OLD Nº 58

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expediente

revista OLD #número 58

equipe editorial direção de arte texto e entrevista

Felipe Abreu e Paula Hayasaki Tábata Gerbasi Angelo José da Silva, Felipe Abreu e Paula Hayasaki

capa fotografias

Gustavo Gomes Adelaide Ivánova, Camila Pastorelli, Gustavo Gomes, Xavier Sánchez e Yannis Karpouzis

entrevista email facebook

José Diniz revista.old@gmail.com www.facebook.com/revistaold

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índice

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livros fórum latino-americano de fotografia exposição

gustavo gomes por tfólio

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yannis karpouzis por tfólio

adelaide ivánova por tfólio

josé diniz entrevista

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xavier sánchez por tfólio

camila pastorelli por tfólio

reflexões coluna



carta ao leitor

Este estranhamente frio mês de Junho recebe a 58ª edição da OLD. No nosso sexto número do ano apresentamos trabalhos plurais, de rua, conceituais, documentais e mais. Gustavo Gomes volta às páginas da OLD e assina mais uma vez a nossa capa, agora com o ensaio Rodoviária. Seguem Yannis Karpouzis e Adelaide Ivánova, com trabalhos que lidam com a crise na Grécia e com o não reconhecimento da sua cidade natal, respectivamente. Xavier Sánchez, fotógrafo barcelonês, apresenta a sua Aritmética Interior, uma série que mistura as aflições da idade com uma série de metáforas visuais. O derradeiro ensaio desta edição é assinado por Camila Pastorelli, que

acompanha a tradicional festa junina de Pindamonhangaba, sua cidade natal. A entrevista do mês fica por conta de José Diniz, fotógrafo carioca largamente reconhecido pelo seu livro Periscope. Conversamos com José sobre sua produção, sua poética e seus projetos futuros. Espero que você aproveite nossa nova edição e boa sorte para todos nós neste frio!

por Felipe Abreu

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livros

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THE SWAMP de Sofia Borges

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produção de Sofia Borges é – na minha opinião – uma das mais instigantes na fotografia contemporânea. Sua poética busca destrinchar a imagem até o seu ponto mais básico, exibir todas as suas contradições e falsidades. Além de instigante, sua criação é mutante. Se adapta perfeitamente aos mais variados espaços: telas, paredes e páginas. Agora, sua obra, que não se divide em série precisas, toma a forma do livro The Swamp, publicado pela MACK, como vencedor do seu prêmio anual de fotolivros. Misturando imagens e texto, Sofia cria um complexo labirinto de questionamentos sobre os valores que associamos a imagem, em uma viagem até os seus mais profundos e essenciais aspectos.

Disponível no site da MACK valor R$120 184 páginas 6


livros

THE AFRONAUTS de Cristina de Middel

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uito se fala da do “boom” dos fotolivros nos últimos anos. Um dos possíveis culpados é o livro The Afronauts, publicado por Cristina de Middel. O livro caiu nas mãos certas, recebeu críticas positivas e rapidamente se esgotou e cada cópia passou a valer alguns milhares de dólares. Além de se tornar um dos marcos na nova geração de livros de fotografia, The Afronauts elevou a carreira de Cristina de forma meteórica e fez com que – até certo ponto – tudo que ela tocasse virasse ouro.Agora, anos depois do lançamento da primeira edição de The Afronauts, de Middel apresenta a segunda edição do livro. A “nova” publicação será apresentada no festival de Arles deste ano e, por enquanto, sabemos que terá capa nova, agora com detalhes em azul.

Disponível em pré-venda no site da autora valor R$160 80 páginas 7


exposição

8 André Penteado


PENSAR A FOTOGRAFIA ATRAVÉS DE SUA MEMÓRIA O Fórum Latino-Americano de Fotografia chega à sua quarta edição e foca sua atenção na potência do arquivo e da memória na produção contemporânea em fotografia.

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ma das funções primordiais da fotografia é ser suporte físico para a memória, servir de lembrança, de conexão com o passado. Além desse aspecto formativo do meio, a fotografia contemporânea tem encontrado na memória e nos arquivos uma intensa potência expressiva. O IV Fórum Latino-Americano de Fotografia chega ao Itaú Cultural com suas atenções voltadas para este ponto produtivo. São workshops, palestras e exposições que visam propor “uma reflexão sobre o conceito de arquivo num momento de dilui-

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ção do protagonismo do autor.” Além destes eventos também estarão a Livraria Madalena e serão organizadas sessões de autógrafos com nomes como Broomberg & Chanarin, Rosângela Rennó, entre outros. A intensa programação ocupará os dias e o início das noites de quinta até sábado, além da manhã do domingo. A exposição Arquivo Ex-Machina: Arquivo e Identidade na América Latina acompanhará o Fórum e permanecerá aberta para visitação até o começo de Agosto. Estarão na mostra trabalhos de André Penteado (que acompanha este texto), Eustá-

quio Neves, Bernardo Oyarzún, Coco Laso, Javier Nuñez del Arco, Marcelo Brodsky e João Pina. Assim, com esta programação intensa, o Fórum se coloca mais uma vez como ponto para intensa discussão e aprendizado sobre os possíveis e instigantes caminhos que a fotografia contemporânea tem a seguir. 

O Itaú Cultural fica na Av. Paulista, 149 e recebe o Fórum entre os dias 16 e 19 de Junho. Você pode conferir toda a programação no site da instituição.


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GUSTAVO GOMES Rodoviária

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ustavo Gomes - ou Minas - volta a estampar a capa da OLD depois de mais de três anos. Nesta edição, Gustavo apresenta seu novo trabalho, Rodoviária, com seu marcante estilo, calcado na fotografia de rua e no jogo de luzes e sombras. Um trabalho direto, que busca em rostos e detalhes a construção da história de um lugar, a descoberta de uma nova cidade e seu ponto de chegada, influenciado pela mudança geográfica na vida do fotógrafo.



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Gustavo, você está voltando para a OLD depois de mais de três anos. O que mudou no seu trabalho durante este período? Teve o fato de ter vindo pra Brasília em agosto de 2014. Uma cidade bem diferente de qualquer outra em vários sentidos, mas principalmente em relação ao espaço e à distância física das pessoas nas ruas - o que é um grande desafio no tipo de fotografia que eu faço. Há muitos poucos lugares com concentração de gente, não tem ruas, e há poucas regiões para se andar a pé. Por outro lado, é uma cidade que te deixa mais tranquilo, contemplativo. No meu jeito de fotografar, acho que mudou pouca coisa, na real. Os temas que inconscientemente me atra-

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em ainda são os mesmos, ainda tenho essa fixação pela luz do fim do de tarde e do começo da manhã e por personagens isolados em lugares públicos. Nos conte um pouco sobre o desenvolvimento da série Rodoviária. A Rodoviária me chamou a atenção desde que cheguei aqui. Primeiro, por ser o único lugar com grande concentração de gente dentro do Plano Piloto. Também por ser um espaço caótico, dinâmico, bem ao lado da insipidez da Esplanada dos Ministérios. E ainda porque Brasília é uma cidade em que as classes sociais têm seus lugares bem definidos, e a Rodoviária é o único local em que essa lógica é quebrada, ain-

Brasília é uma cidade em que as classes sociais têm seus lugares bem definidos, e a Rodoviária é o único local em que essa lógica é quebrada da que temporariamente Sem contar que a luz ali é sensacional. Depois de quase dois anos fotografando ali, vi que tinha um material representativo das sensações que ela me causava, e então reuni essas fotos num ensaio. Mas não foi um projeto pensado de antemão. Quais foram os desafios de desenvolver um trabalho em um espaço restrito? Depois de algum tempo, o olho fica meio que acostumado com o lugar, e aí corre-se o risco de não se ver mais nada.


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Você tem uma estética bastante específica. Como foi o desenvolvimento dessa abordagem visual? O grande salto foi durante um curso que fiz com o Carlos Moreira, em 2009, quando conheci fotógrafos de cor como o Harry Gruyaert e o Georgui Pinkhassov. Rolou uma identificação grande com o trampo desses caras e eu vi que essa era mais ou menos a minha linha. Mas claro que, além de questões formais, toda experiência vai se somando e resultando no jeito como a gente vê e fotografa. Difícil definir.

O que te mantém inspirado na fotografia de rua? Mais do que as fotografias em si, a sensação física de andar e ver as coisas se desenrolando. A sensação de aventura, de ir parar em lugares a que eu não iria se não fosse pra fotografar. Faz muito bem pra cabeça. 

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YANNIS KARPOUZIS Parallel Crisis

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annis Karpouzis faz uso da fotografia para falar da intensa crise sofrida pela Grécia. Suas imagens desejam congelar a tensão e a imobilidade infligidas sobre o povo grego nos últimos anos. São detalhes, retratos e objetos que mostram o sentimento de paralisia sofrido pela Grécia devido à intensa crise econômica enfrentada pelo país, uma visão poética sobre um delicado e importante assunto político e econômico.



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É uma forma do tempo imobilizado Yannis, como começou seu interesse pela fotografia? Começou quando fui buscar minha garota na cidade de Estocolmo e depois na minha estadia em Copenhague. Tudo no norte era tão diferente, o ar, a terra, o vento. O pôr-do-sol. Meu mundo estava muito dramaticamente graças às planícies escandinavas, tudo parecia tão absurdo. Foi quando levantei a pequena Olympus que carregava e comecei a fotografar. Esse tempo-espaço reconheço agora como “heterotopias” e a fotografia era a única maneira de encará-los. Nos conte sobre a criação de Parallel Crisis. Parallel Crisis foi, também, minha

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reação ao fenômeno do “tempo imobilizado” que a minha geração está experimentando. Se diz que com um futuro já gasto há pouco tempo de sobra no presente, como na fotografia. Eles não têm futuro, eles só esperam, se segurando ao presente. Você quer que suas fotografias falem do passado, do presente ou do futuro? De nenhum deles. Elas falam da Fotografia como um substrato, como a potencialidade da crise financeira que ocorreu, na forma do tempo e isso já foi comprado por algum banco, Estado ou que seja e nós nunca iremos entender esse processo completamente. É uma forma do tempo imobilizado em si mesmo, está puro,

em si mesmo, está puro, sem passado, presente ou futuro. sem condições como passado, presente ou futuro. Como se deu o processo de organizar algo complexo, como uma crise econômica, em uma série de fotografias? O processo foi reconhecer o processo: ver as fotografias como um substrato de uma perturbação financeira, psicológica e temporal. Meus sujeitos estão imobilizados antes da câmera registrá-los assim. Ou o sujeito é uma situação fotografada ou um objeto estático e o resultado é praticamente o mesmo. Como fotografar uma fai-


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xada, fazendo uma fotografia vertical em duas dimensões, sem deixar que o meio roube sua terceira dimensão. É a mesma ideia, mas em relação ao tempo.

este estranho jogo entre o “referente”, o “meio” e a “caixa vazia”. Evans apenas nos mostrou a solução impossível. 

Quais são os papeis do tempo e da suspensão na produção desta série? Walker Evans mostrou essa conexão no primeiro livro de fotografia da modernidade, American Photographs. Ele mostra que se você usa o meio fotográfico para falar da crise você considera a fotografia como um substrato da crise também. Ao menos da crise que é produzida em um livro. Eu realmente acredito que esta fórmula pode ser usada ainda nos dias de hoje para apresentar a “grande depressão” contemporânea evitando excessos e denúncias impensadas. É

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ADELAIDE IVÁNOVA Erste Lektionen in Hydrologie (und andere Bemerkungen)

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delaide deixou de reconhecer sua própria cidade. Desse desencontro, nasce a série apresentada na OLD. Uma investigação afetiva de um espaço transformado, estranho para a fotógrafa. Em Erste Lektionen in Hydrologie (und andere Bemerkungen) Adelaide vaga pela Recife contemporânea em busca de vestígios e espaços que a permitam reconhecer a sua cidade e seu pai, que assim como a capital pernambucana passou por diversas transformações - visíveis e invisíveis - durante a vida da fotógrafa.



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adelaide ivánova

Adelaide, como começou seu interesse pela fotografia? Quando eu tinha 17 anos. Eu era tão apaixonada pelo primeiro namorado, não sabia como articular tanto amor e comecei a tirar fotos dele. Isso foi antes de entrar na faculdade, sem ter nenhuma ideia de fotografia enquanto linguagem. Fotografava com a Kodak Instamatic que mamãe tinha me dado quando eu tinha uns 9 anos, era uma câmera velhíssima, grandosa, que me dava um pouco de vergonha de usar mas era a única que eu tinha. Hoje em dia é uma câmera hipster, veja lá, as voltas que o mundo dá haha! Nos conte sobre o desenvolvimento de Erste Lektionen in Hydrologie (und

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andere Bemerkungen). O projeto nasceu da minha dificuldade em reconhecer Recife, quando via fotos da cidade publicadas em jornais e revistas internacionais, em artigos sobre as cidades-sede da Copa. Eu olhava as fotos e ficava sem acreditar que aquilo era Recife. No ensaio você fala da personalidade do Recife e do seu pai. Como se deu a busca por elementos que refletissem essa relação? Recife sempre foi uma cidade muito peculiar e meu pai também é uma pessoa muito peculiar e o que eles têm comum são as mudanças dramáticas em sua visualidade. Até os anos 80, Recife era um ponto de (contra-) cultura, de resistência

Meu pai, assim como Recife, tem uma trajetória semelhante na construção (e também na sabotagem) de sua auto-imagem. à ditadura militar. Aliado a isso veio Chico Science e o mangue bit, que reviraram a identidade da cidade. Mas alguma aconteceu ali pelo fim dos ano 90 e a cidade foi se acoxinhando. Acho que esse movimento tem muito a ver com a nova oligarquia política que se formou na cidade. Antigamente o poder estava concentrado nos senhores de engenho; hoje em dia, na cena política, profundamente ligada às construtoras, que por sua vez são as donas da imprensa local, e juntos esses três elementos são responsáveis pelas violações urbanísticas e afetivas feitas na cidade


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– que vão desde demolições ilegais de construções tombadas e patrimônios históricos (vide caso do Edifício Caiçara) a leilões criminosos, como é o Caso do Cais Estelita. Essa promiscuidade da política local com as construtoras fazem de Recife um feudo e violam constantemente a paisagem da cidade. Quando a paisagem da cidade é constantemente violada, a relação que o indivíduo tem ou cria com a cidade se transforma – não somente os hábitos mudam, mudam também a memória e a construção de uma relação afetiva. Meu pai, assim como Recife, tem uma trajetória semelhante na construção (e também na sabotagem) de sua auto-imagem. Meu pai foi da revolução ao mainstream em algumas décadas e documentou tudo em álbums com fotos de si mesmo, que ele coleciona

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desde os anos 70. Ele se posicionou fortemente contra a ditadura militar e as oligarquias locais ao ponto de se exilar em Israel no começo dos anos 80. No último capítulo do livro, eu tentei deixar esse paralelo bem claro usando a metáfora da Rua Saudade, nº 89. Neste endereço, onde inclusive meus pais se conheceram, funcionava um restaurante vegetariano, de um sujeito chamado Glauco, que era onde a contra-cultura de Recife se encontrava. Meu pai lançou seu primeiro livro, o “Manifesto cínico-anarquista”, lá. Hoje em dia, nesse mesmo endereço, antes um local de resistência, funciona uma loja que só vende flores de plástico. Para mim é a metáfora perfeita do que aconteceu com Recife, com meu pai.

Produzir este ensaio te deu uma visão mais complexa sobre a cidade? Como a sua relação com Recife mudou durante a produção da série? A relação com Recife não mudou em nada, mas me ajudou a espantar alguns fantasmas, tipo perdoar a cidade. A gente tende a estender à cidade as decepções que temos com a vida, e vi que Recife é uma pobre coitada, uma vítima de quando o espaço urbano deixa de ser para pessoas e vira mísero balcão de negócios, moeda de troca. 

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JOSÉ DINIZ OLD entrevista


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José Diniz tem uma forte trajetória na fotografia e, em 2014, alcançou reconhecimento internacional com o muitíssimo elogiado Periscope. Diniz produz uma fotografia muito sensorial, que constrói um mundo fantástico, de forte relação com a água, especialmente a do mar. Você tem uma formação variada, que passa por marketing e tecnologia da internet. Como você decidiu seguir pelo caminho fotográfico? Desde criança dedico a fotografia. Meu avô me deu a primeira câmara, ele foi um dos fundadores da Sociedade Fluminense de Fotografia, um fotoclube muito ativo até nos dias de hoje. O meu pai era professor de desenho e geometria além de dedicar fortemente às artes plásticas. Jovem, também dediquei a área tecnológica de programação de computadores e

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redes. Quando surgiu a Internet me interessava muito pela parte interativa que com o conhecimento em fotografia foi uma grande possibilidade de experimentação que me levou para o design gráfico. Desde então, resolvi mergulhar nas artes visuais fazendo o curso de pós-graduação em Fotografia da Universidade Candido Mendes e participando dos cursos práticos e teóricos do Ateliê da Imagem e da Escola de Artes Visuais do Parque Lage onde pude estudar com professores como Fernando Cochiaralle e Anna Bella Geiger. Suas imagens tem uma estética bastante específica. Você pode nos contar como chegou a esta construção visual? Quando jovem vivia dentro do ateliê do meu pai, que além de passar todo seu conhecimento, tinha disponível todo o ferramental para pro-

duzir qualquer tipo de trabalho em pintura, nanquim, aquarela, madeira, couro dentre outros materiais. Lá eu pude adquirir habilidades manuais, composição geométrica, desenho, etc. Também passei muitos anos frequentando o Museu de Arte Moderna do Rio numa época de muita efervescência dos anos 60. Enquanto meu pai estudava com a Ione Saldanha e a Fayga Ostrower frequentei durante 4 anos o curso de pintura infantil com o artista concretista Ivan Serpa. Mais recentemente fui estudar gravura e serigrafia no EAV Parque Lage onde tive a oportunidade de experimentar processos híbridos. Na fotografia estudei com professores como Marcos Bonisson e Claudia Tavares que muito me influenciaram na linguagem contemporânea. Vejo também uma relação forte com a

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água – especialmente o mar - em seu trabalho. Este é um dos temas centrais da sua produção? Como você decide os temas com os quais vai trabalhar? Realmente o mar sempre me fascinou. Sempre vivi com o pé na água, tanto em Niterói, onde morava perto do mar, quanto nas minhas férias em Barra de São João onde ficava o dia inteiro na beira rio em contato com os pescadores e suas canoas. Pegava emprestado aquelas minúsculas embarcações e saia a navegar pelo Rio São João. Enquanto isso meu pai pintava marinhas inspiradas naquele lugar. Isso também exerceu uma forte influência na minha obsessão pelo mar. Não obstante das paisagens marítimas, trabalho muito com temas urbanos retratando as questões do “lugar onde vivo”, como também tenho uma grande dedicação aos temas do bio-

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ma Cerrado onde visito fazem alguns anos motivados pela literatura, música e questões ambientais. Portanto, meu trabalho gira em torno do “lugar onde vivo”, mar e sertão. Como se dá o seu processo de edição e construção narrativa? Você constrói metas pré-estabelecidas ou busca o sentido entre as fotografias depois de elas já estarem criadas? Penso que meu trabalho gira em torno de um aprendizado e memória. Gosto muito de estudar sobre literatura brasileira, história da arte, visita às exposições, feiras e galerias e leituras sobre o mundo da arte contemporânea. Isso dá uma base para experimentação e criação subsidiando um planejamento para novos projetos. Periscope me parece ser seu trabalho de maior alcance, sendo muito elogia-

do ao redor do mundo. Você pode nos contar um pouco sobre o processo de criação deste trabalho? O Periscope quando foi definitivamente impresso numa gráfica, já estava com um arcabouço bem amadurecido. Foi lançado em 2014 mas seu projeto foi iniciado em 2007. Desde então, criei vários protótipos intermediários que mostrava a editores e curadores buscando refinar a edição sem sair do contexto do projeto. Como foi o processo de produção do livro? Quais os pontos mais marcantes nesta jornada? O Periscope foi fruto de uma competente e dedicada parceria com a Editora Madalena que teve a coordenação editorial de Iatã Cannabrava e design de Ekaterina Kholmogorova resultando num livro completamente aderente ao conceito do projeto.


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Uma das exigências era a excelência da impressão da pele negra, pois era um requisito herdado dos prints em papel que já utilizava para exposições. Foram, portanto, cumpridas as exigências resultando numa excelente impressão pela Gráfica Ípsis. Lançamos o livro em São Paulo, Rio , Paraty em Foco e no Paris Photo sendo indicado como um dos melhores fotolivros de 2014 pelo ICP – International Center of Photography em Nova York, Maison Européenne de La Photographie em Paris, Lens Culture em Amsterdã dentre outros. Você tem uma relação forte com a produção de livros de artista e fotolivros? O que mais te chama atenção neste universo? O livro de artista há alguns anos faz parte do meu processo de trabalho. É um lugar de experimentação onde

tenho a oportunidade tirar partido da mecânica de um livro para editar minhas fotografias. Isso pode resultar em diferentes dinâmicas da construção de um objeto tridimensional a partir da bidimensionalidade da fotografia. Citando a frase de Christian Boltanski “O livro é um lugar assim como o museu é um lugar... “ Além da apresentação em livro, seus trabalhos já foram expostos em diversos momentos. Como você o processo de tradução do trabalho para a página do livro e para a parede da exposição? Quais as principais diferenças nestes processos? Como já falei, o livro de artista está presente constantemente no meu processo de trabalho. Enquanto estou desenvolvendo um projeto aquilo já vira um livro o um esboço de livro.

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É como um escritor. Aos poucos vou construindo um objeto-livro. Quase nunca penso em exposição. Exibir um trabalho numa parede é um passo lá na frente e deve ter coerência com o livro. A comunicação de um trabalho na parede é diferente, mas de qualquer forma tem de ser criativa e atrair a atenção do espectador. Quais são seus projetos futuros? O que você está desenvolvendo atualmente? No dia 2 de julho, sábado, inaugura exposição individual no Ateliê da Imagem, na Urca, no Rio, onde estarei exibindo meu trabalho “Sertão Cerrado” que é justamente a conjunção de 5 livros de artista que fazem parte do projeto. Os livros são: “Travessia”, “Fogo Cerrado”, “Delicadeza Bruta”, “Vertentes” e “Terra Roxa”. Os espectadores terão a oportunidade de ver na parede o que foi originalmen-

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Penso que meu trabalho gira em torno de um aprendizado e memória. Gosto muito de estudar sobre literatura brasileira, história da arte, visita às exposições, feiras e galerias e leituras sobre o mundo da arte contemporânea.

te produzido num livro de artista. A curadoria é de Claudia Tavares. No mesmo dia acontecerá a Feira Urca II de publicações independentes, arte impressa e fotolivro. Tudo isso no calendário do FotoRio 2016. No dia 16 de julho estarei ministrando o workshop “Experiência do livro de artista no processo de trabalho de um fotógrafo”. No dia 03 de agosto exposição “Sertão Cerrado” na Galeria Arcimboldo em Buenos Aires, dia 01 de setem-

bro exposição “Selected Works by José Diniz” na Blue Sky Gallery, em Portland e 09 de setembro “Periscope” na Jack Fischer Gallery em San Francisco. 


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XAVIER SÁNCHEZ Aritmética Interior

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ritmética Interior é um processo fotográfico de busca por emoções, uma tradução visual dos sentimentos de seu autor. Suas imagens buscam a construção de metáforas visuais para uma série de sentimentos cotidianos. Através de um processo de edição muito cuidadoso, Xavier Sánchez chegou ao resultado visual desejado, uma narrativa delicada e convidativa para o espectador.



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Xavier, como começou seu interesse pela fotografia? Tinha 17 anos quando meu pai me deu de presente a sua velha Yashica Electro 35, que ainda tinha guardada. Neste época me interessei exclusivamente pelo preto e branco e me afiliei a um clube de fotografia apoiado pela prefeitura de Barcelona. Lá passava as manhãs e as tardes dos sábados aprendendo a técnica de revelação em preto e branco e a teoria fotográfica com o fotógrafo barcelonês Jordi Pol que me incentivou a experimentar e descobrir a técnica fotográfica de uma maneira muito autodidata. Depois destes anos apaixonantes de descobrimento e aprendizado tive alguns anos de estancamento na minha evolução

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fotográfica até que me juntei a um grupo de amigos da universidade para discutir fotografia e propor atividades. À partir daquele momento me dei conta do imenso universo de possibilidades narrativas que a fotografia possui e das minhas carências como fotógrafo e foi neste momento que me encontrei com a proposta de formação do El Observatorio, local onde desenvolvi Aritmética Interior, além de outros projetos e da inestimável colaboração de professores e companheiros. Nos conte sobre a produção de Artimética Interior Foi um processo longo e complexo já que foi meu primeiro projeto fotográfico de maior complexidade e não

São as emoções que explodem ao sair, como um gêiser, e se deve tomar consciência do processo para canalizar esses sentimentos tinha a experiência sobre como encarar este processo. A proposta inicial do projeto era algo completamente diferente, pretendia apresentar como é a vida aos 40, mas percebi que queria incluir coisas demais e a cada edição os resultado eram desconexos e pouco convincentes, não refletiam os conflitos e as emoções da vida cotidiana. Foi na penúltima edição em que tive que escolher algumas poucas fotografias de algumas dezenas, as imagens escolhidas não tinham nada a ver com o tema que eu tinha buscado nos últimos meses, mas me sen-


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tia profundamente identificado com elas, havia uma questão emocional e pessoal muito forte nelas. Quais foram os principais desafios na edição deste projeto? O maior desafio foi o tempo, de certa forma. Eu tinha pouco mais de dois meses até a apresentação do projeto e duas sessões de edição. Eram poucas fotos, apesar de não ter sido tão difícil seguir este caminho pois tudo estava no meu interior e eu tinha descoberto claramente para onde queria seguir. Foi um verão fotográfico muito intenso e nas últimas sessões de edição foi duro construir a sequência narrativa, mas aprendi muito. As fotografias escolhidas além de encaixarem bem entre elas como história e definir uma estética deviam também comunicar as emoções e não foi tare-

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fa fácil chegar a este ponto. A escolha das cores também foi importante para garantir que o fio narrativo e o que deveria ser transmitido não fosse perturbado por uma estética incoerente. Hoje penso que o processo de edição é o mais complicado quando não se tem experiência e são necessários outros pontos de vista e um bom critério fotográfico, algo que foi proporcionado por meus professores e pela colaboração dos meus colegas, que muito me ajudaram. Quais os papeis do medo e da melancolia neste trabalho? São emoções que podem afetar a todos em algum momento de suas vidas, a incerteza sobre o futuro e a sensação de perda. No meu caso aconteceu pelo falecimento de minha avó enquanto produzia este tra-

balho sobre ter quarenta anos. Começaram a sair fotografias que não tinham nada a ver com o tema inicial que eu havia proposto. Algo tem que ter acontecido quando de repente aparecem imagens como a da jarra quebrada e remendada ou a de um bosque sombrio entre as fotos cotidianas que você fez de seus amigos. Isso é muito significativo já que eu me identificava mais com essas fotos do que com as que eu havia feito nos últimos meses. São as emoções que explodem ao sair, como um gêiser, e se deve tomar consciência do processo para canalizar esses sentimentos e, no meu caso, convertê-las em narração fotográfica. 

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CAMILA PASTORELLI Trem da Música

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amila Pastorelli voltou a Pindamonhangaba, sua cidade de origem, para registrar a festa junina da cidade e a importância de um pequeno trem de madeira neste processo. Suas imagens fazem um caminho direto entre trajeto, chegada e festejo, nos contando a história desta festa. Das imagens se pode tirar a alegria e a importância da festa para todos os envolvidos no processo.



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A música uniu todos esses movimenCamila, como começou seu interesse pela fotografia? Eu tive uma infância e adolescência bastante documentada em fotos e vídeos. Acredito que foi a sorte de ter uma família que gosta muito de registrar tudo a todo momento, mesmo em uma época “pré-digital”. Quando tinha uns 18 anos, descobri uma câmera Nikon FE guardada em casa, que era do meu pai. Ele então me deu de presente e passei a andar com ela para todo canto. Depois de um tempo, me mudei para São Paulo para estudar Jornalismo e pude aprender mais de fotografia e revelação, passei a pesquisar fotógrafos, ir a exposições e ganhar mais repertório.

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Nos conte sobre a produção da série Trem da Música A série surgiu por acaso quando passei alguns dias em Pindamonhangaba, cidade onde morei antes de me mudar para São Paulo e onde atualmente ainda moram meus pais e alguns parentes. Em Pinda, existe um bondinho de madeira que serve como opção de transporte para as pessoas que vivem na zona rural da cidade. Quando estava por lá soube que, por causa da época junina, o bondinho iria sair da estação, bem no centro da cidade, todo enfeitado e com uma banda de músicos que iria levar as pessoas até o local onde a prefeitura estava fazendo uma grande festa junina. Decidi então documentar, pois me pareceu algo bem diferente

tos o tempo todo e foi graças a ela, que tudo foi possível. e pensei que seria uma grande oportunidade para mostrar um pouco da tradição do interior para outros públicos que não têm ideia que cenas como essa ainda acontecem no Brasil. Sempre adorei festas juninas, é minha época favorita do ano, tanto pelo tempo que é mais fresco, como pelas músicas, danças e comidas que essas festas trazem. Para mim, foi um momento muito especial. As pessoas estava um pouco tímidas no começo, mas em poucos minutos, quando o movimento do bondinho embalou, começaram a dançar forró, cantaram


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músicas de raiz e até ensaiaram uma quadrilha dentro do vagão. Como você buscou trabalhar o elemento sonoro nas suas imagens? Acho que mais que o elemento sonoro, tentei trazer o movimento. O movimento da viagem, da dança no vagão, dos músicos tocando seus instrumentos e da quadrilha na chegada da festa. A música uniu todos esses movimentos o tempo todo e foi graças a ela, que tudo foi possível. A energia que ela trouxe facilitou todo o processo das imagens. Como você buscou construir a narrativa com a sequência das imagens? Como disse na questão anterior, queria explorar o movimento. E também aproveitar todos os inusitados do caminho: o trem de madeira que serve

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de transporte ainda nos dias de hoje; o mesmo trem que leva músicos e público para uma festa no meio do mato; o público jovem que nunca havia entrado em um trem desses e os mais antigos que têm lembranças e histórias vividas ali. O ensaio foi feito nos primeiros dias do inverno, em um fim de tarde, então o cenário não podia ser mais cinematográfico. Quis aproveitar as janelas, a paisagem e as pessoas que paravam do lado de fora para ver o bondinho passar. No começo, as pessoas no vagão notavam minha presença e faziam pose para a câmera, mas depois de um tempo, esqueceram que eu estava ali e foi quando pude explorar um pouco melhor a alegria e a energia da viagem. O ensaio termina na festa junina já

montada, no bairro Piracuama, na zona rural da cidade. À noite, a programação tinha algumas quadrilhas, mas uma em particular me chamou a atenção: era formada por um grupo de idosos. Mais animados que muita gente, eles dançaram, cantaram e se divertiram muito. Foram super aplaudidos. Fez muito sentido incluir essa parte no ensaio. 

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ABSTRAÇÕES E PERDA DE SENTIDOS Vilém Flusser nos diz que a representação do mundo feita pela humanidade, a cada grande salto, aumenta a distância que a separa do mundo visível. O que não necessariamente significa uma aproximação com o mundo invisível, mágico. Ou seja, Flusser se refere ao fato de que a imagem retira a dimensão da profundidade. A representação está no plano. Com a escrita, mais uma dimensão se vai e resta a linha. Essas abstrações exigem uma especialização daquele que

Angelo José da Silva é professor de sociologia na Universidade Federal do Paraná e fotógrafo. Suas pesquisas mais recentes focam o espaço urbano e o grafite.

pretender entender o mundo a partir dessas formas de representação. Das primeiras imagens produzidas chegando na escrita linear. Depois da escrita para a fotografia do século XIX. Seguindo o caminho, da fotografia para a imagem digital ou, se preferirem, da fotografia analógica para a fotografia digital, mais elementos removidos. Pensando a partir daí temos a imagem digital com um grau maior de abstração, o que significa uma nova janela por onde olhamos o mundo. Um grau maior de abstração não porque ela, imagem, abstraia dimensões da representação mas porque ela abstrai o papel, a parte física. Não porque ela não tenha um “suporte” físico uma vez que a tela do cinema

ou do computador ocupam esse lugar de sustentação. De alguma maneira ainda não muito bem compreendida essa mudança altera a escrita e a leitura da imagem. Apenas um dos sentidos, a visão, é responsável pela leitura da produção imagética digital. O cheiro dos químicos na fotografia analógica, o toque no papel fotográfico com a imagem impressa quase desapareceram. Cada vez mais a imagem se mostra sem suporte físico. Sentidos como o olfato e o tato perdem lugar. A apreensão do mundo visível apenas pelo olhar já produz mudanças significativas nos ritmos de produção e consumo de imagens. E, como sempre acontece, muitas possibilidades de criação se abrem para todos nós. 

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De alguma maneira ainda não muito bem compreendida essa mudança altera a escrita e a leitura da imagem. Apenas um dos sentidos, a visão, é responsável pela leitura da produção imagética digital.


MANDE SEU PORTFÓLIO revista.old@gmail.com Fotografia da série Sem Título, de Camila Domingues. Ensaio completo na OLD Nº 59.






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