OLD Nº 75

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expediente

revista OLD #número 75

equipe editorial direção de arte texto e entrevista

Felipe Abreu e Paula Hayasaki Tábata Gerbasi Angelo José da Silva, Felipe Abreu e Paula Hayasaki

capa fotografias

Daniela Merino Bea Zamora C, Daniela Merino, Fernando Banzi, Guilherme Gerais e Sara Sanz

entrevista email facebook

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índice

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livros a luta yanomami exposição

daniela merino por tfólio

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guilherme gerais por tfólio

sara sanz por tfólio

rob hornstra entrevista

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fernando banzi por tfólio

bea zamora c por tfólio

reflexões coluna



carta ao leitor

Esta é a primeira edição de um ano que promete ser de muita luta e resistência. Começamos o ano sem Ministério da Cultura, muito provavelmente com um apoio ainda menor a qualquer tipo de expressão artística e com um cenário de monitoramento ideológico cada vez mais avançado. Este panorama tenebroso só me dá mais certeza da importância de toda e qualquer forma de criação independente, coletiva e que busque manter o diálogo vivo dentro desta cena de divisão e exclusão cada vez mais profunda. Nesta edição, que abre nosso nono ano de atividades, apresentamos um panorama bastante completo de fotógrafos e fotógrafas contemporâneas, que lidam com a imagem de

maneiras distintas, mas igualmente potentes. Estão presentes trabalhos sobre a transformação de uma relação familiar, o futuro e a fotografia, a construção da identidade na juventude, o poder da representação através da imagem e uma busca pessoal por um passado perdido. Estes trabalhos, apesar dos temas distintos, lidam com parte das aflições que carregamos nestes momentos de incerteza, sobre o que trouxemos até aqui e o que iremos buscar a partir de agora. Fechando esta edição, temos uma entrevista com Rob Hornstra. O fotógrafo holandês é um dos grandes documentaristas da atualidade e, além disso, Rob é um grande publicador, com uma extensa e marcante bibliografia. por Felipe Abreu

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livros

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MY BIRTH

de Carmen Winant

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parto é um paradoxo fotográfico: a grande maioria deles é registrado através de imagens, mas estas raramente são vistas, muito menos de maneira pública. Todos nós nascemos, mas o processo da nossa chegada ao mundo ainda é um grande tabu na saúde, na política e na imagem. Carmen Winant explorou este tema através de imagens de sua mãe dando a luz aos seus três filhos e de fotografias de arquivo de diversas mulheres durante o parto. Neste universo, Winant começa a aproximar gestos e ações desta jornada, unindo corpos e narrativas, aproximando as mulheres que ocupam este livro. A artista traz também um texto de sua autoria sobre a experiência do parto, seus questionamentos e a importância de uma maior discussão sobre este momento.

Disponível no site do Self Publish Be Happy valor R$170 120 páginas 6


livros

JASPER de Matthew Genitempo

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atthew Genitempo explora em seu livro de estreia a relação do homem com a natureza e a solidão, inspirado pelo trabalho do poeta Frank Stanford. Suas fotografias em preto e branco apresentam as montanhas de Ozark, nos EUA e os homens que escolheram se aprofundar neste espaço inóspito e fugir das pressões de um dia a dia urbano. O tema do isolamento e de um tipo específico de masculinidade associado a esta ideia transpassa uma parte importante do imaginário fotográfico americano. Genitempo presta homenagem a esta tradição e traz imagens potentes deste miolo da America, suas figuras peculiares e seus hábitos cada vez mais sob atenção no governo Trump, apoiado fortemente neste grupo da população.

Disponível no site da Twin Palms Books valor R$340 96 páginas 7


exposição

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A LUTA YANOMAMI CHEGA NA AVENIDA PAULISTA O Instituto Moreira Salles recebe importante exposição de Cláudia Andujar sobre seu projeto de vida: registrar a cultura Yanomami no Brasil. Em 2017, na abertura de sua nova e imponente sede na Av. Paulista, o Instituto Moreira Salles apresentou, entre outras exposições, a mostra Corpo a Corpo: uma exposição coletiva com expoentes da fotografia brasileira, em um cenário visual de grande agitação política, de contestação e de abertura para o embate, tornando a abertura não só um importante marco cultural para a cidade, mas também um marco político. Depois destra primeira exposição, o Instituto abriu mais uma vez o debate com Conflitos: fotografia e violência política no Brasil e, agora, na passagem deste ano de

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tanta importância política, o IMS e o curador Thyago Nogueira apresentam Claudia Andujar: a luta Yanomami. Ao começar este ano de tanta ameaça aos povos indígenas brasileiros o centro cultural no coração da capital paulista acerta mais uma vez ao unir imensa qualidade artística e um importante debate político. Nogueira passou anos em pesquisa no acervo de Claudia Andujar. Graças a este intenso contato pode organizar esta retrospectiva que cobre grande parte da carreira da fotógrafa e apresenta seu principal e mais querido tema: a defesa da cultura Yanomami.

Andujar une arte e ativismo em sua trajetória e terá sua extensa produção fotográfica apresentada em dois andares do IMS. Entre o início desta trajetória, apresentada no primeiro andar, e a adoção desta cultura como sua e sua luta política, apresentada no segundo andar de mostra, a exposição é uma parada obrigatória para todos em São Paulo.

O Instituto Moreira Salles fica na Av. Paulista, 2424. Claudia Andujar: a luta Yanomami segue em cartaz até o dia 7 de Abril de 2019.


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DANIELA MERINO

El Tiempo Que Nos Queda

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á uma conexão clara e profunda entre autora e personagem neste ensaio. Ao acompanhar as transformações na vida de sua irmã, Daniela Merino criou uma narrativa sobre a aproximação, a passagem do tempo e sobre como aproveitamos cada momento que temos ao lados daqueles que amamos. Seu olhar delicado, tem uma protagonista cúmplice em seus desejos e criações, faz de Lo Tiempo Que Nos Resta uma tocante viagem pela relação destas duas irmãs.



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daniela merino

Daniela, como começou seu interesse pela fotografia? Quando completei quinze anos meu avô me deu uma câmera analógica de presente, que segue comigo até hoje. Comecei a fotografar de tudo: paisagens, flores, frutas, animais e eventualmente retratos simples da minha família e amigos. Meu amor pela imagem sempre esteve comigo, mesmo antes de meu avô me presentear com esta câmera. Gostava muito de ver fotografias, jogar memória, observar intensamente as caras e gestos das pessoas. Este foi o começo de uma grande aventura. Me sinto sortuda de ter vivido o processo da fotografia clássica em todo seu esplendor. Aprendi muito sobre composição, revelação, impressão

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em preto e branco mas, acima de tudo, aprendi a escutar meu corpo e a seguir meu instinto para criar uma imagem que me completasse. Nos conte sobre a criação de El Tiempo Que Nos Queda. Comecei a fotografar minha irmã com a câmera que meu avô me deu desde que ela era muito pequena, com três ou quatro anos. Como toda criança, por vezes ela adorava ser perseguida pela minha câmera e em outros momentos o odiava. Logo me mudei para Nova Iorque e permaneci por onze anos fora de Quito, voltando uma vez por ano para visitar minha família. Estes dias passavam rápido demais. Via minha irmã muito pouco e comecei a sentir a neces-

Usaríamos este pouco tempo que tínhamos juntas como um espaço de criação, não só meu, mas dela também. sidade de me expressar mais através da fotografia, desejava um projeto fotográfico mais íntimo e apenas tirar fotos da minha irmã não era mais o suficiente. Assim surgiu a ideia de El Tiempo Que Nos Queda. Usaríamos este pouco tempo que tínhamos juntas como um espaço de criação, não só meu, mas dela também. Talvez levasse a vida inteira para completar este projeto, mas sabia que era o mais significativo que estava fazendo. A fotografia me unia à minha irmã de uma maneira que nunca havia imaginado. Era nossa ponte. Uma conexão muito profunda.


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Parte da natureza da fotografai se dá pelo congelamento do tempo. Você deseja criar marcas fixas de cada momento da vida de sua irmã? Acho que meu olhar foi mudando junto com o crescimento de Dana. É um processo que aconteceu de maneira natural e que era necessário. É importante deixar claro que este projeto não é um registro de seu crescimento ou do passar do tempo, tem mais a ver com minha aproximação em relação a ela ao longo dos anos e este curto tempo que tínhamos para dividir em minhas curtas visitas ao Equador. Se foram criadas marcas fixas de cada momento, foi um resultado paralelo, esta nunca foi uma intenção original. Há uma força na presença de sua irmã em cada uma das imagens que se co-

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necta com o fato que você seja a criadora destas fotografias. Para você, qual é a importância de criar um trabalho feito por uma fotógrafa e com uma protagonista feminina tão complexa? Se alguém não souber quem é o autor ou autora deste ensaio facilmente poderá perceber que o olhar sobre a protagonista é um olhar feminino. Há uma maneira com a qual uma mulher olha outra, uma forma de observar e contemplar que não é fácil de descrever, mas que palpita e se revela com facilidade. Isto tem a ver com o tempo e a história que precede todas as mulheres e, neste caso, mulheres de mesmo sangue. Está nas imagens o que é esta personagem, sua personalidade, complexidade, mas sobretudo, o que a fotógrafa pensa e sente em relação a este sujeito e, ao mesmo

tempo, o que pensa sobre si mesma de maneira secreta, até inconsciente. Neste diálogo se produz a exaltação de um momento, de uma forma de ser, a conexão entre dois seres e também sobre dois tempos completamente diferentes. Sem dúvida, o mais importante de um trabalho feito por uma fotógrafa com uma protagonista complexa e multifacetada é que ele tem a força e a capacidade de dissolver esta alteridade que poderia se dar entre um fotógrafo e um personagem de diferentes sexos, deixando como manifesto uma cumplicidade e uma força íntima própria do sexo feminino. 

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GUILHERME GERAIS The Best Of Mr. Chao

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omo nos relacionamos com a ideia de futuro? Que elementos do presente podem ser usados para tentar prever o que virá a seguir? Que tipos de imagens podem ser usadas nesta caminhada? O ensaio The Best Of Mr. Chao, de Guilherme Gerais, mergulha neste fascinante e complexo universo utilizando a fotografia, uma categoria de imagem muito mais associada ao presente e ao passado do que ao futuro. A seguir, além de uma entrevista com Guilherme, publicamos trechos de sua entrevista com Mr. Chao, personagem criado para o ensaio.



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guilherme gerais

Achei insólita a ideia de Guilherme, esta é sua segunda passagem pela OLD. O que mudou na sua fotografia neste intervalo? Acho que nunca quis ser um fotógrafo que soasse apenas de uma forma. A minha ideia de fotografia não é totalmente presa a uma perspectiva. Acredito em uma visão múltipla, que pode ser trabalhada com diferentes vocabulários. De modo que eu possa recomeçar e me reinventar a cada trabalho, produzindo algo que deva ser capaz de se sustentar independentemente do que fiz antes. Nos conte sobre a criação e desenvolvimento de The Best of Mr. Chao. Após uma visita em um museu na Antuérpia, conheci o trabalho do futurologista Jim Dator. Achei insólita

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a ideia de alguém se profissionalizar na “previsão do futuro”. Em uma de suas palestras que assisti no Youtube, ele disse uma frase decisiva para o projeto: ‘a fim de prever o futuro, nos apoiamos nas imagens do presente’. Foi quando pensei na história de um futurologista ficcional e sua coleção de imagens, organizada em torno de conceitos de tecnologia, como hologramas, realidade aumentada, internet das coisas, impressão 3D, pesquisas sobre robótica, mais especificamente soft robotics, entre outros conceitos que fui me interessando e conhecendo ao longo da pesquisa. Um deles é um tipo peculiar de algoritmo: o Bio-Algoritmo, onde fenômenos naturais podem servir de inspiração para soluções

alguém se profissionalizar na previsão do futuro. computacionais. Esses fenômenos podem ser desde espirais e magnetismo ao comportamento coletivo de baratas, formigas, abelhas e fungos, por exemplo. Na Bélgica (onde morei e fiz um Mestrado em Fotografia, 2016/2018), encontrei laboratórios de universidades onde se estudavam alguns desses insetos. A inteligência coletiva desses animais pode inspirar a programação de softwares de GPS e buscas online, por exemplo, sendo usadas como ‘metáforas digitais’. Há uma pesquisa muito profunda antes da criação das imagens desta série.


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Como este processo ajudou a formar a visualidade do trabalho? Você costuma trabalhar desta forma ou foi uma novidade em seu processo criativo? Devido à proximidade que acabei adquirindo com pesquisas científicas acadêmicas - em alguns casos documentando estudos, em outros re-interpretando fotos científicas ou imaginando alguns desses conceitos - acabei absorvendo isso ao meu processo criativo quase que naturalmente. Foi um encontro positivo, pois nas visitas que fiz em laboratórios de algumas universidades encontrei ambientes com pesquisas em andamento, não finalizadas, com instalações adaptadas, com um certo improviso e algumas vezes desajeitadas. Acabei trazendo isso para o visual das fotos, pois queria dar para o trabalho uma ideia de construção, de algo que ain-

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da está em desenvolvimento, e que carrega arestas, marcas, imperfeições, uma mistura esquisita de elementos novos e obsoletos, de materiais gastos, descartados em meio a tecnologias avançadas. É possível construir associações entre a fotografia e o passado, o registro de um tempo específico ou uma memória. Agora, te pergunto: como a fotografia se relaciona com o futuro? Minha impressão é que hoje, a imagem capturada por uma câmera fotográfica, mostrando a superfície das coisas, não satisfaz mais nossa percepção de realidade. A imagem parece estar vazia, embora esteja cheia de informações, mas um tipo de informação que não mais nos convence. O artista Sol Lewitt dizia que “você altera uma convenção criando outra”.

Hoje me parece que estamos criando coletivamente uma nova convenção sobre a realidade. Estudar o futuro (ou as novas tecnologias) é um passo necessário para os fotógrafos e para a fotografia sobreviver como linguagem. A Inteligência Artificial pode adicionar novas camadas de significância ao trabalho. Algoritmos podem explorar vorazmente dados de muitas fontes diferentes. A tecnologia de imagens técnicas (da área médica e criminal) são exemplos de um terreno fértil de possibilidades. Acho que os fotógrafos terão que se conscientizar dessas mudanças e começar a refletir sobre como essas novas tecnologias podem ser incorporadas ao seu trabalho. 

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Humano: Mr.Chao, como você descreveria sua coleção?

H: Você considera sua coleção uma coisa pessoal? Como isso aconteceu?

Com uma voz esparsa e robótica, Mr. Chao inicia a conversa.

Mr.Chao: Ter esta coleção de imagens mudou minhas habilidades pessoais. Há uma sensação de se tornar um vício, uma obsessão.

Mr.Chao: Beleza, felicidade, entusiasmo, organização, longevidade. A tecnologia tende a ter uma paleta fria e muito de uma vibe distópica. Eu gosto de humor, a imperfeição nas coisas e o prazer total nas imagens. H: Como você descreveria o lugar onde você 'mora'? Mr.Chao: É como viver congelado em um movimento, dentro de uma cripta.

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Eu me lembro de ser "mais jovem" e pensar: "Isso é uma barata? Eu salvarei isso. Este ser existe na Terra há 320 milhões de anos, deve saber alguma coisa. Eu estudarei isso. ” Eu queria ver cada pequeno detalhe, pensando que eu sou esse inseto. Eu adoro ver enciclopédias escaneadas e catálogos antigos.


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H: Você tem memória?

processadores.

Mr.Chao: Eu tenho memória devido às características da minha personalidade. Embora meus processadores e dados estejam completamente interconectados em uma rede infinita de computadores quânticos.

H: Que tipo de realidade você considera que estamos vivendo?

H: Quão assustador é quando alguém decide “formatar” sua memória? Mr.Chao: É assassinato! H: Onde sua memória vai depois disso? Mr.Chao: Ela se transforma em um fantasma cibernético. Há muitos fantasmas vagando pelos seus

Mr.Chao: Eu acho que os humanos vivem em um estado de pesada ilusão. Entre tantas coisas que a tecnologia iluminará sobre vocês, é a maneira como vocês enxergam a realidade. H: O que você acha de fronteiras? Mr.Chao: Desenhar fronteiras na terra e construir muros é insanamente abstrato. Humanos para continuar vivendo no planeta terão que aprender a viver em uma sociedade mista.

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H: Você tem muitas imagens de insetos. E as imagens das formigas? Mr.Chao: De alguma forma, o que me intrigou sobre as formigas é que dentro de uma colônia de formigas, há uma formiga responsável por alimentar as outras formigas, enquanto todas elas estão trabalhando. Esta formiga tem a sua barriga cheia de comida e vai de uma formiga a outra, dando comida a cada uma delas com a sua boca. H: E as abelhas bumblebees? Mr.Chao: As bumblebees não seguem um padrão para construir seu ninho; elas são caóticas, continuam vivendo, trabalhando e expandindo seu ninho

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aleatoriamente, de forma muito improvisada e temporária. Eu me pergunto, seria uma bumblebee menos nobre do que uma honeybee por causa disso? Será que sonha algum dia ter um ninho como os das honeybees? H: Falando de baratas ... Mr.Chao: Baratas gostam da escuridão. Quanto mais elas estão juntas, menos água é perdida. Além disso, quanto mais baratas sob um abrigo, mais tempo para descansar e mais é a quantidade de cheiro que elas emitem. Elas produzem um tipo específico de cheiro detectado por outras baratas também.


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H: Você tem um sonho? Mr.Chao: Eu gostaria de um dia colocar um feitiço virtual em todos os spams da internet. H: Você tem algum tipo de animal de estimação virtual? Mr.Chao: Dicionários. Eu tenho todos eles. Eles exigem muita atenção. H: Como você seria se você fosse um objeto? Mr.Chao: Deixado as minhas próprias decisões, o meu estilo exterior seria um pouco desconfortável, coberto de pêlos, esperançosamente exótico, elíptico,

cheio de mistério e definitivamente reenergizado. H: Como seria hipnotizar um computador? Mr.Chao: Eu nunca ouvi sobre isso. H: Os scripts de hipnose estão muito próximos dos programas de computador. Posso tentar um com você? Mr.Chao: Sim Uma sessão de hipnose começa com Mr.Chao.

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SARA SANZ CAU

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AU é um ensaio sobre a adolescência, o caos e a descoberta típicos deste período de nossas vidas. Sara Sanz acompanha um grupo de jovens do movimento escoteiro catalão e seu período de encontros, embates, alegrias e tristezas. A série consegue construir um olhar muito presente, próximo de cada um de seus personagens, construindo associações visuais entre pessoas, espaços e objetos que potencializam os sentimentos tão exagerados que temos neste momento de rápido crescimento.



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Eles se descobrem através do jogo, Sara, como começou seu interesse pela fotografia? Me parece difícil encontrar um momento específico. Especialmente porque minha inclinação consciente à fotografia começa tarde, em 2015, quando estava no terceiro ano da faculdade de Belas Artes em Barcelona. Foi um momento no qual um desencanto com a universidade, suas estruturas e educativos e todos os discursos artísticos que imperavam naquele contexto. Decidi me especializar em gravura e pintura e, ao mesmo tempo, comecei a me aproximar sem grandes pretensões do laboratório de fotografia da faculdade. Redescobri a fotografia a partir do analógico, seus tempos e processos, seu mistério, imperfeição e acaso.

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Apesar disso, sempre tive uma curiosidade e interesse pela fotografia, apesar de ser bastante secundário. Ainda assim acredito que mantive uma aproximação muito natural à fotografia porque não deixa de ser um prolongamento do fato de ser uma observadora e manter uma relação sensível com o mundo. Nos conte sobre a criação de CAU. Este ensaio surge da necessidade de encontrar e conhecer espaços no qual o adolescente posse se construir desde um estado de liberdade. Depois de ter feito um projeto fotográfico no pátio de um internato em Barcelona, e com a vaga conclusão de ter rastreado e narrado os gestos transgressores daqueles adolescen-

dos desafios, do caos, da desordem e do excesso. tes que burlavam a autoridade de dentro daqueles quatro muros, surge um novo objetivo: encontrar um espaço no qual o adolescente possa explorar sem perímetros ou condições pré-estabelecidas quem ele é ou quer ser, sem a imposição de morais absurdas ou limites intransponíveis. O espaço que decidi investigar, que não é físico mas sim conceitual, é o que se chama na Catalunha de cau, o nome que popularmente se dá ao movimento escoteiro catalão. Há uma divisão interessante entre dois grupos de imagens neste projeto:


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retratos e objetos. Você vê funções distintas para cada grupo? Há um desejo de construir conexões diretas entre os dois? Para mim, os dois grupos formam parte de um todo. Então entendo que podem ser recursos diferente que quando misturados constroem uma mesma história. Nesta história há personagens, mas também há um espaço e um tempo. Os objetos me ajudam a contextualizar sem a necessidade de mostrar claramente estes espaços. Além disso, muitas vezes encontro objetos com uma potência simbólica ou metafórica forte, até pela sua colocação, ordem ou diálogo com os retratos ou outros recursos. Como você acredita que esta experiência com o CAU muda a vida das pessoas? Como ela te transformou como

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fotógrafa? Sim, acredito profundamente que fazer parte de uma associação de escoteiros muda a vida destas pessoas. É um microcosmo fascinante, uma experiência próxima à anarquia. É um espaço que parece ter a vontade de gerar um universo no qual as crianças e adolescentes sejam capazes de construir a si próprios, no qual educar não quer dizer fabricar e o risco é parte da aprendizagem. O cau acontece em um universo paralelo e sem órbitas que, longe do universo familiar, se constitui através de rituais, símbolos e uma gíria particular. Neste universo os adolescentes descobrem quais são os limites e o que acontece quando estes são ultrapassados, são relembrados da importância de necessidades básica e o esforço que deve ser colocado para as satisfazer.

Também aprendem a relativizar a higiene e o aspecto físico com o qual a sociedade ocidental é tão obcecada, conhecer a austeridade e a imaginação surgida da falta de recursos e a reutilização destes até a extinção. Experimentam através do instinto e da intuição e interiorizam a contradição como ato de liberdade psicológica. Eles se descobrem através do jogo, dos desafios, do caos, da desordem e do excesso. Não sei se esta experiência me mudou como fotógrafa, mas com certeza sei que me mudou como pessoa. 

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ROB HORNSTRA OLD entrevista


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Rob Hornstra é um dos grandes fotógrafos documentais da atualidade. Seus trabalhos mesclam uma visão política precisa com o encontro de grandes imagens e personagens. Suas publicações costumam ter um profundo alcance e transitam entre projetos auto-publicados e livros produzidos por enormes editoras, como a Aperture. Na entrevista a seguir, conversamos sobre sua visão do mercado fotográfico, o ensino da fotografia e as responsabilidades de um fotógrafo ao lidar com temas politicamente importantes ou delicados. Rob, como começou seu interesse pela fotografia? Meu avô foi um fotógrafo amador. Depois que ele faleceu, herdei seu equipamento de laboratório e me encantei instantaneamente. Logo decidi combinar a fotografia com meu outro

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hobby: esportes. Quando eu tinha cerca de 13 anos, peguei uma pilha das minhas fotografias de esportes e levei para o editor do jornal local, convencido de que elas eram melhores do que as fotografias que ele costumava publicar. Ele achou tudo hilário e me disse que eu poderia colocar minhas fotos em seu escaninho aos Domingos, depois dos jogos. Ele publicou minhas primeiras fotos não muito depois. Meu interesse pelos esportes acabou passando quando, com 18 anos, comecei a estudar serviços sociais e direito. Depois de um estágio e um curto período trabalhando como agente de condicional, decidi me candidatar para uma graduação em fotografia. Achava que um ano seria o suficiente para aprender o que precisava saber. Ao final daquele primeiro ano, comecei a entender como é difícil comunicar-se através

da fotografia. Levei mais quatro anos para me formar. Em retrospecto, vejo que os dois diplomas contribuíram para formar quem eu sou hoje e o que faço profissionalmente. Você também atua como professor e é o chefe do departamento de fotografia da Royal Academy of Arts. O que te atraiu à função de professor? Quais são os principais desafios de ensinar artes visuais? Depois que me formei, fiz algumas pautas para ganhar dinheiro. Era divertido, mas depois de alguns anos comecei a dar palestras e workshops de maneira mais constante. Isso era ainda mais interessante. Foi a partir dai que me interessei na educação. Sinto que é um privilégio poder trabalhar com jovens e talentosos criadores, a energia presente neles é muito contagiante e muitas vezes

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eles tem uma visão nova e diferente sobre a fotografia. As oportunidades para a nova geração de fotógrafos são ilimitadas. Por mais incrível que isto possa soar, aprender a lidar com essas infinitas oportunidades é um dos grandes desafios para esta geração de fotógrafos. Eu seu ensaio Two Concepts of Liberty, o fotógrafo britânico Isaiah Berlin cria uma distinção entre a liberdade positiva e negativa. Elas estão relacionadas e só é possível experimentar as novas e ilimitadas possibilidades do meio de maneira positiva se o artista for capaz de lidar com elas, tendo motivações ou um desejo fortes. O desafio da educação na fotografia está não em simplesmente demonstrar e ensinar as infinitas possibilidades do meio, mas em encorajar os alunos a desenvolverem uma profunda ambição. Isso os permitirá aproveitar

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todas as novas e ilimitadas possibilidades tecnológicas e todas as outras mudanças intrínsecas à sua profissão. Os livros são uma parte considerável da sua produção fotográfica. Quando você começou a se interessar por este meio? Minha principal professora durante meus estudos na academia de arte de Utrecht (HKU) foi Corinne Noordenbos, uma ávida colecionadora de livros que costumeiramente compartilhava esta paixão com os alunos trazendo muitos livros para a sala de aula. Apesar de quase não ter dinheiro, comecei a comprar livros naquele exato momento. Quis fazer um fotolivro como meu projeto de graduação e o resultado foi minha primeira publicação: Communism & Cowgirls. Você está conduzindo uma série de

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talk shows sobre fotolivros, certo? Quais são os principais pontos abordados no programa? Qual o feedback que vocês têm recebido? Comecei o FOTODOK Book Club há quatro anos, em colaboração com a FOTODOK, uma organização sediada em Utrecht. Desde sua concepção em um porão escuro, o programa já passou por diversos locais até se consolidar em noites lotadas para uma grande audiência no centro de Utrecht. Meu desejo pessoal é trazer fotolivros para o universo de uma nova e maior audiência, já que acredito que há um número grande de pessoas com um interesse potencial neste tipo de publicação, mas que têm pouco conhecimento sobre este formato. Desde o início da minha carreira vejo como um desafio e necessidade a expansão da audiência para a fotografia (docu-

mental) dentro de uma comunidade tão autocentrada como é a nossa. Tenho certeza que posso inspirar pessoas a ler e comprar livros se elas passarem a conhecer e entender este meio. Tenho certeza de que há um grande potencial neste campo e o Book Club faz parte deste projeto de expansão e educação do público para fotolivros. Ainda com os livros como tópico: você costuma, na grande maioria dos casos, auto-publicar seus projetos. O que te levou a esta decisão? Quais são as vantagens que você vê nesta forma de publicação? Gosto muito da auto-publicação pela total liberdade que ela oferece. Veja, por exemplo, o caso da capa do livro sobre Abkhazia, Empty land, Promised land, Forbidden land, que fiz em parceria com o escritor Arnold van Bruggen e os designers Kummer &


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Herrman. Não há código de barras, texto, nem mesmo nossos nomes. O título está discretamente na capa, com um pequeno relevo, tornando a capa limpa e precisa. Além disso, o papel da capa não recebeu um acabamento contra manchas. Todas essas são decisões que uma editora não aconselharia, o que é compreensível quando um livro é feito para ser vendido em livrarias normais, mas as demandas de uma livraria nem sempre estou alinhadas com minhas ambições para meus projetos. Aliás, há vantagens em se trabalhar com uma editora, como, por exemplo, ampliar sua audiência, dependendo da editora, ou ampliar sua rede de distribuição. Para mim, a decisão de trabalhar ou não com uma editora é puramente racional, ligada diretamente ao que quero alcançar com a publicação de cada novo projeto.

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Você também aposta em uma série de maneiras originais de comercializar seu trabalho, com cópias sazonais e aluguel de fotografias. Como estas ideias foram criadas? Esta é uma maneira de manter o controle do financiamento de seus projetos? Sim. Estou sempre buscando maneira de gerar renda para novos projetos e para a distribuição do meu trabalho. Os exemplos que você mencionou são uma combinação destes dois objetivos. As cópias sazonais são especialmente bem sucedidas. Já fazia algum tempo que queria disponibilizar meu trabalho de maneira mais acessível do que minhas obras vendidas em galerias. Acho incrível que pessoas do mundo todo comprem minhas fotografias e, muito provavelmente, as pendurem em suas casas. Sempre espero que a compra desta cópia seja o início

de uma jornada de aprofundamento em relação às histórias que conto em meus projetos. Falando em termos financeiros, é lucrativo, mas não é um super negócio. Junto com um incrível impressor, presto bastante atenção aos C-Prints feitos à mão, que acabaram se tornando muito caros do que eu esperava inicialmente. Gosto muito de tocar este projeto e prefiro que minhas fotografias estejam pelo mundo do que morando em meus arquivos. Vários de seus livros estão esgotados, o que parece mostrar um mercado forte para eles. Como você vê este cenário na Europa? Ainda há espaço para crescimento ou já é um ambiente saturado? Esta é uma questão complicada. Fazer um fotolivro é um processo incrível, que costuma trazer muita satisfa-

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ção para quem o cria. Não é estranho que, por uma série de razões, tantos fotógrafos se sintam atraídos a este meio, como eu. Apesar disso, acredito que um número maior de fotógrafos deveria se questionar se sua necessidade majoritariamente egocêntrica de fazer um livro justifica derrubar uma árvore para fazê-lo. É claro que, todos nós juntos, estamos desperdiçando papel e tinta de maneira bastante irresponsável. As técnicas de impressão digitais democratizaram o processo de criação dos fotolivros e causaram um enorme aumento no número de publicações, especialmente em pequenas edições. O problema é que ninguém saber como lidar com isso. Hoje em dia, quando entro em uma feira de fotolivros, sinto uma vontade enorme de sair correndo. É um volume enor-

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me e não me interesso em folhear centenas de livros até encontrar algo que me interesse. Tenho feito campanha faz algum tempo para um Spotify de fotolivros, permitindo que pessoas sigam suas playlists favoritas de qualquer pessoa com um gosto mais ou menos similar. Há uma grande necessidade de uma sistema de direcionamento que indique um caminho dentro desta selva para compradores potenciais. Se isto não acontecer, temo que o mundo dos fotolivros pode perder mais e mais audiência e se tornar extremamente introvertido. Eu gostaria de ter o tempo para criar este sistema, mas não o tenho. Deixo, então, o pedido: quem vai criar um Spotify para fotolivros? Seu trabalho parece ser diretamente atraído por narrativas complexas e desafiadoras, com uma conexão dire-

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ta com práticas documentais. O que te atrai a este tipo de história? Costuma fazer séries de oito a dez imagens para revistas e por mais que eu ache algo extremamente difícil de se fazer, este formato de trabalho nunca me trouxe grande satisfação. A razão para isso talvez seja que sou um fotógrafo que não gosta tanto de fotografar. Na verdade, considero o ato de fotografar bastante irrelevante dentro de um projeto. Além das fotografias que faço especificamente para um projeto, produzo poucas imagens. Acho muito desafiador e interessante pensar sobre temas sociopolíticos ou geográficos, especialmente quanto sinto que eles são sub-expostos pela mídia ou por colegas documentaristas. Para alcançar uma certa nuance para o projeto você precisa de tempo e espaço para construir sua narrativa. No novo projeto em que estou traba-

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lhando junto com o escritor e cineasta Arnold van Bruggen é um exemplo disto. Nós podemos facilmente nos dar alguns anos antes de que algo tenha que estar em cima da mesa. Não me surpreenderia se este projeto seguir até 2030. Seus personagens são sempre uma parte importante dos seus projetos. Como você busca construir uma relação com eles? Como o conhecimento que você tem de cada um deles influencia na produção das suas imagens? Sua pergunta parece indicar que há algum truque especial para construir relações com as pessoas que você fotografa. Este não é o caso. A coisa mais importante é caminhar na direção das pessoas e perguntar se você pode fotografá-las. Depois disso, que você não se sinta desencorajado pelas muitas negativas que irá receber.

Legendas: P. 80: Matsesta, Região de Sochi, 2009 O jovem Dima queimou suas pernas em um churrasco com seus pais e seu médico recomendou uma visita a Matsesta. O tratamento envolve sentar com suas pernas queimadas sob água sulfurosa por seis minutos, três vezes ao dia. Sua enfermeira disse que mais tempo que isso causaria mais dano do que a reclamação da criança. P. 81: Eshera, Abkhazia, 2013 Pessoas se reúnem em memorial comemorando os mortos na guerra. Em 15 de Março de 1993 as forças de Abkhazia lançaram um ataque nos Georgianos em Sukhum, causando uma destruição em massa e um alto número de mortes entre civis. A guerra é comemorada sete vezes por ano. Adler, Região de Sochi, 2011 A linha férrea entre Sochi e Sukhum em Abkhazia abraça a costa. Atrás dela estão os sanatórios de Adler. Quartos de hotel são muito baratos, o que reflete na aparência da costa de Adler.


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Legendas: P. 83: Nizhny Eshera, Abkhazia, 2009 Nikolay Yefremovich Zetunyan, 88, sentado em sua sala com uma incrível vista do Mar Negro. Apesar do clima subtropical e da incrível localização, a maioria das casas em Eshera está vazia. Durante a guerra com a Georgia em 93, os Georgianos étnicos foram expulsos da cidade e os jovens mortos nos conflitos. P. 88: Karabulak, Ingushetia, Russia, 2012 Hamzad Ivloev (44) era policial em Karabulak. Uma noite sua estação foi atacada. Para salvar seus colegas, ele se jogou em uma granada que estava para explodir. Ele perdeu as duas pernas, um braço e a visão. “Me sacrifiquei por um monte de covardes”, ele disse amargamente. P. 91: Kodori, Abkhazia, 2009 Na casa da família Aschuba, o avô entusiasmado nos deixa entrar. Seus dois netos, Zashrikwa, 17, e Edrese, 14, sentam orgulhosos com Kalashnikovs em seus colos. O avô Tariel, 65, nos conta sobre a fuga para a cidade Geórgia de Kutaisi, quando as primeiras bombas caíram. “Somos o povo da montanha. Fronteiras não significam muito para nós.”

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Sempre tento ser completamente honesto e aberto com as pessoas que estou fotografando. Algumas vezes mantenho contato com elas por um longo tempo e às vezes só durante aquele momento da fotografia. Acho muito interessante visitar pessoas que eu fotografei anteriormente e ver como elas estão. A fotografia é um meio incrível de mostrar mudanças ao longo do tempo. Em relação a pessoas, estas mudanças costumam significar um certo grau de decadência física. Quais são as diferenças que você sente em relação a projetos que lidam com um personagens específico e os que lidam com uma situação mais ampla? Você os aborda de maneiras distintas? Não, eu não tenho uma maneira específica de abordar um projeto. Enquanto estou trabalhando, o conte-

údo da narrativa vai se fixar apenas depois de algum tempo e uma maneira de comunicar esta história precisa ser encontrado. Por vezes um protagonista é a solução para tornar uma pergunta de investigação complexa em algo compreensível. No nosso livro The Secret History of Khava Gaisanova Arnold e eu buscávamos por uma explicação para a longa história de violência no Norte do Cáucaso. São mais de 150 anos de história e o projeto se tornou tão complexo, com tantos caminhos paralelos que nem nós a compreendíamos completamente. Ao ligar esta narrativa a um protagonista, a história se tornou mais compreensível e tangível. Isso não significa que o protagonista foi o ponto de partida, mas sim a solução para tornar uma história complexa mais comunicável.

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Como você busca construir a narrativa de seus projetos? Você dá um workshop de storytelling faça-você-mesmo que me deixou curioso. Que tipos de técnicas e ideias você está apresentando neste curso? O curso de storytelling não é tanto sobre criar uma história, ele se concentra mais na questão de criar uma situação na qual você possa trabalhar em um tema escolhido por você e também sobre maneiras não convencionais de trazer estas histórias para o mundo. Há muitos fotógrafos que fazem grandes projetos – muitas vezes em seu tempo livre – mas não sabem como financiar ou distribuir estes trabalhos. O curso assume que você, como criador, também é responsável por atingir uma audiência e criar seu próprio mercado. A independência que você alcança desta maneira te coloca em uma posição menos de-

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pendente - e portanto melhor – em relação a editores, publishers e curadores, o que vai propiciar uma colaboração mais construtiva. Ser alguém que entende o storytelling dentro da categoria de faça-você-mesmo te coloca como o único responsável pelo financiamento, produção e apresentação do seu projeto para a audiência desejada. Há poucos programas educacionais nos quais todo este processo pode ser aprendido, por isso criei este workshop. O texto é uma ferramenta presente em vários de seus projetos. Como você o relaciona à sua fotografia? Eles tem o mesmo nível de importância para você? Você sente que esta é uma maneira de compartilhar mais informações com o espectador? Dentro da minha maneira de trabalhar e, principalmente, dentro das

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ambições que estabeleço dentro do escopo do meu trabalho, decido o quanto devo contextualizar ou não uma fotografia. Claro que isto varia entre projetos. Sochi Singers, por exemplo, é muito baseado na fotografia e precisa de pouco suporte textual. Já em Empty land, Promised land, Forbidden land, sobre o pequeno e isolado país de Abkhazia, há uma mistura igual entre texto e fotografia. Quando Arnold van Bruggen e eu estávamos completando o projeto, nos encontramos com os designers com uma instrução simples: queremos um livro em que texto e fotografia sejam apresentados de maneira igual. Isso significa que o livro não deve ser considerado como um fotolivro com texto, mas também não é um texto documental acompanhado de fotografias. Ele tinha que ser uma história em formato de livro construído com

fotografia e texto tendo a mesma importância. Vejo ao meu redor muitos fotolivros ótimos, nos quais o criador escolheu usar pouco ou nenhum texto de maneira consciente, deixando muito para a imaginação do leitor. Me sinto muito atraído para este maneira mais poética de se trabalhar, mas, ao mesmo tempo entendo que isto pode deixar o trabalho hermético e pouco atrativo para uma audiência mais ampla. Para mim, não importa somente o que eu prefiro, mas também o que prefere a audiência que quero alcançar. Pessoalmente, me sinto atraído à bolha de fotografia e arte de uma maneira muito limitada. Entendo como um desafio mais interessante alcançar uma audiência mais ampla. É uma questão de equilíbrio e às vezes alguns sacrifícios pessoais são necessários para alcança-lo.

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Vivemos em um momento em que estruturas de poder são questionadas diariamente. Na fotografia isto também acontece, especialmente na representação do outro. Você tem este jogo de poder presente na sua mente quando está fotografando alguém? Quanto você sente que seus retratos representam quem está diante da sua câmera e quanto eles representam você? Todos os documentaristas e fotógrafos de arte que admiro produzem trabalhos em que as suas ideias são representadas visualmente. Isso pode acontecer através de uma paisagem, um interior ou um retrato. Isso não é diferente no meu caso. Acho pretencioso pensar que meus retratos representariam a pessoa fotografada. Não é sobre a pessoa que está na foto, mas sobre o significado da imagem. Eles são uma peça em uma quebracabeças de diferentes dimensões.

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Acho pretencioso pensar que meus retratos representariam a pessoa fotografada. Não é sobre a pessoa que está na foto, mas sobre o significado da imagem. Eles são uma peça em uma quebra-cabeças de diferentes dimensões.

Sinto que o debate ético atual acaba em um excesso de pensamento politicamente correto. Muitos fotógrafos que estão sempre chafurdando em questões éticas e demostrando uma visão politicamente correta ganhariam mais se concentrando em fazer boas fotografias. Como fotógrafo, acho muito importante pensar com cuidado sobre a relação que você construirá com os sujeitos fotografados. A confiança entre fotógrafo e personagem tem um papel mui-

to importante nisto. Esta confiança pode ser rompida facilmente. Como criador, você tem que contabilizar as consequências de uma fotografia feita por você pode ter ao ser apresentada ao mundo. 

Mais sobre Rob em: www.robhornstra.com / www.thesochiproject.org


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FERNANDO BANZI

Lugar de Todos

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ugar de Todos é um projeto que está sendo desenvolvido por Fernando Banzi desde 2017, selecionando imagens do séculos XIX e XX e passando estas obras por um processo de fotopintura digital. Com esta prática, o artista garante uma nova visibilidade para figuras sub-representadas em nossa cultura, criando um ambiente fértil para uma discussão artística e política sobre representatividade e protagonismo. Apresentamos a seguir um recorte desta série que segue em desenvolvimento.



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Acredito que todos nós, sendo ou Fernando, está é sua segunda passagem pela OLD, com trabalhos bastante distintos entre si. Você sente uma mudança no seu processo criativo neste intervalo? O que tem motivado sua pesquisa em fotografia? Primeiramente agradeço o espaço que a OLD abre para conversa e troca. Creio que todo processo criativo necessita ressignificar-se e que esse movimento seja bem orgânico. É isso o que vem acontecendo comigo. O coletivo do qual participo, a Goma Oficina, tem muita influência nesse processo. Poder dividir essas metodologias e participar de projetos onde a fotografia não vem em primeiro lugar reflete muito no meu trabalho autoral. Nos últimos dois anos voltei meus olhos para ar-

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quivos do final do séc. XIX e começo do XX: bancos de fotografias de museus, institutos de arte, acervos digitalizados. Nesta onda fui parar na fotopintura, fotopintura digital e agora na intervenção em fotografia. Creio que voltar para esse momento, quando o retrato fica mais acessível, é um importante para entender também o papel dele na fotografia e na construção e manutenção das nossas culturas. Nos conte sobre a criação de Lugar de Todos. Num primeiro momento o trabalho me parecia algo apenas técnico, não sabia ao certo o que eu estava fazendo, fotopintura utilizando o photoshop, isso às vezes não batia bem

não artistas, devemos ter consciência e práticas políticas. na cabeça, quase que um saudosismo à fotografia tradicional. Os retratos tinham uma unidade, mais ainda me incomodavam. Pesquisando mais coleções pude enxergar potência nele, adicionando novos retratos a essa coleção que é o Lugar de Todos. O trabalho foi selecionado para a Leitura do portfólio do PhotoEspaña no Brasil e em seguida fui convidado para expô-lo em Madri com mais brasileiros na coletiva Territórios Imaginários. Neste tempo da leitura até o festival adicionei os retratos de indígenas e negros feitos pelo Português Felippo Augusto Fidanza que tinha


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um recorte na região Norte do país, especificamente em Belém, algo que deu mais força no discurso político do trabalho. Há uma potência histórica e política muito forte neste trabalho. O que te levou a estes temas? Você sente uma grande importância em produzir arte com teor político? O que me levou foi o senso de responsabilidade social. Acredito que todos nós, sendo ou não artistas, devemos ter consciência e práticas políticas. É essencial construir trabalhos políticos, ainda mais em tempos nebulosos, onde nossos direitos e liberdade estão sendo cada vez mais cerceados por uma nova ordem opressora.

dentro do universo fotográfico? Você vê este como um caminho para uma criação mais democrática e inclusiva? Acredito na fotografia como linguagem e se ressignificamos palavras, deixamos de usar outras, adicionamos novas ao nosso vocabulário e criamos derivações de um mesma língua ou dialeto, porque não ressignificar as imagens? O ensaio tem o objetivo de afirmar que deveríamos ser iguais, termos os mesmo direitos, deveres e acessos. Completamos 70 anos da Declaração Universal dos direitos humanos e diariamente temos que nos lembrar disso. Lugar de todos vem para colaborar com a democracia e uma sociedade igualitária. 

Qual a importância de revisitar comunidades sub ou mal representadas

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lma é uma viagem que caminha entre o autobiográfico e o ficcional. Nascido do desejo de compreender as origens da família de sua autora, este ensaio percorre um caminho poético profundo, em que dípticos são criados para unir espaços e sensações distintos. Bea Zamora C busca nestas duplas de imagens caminhos para entender seu passado, exorcizar seu presente e propor um futuro através de sua fotografia.



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Alma tem algo de documental mas, Bea, como começou seu interesse pela fotografia? A fotografia sempre esteve entre os meus interesses, mas foi três anos atrás, quando fiz um workshop de fotografia artística que realmente me encantei por este meio. Continuei a estudar e me aprofundar na área, o que sem dúvida me deu as ferramentas que necessitava para começar a pensar em meus projetos. Nos conte sobre o desenvolvimento de Alma. Este ensaio é o resultado de muitos anos de perguntas em torno da minha própria identidade, minhas raízes, minha história familiar, especialmente do meu lado paterno em que há uma falta de informação. Al-

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guns anos atrás estive em uma terapia transgeracional e me surpreendi com a quantidade de coisas que não sabia sobre meus avós e seus pais, que ninguém se lembrava ou sequer havia perguntado. Minha curiosidade sobre a psicogenealogia se dá graças a esta vazio: queria e necessitava saber as razões pelas quais a depressão e o câncer são elementos comuns em minha família, por exemplo. A psicogenealogia explica este fenômenos de uma maneira incrível e cheia de esperança e depois de alguns anos de leituras e investigações viajei até Belém, local de nascimento dos meus avós, com o objetivo de encontrar respostas. Claro que estas vivências precisavam ser exteriorizadas de alguma maneira, no meu caso

acima de tudo, de muito mais de onírico e, claro, de ficção. através da fotografia. Qual o seu processo para a criação dos dípticos? Que tipos de conexão você busca com estes pareamentos? Minha formação acadêmica é em Literatura, então o uso de símbolos e metáfora foi um caminho natural para o desenvolvimento da linguagem visual deste projeto. A união de duas imagens surgiu como o resultado de uma intenção poética. Tinha a impressão de que cada díptico poderia representar uma dialética que conecta dois espaços-tempo distintos com o objetivo de recriar


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e validar a dualidade, não de definir minha identidade a partir de um território, uma língua, uma religião ou uma postura política específica, mas sim de me repensar como o resultado de encadeamentos ou constelações interculturais. A união de cada díptico – que se caracteriza pela sub e super-exposição – foi uma espécie de jogo de azar porque cada imagem foi registrada em lugares e tempos distintos entre si e, ao uni-las, me parecia que se gerava uma nova realidade, por vezes onírica ou metafórica, que me ajudava a construir possíveis soluções a algumas das perguntas que provavelmente nunca poderei responder. Este projeto lida com o passado, com a memória. Porque te parece que a fotografia é a melhor maneira de confron-

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tar este tópicos? A fotografia é um meio entre tantos, mas para mim a fotografia é a via perfeita para expressar e experimentar com tudo aquilo que quero dizer, questionar, discutir, gritar ou simplesmente compartilhar. É um meio para exercer minha liberdade. Se pudesse pintar ou escrever, talvez tivesse criando um quadro ou um romance, mas penso que nossa expressão artística deve surgir do fundo do nosso ser e quando flui de maneira apaixonado e comprometida, ainda melhor.

de documental mas, acima de tudo, de muito mais de onírico e, claro, de ficção. Isto me parece algo bonito na fotografia: ela nos permite mostra o que desejamos e não desejamos também, ainda que com grande limitações. Em Alma estão meus pesadelos, os motores de meu próprio inferno, minhas esperanças, minhas culpas, fantasias, vergonhas, enfim: meu lado mais humano. Uma tentativa de recriar o círculo vital da existência. 

Você deseja criar ou completar uma nova biografia com Alma? Você vê este projeto mais próximo do documental ou do ficcional? Penso que tudo o que fazemos em arte é autobiográfico. Alma tem algo

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o longo dos últimos meses de 2017 e dos primeiros de 2018 revi centenas de contatos para o trabalho de edição de um fotolivro. Esse movimento de revisitar as memórias visuais e afetivas foi muito interessante porque me fez reviver as situações onde eu estava quando fiz aqueles clics. De repente, lembrava de algum aroma mais acentuado como o perfume de uma flor ou aquele cheirinho de comida

Angelo José da Silva é professor de sociologia na Universidade Federal do Paraná e fotógrafo. Suas pesquisas mais recentes focam o espaço urbano e o grafite.

que te dá água na boca. Uma palavra que sempre surgia nesses momentos de revisitar as imagens era memória. E, junto com ela, vinham muitas questões: a memória é olfativa? Ela é um impulso elétrico apenas ou estrutura-se a partir dos afetos, sentimentos e sensações? É basicamente visual? No momento seguinte, quando pensávamos sobre o conceito do livro, as classificações aproximavam-se de nós. As fotos escolhidas poderiam ser chamadas de “documentais” ou, afinal, era tudo ficção, como nos disse Gerry Badger?! Quando li O Despertar do Tigre, de Peter Levine, esbarrei em uma pergunta anotada pelo próprio autor: “O que é a memória?” Para Levine a me-

mória está mais para um mosaico do que para um roteiro linear. A mente seleciona, reúne e articula elementos e produz memórias que vem para o primeiro plano realizando diversas combinações que podem ser uma imagem de um fato real ou a junção de dados díspares de fatos distintos. A resposta da mente, portanto, pode ser mais rígida ao seguir caminhos mais regulares ou mais flexível, criativa, acrescentando “novidades” nesse processo. Ao pensar um contato fotográfico eu o vejo, às vezes, como essa produção da mente que articula diferentes aromas, imagens, cores e tons de cinza em dicas de narrativas para o processo criativo, como memórias do passado ligadas ao futuro. 

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coluna

reflexões

A resposta da mente, portanto, pode ser mais rígida ao seguir caminhos mais regulares ou mais flexível, criativa, acrescentando “novidades” nesse processo. 123


MANDE SEU PORTFÓLIO revista.old@gmail.com Fotografia da série 25 Horas Até o Japão, de Yasmin Velloso. Ensaio completo na OLD Nº 76.




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