aos homens e, por isso, a prática feminina já foi proibida no Brasil. Se antes a disputa era para praticá-los, hoje, a luta é por reconhecimento. Apesar dos avanços, elas ainda não conquistaram uma posição de igualdade em relação aos homens. Nas grandes mídias, as modalidades es-

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portivas masculinas continuam a ter mais visibilidade do que as femininas. Ainda que muitas jogadoras possuam uma trajetória parecida com atletas homens, o destaque dado a cada um deles é muito diferente quando se trata de representatividade. Enquanto jogos importantes das equipes masculinas são televisionados por canais abertos, as competições realizadas por mulheres continuam sendo negligenciadas pela mídia. As atletas aparecem somente em matérias especiais, cujo foco são sempre as barreiras enfrentadas por elas para praticar o esporte.

O apoio à prática de futsal na cidade de Mariana nem sempre foi uma realidade para os times que existiam no município. "Quando começou, não tinha nada. A gente não estava no campeonato porque não tinha uniforme. Uma vez o nosso treinador falou assim: 'olha, não vai mais ter esse time, o time não vai mais existir porque não temos bola'. E só precisava de uma bola", relata Palloma Brito, jogadora do time Águia Futsal Clube. O futsal feminino em Mariana continua resistindo, graças ao apoio de pessoas que acompanham e admiram o esporte. Houve um momento em que as meninas não participavam de campeonatos por não possuir um espaço físico para treinar e materiais básicos para jogar, como uniforme, tênis e bola. Com determinação e disciplina, as equipes se organizaram para arrecadar patrocínios. Realizaram vendas de rifas e estabeleceram parcerias com a prefeitura para conquistar um lugar nas competições. Com o suporte, as atletas começaram a acumular troféus e a mostrar todo o potencial durante os jogos, geralmente levando para casa prêmios de destaque. Apesar de existir o apoio, ele não acontece de forma regular. "As pessoas veem que têm algo organizado, que estamos focadas, então costumam investir mais. Não tem aquela ajuda todo mês ali que você pode contar, mas a gente tá sempre correndo atrás", afirma Palloma. Além da falta de estrutura e de equipamentos, as jogadoras percebem um tratamento di-

ferente quando estão em quadra. Xingamentos que remetem a atributos físicos, comparação com competidores do sexo masculino, assédios e machismo são situações rotineiras nos campeonatos. "Confundem muito a prática do futsal feminino com a questão da orientação sexual, da questão de gênero, que são coisas completamente diferentes", relata Danielle Gandra, jogadora do Style Futsal Feminino. "Quando se está dentro de uma quadra você pode, sim, ser mãe de família, ter uma orientação [sexual] diferente, ser de um gênero diferente. Nossa maior barreira é essa", completa a atleta. Hoje, a expansão que o esporte ganhou não é somente no número de adeptas. Também é nítida a criação de novos times na cidade e uma quantidade cada vez maior de campeonatos voltados para o futsal feminino. De acordo com Aloysio Arlindo, coordenador do esporte no município, até 2012 existiam somente dois times de futsal feminino, mas, em 2018, esse número subiu para mais de quinze. Com o aumento do incentivo, o número de equipes tende a crescer. Portanto, Mariana se mostra um lugar produtivo para o futsal feminino. A partir de entrevistas com as atletas, o LAMPIÃO realizou um mini documentário intitulado A mulher no futsal, que aborda os desafios enfrentados por elas no esporte. Para conferir o conteúdo exclusivo, acesse: lampiaodigital.ufop.br

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8 ENSAIO

LAMPIÃO

JULHO DE 2018

Uma história Margarida FOTO: DOMINGOS GONZAGA ELIS CRISTINA TEXTO: BRUNO CAMPOS ARTE: RENATO RINCO

Elis Cristina

Domingos Gonzaga

Domingos Gonzaga

Como na música Tão Perto, Tão Longe, de Lobão, aquela casa se faz assim. Um lugar imerso em árvores e guiado por uma estrada de terra, cenário típico de um lar da zona rural, com um pequeno porém: mesmo afastado, está a poucos minutos do centro de Mariana. A simplicidade da chácara estende-se para muito além do local, invadindo o semblante da senhora que nos recebe. Com um sorriso acanhado e cabelo meio grisalho, Margarida de Magalhães, ou Dona Margarida, como é conhecida, logo faz com que nos sintamos em casa. De blusa estampada e suéter vermelho, a senhora de 76 anos conta sobre sua trajetória, crenças e saudades. Como naquele ditado, em ‘coração de mãe sempre cabe mais um’, a chácara, apesar de pequena, se mostra grande. Dona Margarida faz com que a gente sinta como se a casa também fosse nossa. Minha, dela, do Seu Josafá, o único dos seis irmãos que ainda é vivo, e dos animais que ali também moram. A hospitalidade é marca registrada da mulher que nos ensina que, “a gente tem que ser o que a gente quer ser e que, desde que sigamos por um caminho bom, temos que ir em busca do que nos faz feliz”. Nesse momento foi possível perceber algo além dos pequenos braços que me envolviam em um gesto de despedida. Dona Margarida Magalhães, no auge dos seus 76 anos, conseguiu também, abraçar com as palavras.

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