Jornal Lampião - edição 19

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Abril de 2012

Arte sobre a pintura “A liberdade guiando o povo de Eugène Delacroix” : Letícia Cristiele

Jornal - Laboratório I Comunicação Social - Jornalismo I UFOP I Ano 5 - Edição Nº 19 - Junho de 2015

Arte: Nome dos Editores

Segurança em Mariana apresenta melhorias insatisfatórias - Pág. 4 Liberdade de gênero e a luta contra a normatização - Pág. 6 e 7 História de prisões, arte e ideologia de Judith Malina - Pág. 11


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Junho de 2015

Arte: júlia cabral

editorial

entre olhares João Vitor Marcondes

À procura da liberdade Segundo o dicionário Aurélio, liberdade é a “faculdade de cada um se decidir ou agir segundo a própria determinação”. Já o dicionário Michaelis define o conceito como um “estado de pessoa livre e isenta de restrição externa ou coação física ou moral”. Ambas as definições apresentam a liberdade a partir do sujeito e não levam em consideração a influência determinante do ambiente social em que estamos inseridos. Ou seja, esses conceitos descrevem uma situação impossível, pois somos indivíduos constituídos histórica, social e culturalmente. Michael Foucault, filósofo do século XX, a define como algo limitado por nós mesmos e diz, em Ditos e Escritos V, que seu dever é “mostrar às pessoas que elas são muito mais livres do que pensam, que elas tomam por verdadeiro (...) certos temas fabricados em um momento particular da história, e que essa pretensa evidência pode ser criticada e destruída”. Assim como ele, o jornal LAMPIÃO pretende, nesta edição, apresentar questões que nos aprisionam para que, ao conhecê-las, tenhamos a oportunidade e a ousadia de combatê-las e destruí-las. Muitos tentaram definir liberdade e até mesmo caracterizá-la como parte fundamental das nossas vidas. Muitos conflitos foram deflagrados em prol dela, dos quais destaco dois: a Revolução Francesa, clamando por três princípios: Liberdade, Fraternidade e Igualdade; e a Inconfidência Mineira, com o lema que inspirou os dizeres da bandeira de Minas Gerais – “Libertas quae sera tamen” ou Liberdade ainda que tardia –, retirados dos versos de Públio Virgílio, poeta romano que viveu nos anos 70 a.C. (o verso original seria: “A liberdade, a qual, mesmo tardia, contudo olhou para mim inerte”). Outros, ainda, perseguem a liberdade a qualquer custo, procurando muito mais um estado de espírito do que um ato

de poder sobre si próprio. Pela Constituição Federal “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade”. Em outras palavras, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789) reafirma: “a liberdade consiste em fazer tudo que não prejudique a outrem (...) seus limites não podem ser determinados senão pela lei”. Percebemos, pois, que os sistemas sociais são muito mais marcados pela falta do que pela presença de liberdade. Como um produto que reflete as demandas da sociedade, a edição 19 do LAMPIÃO também apresenta essa carência e necessidade de libertação. Aqui abordamos assuntos que estão “pulsando” em nossa sociedade: liberdade de expressão e manifestações de ódio, assédio contra mulheres, falta de segurança e de acessibilidade na região. Além de mostrar a busca de muitos por “essa tal liberdade”: a autonomia das gestantes sobre seu próprio parto, a recuperação de viciados, a manifestação do poliamor, a prática do veganismo e a incrível história de “Sônego” – um homem de cem anos que se liberta nas páginas de seus diários. E, ainda, um especial sobre gênero, que apresenta a história de pessoas que lutam diariamente pela liberdade de serem o que quiserem. E vivendo a incessante luta por ser e viver livre, o filósofo e pensador francês Jean-Paul Sartre alerta: “Não podemos jamais escolher o mal. O que escolhemos é sempre o bem. Nada pode ser bom para nós sem o ser para todos”. Dito isso, concluímos que essa liberdade é como a perfeição: devemos sempre buscá-la, mas com a certeza de que nos é impossível atingi-la plenamente.

“O homem nunca encontrou uma definição para a palavra liberdade” Abraham Lincoln

opinião

Existir e poder ser o que se é Daniele Lessa Soares jornalista.

Falar de liberdade no conturbado mundo da convivência social é como a máxima de que todo mundo quer ir para o céu mas ninguém quer morrer. De que todo mundo quer ser livre, mas daí a suportar a liberdade alheia são outros quinhentos. O problema, ao que tudo indica, é que eu ofendo a sua liberdade com a minha, e daí ficamos todos nós chorosos e cheios de razão. No final das contas, seria melhor admitir para todos, ninguém sabe o que é ser livre ou conviver com a liberdade do outro. E nessa toada, em um minuto se reclama de intolerância e na frase-post seguinte, exatamente um instante depois, vem o arroto de “como você é idiota por querer ser desse jeito que você é”. A minha liberdade é tão mais aprazível e o meu direito é tão maior! Mas me vejo impelida dar dois passos atrás e pensar que liberdade é

essa de se ser o que se é. Me ocorre a frase desconcertante de uma criança de 8 anos à sua mãe: “Mamãe, o mais difícil de tudo é que eu nunca vou poder ser outra pessoa”. A mãe contou isso aos risos, minimizando a constatação terrível do quão limitada é a liberdade. Uma personagem de Milan Kundera em seu livro “A Festa da Insignificância” não resiste à epifania: - Olhe para todos eles! Olhe! Pelo menos a metade das pessoas que você vê é feia. Isso também faz parte dos direitos humanos, ser feio? E você sabe o que é carregar a sua feiura a vida inteira? Sem o menor descanso? Seu sexo também, você não escolheu. Nem a cor dos seus olhos. Nem seu século. Nem seu país. Nem sua mãe. Nada do que conta. Cirurgias plásticas e reality shows de transformações radicais à parte, a situação é difícil. Quem já experimentou mudar um mínimo detalhe de sua identidade ou de sua rotina sabe que decidir mudar se faz em

um segundo, e uma mudança de fato exige um esforço inimaginável. A própria liberdade de pensar ou agir diferente é limitada pelo afeto aos hábitos do ambiente e tempo em que nasci. Considerando tamanha impotência, reclamar dos limites da liberdade no espaço público parece choramingo de criança. Mas não é. Refletir sobre liberdade e querer ser mais livre é toda a salvação que temos diante desse fado impiedoso ao qual ninguém se furta: existir e ser o que se é. Por trás do embate pela tal liberdade que me roubam e a liberdade que eu gostaria de subtrair aos demais é tão cristalino que somos todos prisioneiros. Todos presos, noves fora zero. A imagem de cinema que vejo é a humanidade inteira compassiva diante da prisão em comum e unida em busca de uma liberdade possível. Mas a cena desmorona quando movo o olhar, inquieta, e me recuso a acreditar que não sou livre.

crônica

Insegurança que aprisiona o cotidiano Gabriela Santos

Ele costumava sair sem se preocupar com as horas. Encontrava os amigos e, como bom mineiro, a conversa se estendia na beira da rua pouco movimentada. A cidade pequena e histórica trazia a sensação de calma ao seu dia a dia. Não se importava em atender ao telefone enquanto ia comprar o pão fresquinho. Às vezes a conversa pelo aparelho se prolongava de casa até a padaria com a certeza de ser interrompido apenas por um “opa” de algum conhecido. Seu andar era sempre despreocupado e sem a menor pressa. Enquanto caminhava apreciava cada cantinho, os detalhes das ruas, as igrejas e as pessoas na correria. Todos os dias eram assim. Inclusive quando ouvia os tão assustadores boatos: “Minha vizinha viajou e

assaltaram a casa dela”, “Fui seguida enquanto voltava do mercado”, “Me deram uma coronhada na cabeça, depois de levarem meu celular”. A ideia de ser afetado não passava pela sua cabeça. Vivia alheio ao que acontecia a sua volta. Em casa, o noticiário anunciava os assaltos à mão armada, as facadas mesmo depois de a vítima entregar o que tinha, o médico ciclista que, invertendo os papéis, precisou ser atendido e não sobreviveu. Com tanta informação tão distante de sua realidade e, aos poucos cada vez mais próxima, ele não se assustava. Diferente das grandes metrópoles, o privilégio de morar no interior, dava uma sensação de segurança. Mas mesmo um cara de sorte pode ser assaltado. Duas vezes. Na primeira, levaram apenas o celular e um pouco da sua dignidade. Na se-

gunda, sua sanidade. Passou a acelerar os passos e a desviar de pessoas estranhas. Qualquer um é suspeito, seja na claridade ou na escuridão. Não olha para ninguém, não fala com ninguém. O alívio só chega no final da noite, quando tranca a porta da sua casa. A insegurança deixou manias: gira a chave duas vezes. Confere. Força as janelas imitando o golpe de um ladrão que poderia abri-las. O teste é uma tentativa para tranquilizá-lo. Evita andar com objetos que chamam a atenção. Não sai com muito dinheiro e calcula a hora para ir ao banco. Planeja a lista de compras necessárias, assim evita ficar muito tempo em um lugar só. Mesmo em locais movimentados, o sentimento de solidão o invade. Acostumou-se a sair sempre acompanhado, seja de amigos ou de medo. Medo

que não dá trégua a sua cabeça. Medo que o segue como se fosse um dos vários cachorros com que antes brincava pelas ruas. Medo que parece estar preso nele por algemas ligadas ao pensamento. De noite, nas ruas mal iluminadas que incluem seu trajeto, sente vontade de correr. Vira o pescoço várias vezes para se certificar de que não há ninguém tão próximo. Em casa, acorda sempre com pesadelos. Levanta sufocado com as lembranças que insistem em voltar quase diariamente. Nelas também vê, voando para cada vez mais longe, a boa e velha sanidade que tinha deixado escapar depois de tantos problemas. Ele não foi o único a ser assaltado. Aos poucos as notícias de colegas e conhecidos chegavam. Na internet, todo dia havia um relato nos grupos de sua universidade sobre

Jornal Laboratório produzido pelos alunos do curso de Jornalismo – Instituto de Ciências Sociais Aplicadas (ICSA)/ Universidade Federal de Ouro Preto – Reitor: Prof. Dr. Marcone Jamilson Freitas Souza, Diretor do ICSA: Prof. Dr. José Benedito Donadon Leal, Chefe de departamento: Profa. Dra. Virgínia Alves Carrara, Presidente do Colegiado de Jornalismo: Profa. Dra. Denise Figueiredo Barros do Prado – Professoras responsáveis: Karina Gomes Barbosa (Reportagem), Ana Carolina Lima Santos (Fotografia) e Priscila Borges (Planejamento Visual) – Editora Chefe: Andrezza Lima – Editora de Texto: Gabriela Santos – Editora de Arte: Letícia Cristiele – Editor de Fotografia: João Vitor Marcondes – Editoras de Multimídia: Camila Gonçalves, Luana Barros – Repórteres: Ádrean Larisse, Fabiano Alves, Fábio Pereira, Francielle Oliveira, Gabriela Ramos, Gabriela Santarosa, Igor Capanema, Isabela Porto, Laene Medeiros, Larissa Pinto, Lucas Campos, Mariana Araújo, Marina Morgan, Silvia Cristina Silvado – Fotógrafos: Anna Flávia Monteiro, Catarina Barbosa, Cleonice Silva, Fábio Melo, Ingridy Silva, Lara Cúrcio, Lívia Monteiro, Luiza Lacerda, Thaís Medeiros – Diagramadores: Bárbara Torisu, Daniela Felix, Júlia Cabral, Rodrigo Almeida, Taíssa Faria, Thatyanna Mota – Revisão: Andressa Goulart e Gabriel Campbell – Monitoria: Carolina Brito, Silmara Filgueiras, Stênio Lima – Colaboradora: Daniele Lessa Soares e Elmo de Oliveira – Tiragem: 3.000 exemplares. Endereço: Rua do Catete, nº 166, Centro. Mariana – MG. CEP 35450-000

crimes ao redor e dentro do campus. Um dos únicos lugares onde tinha que passar a maior parte do tempo já não era mais seguro. Os jornais da cidade informavam novos crimes no centro e bairros próximos. Não se sentia mais sozinho, aquele medo agora também dividia o tempo assombrando outras vítimas. Com o tempo, todos estavam trancafiados nas próprias casas. Saídas eram apenas para o necessário. Ninguém confiava nas ruas. As janelas ganharam grades e passavam a maior parte do tempo fechadas. De noite era quase impossível encontrar alguém. De dia também. A cidade antes acolhedora, hoje amedronta. Ele era um universitário acostumado a desprender-se do controle da sociedade e num desses assaltos teve o seu celular roubado. Junto levaram a sua liberdade.

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Arte: Júlia cabral

POLÍTICA

Livre expressão para quem? Leis asseguram direitos dos usuários contra crimes cometidos na rede; saiba como denunciar CRÉDITO: elmo

Isabela Porto

A linha que divide a liberdade de expressão do discurso do ódio é muito sensível e fácil de se ultrapassar. O professor do Departamento de Direito da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) Alexandre Gustavo Melo Franco Bahia explica que “liberdade de expressão que não reconhece o outro como portador dos mesmos direitos é discurso de ódio”. A liberdade de expressão não é um direito absoluto. Pode ser exercida livremente, desde que não reduza ou ameace o direito do outro. Essa linha fica ainda mais vulnerável na era da tecnologia e das redes sociais, em que uma pessoa não precisa ter rosto para expor suas opiniões. “O computador serve de escudo. Assim, qualquer pessoa pode criar um perfil falso para disseminar seu ódio”, comenta o estudante da Ufop Windson H. Araújo Soares, que, em abril, levantou algumas polêmicas em um grupo da universidade em uma rede social. Em junho de 2014 entrou em vigor a regulamentação brasileira do Marco Civil da Internet, lei 12.065/2014, que pune crimes cibernéticos e traz limites a essa “terra de ninguém”. A lei indica que o uso da rede tem como fundamento o respeito e garantia à liberdade de expressão, comunicação e manifestação de pensamento. Além de proteger a privacidade do usuário, o artigo 8º prevê que “a garantia do direito à privacidade e à liberdade de expressão nas comunicações é con-

dição para o pleno exercício do direito de acesso à internet”. Desde outubro do ano passado, em perfis anônimos no Facebook, foram veiculadas acusações contra a juíza da Vara Criminal de Ouro Preto Lúcia de Fátima Magalhães Albuquerque Silva. Ela não quis conversar com o LAMPIÃO sobre as agressões, que estão na Justiça. A magistrada entrou com sete processos no Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Estão sendo processados, por danos morais, dois perfis pessoais, o autor de uma página na rede social, mais as páginas “Mariana Contra a Corrupção”, “Pcdob Mariana” e “Mariana Contra Corrupção - O Retorno”, além da empresa Facebook. A juíza já conseguiu, por meio de liminares, tirar as páginas do ar. Diante do caso, a Associação dos Magistrados Mineiros (Amagis) publicou uma nota de repúdio à campanha. “Lúcia de Fátima é exemplo de magistrada dedicada e cumpridora da Constituição e das leis. Não há, nunca houve, em sua trajetória profissional, quaisquer atos que desabonem sua conduta”, esclarece. A associação reforça que quem se sentir prejudicado com as decisões proferidas pela juíza tem o direito constitucional de defesa e do recursos a outras instâncias, de acordo com o devido processo legal. Mais segurança Outra forma de se manter seguro no mundo virtual é o Humaniza Redes. O movimento é coordenado

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pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República e tem três eixos de atuação: denúncia, prevenção e segurança. A intenção é garantir aos usuários, priorizando crianças e adolescentes, uma internet livre de violação dos direitos humanos. As denúncias feitas pela plataforma são encaminhadas à Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, à Ouvidoria da Igualdade Racial e à Ouvidoria da Mulher. Se uma pessoa em Ouro Preto ou Mariana se sente lesada na internet, deve apresentar a notícia-crime para a Polícia Civil, que irá fazer um boletim de ocorrência. A denúncia pode ser feita no Humaniza Redes e, ainda, se for uma ofensa recebida no Facebook ou Instagram, as redes sociais possuem sistemas próprios para denúncia de conteúdo ofensivo, que podem retirar a postagem do ar. É importante que a vítima tenha o registro das conversas, agressões e discussões ofensivas, sejam impressas, em pen drive ou e-mail.

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Vereadores de Ouro Preto recebem ameaças de morte O vereador de Ouro Preto Chiquinho de Assis (PV), na manhã do dia 14 de abril, encontrou em seu carro uma carta, escrita com recortes de revista, ameaçando-o de morte. O texto sugeria que Chiquinho “falava demais” ao expor sua opinião e fazer denúncias que envolvem o município nas redes sociais. Imediatamente, o vereador notificou o Ministério Público, fez o boletim de ocorrência e acionou a polícia local. Chiquinho expõe a opinião na internet. “É a ferramenta que tenho para me comunicar com a população no dia a dia.” A carta ameaçava mais dois vereadores de Ouro Preto, Léo da Feijoada (PSDB) e Wander Albuquerque (PDT). A mensagem dizia “Conhecemos seus passos” e

“Apagaremos vocês sem medo”. O caso não foi o primeiro nas cidades e mostra as tensões políticas e a intolerância na região. Em maio de 2008, após receber ameaças, o ex-prefeito de Mariana João Ramos Filho foi assassinado por desavenças políticas. Segundo o professor do Centro de Educação à Distância da Ufop Antônio Marcelo, “temos uma sociedade extremante patrimonialista. As pessoas entendem as coisas como se fossem bens particulares delas e não bens públicos”. Antônio destaca que bens não são apenas coisas materiais, mas também ideias e opiniões. Segundo ele, se a opinião de uma pessoa que representa o poder contradiz a sociedade, que tem opiniões diferentes, uma minoria se revolta. Daí nasce o discurso de ódio.

MULHER

Vítimas denunciam assédios disfarçados Gabriela Santarosa

Você sai de um compromisso, é tarde e não há mais movimento de pessoas na rua. Passa pelo Jardim. No trajeto, há apenas você e mais uma pessoa à frente. Não é possível enxergar o rosto dela porque está escuro. Não é possível sutilmente atravessar a rua porque ela já está próxima e vai soar como sinal claro de preocupação. Você passa por ela e ouve um comentário: “Ô, lá em casa!”. Ela insinua que vai seguir caminho com você. Não há nada a fazer além de apertar o passo para chegar o mais rápido possível em casa. Quando finalmente chega, comenta o caso com alguém da família. Em resposta, ouve: “Andando na rua sem companhia, a essa hora, estava pedindo, né?” As reclamações de assédio verbal têm sido frequentes. Mulheres afirmam se sentirem incomodadas ou lesadas de alguma forma com as famosas “cantadas”. Essa prática levanta questões em todo o país. Vítimas alegam que sentem medo de demonstrar desagrado com o assédio e serem alvos de represálias. O grupo Think Olga fez, em 2014, a campanha nacional “Chega de Fiu Fiu”, que conta com um banco de dados online onde é possível identificar locais propensos ao assédio, qual o tipo de cantada mais frequente, como “gostosa”, “ô lá em casa” e “vem cá, vem”, além de relatos de ataques verbais e sexuais. Essa ferramenta possibilita a qualquer mulher incluir uma história de forma anônima. Até agora, Mariana conta com um relato de assédio verbal. O local mais próximo da região que conta com grande quantidade de casos é Belo Horizonte.

A pesquisa mostra que 81% das mulheres não gostam de receber cantadas. O mesmo percentual aponta que já deixou de sair de casa ou passar por algum lugar específico por medo de ser abordada e 90% já trocaram de roupa pelo mesmo motivo. Os resultados mostram também os diferentes lugares onde ocorre assédio com maior frequência, a balada e o ambiente de trabalho, por meio de gestos ou verbalmente. “Toda mulher já foi vítima de assédio”, afirma Bruna da Silva, 28 anos. Diz também que dependendo do elogio a mulher pode até se sentir feliz, mas varia de acordo com a abordagem. Ela diz que a roupa não justifica nenhuma “cantada”, mas a

sociedade em muitos casos não vê dessa maneira. Bruna lembra o caso ocorrido em Belo Horizonte, em que uma grávida fotografada de lingerie pelo marido foi vítima de assédio verbal enquanto andava pelas ruas da cidade. Isso indica a realidade que mesmo acompanhada a mulher está sujeita a sofrer assédio. Para Giovanna Batista, 20, esse problema é mais frequente em cidades grandes, mas já recebeu cantadas enquanto andava pelas ruas de Mariana: “Olha, sigo andando, não olho pra trás, não dou confiança mesmo”, afirma. Ao contrário da pesquisa do Think Olga, ela diz que nunca viu a necessidade de deixar de usar alguma roupa por medo de re-

ceber uma abordagem desagradável. Sandra Aparecida, 27, acha que as cantadas são desagradáveis e acredita que quem pratica confunde desrespeito com elogio. Relembra o caso de um homem que sempre fazia comentários quando ela passava pela rua. Para ela, ignorar é a melhor maneira de lidar com a situação, do contrário, a “cantada” acontecerá com mais frequência, pois o ofensor se sentirá estimulado a continuar com o assédio. “Se você dá atenção aquilo fica reincidente, a pessoa vai fazer pra te provocar”. Ela conta também que, dependendo do horário, já optou por fazer percursos diferentes na rua para evitar determinados locais ou pessoas. cleonice da silva

Cantada. Violência verbal contra mulheres é exemplo de sexismo que causa incômodo e constrangimento

Contra uma cultura machista

Daniella Borges, professora de Serviço Social da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), acredita que o assédio parte de uma cultura machista com a construção histórica da identidade de gênero. Segundo ela, o homem e a mulher foram educados de forma diferente, e o machismo vem dessa ideia de que o homem ocupa o lugar de poder, enquanto a mulher tem como local principal a casa. Uma vez que existe essa diferença, os movimentos feministas são essenciais para a desconstrução do conceito histórico das relações de poder. A cantada é considerada por ela uma forma de violência contra a mulher porque a coloca em uma posição hierarquicamente inferior. Já que o assédio verbal não é considerado crime no Brasil, o movimento feminista é importante para conscientizar e desnaturalizar essa prática. “A cantada é diferente da paquera, tem muito mais um intuito de desigualdade”, afirma. O assédio se torna contravenção penal ou crime, resultando em multa ou detenção, no momento em que há ofensa que fere o pudor da mulher. É considerado crime, resultando em multa ou reclusão, a prática de ato obsceno. Humilhação ou ofensa moral são considerados assédio moral. No trabalho, quando há condição hierárquica privilegiada para o assediador, é considerado assédio sexual. O constrangimento, nesse caso, pode ser de forma escrita, por meio de gestos ou verbalmente, em que a vítima se sente humilhada.


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ARTE: BÁRBARA TORISU

CIDADE

Policiamento insuficiente

Segurança pública usa novas estratégias e consegue diminuir o número de roubos e furtos, mas população ainda clama por melhorias Thaís Medeiros

Fabiano Alves

Após situação de temor vivida em 2014 - quando o LAMPIÃO abordou o assunto em sua 15ª edição -, os índices de criminalidade de Mariana estão caindo: em abril de 2014, o número de crimes violentos contra o patrimônio (roubo com violência ou ameaça) atingiu o ápice com 31 casos. No mesmo período deste ano foram apenas dez. Apesar da melhora dos números, muitas mudanças ainda podem ser realizadas. no município. O número de policiais militares na rua é de 54 agentes para 58 mil pessoas, menos de um a cada mil moradores. Segundo a média recomendada pela Organização das Nações Unidas (ONU ), um policial a cada 250 habitantes, seria necessário um número mais de quatro vezes maior que o atual, o que significa 232 PMs. O efetivo insuficiente pode explicar a sensação de insegurança e falta de liberdade vivida pelos moradores que buscam seus próprios meios de se proteger. Em janeiro deste ano, a Avenida Manoel Leandro Corrêa, no Bairro Barro Preto, esteve sob uma onda de furtos e assaltos. Em menos de um mês, pelo menos seis estabelecimentos sofreram algum tipo de tentativa de crime contra o patrimônio (furto ou roubo). A partir de então,

os comerciantes marcaram uma série de reuniões com a Polícia Militar para sugerir mudanças na rua, a fim de assegurar maior apoio das forças de segurança públicas para proteção das lojas. “Chegou mais polícia e guarda, favoreceu a gente. Foi bom”, conta o proprietário da Relojoaria Pontual, Danilo Tavares Rodrigues, que quer ir além e financiar um ponto de apoio da Polícia Militar na rua. Segundo ele, outros avanços já foram alcançados, como faixas diferenciadas e paradas de revezamento entre Guarda Municipal e Polícia Militar. Apesar da presença mais efetiva de militares, Danilo teve uma de suas câmeras de segurança roubadas recentemente. “De um lado tem câmera, de outro, não. Eles sabiam que todos que passavam na rua estavam sendo filmados.” O lojista não tem liberdade para trabalhar como quer em seu estabelecimento. “Tenho uma joalheria e não posso expor ouro. Estou vendendo apenas folheados, porque se ficam sabendo que vendo ouro e prata, me assaltam.” Para aumentar o contingente efetivo e facilitar as operações, uma parceria foi firmada entre Polícia Militar e Guarda Municipal, que agem juntas em fiscalizações e atendimento de denúncias. São mais 120 homens da guarda para atuação. “Temos alcançado bastante êxito nas opera-

95,24%

Crime cometido por menores - 1 caso Crime cometidos - total de 21 casos Dados da Guarda Municipal de Mariana.

ções em conjunto, com apreensões bem efetuadas”, conta o secretário de Defesa Social, José Luiz Fusrt. Além disso, foi criada uma rede de colaboração entre vizinhos e militares: a medida consiste na criação de grupos virtuais do aplicativo de celular Whatsapp, em que são adicionadas pessoas das comunidades e policiais, facilitando a comunicação de denúncias pela população e a ação dos PMs. Segurança particular A segurança é um direito fundamental do cidadão garantido pela Constituição, mas a falta de confiança faz com que muitos lojistas de Mariana paguem por um monitora-

mento particular com câmeras e alarmes. Um sistema varia entre R$600 e R$1 mil, dependendo da quantidade de dispositivos. “O sistema de alarme é preventivo, mas ele não evita o furto, evita que tudo seja levado”, relata o proprietário da Vigiez Segurança Eletrônica, Márcio Aurélio da Ressurreição. O sistema de monitoramento não funciona sozinho e o crime pode voltar a ocorrer. “É devido à impunidade. Há alguns dias, conseguimos captar imagens de um sujeito roubando, mas a polícia não o prendeu”, completa. Despreparo A funcionária da UTI dos Celulares Viviane dos Santos Silva foi

furtada no dia 7 de janeiro por um suposto cliente enquanto realizava o atendimento. A loja fica na Avenida Manoel Leandro Correa, a mesma que sofreu com a onda de crimes no começo deste ano. Na ocasião, ao se descuidar para devolver o troco, o ladrão disfarçado de cliente levou seu celular. Após o furto, um policial fardado foi até a loja e a funcionária pediu ajuda, informando o ocorrido. “Ele ficou uns quatro minutos aqui, mas não fez nada, simplesmente saiu.” Viviane se indigna ao relatar a indiferença do policial. “O que a gente vê é que os policiais de Mariana são muito novos e despreparados para este serviço.”

Jovens em conflito com a lei cumprem medidas socioeducativas em Mariana

Casos de crime registrados em Mariana, em abril de 2015 4,76%

Alternativa. Crimes contra patrimônio fazem comerciantes se unirem em busca de mais proteção

Em abril de 2015, a Guarda Municipal de Mariana foi acionada 21 vezes para cuidar de crimes e contravenções na cidade. Entre elas, apenas uma foi cometida por um adolescente. Aqui na cidade, são aplicadas a esses menores somente penas em regime aberto com prestação de serviços e liberdade assistida. O processo é simples: cada caso é avaliado pelo Poder Judiciário, que determina as penas máximas e mínimas. As penas variam de um a seis meses, de acor-

do com a gravidade do ato cometido. Os responsáveis por infrações mais graves como homicídio e tráfico são encaminhados para Belo Horizonte, Governador Valadares, Sete Lagoas ou outras cidades onde são reclusos a um regime de internato. A entidade responsável pelo encaminhamento desses jovens na cidade é o Centro de Referência Especializado em Assistência Social (Creas). As medidas socioeducativas cumprem a função de ressocialização dos infratores, para que eles

consigam sair do crime. Eles são ouvidos em uma entrevista e o serviço destinado a cada um condiz com o que pode fazer de melhor. “O que ele não pode fazer são serviços pesados. Você tem de ouvir esse adolescente para saber quais são seus talentos e o que ele pode fazer. Se tem um curso de informática, pode digitar alguma coisa”, avalia a coordenadora do Creas, Rosana Araújo Dias. Segundo Rosana, o cumprimento das medidas traz valores importantes aos jovens. “A medida ensina

diversos valores como trabalho, família, saúde, educação, profissionalização e outras áreas”. Ela considera as medidas socioeducativas como o caminho ideal para ser seguido e considera desnecessária a redução da maioridade penal. “Se fala em redução da maioridade penal, mudando de 18 anos para 16 anos. Onde esses meninos vão ficar? Em uma prisão? Está faltando prisão até para os adultos. A ideia dessas medidas é o adolescente seguir por outro caminho”, afirma.

Históricas e acessíveis a poucos Fábio Pereira

Ladeiras íngremes, ruas de pedra, relevo acidentado, calçadas estreitas e desniveladas são algumas das características dos municípios de Mariana e Ouro Preto. Apesar de uma delas receber o título de Patrimônio Cultural Mundial, elas ainda não estão ao alcance de todos. Eneida Reis, 43 anos, nascida e criada em Ouro Preto, é cadeirante há quatro anos, em função de uma doença neurodegenerativa chamada esclerose lateral amiotrófica (ELA). “Isso me tornou uma pessoa bastante dependente e mais limitada por falta de muita estrutura na cidade.”, conta Eneida. Ela lembra a importância de uma cidade que ofereça transporte público acessível e propostas para que comércios e lazer sejam adaptados. Seu maior desafio na cidade, afirma, é não ter segurança para se locomover no centro histórico de Ouro Preto, tanto pela falta de qualidade no transporte quanto pela falta de calçadas que deem amplo acesso a pedestres com ou sem deficiência. Para Eneida, é arriscado andar no meio dos carros, uma vez que os cadeirantes ficam abaixo da visão dos motoristas. Sobre possíveis melhorias que possam ser feitas na cidade, ela torce por uma legislação mais simples e leis municipais efetivas. Soluções X barreiras Os problemas estruturais, a falta de acessibilidade e os cadeirantes que precisam andar entre os carros têm uma explicação histórica. “Há 300 anos, tanto em Mariana quanto em

Thaís Medeiros

Dificuldades. Ruas de Mariana criam obstáculos à locomoção e indignam cadeirantes

Ouro Preto, as pessoas com deficiência estavam relegadas a ficar trancafiadas em suas casas.” É o que conta o professor do departamento de Museologia da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) Gilson Nunes. Ele nos esclarece sobre as possibilidades de adaptações nos centros históricos: “Hoje temos legislações que protegem o patrimônio e as que garantem o direito de ir e vir às pessoas com deficiência. Há de se elaborar projetos que levem em consideração o patrimônio e a acessibilidade, encontrando um ponto de convergência entre essas duas demandas”. O professor diz que é possível fazer modificações sem prejudicar a arquitetura dos prédios. Gilson cita um exemplo dentre as muitas intervenções que, segundo ele, funcionaria

muito bem na cidade de Ouro Preto: as escadas rolantes. O sistema, implantado em Medellín, na Colômbia, motivou a ideia de instalação no Brasil, na favela da Rocinha no Rio de Janeiro. Ainda segundo ele, quaisquer projetos elaborados devem ser mandados para os órgãos competentes. Segundo o chefe de escritório do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em Mariana, Felipe de Cardoso, há dificuldades para adaptar patrimônios históricos: “Se você torna algo acessível tem que reconstruir ou modificar uma coisa que a princípio queria preservar. Então, necessariamente, terá que intervir naquele bem”, explica. Ele diz ainda que é preciso pensar meios para se mediar acessibilidade e preservação. histórica.

Felipe aponta que é dever das prefeituras buscar soluções para melhorias nos espaços urbanos, mas desabafa: “As prefeituras em geral têm pouco preparo para lidar com essa situação. Não possuem uma equipe técnica voltada para resolver tanto questões de patrimônio e acessibilidade como de cidadania voltadas para a forma da cidade”. Sobre os trabalhos executados pela Secretaria de Obras e Planejamento em Ouro Preto, o funcionário do Departamento de Regulação Urbana, Anderson José de Castro, responde que há dificuldade em fazer adaptações em uma cidade: “Vemos a dificuldade que é a adaptação nos próprios bens públicos no município, porque eles não são acessíveis. São de difícil localização e desarticulados espacialmente falando”. Sobre uma equipe especializada para tratar as questões de acessibilidade, ele responde que quem trabalha nessa área são os arquitetos da Secretaria de Obras e da Secretaria de Patrimônio. E explica: “A gente tem o conhecimento da legislação e tenta aplicá-la nos mais variados projetos”. Existe uma lei federal que prevê destino anual de verbas para adaptações e eliminação de barreiras arquitetônicas de edifícios de uso público. Ela também regulamenta a promoção de campanhas para conscientizar a população sobre a integração de indivíduos com deficiência ou mobilidade reduzida. E que todas essas disposições se aplicam a edifícios ou imóveis declarados bens de interesse cultural ou de valor histórico-artístico, desde que atendidas as normas de proteção desses bens. Até a data de fechamento do jornal, a Prefeitura de Mariana não respondeu a reportagem.


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Arte: BÁRBARA TORISU

distrito

Escola incentiva crianças a terem pensamento crítico Antônio Pereira recebe programa que promove oficinas extracurriculares na rede pública para estudantes a partir de dez anos Luíza Lacerda

Francielle Oliveira

A Escola Estadual Antônio Pereira, nos últimos dois meses, trabalha com um aprendizado diferente do ensino tradicional. A ideia é incentivar os alunos a serem protagonistas da própria educação, por meio de oficinas que promovem a busca por informações do cotidiano das crianças. Essa educação, libertadora, não é nova: era defendida pelo filósofo e educador Paulo Freire como a forma de um sujeito se tornar crítico, reflexivo, capaz de transformar a realidade e se inserir na sociedade de forma efetiva. As atividades funcionam em horários contrários ao de estudo da criança, das 8h às 11h e das 14h às 17h. Na prá-

tica de rádio, por exemplo, os alunos escolhem os temas e procuram pessoas para entrevistar na própria escola. Cleiton de Alencar, 10 anos, e o seu grupo escolheram falar da história da Igreja Queimada de Antônio Pereira. Depois de toda a apuração, gravaram e reproduziram na sala para todos ouvirem. Para o estudante Miqueias Felicío de Oliveira, 14, o ensino muda a forma de aprender. Mas há desafios. Participar da aula de rádio não foi uma tarefa fácil para ele, que nunca tinha entrevistado e utilizado um gravador. Hoje, Miqueias se considera um bom entrevistador e diz fazer perguntas sem precisar ler o papel. Além de ocupar o tempo dos alunos, os exercícios perCatarina Barbosa

Protagonismo. Atividades dinâmicas envolvem jovens

mitem que eles descubram outros gostos. “Comecei a gostar de rádio. Quando passa alguma reportagem fico louco para escutar”, diz Cleiton. A escola tem hoje 500 alunos e para cada oficina há 40 vagas. As inscrições são feitas mediante interesse dos alunos. Programa O Cidadão do Futuro é um programa da Samarco em parceria com o Instituto Paramitas, com a intenção de transformar a cidadania por meio da valorização da cultura local e de ações com foco em educação por meio do uso de tecnologias da informação. A iniciativa está presente nos distritos de Antônio Pereira (Ouro Preto), Bento Rodrigues (Mariana) e em Brumal (Santa Bárbara), localidades próximas às unidades industriais da empresa. As atividades acontecem em três frentes de atuação: formação de professores, gestores e oficinas. Os alunos de Antônio Pereira são os únicos que já participam da atividade de educomunicação e produzem programas de rádio, jornal, jornal mural e fotografias. A educomunicação defende que o aluno é protagonista dentro da comunidade e ajuda a desenvolver a capacidade de expressão e senso crítico. “Pensar que esses adolescentes têm um contato constante com a mídia, mas não sabem fazer uma leitura de forma adequada é ampliar um pouco esse universo midiático”, diz a

Tecnologia. Alunos e professores contam com games que enriquecem o aprendizado

coordenadora regional do Instituto Paramitas, Josie Cabral. Segundo o Analista de Desenvolvimento Socioinstitucional da Samarco Guilherme Louzado, as atividades de apoio à gestão escolar auxiliam a coordenação e diretoria escolar a desenvolver ferramentas para a melhoria da administração, estabelecendo, em um planejamento, indicadores e metas a serem acompanhadas para medir o progresso obtido. A diretora da escola, Rita de Cássia, afirma que todos reagiram de forma positiva quando perceberam qual seria a atuação da iniciativa. “O programa veio pra somar”, comenta. Segundo ela, os alunos não ficam apegados aos livros e ao quadro, o que é

uma forma diferente de trabalho. “Chama atenção deles e é muito mais prazeroso, até mesmo para os professores.” Jogo educativo Além das oficinas, os alunos contam com o Labjogos - plataforma de jogos que envolve conhecimentos de português e matemática. Os estudantes iniciam as atividades no laboratório com ajuda do professor da disciplina e com o suporte de um educador do instituto Paramitas. A aplicação é planejada pelos educadores e gestores, em sintonia com a proposta curricular da escola. Em Antônio Pereira, as atividades começaram no dia 19 de maio e estão atingindo toda a escola, sem precisar de inscrição.

Segundo Marcelo de Castro, coordenador do Labjogos, o objetivo da plataforma é “preparar o professor para que ele renove a prática pedagógica, utilizando novas tecnologias da comunicação e informação para atingir o desempenho e a habilidade nas áreas”. Para ele, as oficinas permitem que “os alunos tenham a liberdade de um pensamento diferenciado e crítico, de poder acreditar que ter os conhecimentos pode avançar e transformar as atividades”. No fim deste ano, o Instituto espera incorporar a prática no dia a dia dos professores e, ao mesmo tempo, causar impacto positivo no rendimento escolar dos estudantes.

ESPORTE

Entre bicicletas e montanhas Ádrean Larisse

A beleza das serras mineiras atrai turistas de todos os tipos. Há quem procure o casario colonial preservado, quem procure a tradicional comida mineira e também utilize a prática de esportes como escape para o estresse do dia a dia. Entre trilhas, estradas de terra e vistas de tirar o fôlego, o Mountain Bike atrai cada vez mais olhares para o estado. Para se ter uma ideia, enquanto a média de campeonatos é de cinco para cada estado que recebe eventos de ciclismo no país, em Minas são realizados 17, dois deles nacionalmente conhecidos. Ou seja, quase 22% dos eventos realizados no Brasil estão em municípios mineiros. Se a paisagem atrai turistas, não poderia ser diferente com os moradores locais. É o caso da microempresária Liege Walter, 26 anos, que há cerca de nove compete na modalidade Cross Country, quando a prova é disputada em estradas de terra que possuem alto nível de descidas e subidas técnicas com pedras e raízes. Para ela, a paixão pelo esporte vem da sensação de liberdade. “Acho que o sinônimo de Mountain Bike é liberdade. Não tem outra palavra para descrever. Bicicleta é liberdade. Você vai a qualquer lugar com suas próprias forças. É só você e a natureza”, afirma. Liege iniciou a prática do ciclis-

mo com incentivo do atual marido e, em uma competição de que participou, acabou conhecendo as meninas Ana Vitória, Stella, Júlia e Pietra. Da conversa casual em um evento surgiu o convite dela para que as meninas começarem a pedalar juntas. Pouco tempo depois, as garotas já ganhavam os primeiros prêmios em competições de Minas Gerais. É o caso de Ana Victoria, 16, que via os irmãos mais velhos e o pai praticarem ciclismo desde criança, mas só começou a encarar o esporte seriamente há dois anos. Para ela, a melhor parte da atividade é poder conhecer lugares novos e cada vez mais bonitos. Subir e descer morros, ver cachoeiras, enfrentar obstáculos e sair com os amigos para pedalar é o que mais chama a atenção.

Perspectivas Mas para além do vento no rosto e da sensação de liberdade, os ciclistas encontram problemas na região. Em Mariana, por exemplo, uma das poucas estradas com sinalização para a prática do esporte é a já conhecida Estrada Real. “Saindo da rota não tem demarcação nenhuma”, comenta Liege, reforçando que os ciclistas precisam gravar o percurso na memória para não se perderem. “Quem vem de fora precisa de ajuda, porque se vier sozinho fica perdido mesmo”, completa a ciclista.

Com a ajuda do marido e de um amigo, Liege criou o projeto Fly Bike Team, que visa divulgar a prática do ciclismo entre os jovens de Mariana. Mesmo pequeno e com pouco tempo de execução, duas das quatro meninas participantes já lideram o ranking mineiro em suas categorias: Stela Marques e Julia Aráujo. Mesmo com o grande números de ciclistas que procuram Mariana e Ouro Preto para a prática do esporte, o ecoturismo ainda não recebe grande incentivo. Em Ouro Preto há apenas uma agência: a Tomba Turismo. Já em Mariana, cidade que recebe o Bike Enduro e o Iron Biker, provas expressivas no circuito, não há nenhuma empresa especializada. Segundo o secretário de Desportos de Mariana, Helerson Freitas, a cidade investe nos atletas com auxílio financeiro concedido à Associação Marianense de Ciclismo. Além disso, o município patrocina o transporte na maioria das competições e inclui, no programa Bolsa Atleta, os que mais se destacam. O que os atletas de Mariana buscam hoje é a realização de grandes campeonatos e passeios que incentivem a prática. Além disso, eles acreditam que, para o Mountain Bike se destacar na região, o poder público deveria promover mais a modalidade, fortalecendo também a vontade dos jovens em se aventurar no esporte cada vez mais.

Ingridy Silva

Paisagem. Região dos Inconfidentes é cenário que inspira atletas


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Arte: DANIELA FELIX

“eu não me esco Declarada, respeitada e cidadã O relógio marca 18 horas. É um fim de tarde comum, no início dos anos 70. A figura feminina caminha pela rua São Paulo, em Belo Horizonte. A roupa justa acentua as coxas e peitos avantajados da menina de 15 anos que teve de se tornar mulher mais cedo. Para ela, o trabalho começa às seis da tarde e só termina às seis da manhã do outro dia. Colocar o vestido da irmã mais velha era comum para Fernanda, desde criança, exceto pelo fato de ela ter nascido com órgão genital masculino. Aos 12 já sabia o que queria e tinha orientação sexual definida: sentia atração por homens. O dinheiro que recebia dos clientes pagava o tratamento hormonal.

Fernanda, que já foi Leo e Rosimeire, atualmente, aos 57, mora e trabalha em Ouro Preto. Ela é auxiliar de serviços gerais há seis anos. Trabalhou durante 11 em uma empreiteira. Declarada, respeitada e com os direitos de cidadã garantidos. Ela exibe no corpo marcas deixadas pela batalha ao longo da vida. Passou por problemas e diz ainda sofrer preconceito quando transita pelas ruas travestida. Fernanda conta ao LAMPIÃO que irá realizar seu sonho: passar pela operação de mudança de sexo. “Quando fizer a cirurgia, já transformada, vou fazer uma lista com nomes de mulher pra escolher”, diz esperançosa e com gosto de liberdade.

Mudança de sexo A psicologia e a medicina contribuem para patologizar a transexualidade, que ainda é considerada doença pelo Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM). O DSM guia clínicos, pesquisadores, a indústria farmacêutica e as políticas públicas sobre transtornos mentais. Apesar disso, de acordo com o professor e psicólogo Marco Antônio Torres, há militantes transexuais que não querem a despatologização, porque a permanência no DSM garante o acesso à operação de mudança de sexo. “Essa discussão ainda não ganhou consistência, por isso as transexuais têm medo de perder

seus direitos”, afirma o psicólogo. Para ter acesso à cirurgia de redesignação sexual, o indivíduo deve apresentar certos comportamentos, fazendo com que a pessoa aja de determinada forma apenas para conseguir a operação. “Cria-se uma normatização e a liberdade continua coibida”, diz Marco Antônio. A cirurgia de mudança de sexo é realizada pelo Sistema Único de Saúde (SUS), porém em Minas Gerais nenhum hospital é habilitado pelo Ministério da Saúde. Segundo a Secretaria de Estado de Saúde (SES-MG), o paciente deve procurar a unidade básica municipal para ser encaminhado. O hospital mais próximo fica no Rio de Janeiro.

A deliciosa liberdade de se enganar Ouvimos um barulho. O estalo perpassa a mesinha, forrada por um pano floral, que serve de apoio para o espelho vertical, marcado por um beijo de batom avermelhado no canto superior direito. O som vem do leque vermelho, tão gritante quanto a figura que se revela por trás dele. Ela surge e rouba a cena. Mulher, drag, negra, brasileira, materna, se faz rainha do lar e do seu momento. A imperatriz descansa o leque na mesa, que serve como penteadeira, ao lado do esmalte rubro. Acende um cigarro. O primeiro trago é prolongado, a fumaça forma uma espécie de cortina acinzentada translúcida, que me permite enxergar seus olhos grandes e expressivos, ressaltados pelas pálpebras maquiadas de verde. A mulher de turbante oncinha nos convida para sentar. Antes que pudéssemos nos acomodar no banquinho, a alguns centímetros do “trono”, ela se apresenta: - Lana Lara, irmã de Cacilda e Drica, a mais velha das três. Deixa escapar um sorriso abusado, e, cheia de si, completa – Nós somos as Irmãs Odara! Retribuímos com um sorriso tímido e sentamos ao seu lado. Enquanto pegamos o gravador, Lana

Texto: Gabriela

Gloss LGBT

Lésbicas, Gays, Bissexuais, Tr

Gênero Classificação cultural que atribui qualidades de masculinidade e de feminilidade aos corpos do homem e da mulher.

Cisgênero Pessoa cuja identidade ou expressão de gênero corresponde ao sexo que lhe foi atribuído no nascimento; em geral está associada à heteronormatividade.

Transgênero

Lara dá mais um trago prolongado no cigarro e continua o discurso carregado de orgulho e paixão:

Alguém que não corresponde às categorias tradicionais dos gêneros.

- Nossa mãe era hippie e sumiu no mundo. Por ser a mais velha, tive de aprender a ser equilibrada e cuidar das minhas irmãs. Curva a cabeça para o lado e solta a fumaça – Ah, aquelas meninas me dão um trabalho danado! Eleva o tom de voz, enche o peito para continuar a fala Deixa só, quando eu arrumar um marido, me casar e ir embora deste Bangalô de Irene! - nome que dá a casa onde mora. Apertamos o play para começar a gravação:

Atração física ou sexual, emocional e psicológica de um indivíduo a um ou mais sexos em particular.

- Lana, o que liberdade significa para você? Ela termina o cigarro e deposita o toco no cinzeiro que está sobre a mesa. Empilha os três pós compactos, do menor para o maior. Se olha no espelho, ajeita o turbante e, em seguida, nos fita: - Liberdade, para mim, é um presente. Pausa. Com o olhar reluzente, continua - É poder ser eu mesma, poder ser livre, poder me colorir, me pintar. Eu não quero renunciar nunca à deliciosa liberdade de me enganar! É isso!

Orientação sexual

Identidade de gênero Experiência emocional de uma pessoa enquanto feminina, masculina ou andrógina definida pela cultura de origem.

Expressão de gênero Maneirismos, forma de se vestir e de apresentação, aspecto físico, gostos e atitudes de uma pessoa.

Andrógeno Pessoa que apresenta combinação de traços físicos masculinos e femininos, ou aparência que não permite identificar claramente qual é o seu sexo biológico.

Intersexual indivíduo que tem órgãos genitais/reprodutores (internos e/ou externos) masculinos e femininos, em simultâneo. Fonte: Site rede ex aequo, textos de Judith


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Arte: daniela felix

ondo de ninguém”

a

Educar para o reconhecimento

Ramos e Lucas Campos Foto: lara Cúrcio

sário TTQ

ravestis, Transexuais, Queer

Transexual Pessoa que deseja que o seu sexo biológico corresponda à sua identidade de gênero, modificando o corpo por meio de hormônios e/ou cirurgias. Nem todos os transexuais podem ou desejam fazer cirurgia nos genitais.

Travesti Pessoa que se veste com roupas do sexo oposto por prazer ou diversão. Um travesti não é necessariamente um homossexual.

Drag Adaptação de roupas e papéis que tradicionalmente estão relacionados com um sexo diferente do seu, com objetivo de entretenimento.

Queer Apropriação empoderada de um termo pejorativo, diz respeito às práticas de vida que se colocam contra as normas socialmente aceitas.

Genderqueer binário

ou

não

Transgênero cuja identidade de gênero não é “mulher” ou “homem”, ou seja, não são “exclusivamente-e-totalmente” mulher ou homem. Inclui formas variadas de neutralidade, ambiguidade, multiplicidade, parcialidade, ageneridade, outrogeneridade e fluidez de gênero.

Bandeira do arco-íris Símbolo do orgulho gay e lésbico criado em 1978, com o objetivo de representar a diversidade. Butler e blog Espectrometria não binária

Thiago Moreira, 27 anos, é padrasto de Arthur, 4. Desde cedo, o menino via a mãe pintar as unhas e queria colorir também. Colorir o gato, o cachorro e se pintar. Thiago e a mãe do menino, Laura Muller, procuram criar o filho livre de preconceitos, sexismos e desconstroem o machismo para que a criança não se torne um opressor na sociedade. Quando questionados sobre a compra de brinquedos, os pais dizem: “Se o brinquedo é para o Arthur, é ele quem escolhe” e completam: “Criança não nasce com sexismo e preconceito, mas reproduz o que ouve”. A história sai de casa quando Thiago compartilha em sua página no Facebook um relato acompanhado de uma foto com as unhas pintadas. Em sua postagem, desabafa sobre a conversa com um guia de turismo que o questionou sobre pintar as unhas. Thiago não hesita ao explicar o motivo de passar esmalte: pinta para apoiar o enteado, que sofreu bullying de um aluno mais velho na saída da escola. A postagem, que teve mais de 62 mil curtidas e 17 mil compartilhamentos, é assunto nas redes sociais, blogs, sites e programas de tv. A família que atualmente vive em Ouro Preto ressalta que a criança sempre foi à aula de unhas pintadas, mas em Florianópolis – cidade natal de Laura e Arthur – nunca ouviu comentários negativos. Além das unhas pintadas, o garoto já sofreu preconceito na escola da rede municipal de Ouro Preto por ter cabelo grande. Disseram que é coisa de menina. A mãe buscou na internet imagens de homens que têm cabelo comprido e mostrou que não há problema nisso. Apesar dos casos, a família não procurou a instituição e prefere não divulgar o nome da escola. Túlie Araújo – como prefere ser chamada – se identifica como transgênero não binário. Apesar de ter sido designada ao sexo masculino, não se identifica com nenhum dos gêneros. Na infância, foi reprimida por uma tia que a surpreendeu ao chegar no quarto e exclamar: “Você é um menino, não pode usar um vestido, isso é um absurdo!” Brincava

Companheirismo. Padrasto usa esmalte em apoio ao enteado, alvo de preconceito por colorir as unhas

de porta fechada porque sabia que tomariam a boneca de sua mão. Aos 12 anos, Túlie se declarou homossexual à mãe, por meio de uma carta. Foi apoiada e aceita. Atualmente, aos 20, é engajada em assuntos políticos, milita e integrou a Chapa Dandara, que concorreu ao diretório estudantil da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) com plataforma marcada pelo gênero. Família e escola Os casos de Arthur e Túlie ilustram como preconceito, tolerância, respeito e reconhecimento à diversidade estão presentes em diferentes graus na sociedade. Para o professor e psicólogo Marco Antônio, a noção de tolerância é receosa pois expressa a ideia de “suportar”. Além disso, “quem define a tolerância é sempre o tolerante, nunca o tolerado”. Quando a tolerância é ativa, construída pelo tolerado, torna-se resistência. “Costuma-se usar ‘respeito’, porém, prefiro o ‘reconhecimento’”, ressalta. A família é fundamental na formação dos indivíduos. “A grande influência dos pais não é na sexualidade, mas na capacidade de tornar esse sujeito integrado, fazendo com que tenha autoconfiança suficiente para

ter autonomia e viver com dignidade”, evidencia o psicólogo. Outro fator fundamental na educação dos sujeitos é a própria escola. De acordo com a pedagoga da Secretaria Municipal de Educação de Ouro Preto, Patrícia Ribeiro, “a proposta curricular da educação infantil contempla habilidades e competências que enfatizam a importância da familiaridade com as diferenças”.O assunto é abordado de maneira natural, sendo inserido em práticas diárias, como brincadeiras, leitura e música pelo convívio cotidiano,

exemplifica a pedagoga. “Além disso, é essencial a aquisição de materiais didáticos que valorizem a diversidade”, completa. Segundo a cartilha Gênero e Diversidade na Escola: reconhecer diferenças e superar preconceitos, publicada pelo Ministério da Educação em 2007, na esfera da educação, a inserção de ações que pretendem promover a igualdade de gênero, orientação sexual e o combate ao sexismo e à homofobia tem apoio nas propostas de ações como o Programa Brasil sem Homofobia, de 2004.

PROGRAMA BRASIL SEM HOMOFOBIA Principais objetivos: - Estimular a pesquisa e a difusão de conhecimentos que contribuam para o combate à violência e à discriminação de gays, lésbicas, travestis, transexuais e queer (LGBTTQ) ; - Fomentar e apoiar curso de formação inicial e continuada de professores/as na área da sexualidade; formar equipes multidisciplinares para avaliação dos livros didáticos, de modo a eliminar aspectos discriminatórios por orientação sexual [e por identidade de gênero] e a superação da homofobia; - Estimular a produção de materiais educativos (filmes, vídeos e publicações) sobre orientação sexual [e identidade de gênero] e superação da homofobia. Fonte: http://pronacampo.mec.gov.br/images/pdf/bib_cad4_gen_div_prec.pdf


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Arte: Taíssa Faria

Saúde

Autonomia para dar à luz Apesar do número crescente de procedimentos normais e humanizados, a cesárea ainda é a principal escolha entre as mulheres Gabriela Santarosa

O Brasil é campeão mundial de cesarianas. No país, mais de 50% dos partos são feitos de forma cirúrgica, sendo a maioria em hospitais privados. Segundo a Organização Mundial da Saúde, o recomendado é 15%. No início da gravidez, a maior parte das mulheres escolhe o parto normal, mas desiste durante a gestação. O que leva essas mulheres a desistirem do parto normal? É por escolha própria ou elas são induzidas a optarem pela cesariana? A opção pela cesariana ocorre, em alguns casos, pelo medo que algumas mulheres têm da dor do parto. É o caso de Érica Rangel, 35 anos, no sexto mês de gestação do segundo filho. Na primeira gravidez optou pela cesárea e na segunda não será diferente. “Tenho muito medo de sentir dor”, afirma. Érica diz que apesar de saber que a recuperação é mais rápida no parto normal e no humanizado, jamais escolheria essas opções porque acredita que a mulher sofre muito. Segundo ela, só fará parto normal se a criança nascer antes da data prevista. Na cesárea, os riscos de complicações ou hemorragias são de três a quatro vezes maiores do que em outras formas de parto. Por isso, em Minas Gerais, um projeto de lei pretende incentivar o aumento do número de partos humanizados e diminuir as intervenções cirúrgicas. O parto normal, apesar de ser mais natural do que a cesárea, ainda conta com algumas intervenções clínicas como, por exemplo, a indução ao nascimento por medicamentos que aumentam as contrações e a posição da grávida, que se mantém deitada de barriga para cima. Já no parto humanizado o tempo de gestação segue sem intervenções. A mulher pode alternar de posição, há maior contato com a criança pois ela não é imediatamente levada para fazer exames clínicos e o uso de anestésicos é feito apenas com autorização da mãe. Segundo o professor de ginecologia e Obstetrícia da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), José

Helvécio Kalil, a escolha do parto é discutida entre a gestante e o obstetra após um esclarecimento de riscos, vantagens e complicações que podem ocorrer. A cesárea só é necessária em caso de cirurgias anteriores na parede uterina, duas cesáreas anteriores, sofrimento fetal e doenças maternas que resultam em descontrole clínico. Os partos normal e humanizado não estão isentos de risco. Em alguns casos podem levar ao sofrimento fetal agudo, que pode resultar em complicações neurológicas graves e irreversíveis ao recém-nascido. “Importante ressaltar que há como dar assistência obstétrica humanizada, seja no parto vaginal ou abdominal”, lembra o médico. Em Ouro Preto, o projeto Gestar, juntamente com a empresa Egrégora, procura auxiliar as grávidas com o serviço das doulas­ –­­­ acompanhantes voluntárias que dão apoio físico e emocional em todas as fases da gestação (leia mais ao lado). Não respeitaram a fisiologia do parto. Acabou numa cesariana que eu não precisava (...) Vou me lembrar de cada frase que me falaram naquele dia pro resto da minha vida, sabe?” Laura Muller

Um dos pontos desse trabalho é desmistificar a crença de que parto é sofrimento para a mulher. O primeiro contato ocorre nos próprios grupos de gestantes, que aproveitam para tirar dúvidas com as doulas e, por vezes, acabam pedindo o acompanhamento. Laura Muller, 27, decidiu ser doula após sofrer violência obstétrica durante o parto. Na época, já tinha conhecimento do trabalho das acompanhantes, mas pensou que não seria necessário porque procurou se informar e já havia decidido ter parto normal. Acreditou que sua escolha seria mantida, o que não aconteceu. “Não respeitaram a fisio-

Anna Flávia Monteiro

Gestar. Laura é uma das doulas que promovem a conscientização das mulheres em Ouro Preto e Mariana

logia do parto. Acabou numa cesariana que eu não precisava (...) Vou me lembrar de cada frase que me falaram naquele dia pro resto da minha vida, sabe?”. Laura diz que, durante o parto, foi chamada de gorda e proibida de tocar no filho após o nascimento. Apesar de sua gravidez ter sido planejada durante três anos, não a privou de sofrer com um parto que não era de acordo com seus desejos e deixou sequelas psicológicas. A violência obstétrica é a apropriação do processo reprodutivo da mulher, como o uso de medicamentos que aceleram o processo natural, tratamento desumanizado ou mesmo obrigá-la a ter um tipo de parto que ela não queira, normalmente cesárea. Gritar com a grávida, dificultar seu atendimento, não mantêla informada sobre procedimentos médicos, privá-la de comida e água ou mesmo de ter um acompanhante no hospital são atitudes consideradas violência obstétrica. A gestante tem o direito de escolher a forma de parto e deve tirar todas as dúvidas com o obstetra. A cesárea é feita em casos específicos.

Quem são e o que fazem as doulas? Ao contrário do que muitos pensam, a doula não faz o papel da parteira. “Doula não substitui médico, obstetriz, enfermeira obstétrica, não substitui acompanhante”, avisa Laura Muller. “A parteira já tem conhecimento mais técnico e clínico”, completa. As doulas defendem a humanização do parto e a autonomia feminina, procuram informar as gestantes para quebrarem o estereótipo de que parto é sofrimento. Ajudam também na comunicação entre a equipe médica e a família, e nos cuidados com o bebê e a mãe após a gestação. Laura também afirma que as doulas não são contra as cesarianas, mas sim contra o procedimento feito sem necessidade real e quando não é decisão da mãe. Para ela, parto humanizado é aquele que respeita a escolha da mulher. No início, é feito um roteiro onde são colocados os desejos da grávida sobre seu parto e, ainda assim, as voluntárias se preparam para a cesariana caso seja clinicamente ne-

cessário para a saúde da gestante. Apesar de não serem contra a forma de nascimento cirúrgica, a presença das doulas no acompanhamento da mulher tem ajudado a diminuir o número de cesáreas nos hospitais. Laura acredita também que o parto é assunto de todo mundo e que deveria ser discutido nas escolas, faculdades e em palestras sobre educação sexual, o que não acontece na prática. Atuando em Mariana e Ouro Preto, a Egrégora oferece apoio familiar desde o início da gestação até depois do nascimento, cuidando tanto das informações hospitalares quanto do auxílio psicológico da gestante. A empresa foi criada a partir de uma parceria entre os integrantes do Gestar, voluntários que além de auxiliarem as grávidas, divulgam o projeto na comunidade e realizam oficinas informativas para as cidades de Ouro Preto, Mariana e distritos. Com rodas de conversa, mulheres trocam experiências e tiram dúvidas sobre gestação e maternidade.

Caminho para a independência Laene Medeiros

A dependência do álcool fez com que Eduardo de Fátima Silvestre, 35 anos, morasse na comunidade de recuperação Lírios do Campo, em Ouro Preto. Por causa do vício, Eduardo largou os estudos na 7ª série e foi dependente durante 15 anos. Achava que era dono de si por beber sem controle e não pensava nas consequências. “Na minha época de vício, era capaz de vender minha própria mãe por um gole de cachaça”, conta. Natural de Senho-

ra dos Remédios, em Minas Gerais, prometeu ao avô que, depois de se recuperar, voltaria. E foi durante a estadia na casa de recuperação que Eduardo percebeu a necessidade de ser uma pessoa diferente. No período de três anos e meio como morador, reconheceu que era a única pessoa que poderia mudar sua história e deixar algo de bom para quem estava ao seu redor. Ao se lembrar do tempo de tratamento, vê com gratidão a rotina que proporcionou a oportunidade de ouvir a sua consciência e assim resgatar a Fábio Melo

Esperança. Lírios do Campo motiva residentes a uma nova vida

sua autonomia tirada pelo vício. Atualmente, Eduardo é monitor da obra social Lírios do Campo e ajuda no dia a dia dos 14 homens acolhidos na casa. Acredita que seu trabalho é necessário porque, para entender verdadeiramente o que passa um usuário de drogas ou de álcool, é preciso ter passado pela experiência. “Nas festas eu era o último a sair, o mais bêbado, o que mais pagava mico e achava que era livre porque podia fazer o que queria. Com o tempo vi que as coisas são totalmente diferentes”, conta. Apesar das dificuldades que teve durante “o caminho”, como chamam o tempo de tratamento, ele acha necessária a distância da família para que a pessoa enxergue que a ida para a comunidade é consequência das próprias decisões. Quando entrou para a casa, refletiu sobre as mudanças necessárias. “Você escolhe o que vai fazer. Só ajo errado porque sou livre. Mas uso a liberdade de uma forma tão errônea que acabo me prendendo”, completa o monitor. Após a recuperação, se policiar é um processo diário na vida de Eduardo, resultado do conhecimento de si mesmo, desde a entrada na comunidade Lírios do Campo.

O caminho Durante o tratamento, os monitores incentivam cada recuperando a buscar o conhecimento de si e das suas limitações. Segundo o diretor da comunidade, Juscelino dos Santos Gonçalves, 43, o método de tratamento foca na dimensão espiritual, para que a pessoa se reconheça como sagrada e volte a se valorizar. Quando necessário, faz uso de remédios com recomendação médica. Juscelino ressalta que os procedimentos utilizados perseguem a sobriedade dos dependentes. Para alcançá-la, trabalham três colunas que a sustentam: a obediência, a oração e o trabalho. A obediência tenta ordenar o indivíduo em si mesmo, no caráter e em questões relacionadas à disciplina. “A pessoa precisa ter horário para dormir, para comer. Tudo isso a droga tira e ela acaba entrando numa espiral de morte, sofrimento e agressividade”, explica. A coluna da oração diz respeito ao sagrado do sujeito, que não é necessariamente o sagrado “cristão católico”, mas no sentido total da palavra, de se amar, se cuidar. A questão do trabalho “é tanto a preparação física quanto psicológica do sujeito. Tentamos ajudar para que o

recuperando não saia daqui e volte a ser soldado do tráfico, por exemplo. Desejamos sua autonomia para viver honestamente daquilo que ele produz”, completa. O diferencial da casa é exatamente o sagrado, que é o plano de fundo. “Mas respeitamos também aqueles que não acreditam nessa dimensão”, afirma Juscelino. Apesar de ser uma instituição católica, os moradores não precisam seguir a religião nem são obrigados a participar da rotina de orações, missas e eventos católicos da comunidade. Para entrar na casa é necessário que a pessoa aceite o tratamento, passe pelo processo de seleção com o diretor e a psicóloga da comunidade, seja aprovado nos exames médicos e esteja desintoxicado. O período médio de moradia é de um ano, mas pode variar de acordo com a necessidade de cada um. A casa é sustentada unicamente por doações da comunidade local e conta com ajuda direta da Paróquia Santa Efigênia. Quem se interessar pode visitar a obra social Lírios do Campo, na Rua Vereador José Teixeira, s/n, bairro Santa Cruz, em Ouro Preto ou entrar em contato pelo número (31) 9264-0215.


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Arte: Taíssa Faria

Comportamento

Um tanto de amor para dar Histórias de relacionamentos entre pessoas que libertam seus sentimentos e não se preocupam com preconceitos e imposições sociais Larissa Pinto

Luiza Lacerda

Poliamor po·li·a·mor Movimento que estabelece a necessidade de haver mais de um relacionamento com consentimento de todos os envolvidos, embora um sujeito possa ser poliamoroso e o outro monogâmico. Permite uma infinidade de configurações de relacionamento sexual-afetivo entre pessoas (duas ou mais).

E

ra uma vez Bianca*. Uma jovem mulher, com um amor enorme no coração. Tão grande é esse amor que algumas vezes Bianca se sentiu forçada a reprimi-lo, já que muitas pessoas não concordam com essa liberdade que ela sente em amar. Bianca encontrou um problema: como reprimir algo natural? Ela questionava se esse amor era realmente algo tão diferente. Assim como Bianca, Leonardo ama “demais”. Fernando** é outro que tem amor de sobra. Como Cadu, Tomaz, Hikari, Dhiordan. Leonardo se sentia inseguro. Queria se relacionar com outras pessoas sem trair quem amava. Por um tempo duelou com seus sentimentos e se viu entre o que desejava e a confiança de quem estava com ele. Depois de questionar a si próprio inúmeras vezes, Leonardo descobriu que não estava sozinho, encontrou outras pessoas que enfrentavam o mesmo problema. Foi assim que abraçou aquilo que o faz feliz, o poliamor. Fernando queria amar sem mentir para a mulher. Houve uma época em que se sentia preso e cheio de interrogações. Hoje Fernando vive o poliamor com Carolina**, mas até tomar essa decisão o casal precisou repensar seu relacionamento. Fernando pesquisou e descobriu outros que também não conseguiam amar só uma pessoa por vez. O casal escolheu essa liberdade para o casamento e se permitiu ter mais relações amorosas. Apaixonados por gatos, Hikari e o marido, Dhiordan, são casados há quatro anos e resolveram adotar o poliamor há um. O casal se co-

Laços. Bianca, adepta do poliamor, acredita na pluralidade e no desprendimento como base de todos os seus envolvimentos afetivos

nheceu pela internet e depois de seis meses conversando resolveu se encontrar. Hoje moram juntos e planejam o futuro. Hikari é monge budista e estuda Ciências Biológicas na mesma turma que o marido. Dhiordan declara que “o amor é algo que vai sendo construído ao longo do tempo, é uma coisa muito profunda”. Para Hikari o poliamor liberta as pessoas da mesma maneira que o budismo. “O amor não deve escravizar e nos tornar posse de outra pessoa. O poliamor para mim é algo mais libertário”, afirma. Amores diferentes Há uma normatização nos relacionamentos em que, para haver amor, é necessário um envolvimento entre homem e mulher. Alguns movimentos criticam esse padrão heterossexual e colocam em pauta as diferentes formas de amor, aceitando

relacionamentos entre pessoas, não gêneros. O poliamor defende que “quanto mais se ama, mais amor se tem para dar”, declara Hikari. Adotar o poliamor ou qualquer relacionamento que fuja ao padrão não acontece de um dia para o outro. Há um caminho longo a se percorrer que exige muita reflexão. Os poliamoristas defendem que cada pessoa deve ser livre e dona de si mesma. Por mais que esse pensamento pareça simples, nem tudo garante essa liberdade. O preconceito compromete o que o movimento defende e é um problema enfrentado pelas manifestações de amor que diferem do convencional. Por isso, antes de abraçar a não monogamia é preciso repensar as interações sociais que podam essa escolha. Há, também, a filosofia defendida pelo amor livre que busca quebrar qualquer norma nos relacio-

namentos. É o caso de Cadu, que namora Thiago há cinco anos. Há três, o casal decidiu abrir o relacionamento e se permitir sair com mais pessoas. Para Cadu, “ciúme é uma mistura de insegurança com necessidade de reafirmamento”. Filho de hippies, Tomaz se vê como uma pessoa livre e garante essa mesma liberdade para seus relacionamentos. Assim como Cadu, Tomaz tem opinião forte sobre ciúme e acredita que o sentimento aparece quando as pessoas pensam ser donas das outras. Citando um trecho da música “If I didn’t have you”, Tomaz defende que “o afeto simplesmente floresce ao longo do tempo e não há razão para impedir isso”. No livro ‘A Cama na Varanda’, a psicanalista Regina Navarro define que “se a monogamia fosse espontânea, não haveria necessidade de tanto controle” nos relacionamentos.

A socióloga e professora da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), Giulle Vieira da Matta afirma que “temos uma visão de mundo muito restrita em relação ao que é amor”. Assim como a união homoafetiva teve de conquistar seu espaço, as relações não monogâmicas terão de lutar por aceitação, mas “à medida que colocamos o poliamor em debate, as pessoas sentem a necessidade de refletir sobre essa visão”. Os adeptos da não monogamia defendem que assim como o poliamor, a monogamia também pode ser uma escolha. “Não acho que o poliamor é para todas as pessoas ou que todas estejam prontas para esse tipo de relação”, avalia Dhiordan. * Optamos por não colocar os sobrenomes dos entrevistados. **Nome fictício a pedido dos entrevistados. Catarina Barbosa

Obstáculos à comida alternativa Mariana Araújo

O veganismo é um estilo de vida que ganha cada vez mais adeptos no Brasil.. A consciência sobre a exploração animal e as questões relacionadas à saúde e ao meio ambiente são fatores que motivam pessoas a pararem de consumir alimentos de origem animal. Elas também excluem de seu cotidiano roupas feitas de materiais como lã, couro, assim como cosméticos testados em animais e outros produtos que tenham relação com eles. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a cada segundo um boi, um porco e 185 frangos são mortos no Brasil para consumo humano. E de acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), 70% das doenças modernas são de origem animal e 14,5% dos

gases do efeito estufa emitidos na atmosfera são provenientes da atividade pecuária. Mas ser vegano tem suas dificuldades. Mayara de Fátima Oliveira, 21 anos, é uma dentre várias pessoas que relatam ter problemas para manter seus hábitos alimentares em Mariana. Os motivos são os altos preços dos produtos e escassez desses nos estabelecimentos da cidade. Ela acredita que o acesso a esses alimentos é dificultado porque produzilos não é um negócio rentável. Mayara afirma ainda que devido às limitações da cidade, não sabe durante quanto tempo permanecerá vegana. Com os obstáculos, uma das alternativas que veganos encontram é aderirem ao vegetarianismo. Eduardo Mognon Ferreira, 22, é um exemplo. Além da dificuldade de encontrar opções nos supermercados, ele afirma que Ma-

riana não tem uma feira vegana e nenhum tipo de produção orgânica. “Você tem até alguns produtos em supermercados daqui que são de base vegetariana e vegana, mas o tipo de alimento que você necessita para uma boa nutrição, não.” Ele ainda acrescenta que a média de preço desses produtos é sempre muito alta. Eduardo acredita que os restaurantes e supermercados de Mariana não oferecem esses alimentos devido a uma questão cultural e também pela falta de conhecimento das opções alimentares que vão além do carnivorismo. Preocupado com o fator nutricional, ele prefere comprar frutas, verduras e legumes diretamente de produtores orgânicos e também fazer o plantio de alguns ingredientes como espinafre e cebolinha. Para mostrar as dificuldades vivenciadas por veganos, a

Mercado. Clientes encontram dificuldades para comprar produtos veganos na região

equipe do LAMPIÃO acompanhou Mayara às compras do mês. Enquanto escolhe os alimentos, ela diz que, ao se tornar vegana, tinha de ler os rótulos de vários produtos para saber se continham algum ingrediente de origem animal. Atualmente, não precisa repetir esse ritual com o que está acostumada a ingerir. Ao final das compras havia no carrinho arroz, feijão, farofa de soja, azeitona, fubá, café, granola, proteína

de soja, macarrão (produzido sem ovos), molho de tomate e molho para salada, num total de R$ 47,20. Ela ainda reserva parte de suas economias para comprar frutas e legumes, mas encontra pouca variedade de alimentos, o que restringe suas opções de refeições, comprometendo sua nutrição. Na rede No Brasil, algumas iniciativas facilitam o contato da população com a cultura ve-

gana. Na internet, por exemplo, há o mapa colaborativo Vista-se, que indica estabelecimentos totalmente veganos e também convencionais com opções desse tipo. Além disso, há a possibilidade de se cadastrar para ganhar desconto em alguns dos locais vinculados. A internet também ajuda a encontrar agendas de eventos veganos como bazares, feiras, festas, cursos de culinárias, congressos, marchas, oficinas sobre alimentação.


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Arte: Thatyanna mota

Perfil

Vida escrita em histórias

Com um século de idade, Jeferson Romualdo de Oliveira, conhecido como Sô Nego, escreve diários todos os dias, há mais de 67 anos Mariana Araújo

Querido diário, Hoje fui conhecer uma pessoa… Passei pelo portão. A primeira coisa que vi foi um enorme banner. O que estava nele? Uma caricatura de um rosto que eu não conhecia, mas que em poucos segundos se desenharia em minha frente. Fui recebida por um senhor sim-

pático, que apesar de trazer em seu corpo as marcas do tempo, transmite vitalidade e disposição admiráveis. Sô Nego é seu apelido. Jeferson Romualdo de Oliveira é seu nome. A idade? Cem primaveras bem vividas. Quis saber sobre a história que eu procurava: a de seus diários. Há mais de 67 anos ele reserva uma parte dos dias para registrar suas memórias. Perguntei a ele o que o motivou a escrever, e a resposta Fábio Melo

Memória. Com alegria, Sô Nego registra seus dias há quase 70 anos

me surpreendeu: a solidão. Tudo começou em Ouro Preto, ele me conta. Estava distante da família e quando a noite caía, trazia consigo o silêncio e a ausência. Foi para preencher esse vazio que nasceu seu primeiro confidente, de muitos. Hoje ele tem diários não mais por solidão, mas para não se esquecer dos momentos vividos. Sô Nego me perguntou se eu gostaria de ver o diário que está escrevendo. Sem hesitar, respondi que sim. Olhei algumas folhas, as palavras se acomodavam nos espaços em branco, numa leitura agradável e organizada. A página de hoje ainda estava vazia, mas não ficaria assim por muito tempo. Peguei os mais antigos também. Já estavam amarelados e empoeirados. Neles, descobri o motivo de Teresa Müller brincar que o pai é “mil e uma utilidades”. Apesar de Sô Nego não ter tido chance de estudar, aprendeu de tudo um pouco com a vida. Em algumas folhas, li histórias sobre ele ter sido garimpeiro, comerciante e jogador do Atlético Mineiro. Descobri que ele se interessava muito por política e que inclusive já foi vereador em Mariana. Também vi alguns registros de nomes de pessoas com problemas de coluna que ele havia curado, uma lista de remédios que ajudavam no tratamento de doenças e recortes de jornais sobre temas ligados à saúde. Aqueles diários têm muita coisa. Em cada página pude ler uma infinidade de assuntos, muitos deles escritos em dias diferentes. Como as datas e as histórias se misturavam, foi preciso fazer um esforço para ler tudo. Neles encontrei várias orações. Sô Nego me conta que crê muito em Deus. Achei também senhas de cofres, registros de compras, contratos de aluguel, nomes de presiden-

tes, de ministros, curiosidades sobre o mundo, histórias da família e de lugares, uma infinidade de assuntos que se misturam no decorrer de minha leitura. Ele escrevia de tudo, é livre para dizer o que quiser. Ali, naquelas páginas, são só ele e seus desejos, problemas, ideias, decisões, conquistas, ali é o seu refúgio. Não cheguei a ver tudo que estava escrito, precisaria de muitos dias para isso. Nunca arrependi daquilo que fiz, mas arrependi daquilo que deixei de fazer” (retirado de um dos diários) Jeferson Romualdo de Oliveira

Depois de nossa conversa sobre os diários, quis saber mais sobre a vida desse homem. Ele tem muito a dizer, afinal, são cem anos de memórias. Então pedi para que me contasse. Começamos a conversar. Sô Nego nasceu exatamente no dia 7 de fevereiro de 1915. Bandeirantes, distrito de Mariana, ganhou mais um morador. Jovita Cândida de Oliveira e Joaquim Francisco de Oliveira, que já tinham uma filha, agora eram pais de um menininho. Mas a família ainda iria crescer mais. Depois de Sô Nego vieram mais quatro. O tempo passou… Sô Nego pouco aproveitou as delícias de ser criança. A infância foi roubada pelas dificuldades da vida. Sua família era muito humilde, precisava se sustentar. Começou a trabalhar, ajudava a mãe nos afazeres domésticos e o pai nos trabalhos braçais. Por isso, raramente ia à escola. Aprendeu a ler e a escrever com a mãe e outras pessoas. Aliás, perdeu a mãe muito cedo

para o câncer de útero. Aos 19 anos, Sô Nego já queria se casar e não demorou muito. Se encantou pela filha de um português com uma moça do distrito de São Bartolomeu. Aos 20 já tinha feito seus votos à Maria Marcos de Oliveira, que na época tinha 16 anos. Com ela, teve sete filhas e seis filhos. Ele me conta que fez todos os partos da esposa e que também ajudou no de outras mulheres de Bandeirantes. Com 13 filhos, mais que nunca Sô Nego precisava trabalhar, por isso se aventurou na busca por ouro. Mudou-se para Ouro Preto e ficou longe da mulher e dos filhos. Mas pouco tempo depois a família se juntou a ele. E ele foi levando a vida... Superou todas as dificuldades, a perda de quatro filhos, do pai, da mãe, da esposa e de quatro irmãos. Se emocionou, chorou, sorriu, comemorou, teve alegrias e tristezas. Sim, ele viveu plenamente cada momento! Hoje, Sô Nego desfruta a vida ao lado de seus 18 netos e oito bisnetos. Aliás, agora são nove. Quando estávamos conversando, ele recebeu a notícia de que tinha nascido mais um. O sorriso nesse momento foi repleto de alegria. Hoje, ele já não faz muita coisa como antigamente. Mas tem duas coisas de que ele não se esquece em nenhum dia: fazer suas orações e escrever. Depois de tantas conversas, me despedi de Sô Nego. Foi uma pena. Sabe aquela história de que nenhum homem atravessa o mesmo rio duas vezes? Foi o que aconteceu comigo. Agora não sou a mesma pessoa que passou por aquele portão, porque carrego comigo o que aprendi hoje. Querido diário, você se lembra daquela página em branco? Agora faço parte dela, agora sou mais uma história no diário dele.

Cidadania

Clausuras do envelhecimento Igor Capanema

- É porque a gente já está de idade. Vai chegando a idade, a pessoa fica sem saber o que quer, não tem lugar pra gente ficar, temos que conformar com tudo neste mundo. Até a hora que Deus lembrar da gente. - A senhora queria morar com a sua irmã ou aqui? - Ah, eu não tenho lugar, meu filho. Engoli a seco com a resposta. Sentado no sofá, ela de frente para mim. A sala de uma das casas da vila para idosas Santa Luiza de Marilac fica ainda menor com o tanto de pensamento de Adelina Estevão, 86 anos. Um pouco tímida e um tanto ressabiada, Adelina me conta em cenas curtas partes da sua vida e como ela foi parar na instituição. Víúva, sem filhos, trabalhou em casas de família durante a vida. Morou sozinha durante anos e ao se aposentar foi para a vila. Dona Adelina é só mais uma personagem dentro da realidade dos idosos moradores de asilos. Tendo o Colégio Providência como principal entidade mantenedora e coordenada pela diretora tesoureira da instituição, Vanir Martins de Souza, a Vila Santa Luiza de Marilac abriga hoje sete idosas, em um conjunto de minúsculas casas no Centro Histórico. Para se manter em funcionamento, a instituição cobra R$50 por mês das idosas. O dinheiro é revertido para a compra de gás e alimento. Mas, apesar do apoio financeiro do colégio e das moradoras, a vila ainda passa por dificuldades que impedem a realização de grandes obras no local, que precisa de algumas melhorias. O lar foge do modelo da maioria dos abrigos para idosos. Apesar de contar hoje com

a presença de duas cuidadoras, que permanecem doze horas diárias no local, a vila dá às idosas um grande poder de liberdade, já que podem receber visitas, escolher se querem fazer suas atividades diárias desacompanhadas e têm permissão para saírem sozinhas. “Cada uma tem a chave do portão e são livres. Vão à rua e elas mesmas buscam a aposentadoria, limpam a casa. As funcionárias estão aí para ajudar na medida em que querem e precisam”, me conta Vanir, na sala de uma das casas da instituição. Essa liberdade concedida às idosas da vila não é compartilhada pelas outras instituições de longa permanência da região, como o Lar Santa Maria, que funciona no bairro Colina São Pedro, em Mariana, e o Lar São Vicente de Paulo, no bairro Cabeças, em Ouro Preto. “Esse é o grande problema. Como dar liberdade a indivíduos que estão sob regime institucional? A partir do momento que o idoso está em uma instituição, ele é responsabilidade dela”, conta a assistente social do Lar Santa Maria, Teresa Cristina dos Santos. Teresa acrescenta que as instituições de longa permanência devem ser o último serviço a ser procurado porque acarretam o prejuízo da liberdade limitada ao espaço, uma vez que só podem sair das dependências do lar acompanhados por parentes ou cuidadores, mesmo que o idoso seja lúcido e independente. Além da restrição, os idosos seguem horários definidos para realizarem atividades diárias, como comer e tomar banho, e não podem circular em alguns setores. “O lar é uma casa muito boa, mas não é igual à casa da gente. Em casa você tem liberdade pra estar em todos os lugares e aqui não”, conta o presidente do Lar São Vicente de Paulo, Geraldo Sales.

Falta de afeto A discussão sobre a liberdade vai além das instituições, abrangendo um contexto maior: o de ser velho. Outros fatores podem estar presentes na vida dos idosos e são identificados como aprisionadores. Entre eles a falta de respaldo familiar e a vivência em uma sociedade que valoriza o novo e o produtivo. A ausência familiar é uma realidade presente na rotina dos moradores desses lares. “O problema maior é a questão afetiva, a distância da família e a perda da identidade pessoal”, diz o médico do Lar Santa Maria, André Pinto. “A gente tenta não ter postura discriminatória em relação à atitude dos familiares, porque a gente não conhece a história

de vida deles. Não chega a ser abandono, é um vínculo afetivo fraco”, completa. A assistente social e professora da Ufop, Estela Saleh, diz que não se pode culpar a família por abandonar os idosos, já que ela não recebe suporte do Estado durante o processo de envelhecimento desses indivíduos. “Precisamos pensar quais relações essas pessoas já estabeleceram, não dá pra cobrar e nem culpar a família”, diz. Estela acrescenta que o afeto é construído uma vida inteira. A falta desse afeto tem a ver com a inclusão dos idosos na sociedade, que os tem expulsado de espaços públicos, seja pelo não reconhecimento de seus direitos ou por problemas de acessibilidade. Cleonice Silva

Asilo. Para alguns a vida em instituições traz sentimentos de abandono ou privação


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Arte: thatyanna mota

Arquivo: estado de minas

Cultura

Uma revolucionária detida por ideais Judith Malina veio a Ouro Preto para encenar no Festival de Inverno e acabou detida pelos militares Silvia Cristina silvado

entreolham, com amor.

Introdução: 1º de julho de 1971. O Brasil vive sob o momento mais repressivo da ditadura militar, pós AI-5. Ouro Preto está em festa, é o primeiro dia do Festival de Inverno e um grupo internacional de teatro se prepara para apresentar na Praça Tiradentes, O Legado de Caim. Enquanto caminha pela cidade, Judith Malina, uma das fundadoras do grupo, vê alguém se aproximar.

Judith: Estou com medo. Julian Beck: Tenha coragem. Eu te amo.

Anônimo: O Dops está na sua casa. Judith: Por quê? Anônimo: Estão procurando maconha. Judith: Maconha? Pensei que o Dops fosse polícia política.

Ela pergunta se algo que os incrimine foi encontrado na casa. As companheiras dizem que não. É noite. Os carros atravessam a movimentada Praça Tiradentes. As pessoas que assistem ao festival dão passagem. Chegam ao Departamento de Ordem Política e Social (Dops). A imprensa esperava por eles.

Algo acontecia. Judith não entendia porque as pessoas os olhavam de maneira estranha. Comenta com o marido, Julian Beck, também fundador do Living Theatre: Judith: Talvez seja sério. Quando um carro da polícia para ao pé de uma das ladeiras da cidade histórica e três policiais vêm na direção deles, Judith não tem dúvida: mais uma prisão está a caminho. Um policial a agarra pelos braços e outro a seu marido. Eles são encaminhados para o carro, enquanto se

O medo do escuro e a ligeira claustrofobia de Judith diminuem um pouco ao ouvir a última frase. Policiais dizem que irão para Belo Horizonte e os colocam em carros. Malina pensa em Isha, a filha de 4 anos. Chora.

Repórter 1: Vocês são homossexuais? Repórter 2: Vocês têm relações promíscuas uns com os outros? Na manhã seguinte alguns são soltos, incluindo Julian e Judith. Retornam a Ouro Preto. Alguns fingem não vê-los, outros os cumprimentam entre nervosos e entusiasmados. O reencontro com Isha é de grande alegria para a menina. No dia

seguinte estão num restaurante, perto da ponte Marília de Dirceu. Um rapaz se aproxima: Anônimo: Sinto muito. Judith: Por quê? Alguns desconhecidos alertam que há uma prisão sendo planejada. Eles não têm o que fazer e decidem ir à inauguração de uma galeria. Entram e o artista cumprimenta Judith com um beijo. Julian conversa com um redator de O Pasquim. Inesperadamente alguém diz: Anônimo: O Dops! Estão presos novamente. Mais uma vez passam pelos ouro-pretanos, os olhares se cruzam com o povo da cidade. Malina se lembra da promessa feita à filha. Voltam ao Dops em Belo Horizonte. Judith observa as anotações: suspeita de uso de drogas e atos de subversão. A última frase embrulha seu estômago. Policiais chegam excitados de Ouro Preto e dizem ter encontrado 3kg de maconha nos fundos da casa. Judith vomita de medo. No dia seguinte são levados a interrogatório. Um policial que já os havia interrogado, Renato da Silveira Aragão, mostra à Judith uma caderneta. Para em uma passagem com anotações sobre alternativas para a violência.

Arquivo: estado de minas

Renato Aragão: Isso é parte do trabalho de vocês? Judith: Sim.

Comoção. Caso de Judith e seu marido repercute internacionalmente

Living Theatre e o teatro vivo O grupo de teatro The Living Theatre nasceu em Nova York do encontro de Judith Malina e Julian Beck, no dia 14 de setembro de 1947, quando também teve início um grande amor. O Living nasce como consequência. O grupo inovador pregava a Revolução Anarquista Não Violenta e ficou conhecido mundialmente por sair das salas de teatro e fazer arte nas ruas, com participação ativa de quem assistia ao espetáculo. A vida do casal se mistura com a do grupo. A bissexualidade de Julian e os múltiplos parceiros de Judith não afetam a cumplicidade do casal, que tem respeito internacional no meio artístico, e por isso sempre contou com auxílio de artistas e acadêmicos. Em pleno 1968 fervilhante na França, o Living Theatre apresentou a peça Paradise Now, que resultou na expulsão do grupo do país e, depois, da Itália. Nos Estados Unidos, também enfrenta problemas com a polícia. Apesar disso, o espetáculo é um sucesso e em 1969 retornam à Europa, onde recebem em 1970 o convite informal dos brasileiros José Cel-

so Martinez Correa e Renato Borghi para visitar o Brasil. No mesmo ano chegam a Ouro Preto, onde são presos em 1971, sob protestos em todo o mundo. Em 31 de julho é escrito um manifesto internacional assinado por John Lennon, Yoko Ono, Marlon Brando, entre mais de 120 personalidades, pedindo a libertação. O grupo é expulso do Brasil em decreto assinado pelo presidente Emílio Garrastazu Médici, acusados de difamar o país. O casal Beck prossegue com o teatro revolucionário do Living Theatre, além de interpretarem papéis no cinema. A sentença do grupo no Brasil sai e são absolvidos em 1988, três anos após a morte de Julian Beck de câncer no estômago. Em 1990 Malina volta ao Brasil para o Festival Internacional de Teatro de Campinas e tem que aguardar no aeroporto a revogação às pressas da expulsão. Em 1993 é homenageada no 25º Festival de Inverno de Ouro Preto. No dia 10 de abril de 2011, Malina morreu no retiro de atores Lillian Booth, em Englewood, nos Estados Unidos, onde vivia, de câncer.

Mostram fotografias da maconha que dizem ter encontrado na casa. Judith não acha parecida com a casa deles. Ela volta à cela. É 4 de julho, Independência dos Estados Unidos. Dia para o qual se espera o nascimento do primeiro neto do casal. 6 de julho. É decretada a prisão preventiva até o dia do julgamento. Pelo rádio, Judith ouve notícias sobre Isha em Ouro Preto e o anúncio do nascimento da neta, nos EUA. Grita de alegria. Os jornais publicam cartas de acadêmicos de Ouro Preto, dizendo que os integrantes do Living são depravados e sujos, que não tomam banho. 26 de julho. Vão para o julgamento. Judith contempla as montanhas de Minas, o Itacolomi. O ônibus entra em Ouro Preto, jovens fazem gestos de “V” para eles, crianças correm atrás do veículo. Moradores, que à noite comiam

com o grupo, estão lá. Julian entra na sala de audiências. O interrogatório parece não ter fim. É a vez de Judith. Ela entra e sente o coração gelar. De um lado está o advogado, do outro um intérprete. O juiz de expressão grave pronuncia as palavras de forma precisa. Faz algumas perguntas. Juiz: A senhora possui inimigos em Ouro Preto? Judith: Sim. Juiz: Quem são? Judith: Não posso citar os nomes. Juiz: Então não sabe? Judith: Eu sei, mas não posso dizer. Juiz: Quem são? Judith: São pessoas que falam contra nós em público, que dizem que somos sujos. O intérprete traduz apenas parte da declaração, que ela repete, sem sucesso. Juiz: A senhora já foi presa antes? Judith: Umas sete ou oito vezes, mais ou menos. Juiz: Qual o motivo? Judith: Foi na luta pela igualdade racial. Juiz: A senhora cumpriu pena? Judith: De 30 dias. Nenhuma pergunta sobre maconha dessa vez. As pessoas no júri parecem desinteressadas. Perguntam se tem advogado. Judith diz que sim. Ele não está na sala, em pleno depoimento. Judith deixa aquela sala cheia de hostilidade. É posta com Julian. Eles comentam os depoimentos. Recebem notícias de fora. O presidente Médici recebeu mais de 120 telegramas pedindo a libertação do

grupo, entre eles de grandes nomes internacionais. A rua está cheia de gente. As crianças jogam beijos. 31 de julho. Judith completa 31 dias encarcerada. A prisão no Brasil é a sua mais longa. 27 de agosto: dia do julgamento. Advogado de defesa: O senhor presenciou algum desses réus consumindo ou distribuindo maconha? Testemunha: Não. Advogado de defesa: Se não viu, porque está aqui os acusando de fazerem uso de drogas? Testemunha: Eu não vi, mas o povo está falando que viu e a voz do povo é a voz de Deus… É a vez das testemunhas de defesa. A diretora da escola de Saramenha, D. Delfina, fala da peça do grupo na escola, do sucesso com as crianças. O diretor do Museu da Inconfidência, Orlandinho Fernandes, fala da amizade com eles. Promotor: O senhor chegou a conhecer a casa ocupada pelos acusados? Orlandinho: Sim. Promotor: E qual a sua opinião sobre o que lá acontecia? Orlandinho: Detesto a comida macrobiótica que eles fazem. E só. Renato cochicha com o juiz. Começa um clima tenso, os advogados se reúnem. Alguém sussurra para eles: Anônimo: Não contem nada até que seja oficial, o presidente decretou a expulsão do grupo. Todos já sabem o que está acontecendo, mas o julgamento continua. A encenação prossegue. Está acabando o primeiro ato do Living Theatre no Brasil. Arquivo: estado de minas

Desfecho. Durante julgamento, Judith descobre que será expulsa do país junto com sua companhia teatral


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ia na da ad e. .

Arte: Rodrigo almeida

rd il be a nh i m ar er c br r e o x s e o sso nã o p e ess que z r i a f g Eu so o e lu u livr se a r s o i e. o rh lque s, p Sei q a o u t q Sou livr ue so ão é a men e mesmo N u pre a n dependendo de io so a m tanta coisa para viver. apris uitas n o m or mas e o mas c r necessida Sinto o n m des. minha ar e Prefiro não pens liberdad e nas peq uenas coisas, ndar. como ao decidir por quais caminhos a

A liberdade que escolhi

Lívia Monteiro (fotos e

texto

)

Me sinto livre ao es colher o que c b i a minha l erdade. d s omer o l p m e x e o ã s o ou m t n e movim esm e a A h l l i b o erdade, c on s e , o par a v a fo çã a . o c i f í c e p s e e a o c i h ún ocê, : o rm in it e j m u e a m pode o ac a d d e d o a d T r om e n b i l ã u o l S i v r e n a o o m eu pensame ir t oe t n e e s r n e to e, a d o xp o t s m cada d res Go e s mo ia, to so rço s mi i g para ni f nh ica que ao d ma oq pin is p u ião ess et . oas em tam pa ra bé m m im sej . am .


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