Jornal Lampião - edição 24

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Jornal-laboratório I Jornalismo UFOP I Ano 6 - Edição Nº 24 - Agosto de 2016

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cidade desconstruída:

uma visão crítica de mariana futuro:

para onde vai bento?

mestre paiva:

o criador de querubins

foto: samuel consentino / arte: matheus gramigna


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Agosto de 2016

Arte: caio franco

editorial

Ombudsman

Sapato gasto A cidade não é somente um espaço físico. Tal qual Mia Couto, vemos a cidade como “centro de um tempo onde se fabricam e refabricam as identidades próprias”. Assim, a tratamos como organismo que sente, que fala pela voz das ruas, dos muros, das calçadas e da falta delas. Fala por meio de seu povo e também deste jornal. O LAMPIÃO, em seu nascimento em 2011, surgiu com a proposta de fazer-ver as cidades de Mariana e Ouro Preto. Durante o curso, aprendemos preceitos que vão além da teoria e prática do jornalismo para que possamos aplicá-los para um público real. Este que questiona, que cobra e se informa por meio destas páginas. Embora sempre tentemos evitar os chavões do jornalismo, às vezes é preciso voltar a eles para realizar um produto de qualidade. Dizer que o texto ou a imagem devem sair de nossos corpos como um filho, como parte de nós, pode ser um clichê. Mas é justamente a ele que retornamos ao se tratar do LAMPIÃO. O jornalismo visceral que estudamos nos primeiros períodos torna-se possível neste espaço. Para isso deveríamos olhar para Mariana e Ouro Preto como nossas. Mesmo como estudantes e moradores muitas vezes temporários, essas são cidades que também somos. Para dizer ao outro o que vemos, o que sentimos e fazê-los ser representados nas matérias que seguem, deveria haver um esforço que não está puramente no campo tátil. Sentir-se afetado pela cidade e voltar ao jornalismo orgânico foi nossa proposta inicial. Talvez seja difícil reviver algo que fomos. Quando calouros, entramos apaixonados por um ideal de profissão e modus operandi. Porém, calejados pelo processo de chegada até aqui, nos acostumamos ao jornalismo fácil, aquele que se intitula “objetivo”.

O jornalismo mecânico diria que a cidade só tem problemas relacionados a obras. Entretanto, o invisível nem sempre é indizível. Claro que convivemos com diferentes questões materiais e que devem ser reportadas. Contudo, não podemos nos ater a essas demandas sem sentilas e perceber como os filhos daqui as sentem. A aproximação com o “Outro”, que rege o conceito da alteridade para Cremilda Medina, não pode ficar só na teoria. A cidade deve ser retratada como vista pelos seus moradores, que também somos nós. O jornalismo deveria começar, sim, no sentir. Em outras edições deste jornal, podese perceber a cidade como campo alémmaterial. A edição 24 retorna com temas recorrentes no LAMPIÃO. Em cinco anos de jornal ainda não vemos a cidade que queremos, mas continuamos dispostos a resistir e lutar. No especial, o primeiro em forma de ensaio fotográfico, trazemos, como diz Bresson, o instante preciso e transitório da cidade de Mariana. Acreditamos que histórias não são contadas somente por textos, por isso, apresentamos a fotografia como meio de dar visibilidade aos problemas estruturais tão esquecidos na primaz. Passamos por diversos temas ao longo desta edição, como o desejo dos ex-moradores de Bento Rodrigues de construir um novo lar no terreno de Lavoura, e a falta de segurança para as mulheres brasileiras. Produzimos um balanço das ações e projetos dos vereadores de Mariana que pode esclarecer os leitores. Por isso te convidamos a mergulhar nas páginas que seguem. Como disse Tchekhov, o jornalismo nasce do casamento de um bom par de sapatos e um caderno de anotações. Gostaríamos de ter agora um bloquinho cheio de apurações e a sola do tênis desgastada, mas quem dirá isso é você, caro leitor.

“eu falo dos meus pés de feijão”... Natália Goulart*

Ao longo das três edições como ombudsman, percebo que algo vem se repetindo nas matérias do LAMPIÃO. Na edição 23, mais uma vez, testemunhas da tragédia da barragem são convocadas a falar, confessar, testemunhar suas narrativas fraturadas, enfermas. E é por meio dessa repetição que também persegue o LAMPIÃO que sugiro: continuem a tratar desse assunto que está aí, aqui, está em todos os lugares. Ora, essa repetição a coloco ao lado de um desejo inesgotável, o desejo de saber e de narrar, mesmo na desordem, o que aconteceu e o que ainda não aconteceu. É preciso, nesse sentido, lutar com as próprias palavras, nós que escrevemos e os testemunhos. É dizer, para fazê-la girar e buscar saídas, repetir e repetir mais uma vez, não seria tão mal, pelo fato de que fazer ressurgir o passado é, com a força de um desejo, passá-lo adiante. Disso, a poesia de Carlos Drummond de Andrade, sabe. Em O Lutador, poema do livro A rosa do povo, de 1945, as palavras lutam: (...) Lutar com palavras é a luta mais vã/ Entanto lutamos mal rompe a manhã/ são muitas, eu pouco/ Algumas, tão fortes/ Lutar com as palavras parece sem fruto/ Não têm carne e sangue.../ Entretanto, luto/ se me desafias, aceito o combate/ Quisera possuir-te nesse descampado/ sem roteiro de unha/ ou marca de dente/ nessa pele clara/ Luto corpo a corpo/ luto todo o tempo/ sem maior proveito/ que o da caça ao vento/ Não encontro vestes/ não seguro formas/ é fluído inimigo que me dobra os músculos/ e ri-se das normas/ da boa peleja/ Cerradas as portas/ A luta prossegue/ nas ruas do sono. Nessa mesma travessia, Michel de Certeau nos diz: “por que escrever, senão a título de uma palavra impossível”? Portanto, é justamente na ordem do impossível, no enfrentamento do não-dito, que o ato de testemunhar inscreve uma reflexão. E qual seria? A de pensar os limites e obstáculos dos modos de representar e (des)representar à realidade. Mas não é só sobre o testemunho de textos e a fala que quero me ater.

Ao ir me enveredando por entre as páginas do LAMPIÃO, outro modo de testemunhar me chega aos olhos; a fotografia. “No fundo a fotografia é subversiva, não quando aterroriza, perturba ou mesmo estigmatiza, mas quando é pensativa”, nos diz Roland Barthes. Noto, olho e penso: a fotografia também é construída por uma ferida, por sentimentos, por um instante e por um tempo absolutamente único, embora, sempre aberto, para além de suas bordas, como a poesia. A fotografia testemunha. Ela, como a crítica, dá continuidade ao jornalismo e, em alguns momentos, o expande, abre caminhos, ou seja, narra também, anima outras possibilidades. É essa simbiose entre texto e fotografia que quero ressaltar e que me animou, nas páginas seis e sete, na matéria intitulada “Marcas invisíveis”. Aí se vê, nessas fotos simples, no que elas sugerem; corpos em pedaços, feridas, algumas marcas, mãos, dentes, olhos, desconstrução, infância. Aí vemos um traço do que somos: uma ferida, um sujeito que falta, um corpo fragmentado, mesmo quando achamos que a imagem parece preencher através de um instante-já, num clique. Essas fotos fazem pensar! Porque, nelas, algo falta. É que por vezes abrimos os jornais diários e damos uma passada com os olhos e nada nos anima! Nada parece nos afetar ao ponto de imaginarmos, de alargamos a superfície. Nada vem em buracos, nada diz do sentimento. Com isso, não estou dizendo que o LAMPIÃO deveria se tornar literatura, por exemplo. Mas é que em tudo há a literatura, a invenção de cada sujeito. Nos sonhos, no cotidiano, nas fotos e no texto jornalístico, porque, é ela, que testemunha a nós da ferida que há em qualquer linguagem. Dessa forma, é preciso ficar atento a uma frase que talvez possa resumir o que tento dizer e o que venho repetindo a respeito do testemunho rumo à imaginação, ao acolhimento das vozes. Ao menos, essa frase que vem na capa da edição 23 deveria nos fazer pausar: “eles falam em obras, eu falo de sentimentos. Eles falam em cercas, eu falo dos meus pés de feijão”... *Natália Goulart é jornalista e participou da 1ª edição do LAMPIÃO

crônica entre olhares samuel consentino

Perten(ser) luísa campos

então Na matéria “Diferença ilegal e perigosa”, publicada na página 8 da edição 23 do LAMPIÃO, de julho de 2016, informamos que Arthur Santos era morador da República Canil. Na verdade, a fonte é ex-morador da república e ex-estudante da Universidade Federal de Ouro Preto. Por conta dos prazos elásticos entre o fechamento e a impressão não houve tempo para atualização da informação.

Cidade sem gente não existe. Vira fantasma. Fica abandonada, silenciosa. Cidade sem morador exige uma explicação. Rua sem movimento, não. Pois repare que rua sem gente ainda é rua. Desperta na gente as lembranças de um ritmado vai e vem de quando está abarrotada de outros alguéns. Junto à cadência rotineira, existem cidades de todo tipo. Cada uma com seu ritmo, tal qual existem moradores de todo jeito. Saiba que existe uma cidade que foi abandonada à força, e depois, transformada. Mas não por conta das pessoas que viviam ali. Essas cuidavam muito bem de onde moravam e plantavam. Mas sim por mãos e máquinas de outra gente, gananciosa e irresponsável. A mando dos negócios, acharam que poderiam tomar posse de um chão que não era deles. Fazer do subdistrito, destruição. Primeiro como terra fértil. Agora como lama. Mas nos moradores, a antiga cidade não vai deixar de existir, mesmo com um futuro tão incerto. Existe cidade que não deixa de nos habitar. Por isso temos um gosto danado em contar ‘’Lá na minha cidade’’. Mesmo que já estejamos respirando outros ares, a sensação de pertencimento não deixa de nos constituir. Por vezes, procuramos em outros territórios, resquícios do que seria a cidade que chamamos de

nossa. Casas e construções que sejam em suas diferenças, semelhantes. Banco de praça que faça o tempo parar. Mas chão não tem comparação. Latitude e longitude não são compartilhadas por mais de uma localização. Sentimentos e memórias também não. Não existe terra que seja igual em nenhum canto. Note que ao falar que uma cidade é nossa, a memória afetiva é acionada. Por ser tão da gente e, ao mesmo tempo, tão individual, cada pessoa entende o que é pertencer de forma diferente. Se trata de uma via de mão dupla. Toda a gente constrói o que a cidade significa e ela não deixa de nos habitar durante o tempo que vivemos nela. Mesmo que curto. Mesmo que flutuante, como a chegada de muitos moradores. Não somente influenciamos no seu ritmo, adotamos a responsabilidade de construir. Se indignar com um presente torto, entregue aos que estão na cidade desde sempre. É não se ausentar da tarefa de retirar o tijolo invisível do muro abstrato, que converte em tão longe a distância entre o lugar de estudo e o restante da cidade. O tempo em que a cidade nos possui não é vazio de significados. E é verdade, muitos dos moradores irão procurar outro lugar que acolha sonhos por vir. Enquanto isso, Mariana e Ouro Preto se adaptam aos quereres de agora. E, por estarem tão presentes em quem somos, é preciso também pertenser à cidade.

Jornal-laboratório produzido pelos alunos do curso de Jornalismo - Instituto de Ciências Sociais e Aplicadas (ICSA)/Universidade Federal de Ouro Preto - Reitor: Prof. Dr. Marcone Jamilson Freitas Souza, - Diretor do ICSA - Prof. Dr. José Benedito Donadon Leal, - Chefe de Departamento: Profa. Dra. Virgínia Alves Carrara, - Presidente do Colegiado de Jornalismo: Profa. Dra. Jan Alyne Barbosa e Silva - Professoras Responsáveis: Karina Gomes Barbosa (Reportagem), Ana Carolina Lima Santos (Fotografia) e Talita Aquino (Planejamento Visual) Editora-chefe: Mariana Viana - Editora de Texto: Luísa Campos - Sub-editora de Texto e repórter multimídia: Laís Stefani - Editor de Arte: Matheus Gramigna - Editor de Fotografia: Samuel Consentino - Editor Multimídia: Felipe Nogueira - Repórteres: André Ferrari, Anna Chaves, Carolina Carli, Caroline Fernandes, Gabriela Vilhena, Janaína Oliveira, Júlia Rocha, Luana Carvalho, Luccas Gabriel, Mariana Brito, Mariana Ferraz, Matheus Santiago, Moises Mota, Nathália Fiuza, Priscilla Rocha, Paula Locher, Priscila Santos, Rayssa Amaral, Thatiana Zacarias, Ticiane Alves - Fotógrafos: Amanda Granado, Ana Paula Bitencourt, André Nascimento, Caio César Gomes, Felipe Augusto Passos Macedo, Iara Campos, Ingryd Rodrigues, Jéssica Corona, Mateus Carvalho, Wendell Soares - Diagramadores: Ana Rafaela, Caio Franco, Caroline Borges, Deborah Alves, Isabela Resende, Mariana Macedo Botão Revisão: Andressa Goulart, Brunello Amorim - Monitoria: Carol Vieira, Caroline Hardt, Clarissa Castro, Hariane Alves - Colaboradora: Fernanda Covalski - Tiragem: 3000 exemplares - Endereço: Rua do Catete, nº 166, Centro, Mariana – MG. CEP: 35420-000


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Agosto de 2016

Arte: caio franco

Distrito

Lugar para chamar de meu Paula Locher

“Minha maior vontade é que ele seja construído o quanto antes, para eu poder voltar a viver. Só vou conseguir viver quando tiver minha casa’’, diz Mônica Santos, ex-moradora de Bento Rodrigues e participante da Comissão dos Atingidos pelo rompimento da barragem da Samarco. Ela e a mãe, Maria das Graças Quintão dos Santos, 59 anos, moravam juntas no subdistrito e agora dividem um apartamento alugado pela Samarco, em Mariana. Maria quer tudo igual ao que era em Bento, como o nome da rua, Raimundo Muniz, e o número, 55, onde residia. Ela completa: ‘’A minha vontade era de voltar pro velho (Bento), mas se não tem jeito, queria que o ‘novo’ fosse o mais próximo possível do antigo’’. Maria nasceu, se casou e criou os quatro filhos no subdistrito e diz que a família toda morava perto da antiga casa. De lá, comenta que “não sobrou nem uma agulha”. Mônica completa que não querem nada a mais do que tinham, só voltar a viver como viviam, “sem depender da Samarco’’. O terreno da casa não era grande, mas estavam fazendo uma varanda e aumentando a área atrás, antes do rompimento. “Minha casa era minha vida”, desabafa Maria, para quem as novas construções não podem ser padronizadas, como aconteceu em outros assentamentos no Brasil, afinal “lá ninguém tinha casa igual”. Sobre a casa em Mariana, mãe e filha dizem que é só “para se esconder um pouco’’. Só deixam o lugar quando forem para o novo Bento, em Lavoura. Maria só sai para trabalhar, ir à missa ou quando precisa resolver algo. Ela tem certeza que a vida em Mariana será só dentro de casa. Já Mônica vai da casa pro trabalho e do trabalho para as reuniões quase diárias da comissão. Reuniões essas que, segundo ela, dão mais incertezas ao futuro dos atingidos. “Em uma reunião eles (Samarco) falam uma coisa, em outra falam outra.” Em julho, os bento-rodriguenses organizavam a festa do dia São Bento, que geralmente acontecia no último fim de semana do mês. “A gente

doava os crisântemos que vinham encomendados de São Paulo.” Mônica tem a sensação de que “a vida tá parada’’. Só vai continuar quando reconstruir o subdistrito e elas recuperarem a vida de volta. Novo Bento No dia 7 de maio foi realizada a votação para escolha do terreno onde será construído o “novo’’ Bento Rodrigues. O terreno de Lavoura, de 350 hectares, fica a cerca de 8 km de Mariana, pertence à empresa ArcellorMittal e foi escolhido com 92% dos votos das famílias. Segundo a Samarco, os critérios para a votação foram definidos em conjunto com os moradores e o Ministério Público de Minas Gerais. Lavoura foi trazido como opção pelos próprios moradores, como explica a coordenadora estadual do Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB), Letícia Oliveira. “Logo após o rompimento, os moradores começaram a construir uma relação com a área, por já ser um lugar com que eles tinham um contato anterior, com uma vista semelhante à que tinham em Bento”. Letícia completa dizendo que ‘’o desejo dos atingidos é ir para a casa deles o mais rápido possível, e que seja deles e não de outros. Não estão nada satisfeitos com o prazo de três anos, o que causa inquietação e dúvida se vão conseguir a casa”. Maria concorda que o prazo de reassentamento é muito longo. Ela conta que a comunidade escolheu o terreno “por ser no mesmo percurso de Bento e porque em Lavoura dá pra gente voltar a Bento a hora que quiser. Queria que o Bento ficasse do jeito que tá, quase todo fim de semana vamos pra lá. No cemitério antigo tenho três irmãos sepultados, fora nossos amigos’’. Letícia Oliveira afirma que a proximidade com o aterro sanitário, que fica a menos de dois km de Lavoura, é um fator complicante. “É bem tênue a linha entre não fazer ali, porque é próximo ao lixão e fazer porque os atingidos se identificam com o terreno”. Ela ressalta que se deve fazer um estudo sério para que o lixão saia dali e que a área seja protegida.

Tainara torres / arquivo lampião

Interdição. Tragédia obrigou moradores a deixar Bento Rodrigues

andré Nascimento

Há nove meses, as vidas de Mônica, Maria e 600 famílias se perderam na lama. Hoje, lutam pela reconstrução de Bento Rodrigues

Privado. Terreno que abrigará comunidade foi escolhido, mas compra ainda não foi efetuada pela Samarco

Minha maior vontade é que ele seja construído o quanto antes, para eu poder voltar a viver. Só vou conseguir viver quando tiver minha casa” Mônica Santos

Segundo a Samarco, a possibilidade de contaminação do lençol freático pelo aterro foi identificada pela própria empresa. As pesquisas sobre o risco já foram finalizadas e a mineradora concluiu que não existe contágio que afete o cultivo agrícola pelos futuros moradores. Letícia diz que é importante que a empresa pague uma assessoria técnica de confiança dos atingidos para realizar estudos de maneira independente da Samarco. Isso aumenta o protagonismo de quem perdeu tudo na lama. O promotor de Justiça da Comarca de Mariana, Guilherme de Sá Meneghin, explica que não há legislação brasileira sobre situações de reassentamento como a de Bento Rodrigues.

O que foi feito pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) até agora é baseado em interpretações da Constituição, de tratados internacionais de direitos humanos e decisões da Justiça americana. Segundo Meneghin, a partir da dedução desses três pilares no que tange à reconstrução de Bento Rodrigues, os atingidos têm dois direitos básicos: à reconstrução da comunidade e das casas e de participar de todo o processo. O MPMG em conjunto com a comissão dos atingidos elaborou demandas que foram materializadas na abertura de uma ação civil pública, que é útil em casos em que um fato provoque danos semelhantes a um grande número de pessoas. Nessa ação estão previstos a indenização dos atingidos, a reconstrução da comunidade, o pagamento de remuneração mensal e moradia alugada paga pela Samarco. A ação permite que os atingidos participem do projeto arquitetônico, lutem contra a padronização das casas e para que os interesses da comunidade sejam respeitados. Meneghin diz que isso só foi possível graças ao envolvimento dos ex-moradores de Bento.

‘’Historicamente, no Brasil, processos semelhantes de reassentamentos eram feitos sem o conhecimento dos interessados. O nosso busca mudar essa ideia, ou seja, as ações partirem dos atingidos’’, afirma o promotor. Em geral, há uma padronização das casas e também das indenizações. “Apesar de ter comissão de atingidos em outros casos, não houve participação efetiva como a que está tendo por aqui. Era mais opinativa do que participativa. Aqui participaram inclusive da audiência judicial. Essa reconstrução não será idêntica. Vamos tentar fazer o mais próximo possível, mas para que isso aconteça tem que haver a participação dos atingidos’’, complementa Meneghin. O terreno de Lavoura ainda não foi adquirido e a Samarco afirma que as pesquisas e estudos solicitados pelo Ministério Público estão em fase final. A compra será feita após isso. A assessoria da mineradora disse não saber o valor que será pago. As obras ainda não têm previsão para o início, mas segundo um acordo firmado entre Samarco, Governos Federal, de Minas Gerais e do Espírito Santo, têm que estar finalizadas até 2019.

Festa de São Bento A comemoração foi feita pelos ex-moradores do distrito dos dias 8 ao 11 de julho em Mariana, para não passar em branco. Mas eles não ficaram satisfeitos. A festa tinha que ser em Bento. Foi por isso que organizaram uma procissão no dia 30 de julho que passaria pelo trajeto feito todos os anos no distrito antes do rompimento: saindo de onde ficava a Igreja das Mercês e terminando na Igreja de São Bento. Ao som do sino, que era tocado por um dos moradores, e dos tradicionais fogos de artifício, a procissão seguiu entre o que restou da comunidade. Mauro Marcos da Silva, que tinha uma casa no distrito, fala que poder estar em Bento comemorando uma data tão importante com os moradores é como estar no céu. “A gente vê quantas pessoas são apaixonadas por Bento e por São Bento. Queremos, sim, comemorar e resgatar os laços que se perderam e se romperam junto com a barragem.” Ele diz que foi muito “bom poder comemorar e agradecer São Bento, por tudo, pelo livramento dos nosso familiares. E lamentar pelos que se foram no desastre. É uma forma de homenagem”. Mauro era um dos encarregados pelos fogos de artifício da festa, e disse que “os foguetes de São Bento tinham que ser estourados no Bento. Eu podia ter vindo até sozinho, mas iria estourar os foguetes aqui”. Sobre Lavoura, ele fala que “vai ser nossa casa em termos, vai ter uma turma que nunca vai sair do Bento” e que vai visitar o distrito sempre que puder. Lucimar Muniz, neta de um dos primeiros moradores de Bento, conta que no final da celebração os moradores disseram que a festa foi mais bonita do

que era. “Por tudo o que eles passaram nesses meses, pelo sentimento”. Disse que um dos momentos mais emocionantes foi quando um representante de cada família fez uma prece em agradecimento a São Bento, “pedindo força e fé para a batalha que vai seguir”. Ela afirma que a comunidade está passando pelo período mais crítico desde o rompimento, com a ameaça da construção do dique S4 pela Samarco, que inundaria o que sobrou de distrito. Ele serviria para conter os vazamentos da barragem do Fundão, que não foram contidos. O dique ficaria nas terras da família de Lucimar, e já foi parcialmente construído até ser embargado pela Polícia Militar do Meio Ambiente, no dia 3 de junho. Lucimar fala que, independente das indenizações que serão pagas pela empresa, a Samarco não é dona das terras de Bento e não pode construir em propriedades que não são dela. A ex-moradora conta que para os ex-moradores terem acesso as suas terras de Bento têm que se submeter à burocracia da empresa, e muitas vezes não conseguem autorização. Por isso, eles começaram a entrar pulando as cercas construídas pela Samarco após o rompimento. “Nesse momento, ao invés da comunidade se afastar, está voltando cada vez mais para Bento”. Para ela, eventos como esse são importantes para que os bento-rodriguenses mostrem “que suas terras nunca estiveram à venda. Que saíram porque foram obrigados, e não porque quiseram”. Mauro diz que vão lutar para que o dique não seja construído. Ele vê a estrutura como uma forma de a empresa obstruir a entrada deles em suas terras.


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Agosto de 2016

Arte: ANA RAFAELA

cidadania

Elas merecem ter proteção

Coletivos, políticos e organizações brigam pela implantação de Delegacia Especializada da Mulher na região de Mariana e Ouro Preto

samuel consentino

Ticiane Alves

Em 2015, as Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (Deams) completaram 30 anos de existência no Brasil, exercendo políticas públicas de combate e conscientização de crimes contra a mulher. Contudo, muitas regiões ainda não possuem esse serviço, como é o caso de Ouro Preto e Mariana. Gabriela Ramos, estudante da Universidade Federal de Ouro Preto, recorreu à Polícia Militar de Mariana após sofrer assédio sexual em uma festa de república, em março de 2016. Ela foi encaminhada para a Delegacia Civil de Ouro Preto no mesmo carro que o autor do assédio. Gabriela conta que não houve tratamento adequado para o caso por parte também dos policiais civis: “Tive que ficar na mesma sala que o cara e dar o meu depoimento na frente dele. Frequentemente, entravam policiais e questionavam a situação, como se estivessem duvidando”, relembra. Ela ainda foi indagada por um dos agentes pelo fato de fazer uma ocorrência por conta de “um beijo”. A aluna da Ufop Nara Costa e outras duas amigas foram agredidas verbal e fisicamente pelo ex-aluno da Ufop e ex-morador da república federal Pif-Paf Weslley Santos Soares, em fevereiro deste ano. Ele foi indiciado pelo crime de lesão corporal. Após as agressões, elas foram para a Delegacia Civil e depois para a Santa Casa de Ouro Preto fazer o exame de

corpo de delito. Em seguida, retornaram à delegacia. Nara ficou na instituição por um longo período para prestar depoimento e não se sentiu bem tratada: “Ficamos mais ou menos das 3h às 6h esperando. Nesse tempo, tivemos que permanecer no mesmo ambiente que o agressor, com ele nos xingando. Ele só foi tirado de perto quando começou a ofender um dos policiais. O escrivão nem olhou na minha cara. Foi tudo muito automático, sem sensibilidade para tratar o caso”. Nara também sentiu falta de um atendimento psicológico especializado durante a estada na Santa Casa. Tive que ficar na mesma sala que o cara e dar o meu depoimento na frente dele” Gabriela Ramos

Hoje, no Brasil, existem altos índices de violência contra as mulheres, que mostram a necessidade de serviço especializado de tratamento e segurança às vítimas. Segundo o Atlas da Violência de 2016, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), 4.757 mulheres foram mortas no país por agressão, o que representa um aumento de 11% dos casos registrados em relação a 2004, em que 3.830 foram assassinadas. O atlas afirma, com base em dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde, que 13 mulheres são as-

denuncie Procuradoria Especial da Mulher DE MARIANA (31) 3558-6216 Câmara Municipal de Mariana (31) 35576200 Telefone da Polícia Militar 190 Delegacia Civil Regional de Ouro Preto (31) 3551-3222 Secretaria de Política para as Mulheres 180

se informe

Sites de consientização e de apoio às mulheres http://thinkolga.com http://agenciapatriciagalvao.org.br http://www.spm.gov.br https://www.facebook.com/ movimentovamosjuntas

sassinadas por dia, no Brasil, considerando o ano de 2014. Segundo um documento expedido pela Polícia Civil, Ouro Preto registrou em 2015 237 inquéritos policiais de crimes cometidos contra mulheres. Até abril de 2016, já foram instaurados 95, entre os quais uma tentativa de de homicídio, 41 ameaças, 36 agressões e lesões corporais e 11 estupros. Os casos de estupro aumentaram muito de um ano para o outro. Em 2015 foram 15 casos - média de 1,25 estupro por mês. Até abril de 2016, a média de registros foi de 2,75 por mês. Segundo a promotora criminal de Ouro Preto Luíza Helena Fonseca existe um setor dentro da Delegacia Civil de Ouro Preto que trata de assuntos referentes à mulher. A promotora comenta que talvez não haja uma Delegacia Especializada na região por uma questão burocrática do sistema. Segundo ela, pelo volume de casos registrados atualmente na cidade, essa delegacia seria de grande importância: “O número de casos que temos hoje merece uma instituição separada para dar a eles mais atenção. Em relação aos casos de estupro e da Lei Maria da Penha, um dos grandes problemas é o fato de não haver esse espaço, pois as vítimas têm vergonha de procurar a que é integrada à Civil”. Fontes informaram ao LAMPIÃO que existe despreparo de alguns profissionais que atuam na região quanto à classificação dos crimes. De acordo com o que foi dito, muitos feminicídios são descritos nos boletins de ocorrência como homicídios, enquanto estupros se tornam lesão corporal. Isso dificulta

os processos, e os atos contra as mulheres não entram para as devidas estatísticas. A ideia de se ter uma Deam na região de Ouro Preto e Mariana é oferecer assistência competente, que garanta a proteção jurídica, policial, o encaminhamento da vítima ao hospital ou posto de saúde e o transporte para ela e seus dependentes a um local seguro. Além disso, essa delegacia também deve oferecer acompanhamento para que a vítima possa retirar os pertences do local do ocorrido, entre outros apoios. A investigadora da Polícia Civil de Ouro Preto Jully Ferreira comenta que faz falta um atendimento psicológico para as vítimas, pois, hoje, não há esse especialista na instituição. No dia 8 de março de 2015, o coletivo Mulheres Unidas da Associação dos Aposentados e Pensionistas de Ouro Preto (M.U.N.A-ASAPOP) realizou um ato simbólico na Praça Tiradentes e promoveu um abaixo-assinado, pedindo a criação da delegacia da mulher. As assinaturas foram entregues na Câmara Municipal de Ouro Preto e na Assembleia Legislativa de Belo Horizonte, ainda sem resposta. Em março de 2016, representantes da organização Minha Ouro Preto lançaram uma campanha para contribuir com a iniciativa do M.U.N.A. Pela internet, os usuários podem assinar um abaixo-assinado com o pedido da criação da Deam delegacia e a mensagem será enviada para aos e-mails do governador Fernando Pimentel e para o secretário de Defesa Social de Minas Gerais, Bernardo Santana. Até o fechamento do LAMPIÃO, foram enviadas 913 mensagens.

Uma das diretoras da Associação dos Aposentados e Pensionistas de Ouro Preto, Maria Luiza de Jesus, explica que além da Deam é preciso que o poder público providencie uma casa de acolhimento para mulheres vítimas de violência. Pois, segundo ela, o espaço é de grande importância para proteger as vítimas. O deputado estadual Tiago Cota e o ex-vereador de Ouro Preto Roberto Leandro Rodrigues fizeram pedidos ao governo estadual de providências para a criação de uma Deam que atenda Ouro Preto e região. Ambos aguardam resposta dos pedidos.

Cultura do estupro “Estamos em 2016 e ainda tem gente que acha que a mulher provoca, porque está de roupa curta. Ainda tem gente que não entende que, vistase como vestir, seja como for, ninguém é obrigado a manter relação sexual com o outro”, explica a promotora Luíza Fonseca sobre a realidade de violência sexual contra a mulher no Brasil. A cultura do estupro está intrinsecamente ligada ao machismo, pois perpetua a ideia de que há casos em que a mulher merece ser violentada, “porque está pedindo”. Essa cultura também se refere à realidade de atribuir à mulher a culpa pela violação sofrida, em vez de tomar o estuprador como único responsável pelo ato.

A violência sexual ocorre no Brasil com frequência assustadora. O Anuário Brasileiro de Segurança Pública, de 2015, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), informa que, em 2014, foram registrados 47.646 casos de estupro no país, um estupro a cada 11 minutos. Informações da nota técnica do Ipea de 2014 “Estupro no Brasil: uma radiografia segundo os dados da Saúde” mostram que 70% dos estupros são cometidos por pessoas próximas, como parentes, namorados ou amigos/ conhecidos da vítima, o que indica que os agressores estão mais perto do que se imagina. Na legislação brasileira, o estupro é considerado crime hediondo, isso é, deve receber tratamento mais rigoroso. Os acusados de estupro não têm direito a fiança nem estão aptos a graça, anistia ou indulto. Segundo o artigo 213 do Código Penal Brasileiro, configura-se como estupro “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”. A pena varia de 6 a 10 anos de prisão. Se a conduta resultar em lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 anos ou maior de 14, a pena pode variar entre 8 e 12 anos de prisão. Se o estupro resultar na morte da vítima, a pena será de 12 a 30 anos de prisão. O artigo 215 da lei considera que se uma pessoa declarar que não quer manter relações sexuais com outra, ela deve ter a vontade respeitada, mesmo que esteja embriagada, com roupas curtas ou se já tiver iniciado o ato sexual com consentimento.

mas de violência. Ela é composta pela procuradora e vereadora Daniely Cristina Souza Alves, pelos dois procuradores adjuntos, o vereador Cristiano Silva Villas Boas e o vereador Juliano Vasconcelos Gonçalves e pela assessora Rosana Teodoro. Entretanto, esse não é um serviço muito divulgado no município. A procuradoria funciona dentro da Câmara Municipal e oferece orientação jurídica e atendimento psicológico com profissionais da saúde mental do município. O órgão tem parceria com psicólogos, assistentes sociais, terapeutas ocupacionais e outros profissionais da área do

Centro de Referência Especializado em Assistência Social (Creas). Os serviços podem ser procurados de segunda a sexta, de 12h às 18h. Em breve, a procuradoria ganhará uma sede exclusiva que está sendo reformada na Rua do Rosário Velho. De acordo com Cristiano, para usufruir da assistência da procuradoria, as vítimas podem ir à Câmara marcar um horário por telefone. A Câmara de Mariana também possui uma Comissão dos Direitos Humanos que recebe qualquer denúncia de violação dos direitos dos indivíduos. Ela funciona das 07h às 18h.

Ainda tem gente que não entende que, vistase como vestir, seja como for, ninguém é obrigado a manter relação sexual com o outro” Luíza Fonseca

Lei da Parada Segura A Lei nº 3.086, da “Parada Segura”, foi decretada em Mariana, em junho deste ano, para obrigar os motoristas de ônibus a pararem fora do ponto para mulheres após às 21h. A medida é protetiva e só vale para o desembarque das passageiras. O projeto de lei do vereador Cristiano Vilas Boas foi aprovado por unanimidade na Câmara Municipal de Mariana. O vereador explicou que a lei surgiu após receber alguns relatos dos riscos sofridos por mulheres estudantes e trabalhadoras que precisam se deslocar à noite dos pontos de ônibus até as suas casas: “A partir desses relatos, tivemos

a ideia de fazer a lei e todos os demais vereadores aprovaram, pois viram a sua importância”. De acordo com o Diário Oficial de Mariana, a lei está em vigor desde a data de publicação, 21 de junho. Cristiano esclareceu que a empresa já foi notificada e que deveria ser realizado um treinamento dos funcionários internos até o final de julho. Além disso, adesivos internos informando a respeito da lei devem ser colados nos ônibus. A Transcotta não respondeu o LAMPIÃO. O vereador informou que, além dessa lei, Mariana possui, desde 2015, a Procuradoria Especial da Mulher, órgão de assistência a mulheres víti-


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Arte: ana rafaela

POLÍTICA

A legislatura do Executivo

O que os dados disponibilizados no site da Câmara de Mariana dizem sobre a atuação dos parlamentares eleitos nos últimos anos

Transparência Apesar de teoricamente todos os dados serem disponibilizados online no site da Câmara, durante a apuração a reportagem deparou-se com relevantes lacunas na lista de projetos, falta de informação autoral, digitalizações ilegíveis, arquivos duplicados e links que direcionam a

O vereador não pode propor nada que onere o município, logo fica muito limitado” Tenente Freitas

Questionado sobre o motivo de mesmo os projetos já apresentados mas não aprovados não serem disponibilizados ao público, o presidente da casa explicou que a divulgação desses documentos pode confundir o leitor do portal, mas que não seria um problema passar a divulgar esses dados. Interesses A predominância do Executivo sobre o Legislativo local deve continuar com o próximo prefeito. Por enquanto, duas candidaturas mobilizam Mariana. Com Martha Rodrigues na disputa para prefeita, o Partido Popular Socialista (PPS), do opositor Duarte Júnior, realizou um evento no dia 28 de julho, na sede andré nascimento

Inexpressivo. Entre os projetos de lei que tramitaram neste mandato, poucos são de autoria dos vereadores

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Liderança

do clube Guarany, que promovia sua candidatura para as mulheres da cidade. O “Encontro Mulher 23” contou com a participação da esposa do pré-candidato, Regiane Oliveira. Em discurso para centenas de mulheres, Du admitiu que o evento tem certa relação com a candidatura de Martha Rodrigues. “Queria agradecer a presença de cada uma de vocês, porque esta eleição é muito diferente, estou disputando com uma mulher. Fazer uma reunião com mulheres e encontrar aqui um salão tão cheio traz grande motivação.” Para se aproximar mais do público feminino, Duarte Júnior seguiu o discurso com uma série de estratégias que remetem à construção social do que é “ser mulher”, com frases sobre casamento e novela. O candidato chegou a dizer que “homem só progride se ouvir a mulher”. Duarte Júnior ainda citou Sônia Azzi, que se candidatou à prefeita de Mariana pelo Partido Verde (PV), em 2012. “Queria agradecer muito a presença da Sônia Azzi, que é uma mulher que representa muito bem a mulher marianense, a mulher guerreira, a mãe de família, a mulher responsável e comprometida.” Durante a cerimônia, os filhos do casal, que também estavam no palanque, foram autorizados a falar ao microfone. Um deles pediu apoio a Duarte Júnior, enquanto o mais novo questionou os presentes: “Quem vota no meu pai?” O candidato encerrou as “brincadeiras” e disse que estava “preparando os meninos (para a política)”. O vice, Newton Godoy, seguiu a mesma linha e encerrou o seu discurso dizendo que “a força da mulher em Mariana vai se fazer mostrar”. Na ocasião também foram apresentadas cerca de dez mulheres que se oficializaram pré-candidatas para vereadora da Câmara Municipal de Mariana.

Projetos aprovados de autoria da Prefeitura de Mariana

nenhum

projetos diferentes dos indicados. Para se ter uma ideia, entre os projetos que constam terem sido aprovados em 2013, 52,4% aparecem em branco. Essa porcentagem no ano 2014 é de 11%, enquanto a lista de 2015 está com 64% dos PLs aprovados no período em falta. Tenente Freitas reconheceu que essas falhas eram novidade para ele. “Este era um sistema que não era feito e que começamos a dar mais transparência, lógico que vamos ter algumas dificuldades ainda”, justificou.

Projetos aprovados do vereador Zeze do Nego

ausente

O ano eleitoral é carregado de discursos, propostas e projeções para um futuro próximo que partem de políticos em prol dos mais diversos interesses e, sobretudo, para garantir seus cargos. Neste período, é fundamental resgatar o passado para um voto consciente, levando em consideração a atuação dos eleitos. A partir do cenário político e da corrida eleitoral em Mariana, a equipe do LAMPIÃO apurou a atuação dos vereadores no mandato iniciado em 2013 que termina neste ano. Esse processo encontrou problemas e, por falta de retorno do Poder Legislativo, todo o levamento de dados foi feito por meio das informações disponibilizadas no site da Câmara Municipal, nas abas que abrigam os “Projetos de Lei” e “Atas de Reuniões”. A análise indica que uma parte considerável dos projetos de lei aprovados nos últimos quatro anos, propostos pelos vereadores, são relacionados à denominação de prédios, praças e vias, além de declarações de utilidade pública. Os projetos de lei mais significativos, que ditam leis, geralmente são de autoria da Prefeitura Municipal, o que provoca uma necessidade de entender o porquê da atuação do Executivo sobrepor a do Legislativo. Na busca de uma explicação, a equipe do LAMPIÃO procurou o ex-presidente da Câmara Municipal Bruno Mól para conversar so-

bre os dados, mas até o fechamento do jornal, não obteve retorno. O atual presidente da Câmara, Tenente Freitas, justifica: “O vereador não pode propor nada que onere o município, logo fica muito limitado”. A doutora em Antropologia Social Karina Kurschnir, na pesquisa “Política e mediação cultural: um estudo da Câmara Municipal do Rio de Janeiro”, mostra que vereadores dependem do Executivo para materializar o atendimento aos eleitores. De acordo com ela, “manter e alimentar a relação com o Poder Executivo é o que garante ao seu papel de Vereador o prestígio, junto aos eleitores, de agente da mediação”. Sobre a baixa diversificação das propostas de autoria dos vereadores, o presidente da Câmara declara que “mesmo que o projeto pareça simples, como nome de rua, é importante para o morador da Rua A, Rua B, Rua 12, Rua 10. Por mais simples que seja, o nome de uma praça na comunidade de Vargem pode não ter importância nenhuma, mas para aquela comunidade a praça tem o nome do Zé Fulano de Tal, que fez muito pela comunidade. Aí vem a satisfação daquelas pessoas que às vezes só querem o nome na rua.”

Foi o número de faltas do vereador Raimundo Horta

presente

Caroline Fernandes, Moises Mota e Janaína Oliveira

Foi o número de faltas do vereador Tenente Freitas única vereadora eleita na Câmara de Mariana, levou o nome do marido, Zezinho Salete, para impulsionar sua campanha como vereadora nas eleições. Além da falta de espaço, outro desafio constante das mulheres na política são o machismo e a misoginia que há dentro dos partidos. No lançamento da candidatura de Martha Rodrigues, o ex-prefeito de Mariana Celso Cota, condenado e destituído do cargo em 2015, decretou apoio à candidata. Celso discursou por quase 30 minutos, maior tempo de fala do evento, e afirmou “que apesar dessa beleza toda” Martha é uma mulher madura, com vivência e que também é mãe. O Brasil ocupa atualmente a 131ª posição num ranking de 189 países, classificados pela União Inter-Parlamentar (IPU) de acordo com o percentual de mulheres nos parlamentos nacionais. Além disso, os partidos brasileiros apresentam dificuldade, eleição após eleição, para preencher a cota mínima de 30% de candidaturas por sexo – o que na prática significa não registrar o mínimo de candidatas mulheres previsto por lei.

Representatividade Apesar da candidatura de Martha Rodrigues, a participação das mulheres na política segue tímida e quase sempre depende do papel dos homens como legitimadores, sobretudo dos maridos. No lançamento oficial de sua candidatura no dia 2 de agosto, Martha e a vereadora Daniely Alves (PR), das 12 autoridades presentes, eram as únicas mulheres no palanque, sendo ambas esposas de políticos já atuantes na cidade. Roberto Rodrigues, marido da candidata, é ex-prefeito de Mariana (2012) e foi condenado duas vezes pela Justiça, se tornando inelegível por oito anos. Já Daniely,

histórico político terezinha severino ramos (PTB)

joão ramos (PTB) ROQUE CAMÊLLO (PSDB) Eleições 2008

raimundo horta (PMDB)

2009

2010

2011

ROQUE CAMÊLLO (PSDB)

geraldo sales (PDT)

RAIMUNDO HORTA (PMDB)

terezinha severino ramos (PTB)

Roberto rodrigues (PTB)

celso cota (PSDB)

celso cota (PSDB)

DUARTE JÚNIOR (PPS)

Eleições 2012

2013

2014

Eleições 2016

2015

legenda A ssassinado

eleito

cassado

A ssumiu

destituido


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Arte: MARIANA macedo BOTÃO

progresso e

Seja no centro ou nas periferias, Gaveteiro é aquele que ouviu e testemunhou o início da exploração dos solos. A terra cheia de riquezas atraiu uma multidão para a antiga Vila do Carmo. Faz parte dessa história de chegadas e partidas. Do desenvolvimento, que chegou à cidade e a fez crescer. A cidade, primeira planejada de Minas, não seguiu nessa direção. Ora pela quantidade de pessoas que para aqui vieram, e não cuidaram, ora pela falta de organização do próprio município. Nunca esteve claro para ninguém como uma cidade com tamanha arrecadação deixa a desejar nos seus governos. Ou desgovernos, é difícil de dizer. Foi naqueles, e também neste, quem sabe como será no próximo? Depende de todos, em um ano de decisões importantes, pensar na transformação da cidade que se tem para a cidade que se quer. O Gaveteiro, de corpo e de alma,

entende que a primaz de Minas merece o melhor. O melhor e o cuidado das pessoas, independente de quem sejam. Porque cada um que nela vive é responsável, já que a cidade recebe todos os dias diversas pessoas, com suas angústias, alegrias, tristezas e sonhos. Do Gogô ao Cabanas, passando no Santa Rita de Cássia, descendo para o Centro de Mariana, seguindo até Passagem. Em cada região de Mariana, todos os moradores precisam zelar pela cidade. Ter compromisso com ruas e rios limpos. Cobrar dos governantes que terminem obras, ofereçam saúde de qualidade, educação a todos. Todos querem se sentir seguros. Todos querem moradia digna. E todos são responsáveis por tornar esta cidade, a cidade de Mariana, um lugar de orgulho e prazer em viver. Na cidade dos sonhos, de história e poesia guardada em cada uma de suas pedras. Gaveteiro: Quem nasce ou se sente pertencente a Mariana


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7 Arte: MARIANA MACEDO BOTÃO

em Desordem Fotografia: Amanda Granado e Jéssica Corona Texto: Thatiana Zacarias


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Arte: ISABELA RESENDE

meio ambiente

Parque combate problemas Plano de manejo do Parque das Andorinhas, em fase inicial, prevê diagnóstico e nova gestão do espaço ouropretano para o lazer felipe Augusto Passos

André Ferrari e Gabriela Vilhena

O Parque das Andorinhas é um ponto turístico muito conhecido em Ouro Preto, localizado entre os morros São Sebastião, São João e Santana. Tem um território de 557 hectares, o que equivale a 780 campos de futebol. Com entrada gratuita, é aberto ao público e funciona 24 horas. Entre as principais atrações estão a Cachoeira das Andorinhas, Pedra do Jacaré e Cachoeira do Véu da Noiva. O local ainda abriga fauna e flora da Mata Atlântica dentro dos limites urbanos do município, atraindo turistas e moradores para a prática de esportes dentro da reserva. No entanto, a área enfrenta diversos problemas que vão desde questões estruturais a assaltos recorrentes. Depois de um ano sob direção da Prefeitura de Ouro Preto, o novo plano de manejo está sendo implantado. A primeira fase, em execução, é de diagnóstico das condições estruturais e sociais, e tem um prazo de 30 dias para ser concluída. A população é consultada para colocar em ação as metas já definidas. A partir do estudo do ambiente, as principais metas criadas são um relatório descritivo das oficinas de apresentação do plano de trabalho para comunidade, que terá uma duração de 90 dias, e o diagnóstico do plano de manejo e mapas, que pode durar até 180 dias. A empresa Myr Projetos Sustentáveis, de Belo Horizonte, é responsável pela criação e diagnóstico do projeto e procura estabelecer ações no parque que beneficiem a comunidade, que ainda não conhece direito o projeto ou o plano. Segundo a moradora do Morro São Sebastião, Vanilda Cláudia Costa, a primeira reunião entre moradores e a empresa, que aconteceu em 20 de abril, no parque, teve pouca participação po-

Descaso. Presença de animais de criação em locais indevidos sinaliza falhas na admistração da reserva

pular. Para ela, a ausência da comunidade foi causada pela pouca divulgação do evento e também pela falta de engajamento da população. Segundo relatos de moradores do bairro Morro São Sebastião, a reserva passou por um longo período sem nenhuma segurança para os visitantes, o que afastou a presença da comunidade do parque. Além disso, turistas eram desestimulados pelos próprios moradores a visitar as cachoeiras, já que casos de violência sexual e tráfico de drogas eram frequentes no local. Rodrigo Santos, 30 anos, é guarda do parque há três meses e considera os acessos secundários como um dos principais problemas, pela falta de mapeamento das trilhas. Além disso, devido à extensão da reserva e a falta de sinalização dentro dela, o número de vigilantes é insuficiente. Ele ressalta que o acúmulo de lixo nas dependências e a depredação do patrimônio têm diminuído com a nova gestão, mas a presença de ani-

mais de criação soltos ainda é recorrente. Outro problema apontado é a falta de informações sobre as ações tomadas no local. A extinção da lagoa, que ficava no espaço onde o prédio de apoio do parque foi instalado, é outro motivo para a diminuição da participação dos moradores. A administração da reserva, que em 2015 foi gerida apenas pela Prefeitura do município, hoje é compartilhada por um convênio público com a Fundação Gorceix. De acordo com o engenheiro ambiental representante da fundação, Marco Antônio Ferreira Pedrosa, os objetivos da nova gestão incluem a preservação das espécies do local, o monitoramento das trilhas e a inclusão da comunidade da região. Ainda segundo ele, a participação popular é essencial para a revitalização do ambiente, e a conscientização da comunidade pode acabar com problemas comuns no parque, que incluem focos de incêndio e atividade de pesca ilegal. A nova gestão tomou me-

didas como instalação de câmeras de segurança, criação de quiosques, placas informativas e grades nas beiradas das rochas.

Não há nenhum tipo de orientação e aparecem várias trilhas durante o percurso”. Bruna (turista de Foz do Iguaçu)

Diagnóstico Jeam Alcantara, analista ambiental do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas, explica que a gestão de unidades de conservação como o Parque das Andorinhas é complexa e tem base na Lei das Águas, de 1997. Os comitês, entre eles e o CBH Rio das Velhas, são conselhos que elaboram os planos

de manejo via contratação de empresas especializadas no serviço. Esses planos, posteriormente, têm de ser implementados pelo Poder Executivo. No caso das Andorinhas, a Prefeitura de Ouro Preto, com a Fundação Gorceix, deverá realizar o manejo, a partir da conclusão do diagnóstico no ano que vem. Segundo a geógrafa da Myr, Raquel de Oliveira Silva, “uma das principais formas para se alavancar a sustentabilidade de um projeto como este é fazer com que as ações nele propostas absorvam ao máximo a aceitação e a credibilidade da sociedade e agentes envolvidos”. Ela ressalta a importância da integração com a comunidade para que a preservação da Unidade de Conservação do Parque atinja seus objetivos. Ela afirma, ainda, que todos os eventos realizados no parque possuem dispositivos de divulgação prévia, como panfletagem, fixação de cartazes e notas na TV local. A geógrafa ainda afirma que para garantir o bom desenvolvimento do plano de manejo foi criado um grupo de trabalho que avalia os resultados implantados. Além disso, outras instituições como a Agência Peixe Vivo, o CBH Rio das Velhas, o Subcomitê Nascentes e Instituto Estadual de Florestas (IEF) possuem equipes que acompanham de perto esses resultados junto com toda a comunidade. As turistas Daniela, Laysa e Bruna ficaram insatisfeitas com algumas coisas que presenciaram dentro do Parque. Bruna, que é professora em Foz do Iguaçu, disse que não conseguiria ter encontrado o local pela trilha que veio caso não estivesse acompanhada de um guia. “Não há nenhum tipo de orientação e aparecem várias trilhas durante o percurso”. Outros pontos criticados pela turista dizem respeito ao lixo e à presença de cavalos que encontraram pelo caminho.

economia

Sabores feitos na região A produção de cervejas artesanais atrai olhares em Ouro Preto e Mariana. A fabricação tem se popularizado e ganhado o gosto do consumidor. Além disso as potencialidades do produto têm se tornado mais populares e atrativas, segundo comerciantes e produtores. Este aumento pode ser reflexo do crescente cenário nacional de bebidas. De acordo com o Sebrae, esse é um ótimo momento para quem deseja investir na produção de cerveja artesanal, devido à expansão e demanda para o mercado desta bebida. Segundo a especialista em cervejas e gestora da Academia Barbante de Cerveja, Joyce Oliveira, 44 anos, ainda não há dados e pesquisas precisos sobre as cervejas artesanais. A legislação brasileira de 2015 define que a cerveja artesanal tem, no mínimo, 75% de malte na receita. Diferente da produzida em larga escala, que pode usar até 45% de cereais não maltados, o que pode baratear o custo de produção em quase 6% e altera o sabor. Segundo Joyce, a fórmula da cerveja artesanal não utiliza tantos aditivos, o que resulta em um sabor bem diferenciado.

O que difere as cervejas especiais - artesanais e importadas - das produzidas em larga escala não é apenas o sabor. A quantidade e qualidade da matéria-prima utilizada também é um fator importante, como afirma Joyce. “As cervejas comuns, conhecidas por mainstreans, levam em sua composição uma elevada quantidade de adjuntos cervejeiros com a finalidade de baratear seus custos, por exemplo milho arroz. O que não quer dizer que esse produto não tenha qualidade, mas atende a finalidade de entregar uma bebida de baixo custo”. Ainda segundo a especialista, as cervejas artesanais utilizam na composição uma quantidade maior de malte de cevada, que pode chegar a 100%. Em alguns estilos são adicionados outros cereais, como o trigo ou aveia. Para o consumidor Gabriel Nunes, “as cervejas artesanais ganham pelo sabor e qualidade”. As cervejas artesanais produzidas em Ouro Preto e Mariana buscam criar uma identidade regional, seja no sabor ou nos nomes. São marcas como OuroPretana; Gloriosa - feita com a água da fonte da Glória, em Passagem de Mariana; a Segredo do Professor, desenvolvida por professores da Ufop; Kamofa - uma gíria local; Vira-Saia - nome

de uma figura do folclore ouropretano; e a Família Nerd Cervejas Artesanais. O proprietário dessa cervejaria, Marcelo Sampaio, 35 anos, diz que o nome vem pelo gosto da família pelo universo nerd. Anna Cordeiro, 23, sócia da Cervejaria Gloriosa, em Ouro Preto, conta que “o nome casou muito bem com a proposta da cerveja. Descobrimos que a água da fonte da Glória tem o pH ideal para desenvolver o produto, então, o nome veio em decorrência disso”. A denominação Ouropretana, segundo o sócio da cervejaria, Alan Terra, 31, “foi escolhido por causa da regionalidade da cerveja”. Segundo Alan, o comércio e a produção local desse tipo de produto gera, direta e indiretamente, empregos para a cidade. De acordo com o proprietário do Resto-Bar Armazém da Glória, Paulo Roberto Mendes, 37 anos, a procura por cervejas artesanais é constante. “Elas já têm público fiel, os clientes já chegam sabendo o que querem.” Alan Terra considera que esse tipo de produto tem perspectiva de se tornar atrativo turístico.“Quando as pessoas viajam, elas tendem a buscar o que a região oferece. Sendo um produto de qualidade e de apelo muito grande, como é a

cerveja no país inteiro sempre será um potencial”, diz o especialista. Segundo o sócio da Cervejaria Gloriosa, Luiz Felipe Pereira, 29 anos, um dos problemas enfrenta-

dos por produtores locais é o espaço físico. Ele não vê possibilidade de aumentar a produção em Ouro Preto, já que a fabricação de cervejas artesanais é um processo lento.

Wendell soares

Anna Chaves

Artesanal. Produções locais ganham espaço no mercado cervejeiro


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Arte: ISABELA RESENDE

cidadania

Comida para quem precisa Há mais de 50 anos, Casa da Sopa Tia Lica serve refeições gratuitas para população em situação de rua; lugar vive de doações Mariana Ferraz

Segundo a Política Nacional para a População em Situação de Rua, decreto nº 7053/2009, art 1º, a população em situação de rua pode ser definida como grupos populacionais compostos por pessoas com realidades variadas, mas que têm em comum a pobreza absoluta como condição. Também existem os vínculos quebrados com família e a falta de habitação, que caracterizam o cenário que obriga essas pessoas a se tornarem moradores de rua, de forma temporária ou permanente. Por tais razões, há a necessidade de endossar os projetos sociais que tentam minimizar os números de pessoas nesse contexto social. Há um crescimento contínuo dessa população, segundo os censos realizados pelo

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE). Nas estimativas de 2012 havia no Brasil cerca de 1,8 milhão de moradores de rua. Na última pesquisa, feita em 2015, o número aumentou significativamente, cerca de 10%. A primeira consulta oficial sobre essa parcela da população foi feita em 1998 e, desde então, o censo inclui nos dados o número de pessoas que vivem em situação de rua. O IBGE reconhece no relatório da última pesquisa divulgada a dificuldade em proceder com esse tipo de busca. Por se tratar de pessoas que não têm domicílio, não há horário ou local apropriados para fazer o recenseamento. Por isso, eles precisam aprimorar os recursos que têm para obter números mais precisos. Na cidade de Mariana, as Obras Sociais Monsenhor

Horta são um conjunto que mantém funcionando algumas instituições de assistência às desigualdades sociais e pessoas socialmente vulneráveis. Entre eles, a Casa da Criança Jesus, Maria e José e o Centro Promocional Cônego Renato, que auxiliam crianças; o Lar Santa Maria, que recebe idosos; e a Casa da Sopa Tia Lica. A Casa funciona oferecendo refeições desde 1965. Ao fundar a casa, Tia Lica primeiramente assistia a crianças e gestantes, depois passou a servir almoço à população em situação de rua da cidade e região. A entidade distribui cerca de 50 senhas diariamente (podendo oferecer mais, caso ainda haja comida), a partir de 10h30, e oferece o almoço a partir das 11h. O lugar fica aberto enquanto houver comida a servir e gente para almoçar. Lo-

calizada na Praça Minas Gerais, ao lado da Igreja Nossa Senhora do Carmo, é possível ver a fila que se forma na porta nesse horário. O local é arejado e bastante limpo. Contando com seis mesas longas e bancos de madeira, o espaço é grande e consegue acomodar bem os que utilizam o serviço da casa. A comida servida é simples e de qualidade. “Nunca faltou arroz e feijão desde que venho aqui”, conta José Antônio Leite, que já precisou se alimentar na casa algumas vezes. “Normalmente venho na quinta ou na sexta-feira, quando preciso fazer exame em Mariana.” José diz que gosta da comida, e prefere esperar um pouco na fila do que confiar em comidas de restaurantes. “Pelo menos sei que aqui é boa.” A casa conta com uma cozinheira, Eunice Brígida AlIara Campos

Assistência. Diariamente Dona Lurdes distribui na entidade filantrópica almoço preparado para pessoas carentes

cântara, e Maria Lurdes, que auxilia e serve as marmitas entregues aos que almoçam lá. Elas são as únicas funcionárias da casa, pois os administradores trabalham para as Obras Sociais. Não há cardápio fixo já que os pratos servidos dependem das doações recebidas. Arroz, feijão e salada não costumam faltar. Como o funcionamento da casa tem o caráter de assistência, muitos dos beneficiados são, além de moradores de rua, pessoas em situação de extrema pobreza. São desempregados, moradores de regiões próximas que passam por Mariana para consultas médicas e não têm dinheiro para refeição, além de crianças e adolescentes abandonados pelas famílias. Contando com doações da comunidade e um auxílio da Prefeitura que recebem há cerca de seis anos, a Casa da Sopa Tia Lica faz um trabalho social importante, pois, como não existe qualquer tipo de critério ou cadastramento, as refeições (que prioritariamente deveriam ser servidas aos moradores de rua), são concedidas a todos que chegarem - não há como fazer uma pesquisa prévia sobre qual a situação de cada um na fila. Por isso, há de se acreditar na necessidade de cada um que tem uma das poucas senhas distribuídas diariamente no local, esperando ao mesmo tempo que ninguém que realmente necessite perca a oportunidade de almoçar. Uma das administradoras do local, Elisabete Marinho

(também conhecida como Bete), conta que é possível perceber quem está em real carência do serviço de refeições gratuitas que eles oferecem na casa. “A grande maioria que frequenta não está em situação de rua, e vem porque não temos como controlar quem entra”, explica. Por fazerem parte das Obras Sociais, o controle seria um tipo de segregação entre os beneficiários. Ainda assim, os administradores do espaço estão satisfeitos e acreditam que o trabalho seja bem feito, pois não há ninguém prejudicado. “Sempre dá para todo mundo comer”, afirma Bete. Ela ressalta também a importância das doações recebidas pela Casa. “Aceitamos todo tipo de doação do gênero de alimentos.” Alguns estabelecimentos particulares já doam há algum tempo e são imprescindíveis para a continuidade do trabalho que o local realiza. O subsídio oferecido pela prefeitura de Mariana e as Obras Sociais são de ajuda fundamental. As doações incentivam o bom funcionamento e a continuidade do esforço que já dura 51 anos. A partir do crescimento da população que vive em condição de rua, instituições que fazem este trabalho de acolhimento e assistência aos mais vulneráveis, como a Casa da Sopa Tia Lica, prestam um serviço fundamental para a sociedade. Cabe ressaltar que as atuais políticas públicas encarregadas de corrigir problemas sociais continuam sendo insuficientes.

cidades

Em busca de visibilidade Tornar o estigma em algo positivo. Esse é o objetivo da Central Única de Favelas, a Cufa, criada em 1996, em Madureira, no Rio de Janeiro, e que agora tenta ser implantada no município de Mariana pela presidente da filial do estado de Minas Gerais, Marciele Delduque. Nascida e criada no Bairro Cabanas, Marciele sonha em conseguir implantar uma sede da ONG onde nasceu. “Quero que a Cufa seja algo dentro da cidade que venha trazer impacto, que venha trazer transformação e que venha dar oportunidade ao universo em que vivo”. Segundo Marciele, as negociações para a implantação da organização no município começaram no início de 2015 e foram apoiadas pelo então prefeito Celso Cota. Após as mudanças no cenário político de Mariana, as negociações foram retomadas, mas dessa vez sem sucesso. Ao ser contatada pela equipe do LAMPIÃO, a atual gestão da Prefeitura não soube responder as questões levantadas sobre a tentativa de implantação da ONG no município. A filial da Cufa em Minas Gerais possui diversos pro-

jetos que são apoiados pelo Governo Estadual, em sua maioria voltados para a região metropolitana de Belo Horizonte, por contarem com maior apoio tanto do poder público quanto do setor privado. Para Marciele, por ser presidente estadual da Cufa, não conseguir implantar uma sede da organização no município onde mora chega a ser irônico. “Lá em Belo Horizonte o poder público e estadual reconheceram e entenderam a ausência deles dentro desse território e nos convidaram, já conhecendo o trabalho da Cufa no Rio de Janeiro, entendendo a nossa expertise e nossas capacidades dentro do território específico que é a favela”. O Governo de Minas Gerais fechou um convênio com a Cufa do estado orçado em cerca de R$ 3 milhões para o desenvolvimento de projetos sociais dentro das favelas. Alguns dos projetos que serão implantados pela Cufa em Mariana já estão sendo pensados. Segundo um dos idealizadores da instalação da ONG no município, Alexandre Delduque, o foco inicial seria institucional, com profissionais das áreas de educação, cultura e esportes, além de oficinas e cursos profissio-

nalizantes que contribuiriam para a formação dos jovens moradores dos bairros mais afastados de Mariana. Atualmente, a Cufa está presente em grande parte do território brasileiro, com filiais em todos os estados, além de possuir sedes em 17 países. Suas campanhas contam com parceiros tanto do setor público quanto do privado, que buscam divulgar ainda mais o trabalho da ONG. “A Cufa vem de dentro da necessidade, então vamos identificando a necessidade e buscando parcerias”, explica Marciele. É a partir do envolvimento daqueles que possuem as ferramentas com as ideias pensadas pelos participantes da Cufa que surgem os projetos da organização. E é por meio dessas parcerias que esses programas são desenvolvidos para envolver cada vez mais pessoas das comunidades. Para a moradora do Bairro Cabanas há mais de 18 anos Vitória Siqueira, o local carece de projetos sociais que envolvam a comunidade, principalmente os jovens. Ajudar alguém a realizar o seu sonho é algo que a faz acreditar que a ONG irá somar, com resultados visivelmente positivos as comunidades que muitas

vezes são esquecidas até pelos próprios moradores. “Imagina um galpão lotado com uma garotada cheia de história diferente, com sonhos diferentes, que tem tudo pra entrar para o crime mas está ali”, idealiza Vitória, com a expectativa de mudar a vida das pessoas da mesma forma que a Cufa está mudando a dela. Vitória acredita que a organização trará benefícios não só para o Bairro Cabanas, mas também para o município, pois ele carece de um local de lazer e aprendizado. O projeto de criar a Cufa em Mariana é desconhe-

cido pela maioria dos moradores, por ser novo na região. Mas as pessoas que estão descobrindo as ideias da organização estão abraçando as causas, empolgados com os benefícios que ela trará para a comunidade marianense. Apesar da falta de apoio da Prefeitura de Mariana ao projeto, os idealizadores continuarão tentando implantá-lo. “Não vou desanimar, tenho certeza de que aqui em Mariana teremos um braço muito forte da Cufa”, declara Marciele. Segundo ela, os bairros periféricos do município possuem muita carga cultural que

deve ser reconhecida. Um dos objetivos do projeto no município de Mariana seria mostrar para a população desses lugares que eles possuem uma estrutura que supre suas necessidades e que, apesar de precisarem de melhorias, é possível descentralizar os serviços do município. A expectativa é implantar a Cufa no município até o início de 2017, independente de recursos disponibilizados pela Prefeitura.“Vão ter que nos engolir, porque a gente existe e nós temos [pontos] positivos aqui dentro”, afirma a marianense Marciele Delduque.

ana paula bitencourt

Mariana Brito

Valorização. ONG, que tenta ser implantada em Mariana, objetiva destacar periferia


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Arte: caroline borges

PERFIL

O mestre da simplicidade A vida e a história do escultor que todos os dias dedica-se à arte de esculpir anjos, querubins, santos e outras imagens sacras Na antiga senzala e, posteriormente, primeira cadeia de Minas Gerais, um icônico morador trabalha todos os dias ao som de música clássica. O marianense, nascido e criado na cidade outrora do ouro e agora do minério, Mestre Paiva tornouse referência artística e turística local. O escultor de 57 anos, morador do bairro São José, trabalha todos os dias sem muitos intervalos, talhando anjos e imagens sacras. “As mais de 15 horas que trabalho não fazem mal. Tenho compromisso com a arte. Todo tempo que tenho, dedico à ela”, dizia enquanto revezava a atenção entre a entrevista e o primeiro querubim do dia. O processo de composição perpassa diversas etapas. Primeiro ele escolhe as madeiras, as leva ao serralheiro para dar a primeira forma das peças e depois guarda todas em sua companheira – uma mala azul-marinho de rodas quebradas – e segue rumo a sua oficina diária. Os ombros trazem as marcas do peso que ele precisa carregar, as mãos possuem a forma de encaixe do formão de cinzel, ferramenta utilizada para cortar e formar os desenhos e contornos. A peça fica presa a uma mesa de madeira que ele mesmo fez e seus movimentos rápidos logo vão dando a forma que o anjo terá. Percebemos então que para esculpir o objeto precisamos de poucos materiais e espaço, todavia, talento, paixão e paciência são indispensáveis. Mas não pense que a vida de Paiva é feita apenas de encontros, esculturas e entalhes. Casado há 25 anos com Isabel, ele relata as dificuldades que ambos tiveram para criar as duas filhas, Tatiana, 26 anos, e Tacimara, 20. Viver da e para a arte requer serenidade e fé, ainda mais quando se é o único responsável por colocar comida na mesa. O mestre faz ques-

Mateus Carvalho

Destreza. Entalhando em madeira, Mestre Paiva dá forma ao talento Priscila Santos

Ser artista plástico em uma cidade que carrega história, arte e beleza em cada canto é tremendamente difícil. Não se deixar influenciar por completo pelos traços do passado é um desafio e, em contrapartida, negar o legado do Barroco presente nas ruas e nas construções pode ser considerado “um pecado”.

Heranças do catolicismo, da escravidão e da Era do Ouro estão cravadas em Mariana, como uma marca de nascença. Em pleno século XXI, a ascendência desse contexto se torna quase inevitável para os artesãos, pintores e escultores que aqui vivem. Dentre as diversas galerias, espaços culturais, mostras permanentes e ateliês, a Câmara Municipal dos Vereadores ganha destaque especial.

tão de enfatizar que suas peças valem bem mais que o valor por que são vendidas, mas dado o atual contexto econômico da cidade, ele precisa trabalhar com o que tem. Depois da tragédia da barragem do Fundão, localizada no que foi o subdistrito de Bento Rodrigues, a 35 km do Centro Histórico de Mariana, o número de turistas caiu drasticamente. “Depois do acidente os turistas pararam de vir, porque do jeito que os noticiários divulgaram, fez parecer que a lama desceu aqui para o Centro Histórico. Acho que a Samarco precisa revitalizar nosso turismo. O número de pessoas caiu, tem o livro de visitas para provar. As pessoas não assinam porque não vêm mais.” A falta de investimento direto, seja público ou privado, também é um dificultador. Sua vida e rotina parecem ser árduas, mas não há obstáculos que o façam desistir. As mais de 15 horas que trabalho não fazem mal. Tenho compromisso com a arte. Todo tempo que tenho, dedico à ela” Mestre Paiva

A paixão pela arte é tão intensa que, além dos dias de trabalho, nosso personagem encontra tempo para ensinar. Apesar de não se considerar um professor ou “mestre”, Paiva ministrou dois cursos, certificando 13 jovens em Mariana e outros 42 em São Paulo, que hoje são escultores. “A arte é infinita, igual aos números, por isso ela precisa sempre continuar”, disse enquanto salientava a importância do professor e do aluno para a continuidade do mundo. Essa visão sobre a educação provavelmente vem da cria-

ção que recebeu dos pais, dona Eva e seu Hodilar. Apesar de terem tido uma vida financeiramente complicada, os estudos do filho único eram prioridade, por isso o menino sempre ajudou a complementar a renda de casa. Ajudava o pai, que era pedreiro e vendia os bolos e pastéis que a mãe fazia pelas ruas de Mariana. Todo o dinheiro que ganhavam era investido no colégio Providência, um dos mais antigos da cidade. Brincar? Só aos fins de semana. De segunda à sexta, cadernos e trabalho. Os esforços lhe renderam uma formação técnica em secretariado. Logo após terminar o ensino médio, entrou no mercado de trabalho. Antes de ser escultor, trabalhou como frentista, encarregado de departamento pessoal e outras funções. A arte veio ao encontro de Paiva em 1983, embora seu primeiro contato tenha sido na infância, quando havia pintado a Igreja de São Pedro dos Clérigos para um elogiado trabalho de escola. Entre rabiscos e ideias, talhou sua primeira peça na tábua de bater carne da mãe, a Igreja da Sé. Mesmo com receio de levar bronca, mostrou a igreja que havia feito e dona Eva, sorridente, respondeu: “Mas menino, a sua igrejinha ficou bonitinha!” Histórias como essa são contadas com bastante ternura, saudade e gratidão. O talento para entalhes em madeira foi aprimorado por Hélio Petrus, que lhe ensinou muito do que hoje sabe. Durante anos, a arte foi trabalho paralelo. Somente a partir de 1993 é que passou a dedicar-se inteiramente ao que ama e sabe fazer: esculturas em madeira. Foi assim que o menino nascido José das Mercês Paiva, que adorava brincar de bolinhas de gude e de rabiscar desenhos, tornou-se quem jamais imaginou que seria: Mestre Paiva.

esporte

Futebol em prol do futuro Luana Carvalho

A prática esportiva baseada em princípios educacionais contemporâneos, como participação, cooperação e inclusão, agregada a valores como entendimento de regras, aceitação da autoridade, trabalho em equipe, disciplina, iniciativa, superação, compreensão de êxito e fracasso, entre outros, se caracteriza como uma ferramenta para a construção da cidadania e do caráter do praticante. O esporte contribui di-

retamente com o processo de formação integral do indivíduo, principalmente para aqueles que estão no início do processo de desenvolvimento. Além de ser trabalhado como ferramenta de aprendizado pode gerar interesse e prazer para os praticantes. Essa é a opinião de Renato Moreira, 35 anos, técnico em Educação Física. Na região, existem ações que promovem inclusão e transformação social por meio do esporte. O projeto Lance Certo é uma inciatiingryd Rodrigues

Inclusão. Lance Certo propõe integração social por meio do esporte

va da Secretaria de Esportes e Lazer de Ouro Preto, e foi criado em 2013 tendo como objetivo a prática de iniciação ao futebol. Com o intuito não só de aprender o esporte, o Lance Certo busca melhorar o desenvolvimento pessoal e físico, com atividades desenvolvidas por professores de Educação Física. O projeto atua em Ouro Preto, Cachoeira do Campo, Antônio Pereira, Amarantina e Santa Rita de Ouro Preto. Em Ouro Preto, são mais de 100 inscritos entre crianças e adolescentes. Há duas turmas no campo da Água Limpa, às segundas e quartas às 14h, e terças e quintas às 8h. Quem estuda de manhã treina à tarde e vice-versa. O professor responsável, Raimundo Júnior, faz trabalhos distintos com crianças e adolescentes. Dos 7 aos 12 anos ele trabalha a experimentação dos movimentos da criança e coordenação. Elas praticam exercícios de lateralidade, pulos, saltos e arremessos, estimulando a coordenação sensorial e motora. Dos 12 em diante são trabalhadas orientação e direção. Ao final, o professor prepara o jovem para se especializar no esporte. Segundo o secretário de Esportes e Lazer de Ouro Preto, Geraldo Magela, a prática do esporte e o projeto não deixam a criança ociosa. Ao entrar no Lance Certo, o participante é preparado por um professor para aprender futebol e exercí-

cios pedagógicos. “Além de preparar a criança e o adolescente para ser um jogador, o projeto trabalha o caráter, mostra o que deve ou não fazer. Quando o professor vê algo errado, corrige”, explica. Para o professor Raimundo Júnior, o Lance Certo tem como objetivo criar rendimento social, ensinar a criança a perder e a ganhar e aprender a conviver com outras pessoas, além de dar carinho e lazer. Os treinos não são limitados a jogar futebol: as crianças soltam pipa e fazem jogos que exercitam a coletividade. Segundo Raimundo, o projeto vai muito além da exclusão dos jovens da criminalidade. Para Wanderson Conceição, 32 anos, o filho Adrian Victor, 10, teve melhoras significativas no comportamento. Mas ele cobra: “Podia ter mais investimento. Talvez servir um lanche para as crianças depois de tanto tempo jogando bola”. Os treinos duram cerca de uma hora. Rosângela Silva, 42 anos, é mãe de Pedro, um dos inscritos. Ela diz que o projeto foi de grande valia para o filho, que está convivendo melhor com outras crianças. A disciplina e as notas no colégio aumentaram. “Ele adora vir às aulas, fica ansioso, e sabe até o dia e o horário em que acontecem os treinos.” Sheila Gonçalves, 44 anos, mãe de Kaique, 11, conta que além de melhorar comportamento e desen-

volvimento, o esporte ajuda a controlar o peso, pois o filho tem tendência a engordar. Segundo dados da Organização Mundial de Saúde de 2011, praticar um esporte em nível moderado durante 60 minutos diariamente melhora a aptidão cardiorrespiratória, saúde óssea, cardiovascular e metabólica, entre crianças e jovens de 5 e 17 anos. O secretário Geraldo Magela ressalta que é importante que os pais participem ativamente dos treinos das crianças, não apenas para controlar a frequência, mas para motivar os filhos a continuarem a melhorar o desempenho. O participante do projeto Gustavo Henrique, 15 anos, gosta quando os pais o assistem. Eles vão “quando tem campeonato”. O projeto Lance Certo não possui período fixo de inscrição. Para se inscrever, o responsável deve ir até a quadra do bairro Água Limpa e preencher uma ficha de inscrição com os dados do filho ou da filha. Não há limite de vagas e o projeto aceita participantes de 7 a 17 anos. Para o educador físico Renato Lopes, os valores trazidos pelo esporte podem e devem ser aplicados na vida de crianças e adolescentes, contribuindo diretamente para a melhoria do ambiente em que estão inseridos. O respeito que os alunos têm pelo treinador, devem ser estimulados a terem em casa com os pais e na escola com os professores.


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Agosto de 2016

Arte: CAROLINE BORGES

cultura

Para quem são os eventos? A produção cultural realizada em Mariana e Ouro Preto tem sido afetada por falta de planejamentos e poucos incentivos FERNANDA covalski

Crise. Com programação reduzida a dez dias, Festival de Inverno deste ano teve público menor do que nas edições anteriores

Matheus Santiago e Rayssa Amaral

Durante o ano são realizados eventos em diversas áreas artísticas, como música, cinema, circo e teatro na Região dos Inconfidentes. Todos têm programação gratuita e contam, de alguma maneira, com verbas públicas. Esse financiamento é possível por meio da Lei Rouanet, com a isenção de impostos das empresas que apoiam os projetos, por repasse direto das prefeituras ou pelos fundos e prêmios estaduais de cultura. Para a ouropretana Vivianne Siqueira, 30 anos, a agenda cultural oferecida nem sempre é acessível a todos os públicos. Mãe de duas crianças, relata a falta de opções de programação para a família. “Os eventos não são pensados para quem trabalha e tem filhos, muitas vezes nem para quem tem renda menor. A programação poderia ser mais diferenciada, mesmo a voltada para os adultos. Não dá para ir a um show que começa depois da meia noite tendo que trabalhar pela manhã”. Segundo o comerciante Wagner Gonçalves, 47 anos, com a exploração turística de

Ouro Preto a população perdeu um pouco o contato com o espaço que lhes pertence. “A ideia de transformar a cidade em palco de grandes eventos é importante para o desenvolvimento econômico, mas o foco não é o cidadão que tem direito ao lazer e à cultura, mas o turista que vem para gastar”, questiona. Para um dos coordenadores gerais do Circovolante que, anualmente, promove o Encontro Internacional de Palhaços em Mariana, Xisto Siman, o encontro foi pensado de maneira que os públicos mais diversos fossem contemplados. Xisto acrescenta que com a crise econômica a perda de patrocínios poderia influenciar no tamanho do 8º encontro, marcado para os dias 23 a 25 de setembro, porém o esforços são de manter a grade. “Estamos trabalhando com praticamente 60% de recursos em relação aos outros anos, tanto que as atrações diminuíram o valor de cachê. A gente tem tentado trabalhar a estrutura de outra forma, como uma maneira de economizar”. O Festival de Inverno de Ouro Preto e Mariana, realizado entre 8 e 16 de julho, promovido pela Pró-Reitoria de Extensão (Proex) da Universidade Federal de Ouro Preto

(Ufop) tinha ampla programação prevista. O pró-reitor adjunto de extensão, Rondon Marques, envolvido na organização há 10 anos, avalia a manuntenção do festival de maneira positiva, mesmo sem recursos financeiros. Ele chama atenção para a arte como resistência: “Conseguimos uma mobilização de pessoas que é fantástica, se pensarmos que realizamos um evento de 10 dias com qualidade, envolvido, com pessoas que atuaram gratuitamente”. Ao analisar as edições anteriores, ele enxerga que faltou diálogo com as estruturas permanentes, como espaços culturais da periferia. Atualmente o planejamento do evento está sendo pensado na direção de promover a potencialização desses lugares. O atraso na captação de recursos não desanimou a coordenadora do Fórum das Letras de Ouro Preto, Guiomar de Grammont. Ainda no aguardo da resposta de importantes patrocinadores, ela adianta que o Fórum das Letrinhas será realizado, como sempre, três meses antes da programação principal, marcada para 10 a 15 de novembro. O Fórum das Letrinhas é voltado para o público infantil e promove incentivo à leitura. A visita de escri-

tores e oficinas com arte-educadores são algumas das atividades. Para o sócio-diretor da produtora cultural Planeta - Cultura & Sustentabilidade, de Ouro Preto, Antonio Caeiro, há uma distinção na natureza de quem promove esses eventos. Ele afirma que, muitas vezes, as ações produzidas pelo poder público e pela universidade não efetivam articulação social. Antonio ressalta que o planejamento de políticas culturais deve acontecer com uma preocupação que vá além do dinheiro. “O pensamento de financiamento é importante, mas acredito que cada vez mais ele deve ser olhado a partir de uma lógica integrada”, ressalta. Para o gestor cultural uma saída seria desenvolver a economia criativa. Isso implica em pensar a cultura dentro de uma cadeia maior de atividades que envolvem a criatividade e movimentam o setor econômico da região. Foi formado em julho deste ano, em Mariana, o Conselho Municipal de Cultura. O órgão tem como dever fiscalizar as atividades culturais promovidas pela Prefeitura, ser canal de diálogo com a comunidade e criar e gerir o Fundo Municipal de Cultura, instrumento de fomento à produção cultural artística na esfera municipal. O secretário-adjunto de Cultura e Turismo do município, José Luis Papa, se preocupa com os rumos que o conselho pode tomar caso exista em função do benefício próprio dos componentes, mas vê a sua importância. “Se você quer buscar um recurso financeiro que possa apoiar esses grupos não tem caminho melhor do que o conselho.” O artista ouropretano Marcelino Xibil diz que o setor cultural em Ouro Preto se encontra completamente abandonado e sem políticas definitivas. “A cultura hoje está junto com o patrimônio e é restrita a uma salinha, não se vê um projeto, um incentivo, nada. O apoio é inexistente.” Ele relata que a cidade passou muito tempo sem um conselho ativo e que os artistas começaram a se mobilizar para reativar a entidade, destacando que estas são questões recorrentes: “O movimento foi tomado pelos artistas, a prefeitura se exime de atuar no conselho. Até mesmo o Fundo Municipal de Cultura aprovado no municipio é inoperante”. Procurada pelo LAMPIÃO, a Secretaria de Cultura e Turismo de Ouro Preto não se pronunciou até o fechamento desta edição.

CULTURA

Vazio que estimula a arte Luccas Gabriel

A Casa Dedela, em Lavras Novas, distrito de Ouro Preto, representa a memória de uma mulher que no século passado já era dona de si e vivia para sobreviver. Adelaide Alves Azevedo, a Dedela, era descendente de índios e viveu em Lavras Novas de 1926 a 1986. Carregava lenha e lavava roupa, entre várias outras atividades, em troca de alguns trocados e de comida. Sempre trabalhando, sem saber que a atitude de se virar sozinha era um ato político para muitas mulheres ao redor do mundo. Essa mulher inspirou Suzana de Meneses Macedo, 69 anos, atual responsável pelo local, a servir. Servir o mundo que a cerca com arte e as várias funções que exerce. Ela trabalha no espaço desde que chegou a Lavras Novas, em 1981. Lá Suzana já lecionou, cantou, desenhou, pintou, compôs, filmou, acolheu viajantes e contou histórias, além de realizar eventos. Seu laço com o lugar é forte e é o que a tem guiado na vida. Depois de tantos anos, a força de Dedela e seu caráter, ainda estão presentes, inspirando a casa a resistir e a existir. Atualmente esse espaço de cultura e arte de Lavras Novas recebe atividades como mostra de cinema e teatro. Ao entrar no terreno já podem ser vistas várias pinturas, artesanatos e esculturas, feitas por Suzana e pessoas que visitam a casa. Sempre que aparece alguém, mesmo não sendo artista, a pessoa é convidada a preencher o vazio de uma tela ou uma parede. Pode ser alguém de fora que viaja pelo

distrito, ou alguém que vive lá e sabe o que representa essa casa e o que é fazer arte ali. Suzana está em processo de redescoberta do significado da interação dela com o espaço. A casa sempre representou a luta pela sobrevivência do patrimônio cultural no distrito. Hoje, depois de tantos anos, pensa que a ausência de incentivo à cultura em Lavras Novas motiva a continuidade do trabalho e também a reflexão sobre o significado da Casa Dedela. Ali já funcionou um galinheiro na década de 1980, instalado para garantir a merenda de uma escola que funcionava no distrito. Depois o espaço se tornou a Escolinha Dedela, baseada na pedagogia de Paulo Freire. Atendeu 26 crianças de Lavras Novas em fase de alfabetização. À época, a casa também recebeu a visita do embaixador do Canadá, que se dispôs a oferecer ajuda financeira do país para incentivar o projeto que não recebia auxílio local. O símbolo da casa hoje é um pote vazio. Suzana explica que esse pote é uma metáfora, “uma construção de barro que possui no interior um espaço que entendemos como o vazio”, que solicita algo a ser depositado. Dependendo do que se coloca no pote ele se transforma: “Se alguém coloca flores no pote ele vira jarra, se coloca moedas vira cofre”. A casa utiliza o vazio como fonte de inspiração para se fazer arte ou realizar um evento, por exemplo. E assim é a interação com o público. O tema do vazio virou um livro confeccionado e costurado à mão pela artista, que a proporcionou um prêmio nos Estados Unidos.

A obra conta a história da Dedela e fala dos significados desse vazio, em páginas manuscritas e decoradas com colagem de folhas de árvore e desenhos. O vazio também será o assunto de uma palestra ministrada por Suzana em Cuba, no mês de agosto. Suzana é uma desenhista premiada desde a infância na escola. Participou do musical Nanãn-ná por 12 anos e, atualmente, está gravando um disco de marchinhas compostas por ela chamado Carnaval para Jesus. Sua iniciativa de também produzir vídeos postados em

canal do Youtube sobre a Casa Dedela acabou atraindo atividades audiovisuais no local. O espaço possui uma sala de cinema que está temporariamente sem atividade. A última mostra foi o Cine Cipó, em julho de 2015, que exibiu filmes infantis e socioambientais. A estrutura da sala deve passar por uma reforma que é muito importante, pois segundo Suzana, a estrutura de iluminação, som e a parte elétrica devem estar funcionando bem antes de ela redigir algum projeto de captação de recursos públicos via leis de incentivo à cultura. Ana Paula bitencourt

Acolhida. Suzana recebe na Casa Dedela interessados em realizar trocas culturais


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As redes Minha Ouro Preto e Nossa Mariana buscam por meio da mobilização popular promover o debate e criar políticas públicas capazes de beneficiar as cidades e todos

que nelas vivem. Ambas trabalham com o princípio de construção coletiva, em que todos compartilham ideias, talentos e recursos em prol de uma cidade mais plural e independente. Os cidadãos repensam os municípios e juntos, correm atrás de melhorias. Nessas redes colaborativas, a voz que vem das cidades importa e é ouvida.

Minha Ouro Preto

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Organização independente e apartidária, fundada em março de 2016. A ideia partiu de um grupo multidisciplinar de pessoas que se juntaram, cada uma delas com um projeto voltado para a cidade. Os cidadãos podem enviar propostas de acordo com o que acham que melhoraria Mariana. A intenção é provocar o poder público a agir. O pensamento da rede é “eu posso mudar a cidade”.

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O Minha Ouro Preto conta com o apoio de doações voluntárias e faz parcerias para promover as mobilizações.

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Organização independente e apartidária, fundada em 2015 por meio da iniciativa da moradora de Ouro Preto Adelaide Dias. Funciona como um canal que dá suporte estratégico para as mobilizações locais, usando plataformas e ferramentas on-line. A Minha Ouro Preto integra o movimento Nossas Cidades, rede colaborativa entre nove cidades brasileiras que conta ainda com Rio de Janeiro, São Paulo, Campinas, Curitiba, Recife, Garopaba, Porto Alegre e Blumenau.

nossa mariana

Totalmente voluntariado. A intenção é efetivar a associação com CNPJ para recorrer a editais e realizar os projetos.

Parceiros

Áreas de atuação Políticas públicas em benefício da cidade. As mobilizações abrangem setores como educação, saúde, transporte público, moradia, projetos sociais.

• Federação das Associações de Moradores de Ouro Preto (Famop) • Coletivos locais • Rede Nossa Mariana

Pessoas envolvidas/ atingidas • Equipe: 4 integrantes • Mais de 2000 pessoas estão conectadas

Áreas de atuação Parceiros • Minha Ouro Preto

Políticas públicas em benefício da cidade, com foco em áreas como economia, meio ambiente, cultura, esporte, arquitetura, urbanismo. A grande temática é construir “a cidade que queremos, repensar Mariana.

Pessoas envolvidas • Equipe: 15 pessoas

Ferramentas REBOO: plataforma para criação de petições on-line.

Mobilizações: • Na corda bamba com a crise • Conferência das Cidades • Para Pimentel! Todos contra o PL2946

PANELA DE PRESSÃO: por meio desse aplicativo o cidadão consegue mandar e-­ mail, enviar mensagens pelo Facebook e Twitter ou até mesmo telefonar para governantes, gestores públicos, parlamentares, e fazer uma reivindicação.

• Junt@s por uma Delegacia da Mulher em Ouro Preto • Socioeconômico Já Mobilizações Coordenadas: iniciativas da Rede Nossas Cidades e desenvolvidas por todas as equipes: • Internet na Escola

LEGISLANDO: por meio dessa ferramenta o cidadão cria um projeto de lei e outras pessoas podem editar e colaborar, assim como um vereador pode adotar a ideia e sugerir a proposta na Câmara Municipal.

• Mapa do Acolhimento

saiba mais:

Ferramentas Não há ferramentas específicas, a organização ainda estuda o método de atuação na cidade e a quais ferramentas recorrer. Utilizam as mídias sociais (Facebook) e as redes de contato individuais dos membros.

Mobilizações • Rodada Cultural • Ocupação do Jardim

Abrangência O desejo da Nossa Mariana é ir além do Centro Histórico. A rede quer mostrar o potencial da cidade como um todo, fazer ações descentralizadas.


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