OLD Nº 71

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expediente

revista OLD #número 71

equipe editorial direção de arte texto e entrevista

Felipe Abreu e Paula Hayasaki Tábata Gerbasi Angelo José da Silva, Felipe Abreu, Laura Del Rey e Paula Hayasaki

capa fotografias

Larissa Zaidan Gui Galembeck, Isabella Lanave, Ivi Maiga Bugrimenko, Larissa Zaidan e Mariane Lima

entrevista email facebook

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índice

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livros seydou keïta exposição

larissa zaidan por tfólio

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isabella lanave por tfólio

mariane lima por tfólio

rosângela rennó entrevista

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gui galembeck

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reflexões

por tfólio

coluna



carta ao leitor

Chegamos a mais uma edição de aniversário. Já é a sétima. A cada ano que passa fico feliz e orgulhoso de ver o que foi produzido e apresentado pela OLD e logo começo a pensar no que traremos de novo no ano seguinte. É sempre uma luta continuar produzindo a revista, mas a chance de apresentar os trabalhos em que acreditamos e a sensação de que somos um espaço de debate e divulgação de novos talentos compensa - e muito - qualquer problema que possa aparecer. Nesta nova edição temos as criações de cinco artistas em que confiamos muito e que contam com produções e carreiras que indicam vôos altos. Começamos com Larissa Zaidan, passamos para Isabella Lanave, Mariane

Lima, Ivi Bugrimenko e fechamos com Gui Galembeck. São registros de grupos sociais, famílias e culturas específicas, com uma assinatura própria que leva os ensaios adiante, praticamente impedindo que eles fiquem parados, sem receber a devida atenção. Para completar esse já poderoso time de jovens artistas temos uma entrevista maravilhosa com Rosângela Rennó, conduzida pela também maravilhosa Laura Del Rey. Esta é uma chance de ler sobre os processos, caminhos e questionamentos de uma das principais artistas do Brasil. Espero que você aproveite esta edição de aniversário e nos vemos logo mais! por Felipe Abreu

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livros

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INFINITO

de David Jiménez

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á um movimento de reedição de grandes fotolivros ganhando força nos últimos anos. Livros de Alec Soth, Masahisa Fukase, Larry Sultan e tantos outros foram relançados, matando a sede de fotógrafos e colecionadores que aguardavam para ter essas publicações em mãos. Infinito, de David Jiménez, é mais uma destas segundas edições para livros de grande sucesso. Um marco na produção espanhola, foi lançado em 2000 e figura em uma série de estudos e livros sobre o tema. Sua narrativa fragmentada e seu cuidado com a criação material dão a Infinito um importante espaço na história do gênero, propondo uma estrutura de sequência super inovativa, abrindo espaço para uma série de inovações que vemos produzidas contemporaneamente.

Disponível no site da Dalpine valor R$ 150,00 118 páginas 6


livros

A SHI M ME R OF P OSS I B I L I T Y de Paul Graham

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ais uma das grandes reedições lançadas recentemente, A Shimmer of Possibility é provavelmente o principal fotolivro da prolífica carreira de Paul Graham. Em seus 12 volumes, o autor explora a conexão entre fotografia e tempo, com uma organização visual marcante, que cria microsequências visuais em torno de ações cotidianas e personagens costumeiramente invisíveis em grandes metrópoles. A Shimmer... foi premiado como “o melhor fotolivro dos últimos 15 anos” em 2012, garantindo um destaque ainda maior para esta obra. Neste trabalho Graham expande a relação da fotografia com a imagem única e com o valor do que costuma ou não ser fotografado. Apesar do valor alto, fica a recomendação para quem tiver disposto a fazer o investimento. Disponível no site da MACK valor R$ 1500,00 376 páginas

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exposição

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OS INCRÍVEIS RETRATOS DE SEYDOU KEÏTA Instituto Moreira Salles recebe extensa retrospectiva do fotógrafo malinês e suas envolventes e meticulosas imagens.

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s fotografias de Keïta registram um período de intensa transformação em Mali, que caminhava rumo à sua independência. Além disso, registram com precisão as características culturais deste período, além de dar conta de apresentar gestos, estampas e roupas encantadoras até os dias de hoje. O fotógrafo malinês foi um dos precursores do retrato de estúdio em seu país e continente, produzindo uma infinidade de imagens entre as décadas de 1940 e 60 reunindo variados tipos de imagens em sua coleção. A mostra que leva o nome do fotógra-

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fo chegou ao IMS no meio de Abril. Com uma montagem muito bem pensada, criando caminhos pela exposição que passam levemente entre as variadas escalas das imagens apresentadas, a retrospectiva conta com 130 obras, com algumas impressões vintage, apresentadas pela primeira vez no Brasil, e com impressões produzidas nos anos 90 na França, sob inspeção de Keïta. Estas são especialmente impressionantes por suas dimensões, chegando até 180 x130 cm. Impressiona o domínio técnico e narrativo presente nestas imagens. Mais do que registrar seus modelos, Keïta

cria cenas complexas, com uma atenção para a composição e organização entre quem posa e a organização de seu estúdio. São figuras imponentes, que ganham registros à altura, garantindo toda a pompa que merecia uma visita ao estúdio fotográfico neste período. Além das envolventes fotografias, vale a visita para conhecer mais sobre a vida de Keïta, apresentada em texto e vídeo ao longo da exposição. O Instituto Moreira Salles fica na Av. Paulista 2424. A mostra Seydou Keïta segue em cartaz até o dia 29 de Julho.


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LARISSA ZAIDAN

Você é jovem e eu te amo

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arissa Zaidan tem um olhar muito intenso, que encontra em cores, expressões e detalhes a maneira de transmitir toda a força de suas imagens. Larissa faz parte do Angústia, um coletivo paulista que tem transformado a cara do fotojornalismo e da produção documental no Brasil. Em Você é jovem e eu te amo Larissa faz uma pausa no meio do turbilhão de suas pausas para fazer uma declaração de amor a cada um de seus personagens, com fotos de uma força estonteante.



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larissa zaidan

Larissa, como começou seu interesse pela fotografia? Eu sempre fui a menina que levava câmera pro colégio e que fazia os vídeos e fotos dos meus amigos na adolescência. Mas nessa época eu não tinha um interesse específico pela fotografia pra ser sincera. Até que no último ano da faculdade (me formei em jornalismo) eu fiz meu TCC com uma amiga que pirava em fotografia. Nós viajamos para Afuá, no norte do Pará, por 15 dias pra gravar uma websérie e eu fiquei meio encantada com o jeito como ela fotografava com o celular, como ela via detalhes muito especiais nas coisas. E esse era um tempo em que eu estava particularmente muito perdida, infeliz com meu trabalho da época,

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terminando um namoro longo. Foi um ano de muitas perdas e o que sobrou disso tudo foi a fotografia pra mim. O meu mundo mudou completamente a partir disso.

Nos conte sobre a criação de Você é jovem e eu te amo. Na verdade, acho que eu só percebi que “Você é jovem e eu te amo” existia como uma série muito tempo depois que comecei a fotografá-la. Te explico. Eu fotografo pessoas que me encantam, sabe. É quase uma questão química mesmo. Então eu seguia fotografando essas pessoas. E tem os momentos em que você para pra editar suas fotos, entender qual caminho você está seguindo. E aí

Acho que o fato deu parar e tirar uma foto delas já é o momento de maior intimidade que eu posso ter com alguém. que eu fui sacando que, no final das contas, as pessoas que eu mais amava fotografar eram as galeras que eu encontrava nos rolês, que tinham mais ou menos minha idade. Esse nome da série é absolutamente a verdade sobre o que sinto por ela. As imagens transmitem uma proximidade muito grande dos seus personagens. Como é sua relação com eles? Como você se aproximou destas histórias? Olha, depende. Algumas das pessoas que fotografei eu tenho muita proximidade, como a drag queen


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Mackaylla. Nós ficamos amigas, eu acompanhei ela por cerca de 6 meses, sabe, ela é uma pessoa que acabei ficando amiga. Por outro lado, tem algumas pessoas que eu encontrei uma vez na vida, às vezes só por alguns minutos. Mas acho que uma parada que tem em comum entre essa galera que ando fotografando é que eu só parei e senti vontade de retratá-las porque de alguma forma elas me sugaram para o universo delas. É um mojo, um bagulho que me deixa meio hipnotizada por algumas pessoas e que me faz querer fotografá-las. Normalmente conheço as pessoas que registro em algum rolê, na noite, em alguma pauta que fiz. E posso trocar uma ideia, conhecer ela melhor. Ou então não trocar nenhuma palavra. Acho que o fato deu parar e tirar uma foto delas já é o momento

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de maior intimidade que eu posso ter com alguém. Há um contraste constante entre o desejo desses jovens e a realidade em que eles vivem. Como você buscou explorar essa dualidade nas fotografias? Acho que existem dois pontos sobre a forma como eu retrato esse contraste. Um é que eu fotografo esses jovens exatamente no ambiente em que eles vivem. Isso quer dizer que de um jeito ou de outro, naturalmente essa dualidade é exposta. O outro ponto é que eu fui percebendo com o tempo que eu tenho uma pira em relação à moda, em perceber como como as pessoas se vestem, como elas querem se mostrar ao mundo. Isso significa que eu acabo buscando muito isso nos jovens que eu quero fotografar, seja num corte chavoso, numa roupa,

na maquiagem, no cabelo. Eu sinto que tá muito ligado aos sonhos que as pessoas têm e isso é a coisa mais doida e linda dessa molecada. Você sente que estas imagens são um indicativo do futuro? Não só destes jovens, mas de sua geração como um todo? Acho que ainda é meio cedo para eu ter saber. Talvez se eu continuar com esse meu trampo e for um pouco (ou muito) mais focada nele, ele possa virar uma recorte da minha geração. Eu me sinto meio presunçosa em falar isso, na verdade. Então acho que por enquanto é difícil eu pensar sobre isso. 

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ISABELLA LANAVE Fátima

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sabella Lanave é um dos grandes talentos de uma nova fotografia brasileira. Apesar da pouca idade, a fotógrafa curitibana já conta com destaques internacionais e com uma atenção e dedicação impressionante ao seu trabalho. Nesta edição da OLD apresentamos Fátima, trabalho que tem acompanhado toda a sua carreira e que se concentra no transtorno bipolar de sua mãe e nas dificuldade que vem junto com ele. São imagens delicadas, que aproximam mãe e filha e criam fotografias de uma força ímpar.



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Isabella, como começou seu interesse pela fotografia? A fotografia está presente na minha vida desde pequena, minha mãe, tias e tios tiravam fotos das festas de família e viagens que fazíamos sempre que possível. Eu cresci olhando nossas fotos que ficavam guardadas em caixas de sapatos em cima do guarda roupa. Quando eu era adolescente, meus pais me deram minha primeira cibershot, no Natal de 2004 - uma Sony, parcelada em 10x na época. Eu ficava tirando fotos dos meus amigos de colégio, dos amigos do bairro que eu morava e muitas selfies no espelho. Eu cresci com minha mãe me incentivando a ver muitos filmes e livros, então quando tive que escolher o curso para a faculdade procurei

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algo que tivesse fotografia, cinema e redação na grade. Escolhi o jornalismo e logo no primeiro ano, nas aulas de fotojornalismo, me encantei com o que ia descobrindo. Com o salário do meu primeiro estágio comprei minha primeira câmera, uma T3i. Tirar fotos não era mais tão fácil, mas foi como saber o que eu queria fazer pro resto da vida. Nos conte sobre a produção de Fátima. Fátima se tornou um projeto de uma maneira muito orgânica. A primeira vez que fotografei minha mãe foi para um trabalho da faculdade e esta relação seguiu, com ela participando de curta metragens e vídeos arte. É interessante que a história de um deles começou sem eu pensar nela,

Acredito também que trabalhar um tema tão pessoal exige uma força gigante de continuar sempre caminhando mais fundo. mas quando fomos gravar nos demos conta que estávamos falando de sua história. O roteiro era basicamente uma mulher de meia idade que estava em crise com algumas lembranças da infância que não deixamos claras se são relacionadas a própria personagem ou a seus filhos. Depois de pensar a história e minha mãe ser a protagonista, tive vontade de fazer um filme sobre ela. Isso se transformou no projeto que hoje desenvolvo, pois na época comecei a procurar documentos antigos da minha mãe e paralelamente comecei a fotografar minha família cotidianamente.


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A primeira vez que eu juntei as imagens e mostrei pra alguém foi em 2016, para a Marizilda Cruppe, em uma leitura de portfólio em Tiradentes. Foi quando fui chamada para apresentar o trabalho no MIS/SP, que acabou sendo um marco nesta história. A produção das imagens no começo foi muito sem planejamento no sentido de apenas registrar o cotidiano sem interferir. Com o passar do tempo me desprendi de algumas regras e comecei a me colocar na cena, além de, junto com minha mãe, pensar imagens que queríamos produzir juntas para contar a nossa história. O tema e a protagonista deste ensaio são muito próximas a você. Quais são as dificuldades de trabalhar com um assunto pessoal? O que mais te motiva em abordar este tema?

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Quando eu comecei esse projeto não pensei muito sobre o quanto da minha vida íntima eu estava expondo. Eu precisava falar antes que explodisse.Minha maior insegurança no início foi pensar que contar a minha história seria irrelevante pra sociedade, mas logo na primeira experiência de compartilhar eu já tive um retorno enorme de como essa particularidade da minha vida atingia cada pessoa de uma maneira diferente. Sejam pessoas que passam por coisas parecidas na família, filhas e filhos que têm relações difíceis com as mães e assim por diante. Hoje também me coloco num lugar de pensar que uma das coisas que mais me motiva a continuar com esse projeto é trazer a reflexão sobre a saúde mental. Precisamos falar sobre isso até quando ir ao psiquiatra e

tomar medicação não seja motivo de vergonha, até quando fazer terapia seja algo comum para todos nós. Até quando olharmos para nossa saúde mental com cuidado e carinho, assim como olhamos para as nossas outras dores físicas. Acredito também que trabalhar um tema tão pessoal exige uma força gigante de continuar sempre caminhando mais fundo. Eu faço terapia há um ano e meio e sem ela acredito que não conseguiria estar levando esse projeto adiante. Tem coisas que não conseguimos lidar sozinhos e não há problema nenhum nisso. 

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MARIANE LIMA Maria, só Maria

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aria, só Maria começa como um desejo de discutir relações de trabalho entre domésticas e as famílias que as contratam, esta área cinza em que se prega uma profunda intimidade mas que mostra seus limites rapidamente. Hoje, o trabalho de Mariane Lima apresenta a sua intimidade e a de sua família como uma forma de discutir relações ligadas ao afeto, ao trabalho e à maneira com que vemos o espaço em que vivemos. São retratos, detalhes e gestos cotidianos que se complementam ao unirem as três mulheres protagonistas desta série: Mariane, sua irmã e sua mãe.



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Mariane, como começou seu interesse pela fotografia? Eu queria ser jornalista, mas quando me preparava para o vestibular fiz uma viagem com amigos que já estudavam fotografia e cinema e bum! A fotografia entrou na minha vida aos 17 anos de idade e aos 18 comecei a graduação no Senac. Depois de formada passei um longo período sem fotografar. Em 2016 comecei a frequentar o G>E [Grupo maior que eu] coordenado pela artista Karlla Girotto e em 2017 comecei a frequentar o grupo do André Penteado, com quem já vinha trabalhando por quase dois anos. Nos conte sobre a produção de Maria, Só Maria.

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Nesse meio tempo frequentando os grupos, tive a ideia de fotografar a minha mãe no trabalho. Queria registrar aspectos de sua rotina como forma de entender as mudanças que estavam acontecendo no país. Isto acabou não rolando pois esbarrei em questões relacionadas à intimidade da família para qual a minha mãe trabalha há quase 17 anos, levantadas pela própria patroa no dia em que fui pedir sua autorização para a produção das fotografias. Depois disso pensei em muitas imagens possíveis que retratassem este episódio, passando até pela ideia de fotografar o bairro onde fica a casa. Ao mesmo tempo lembrei dos clichês do tipo: “ela é como se fosse da família...” e entendi o que significa ser íntimo

Lembrei dos clichês do tipo: “ela é como se fosse da família...” e entendi o que significa ser íntimo nessa relação tão singular de trabalho. nessa relação tão singular de trabalho. No final, tudo isso virou material para o início de pesquisas sobre a origem da divisão de classes e a sua ligação com o trabalho doméstico. Comecei a fotografar domésticas e suas filhas, na tentativa de compreender a profissão como uma relação realmente singular de trabalho, que por ser uma função vinculada à confiança é eventualmente transferida geracionalmente. Com essa intenção, fiz o retrato no qual estão eu, minha mãe e minha irmã e foi aí que entendi que no meu ambiente familiar estavam todos os elementos e questões


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que me levaram ao início do trabalho. Este ensaio tem um foco em sua mãe, mas acaba falando muito da sua relação com a sua família como um todo, sua realidade, seu espaço. Como foi o processo de organização destes temas? Como o ensaio mudou ao longo de sua criação? O município de Embu-Guaçu é um tanto precarizado, graças a uma série de má administrações que nunca garantiram à população local bens básicos para seu desenvolvimento. Não há trabalho para todo mundo, não tem universidades, enfim, não é necessário ir muito longe para entender que essa configuração de cidade está intimamente ligada à profissão exercida por boa parte de sua população. Então, como ideia de partida decidi fotografar além do ambiente

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familiar, o bairro em que cresci. Ao longo desse um ano entendi também que é na edição que esse trabalho vem mudando e ganhando um novo sentido, pois me permito olhar muito para as fotografias e mostro para algumas pessoas antes de fazer novas. Outro ponto importante tem sido a interação com a minha família que vem se tornando maior, ao passo que agora estou fotografando coisas mais banais do nosso cotidiano. Você retrata a periferia paulista com um olhar muito objetivo, quase científico. Como se definiu esta abordagem? Acredito que parte da fotografia documental brasileira carrega ainda um tradicionalismo na sua linguagem. O que se desdobra em trabalhos conectados a muitos clichês e a um certo fetiche pela imagem do que é ser

pobre. Não culpo os fotógrafos cujos trabalhos julgo estarem equivocados. Os ambientes de conhecimento, como a educação superior, são privilegiados e por si só não poderiam dizer muito sobre essa realidade. Foram esses mesmos ambientes e seus privilégios que me aparelharam com métodos que utilizo na construção das imagens, mas que não necessariamente as ligam tom científico citado. Esse resultado foi proposital somente no que diz respeito às formas e formalidades da minha fotografia. Porém, mais importante do que essa “ciência” é o uso da minha experiência na construção do que chamo de vitrine, onde olho e analiso o que estou fazendo e penso em novas possibilidades de atribuição de sentido para lidar com essa nova realidade de mundo. 

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A mineira Rosângela Rennó, um dos principais nomes da arte contemporânea no nosso país, é comumente lembrada por ser uma fotógrafa que não fotografa. Embora essa seja uma verdade parcial – pois, “quando necessário”, Rennó fotografa –, sua produção se concentra sobretudo em imagens (e objetos) já existentes, arquivos ou potenciais arquivos em estado de abandono. Tive a oportunidade de conversar com a artista por Skype, para tentar espalhar um pouco sobre a mesa os seus principais temas, pensamentos e metodologias ao lidar com as imagens. A espera é parte fundamental nesse corpo de trabalho – iniciado na década de 1980 e ainda muito vivo e pungente em seu caminho pelas sombras. Seus projetos lidam com imagens de diversos “pesos” e características;

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só para citar alguns mais recentes, o acervo do Foto Cine Clube Bandeirante exposto no MASP – no qual você atuou como curadora – e o material do jornal uruguaio El Popular. Ao longo dos anos, foram muitos tipos de documentos, vídeos e fotografias, vindos de instituições, de acervos íntimos... e até imagens que você pediu para serem produzidas especificamente para determinado trabalho (como no ‘Última foto’). Tem algum “tipo” de imagem com o qual você não lidou ainda e tenha vontade? Ainda sobra tempo para trabalhar inquietações espontâneas suas, ou a produção tem vindo mais a partir de convites? Sempre que você acha que já fez tudo, aparece uma coisa que ainda não tinha visto. De vez em quando, até brinco: “Poxa, lidei pouco com fotojornalismo, poderia ir mais a fundo…”, ou: “Olha que engraça-

do, agora finalmente usei fotografia amadora…”. Mas, na verdade, não fiz uma lista. E seria difícil listar, porque a fotografia ocupou tanto espaço na vida a partir do século XX que é difícil imaginar algum campo onde ela não esteja presente de alguma forma e cumpra alguma função. Eu tive uma experiência muito engraçada quando fui visitar um museu em Londres, de um arquiteto do final do século XVIII. Era a casa de um sujeito pré-fotográfico, transformada em museu. Foi a primeira vez que vi uma casa inteira sem nenhuma fotografia na parede, foi estranhíssimo [risos]. Não tinha nenhuma imagem técnica; nada reproduzido por um aparato óptico-mecânico. Um lugar onde as últimas representações ainda eram pintura e gravura. Conto isso para dizer que é tão difícil pensar no mundo sem uma imagem fotográfica…

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que nunca vai acabar. Já passei por várias categorias, usos e funções sociais das imagens, mas além de não poder dizer se tem alguma que eu não tenha tocado, para mim tanto faz. Pode ser que um dia as fotografias digitais me apontem inquietações que justifiquem eu começar a me mover para produzir alguma coisa em torno da existência delas. No fundo, só não trabalho tanto com as digitais como faço com as fílmicas porque as fílmicas trazem outras coisas do próprio território de produção da imagem – que complementam as inquietações que vêm do território do humano. O que me interessa são as humanidades; o imaginário produzido é uma espécie de pretexto para tratar de algo maior. Ainda não descobri como falar dessa coisa que não tem muita materialidade – o digital –, e por isso sigo guardando objetos. Ainda tenho

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muitas inquietações, claro, e recebo convites também. O problema é que, às vezes, me chamam para fazer coisas que não estou a fim – e não porque esteja de saco cheio ou já tenha feito aquilo, mas… por exemplo: o arquivo do museu da ditadura no Chile [Museo de la Memoria y los Derechos Humanos]. É um museu incrível, mas aquele material não é para eu usar; não acendeu uma luzinha. No fundo, tem materiais que a gente não deve tocar. Há certas coisas que têm uma carga simbólica, mágica, ou mítica muito grande. Não saberia responder por que um determinado arquivo, ou álbum, não é para ser tocado ou transformado em outra coisa. Independentemente disso, adoro quando me convidam. Porque sou curiosa, tenho que ir lá ver [risos]. Se alguém acha que aquilo pode me interessar, eu não devo desprezar.

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Você pode comentar um pouco as possíveis diferenças metodológicas ao trabalhar temas e fatos passados – e que já tenham, portanto, uma certa ação do tempo sobre eles – e temas mais atuais? Por exemplo, como é/ foi pensar soluções visuais para lidar com a ditadura no Brasil ou com um massacre de presidiários que já tinha acontecido e repercutido... e, por outro lado, como está sendo fazer um projeto como o ‘Rio Utópico’ – ou seja, um material que ainda não “dormiu”? São duas formas de trabalhar muito distintas, mas que podem ter aproximações. Existe uma série de procedimentos e métodos que se pode adotar com um tipo de material de arquivo – ou de coleções que, por exemplo, não chegaram a ser um arquivo porque estavam à beira do abandono. Daria para falar sobre isso o dia inteiro; sobre as coisas que eu

já fiz e não fiz com esse tipo de material, dependendo do estado da matéria. Outra coisa, bem diferente, é um projeto como o ‘Rio Utópico’, distinto dos outros na origem – mas que, por outro lado, tem uma finalidade que pode se aproximar. No ‘Rio’, quis fazer algo que ultrapassasse o mapa; que chegasse a uma ideia de arquivo, inclusive. Ou seja: “Como aproximar coisas na cidade que são tão diferentes e estão tão longe umas das outras?”; “Como condensar isso em uma exposição só?”; “O que vai ser importante, ou relevante, em um determinado lugar?”. São procedimentos arquivistas e bibliotecários. Muita gente achou que só tinha comunidades envolvidas no projeto, mas tem condomínios de classe média também. Poucos, mas tem. Gostaria até de ter colocado mais desses condomínios – mas eles, em geral, não têm


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nomes utópicos [risos]. Consegui três: a Suíça Carioca, a Ilha Pura e o Mundo Novo. Então, pelo menos no meu ‘Rio Utópico’, existe essa aproximação: há pelo menos três condomínios de classe média com nomes parecidos com os nomes de comunidades. Tudo isso para dizer que, dentro do processo, existe uma metodologia que aproxima as coisas de uma espécie de pulsão de arquivo. Pelo mapeamento, pelo rigor, pela listagem… e pelo processo mesmo, de passar quatro meses recebendo fotos, classificando, acumulando. Por outro lado, o que me motivou muito a adotar esse procedimento, inclusive o de trazer colaboração das pessoas, não foi ter a circulação digital ao meu favor. Na verdade, foram dois projetos que eu soube que aconteceram em São Paulo nos anos 1970 que me botaram pilha. Um foi a exposição que a Clau-

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dia Andujar fez, a convite do Bardi, que se chamava ‘GSP 76’. A proposta era: “fotografe a grande São Paulo e mande a sua foto”; chamou os amigos dela, profissionais, e também fez uma chamada para amadores. A outra exposição foi organizada pelo Zanini, em 1972, para o MAC-USP: ‘O fotógrafo desconhecido’. Fiquei muito empolgada com esses dois trabalhos, porque contavam com a participação das pessoas num tempo em que só se podia chamá-las pelo jornal. Ao mesmo tempo, eram muito arrojadas para uma época tão difícil. Os meus padrões de obsessão dentro do ‘Rio Utópico’ são típicos de métodos que criei em outros projetos. Vejo, também, aproximações possíveis com trabalhos menos conhecidos meus no que diz respeito à linguagem: essa ideia de juntar as palavras bonitas, ou utópicas… de nomear. Atribuir nome

a uma coisa é a base da linguagem, e ao mesmo tempo está muito associado à ideia do retrato; da identidade. Explorei isso como visualidade das localidades: “A Morada dos Sonhos, por exemplo, que cara ela tem?”. A cara dela é a soma das imagens que chegaram até mim. É um retrato derivado daquilo que eu recebi. A próxima pergunta é mais explicitamente política. Tudo bem? Lógico. Boulos! Guilherme Boulos 2018. [risos] É sobre a questão da imagem nesses últimos anos do Brasil, mais especificamente de 2013 em diante. Penso muito, por exemplo, no desaparecimento da imagem da Dilma Rousseff. A figura dela foi hiper saturada até o momento preciso do impeachment e, depois, evitada ao máximo, talvez para apagar


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da nossa lembrança mesmo. A pergunta é se e como você tem pensado esse período atual imageticamente, e o que mais te chama a atenção. Te confesso que não estou muito ligada. Tenho me preocupado mais… sem passar pela fotografia, com o que está acontecendo visualmente no Rio de Janeiro. Como ele está se tornando uma cidade decadente. Mas isso que você falou da Dilma é superinteressante. Eu não tinha me tocado, mas na realidade é isso: ela desapareceu, não é uma referência mais. Estou afastada das imagens porque acho que elas se repetem; estou um pouco cansada justamente disso: da repetição. Meu projeto ‘Arapongas’ fala disso. De como as imagens continuam as mesmas. São trípticos montados com fotografias da Passeata dos Cem Mil (1978), feitas pelo José Inácio Parente; com as minhas, feitas

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nas Diretas Já, em Belo Horizonte (1982); e com as fotos da Cia de Foto no Passe Livre (2013). As imagens são as mesmas. As reivindicações parecem que são as mesmas, também… só vai piorando um pouco, decaindo um pouco o sistema e o visual. Mas essa de agora, de fato, ainda não é uma preocupação minha. Deixo para a Mídia Ninja cuidar disso, e depois assisto o que que eles acham [risos]. Pensando nas fotografias do Foto Cine Clube Bandeirante, uma das coisas que mais chama a atenção na história dele é o sentido coletivo do fazer e aprender; um grupo que se junta para saídas fotográficas, para enviar os trabalhos a salões do mundo inteiro... e ir cavando espaços aqui e ali. Como você acha que está, hoje em dia, essa questão mais coletiva da fotografia? Não tenho muita experiência com os

foto clubes atuais e com o funcionamento desse circuito que ainda existe e que tem focos muito ativos no mundo. O que vejo é que tem escolas que ainda proporcionam cursos para as pessoas aprenderem a manipular equipamentos. Nem todo mundo quer aprender a usar a câmera para se tornar artista, né? Mas talvez a tendência seja acabar com esse circuito no momento em que as câmeras fotográficas deixarem de ser fabricadas e que os celulares de fato puderem fazer tudo aquilo que uma câmera amadora ou semi pro é capaz de fazer. Não sei se a indústria já está se preparando para isso ou não. Aí, talvez, volte a ser assim: quem tem uma câmera é o profissional da fotografia. Mas a fotografia tem uma agenda muito ampla… ela tem que cumprir uma série de tarefas e funções, então acho que ainda vai andar muito tem-

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po até que possamos prescindir desses cursos que tratam da técnica da captura de imagens. Esse amadorismo, que sempre envolveu a produção dos foto clubes, serviu a outros propósitos, também. O cara pode querer tirar o máximo da técnica porque ele é, por exemplo, um dentista. Os foto clubes tiveram uma importância muito grande no momento em que a indústria investiu na popularização do aparato fotográfico. Inclusive, alguns eram financiados pelos fabricantes e vendedores de equipamentos. Eles eram os divulgadores dos novos recursos do sistema. Hoje, talvez, isso vá mudar. Talvez essa coletividade tivesse um pouco a ver com a necessidade de ainda descobrir espaços para a fotografia, que hoje está em tudo. Pois é. Mas tem uma coisa que eu

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aprendi lendo os boletins do Bandeirante. Houve um momento em que algumas pessoas ali dentro queriam que houvesse uma relação mais direta e profunda com o circuito internacional da arte contemporânea da época, em função da modernidade. Houve uma aproximação do Foto Clube da Bienal de São Paulo, por exemplo, e inclusive uma exposição. Mas não interessou a eles consolidar essa aproximação. O Foto Clube entendeu que deveria conservar o nicho dele; da fotografia com a sua especificidade, coesão e coerência interna. Preferiram se separar nessa coisa da técnica. Por outro lado, tem um fato engraçado: nada mais caixa preta do que a câmera de um celular, né? Essa ideia do instantâneo volta com o celular de uma forma muito doida. A ideia de uma imagem que você não manipula e fica satisfeita

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com ela; você mal vê, mal edita… dá um tapinha, um ajuste… e posta. Já passa da produção à circulação sem sequer esperar. Por falar em aparatos, uma pergunta sobre um trabalho específico, porque é um dos que mais me emociona. Você tem alguma história, ou detalhe interessante, de como as pessoas interagiram com a instalação ‘Rio-Montevideo’, ou de alguém que tenha te procurado para falar algo sobre essas imagens...? Histórias específicas não, mas é o trabalho em que as pessoas mais se sentem dentro de um parque de diversões; elas se sentem encantadas. Não só pela projeção, mas pelo objeto que projeta. De fato, projetores que você nunca viu na vida tão lindos – e que funcionam. Basta ver a carinha das pessoas para perceber esse maravi-

lhamento, e é esse maravilhamento que me interessa, também – porque aí é que você consegue acessar uns neurônios esquecidos. As imagens hoje em dia são muito parecidas, mais parecidas do que elas já foram. O Boudieu fala que a fotografia é a arte mediana para um homem mediano. As fotografias de turista são todas iguais: a pessoa já viu tanto uma imagem que quer fazê-la também, e esquece de olhar para as coisas. Mesmo entre os artistas, existem fotografias muito parecidas de artistas da mesma geração. Olham para a mesma coisa da mesma maneira, muitas vezes. Não estou dizendo que se copiam, mas a sociedade toda produz imagens parecidas. E, de repente, você consegue ativar outros lugares quando usa um método anacrônico de produção. Fora o encantamento de pensar de

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onde vieram essas imagens, também. Porque uma coisa é pensar, por exemplo, em um pequeno arquivo familiar que poderia ter se perdido, e outra é pensar em um conjunto de imagens desse tamanho que poderia ter se perdido. Isso me dá muita vontade de estar diante dessas imagens. É, isso é uma coisa muito impressionante. Quando comecei a olhar para essas fotos, fiquei imaginando como teria sido o meu país vivendo por tanto tempo sem aquelas imagens. Inclusive, foi o meu exercício: aproximar tudo o que tivesse a ver com o Brasil ou com a minha infância. Tentei buscar essas aproximações, para relacionar lá e cá. Mas fiquei principalmente impressionada com as fotos de teor político, imaginando que haviam sido 30 anos sem aquelas fotos. Sem as fotos das manifestações operárias, dos políticos… é muito

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tempo de imagem desaparecida, porque não havia ninguém que tivesse documentado tão bem certas coisas como o jornal do Partido Comunista. Tem muita coisa nesse material. Foi emocionante ver a chegada do Jango ao exílio no Uruguai. Eu nunca tinha visto fotos disso, ou das manifestações a favor de um Brasil livre, sem militares… nesse nosso país vizinho. Pensando no que você disse sobre as imagens repetidas. Você que já viajou bastante e teve acesso a diversos tipos de materiais, acredita que ainda existam especificidades profundas nas características e uso das imagens, nos diferentes lugares do mundo? Algo ainda te impressiona? Ou acha que a maneira de enxergar e documentar já foi um pouco... não digo globalizada, mas talvez homogeneizada? Que tenhamos perdido, junto com a inocência

em relação às imagens, certas especificidades? Talvez eu tivesse que ter viajado para mais desses lugares que chamamos de “exóticos” para poder responder. É difícil de avaliar. Mas eu fui, sim, para alguns lugares onde existem coisas incríveis. A resistência da fotopintura no Cariri, por exemplo – e que é muito parecida com a resistência da fotografia pintada, ou encenada, na Índia. Nunca consegui pesquisar isso, mas existe. Existem alguns lugares como o Talibã, por exemplo, que agora já se popularizou. O tipo de retrato que eles faziam (e guardavam, não podiam mostrar) era muito diferente. Tinha a ver com algo subversivo, inclusive, perverso: fazer a autorrepresentação deles com sandália feminina de salto, unha pintada, maquiagem, flores… e um rifle na mão – tudo junto, em um fundo colorido pintado. São imagens


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que, quando você vê reunidas em um livro, e fica sabendo que isso acontecia em um estúdio, fechado, mas que era super comum… nossa. Aquele sujeito ama aquela imagem, ele acredita nela. E não pode mostrar para ninguém fora do círculo íntimo, mas acha aquela imagem maravilhosa. O que eu acho bonito é que as pessoas continuam a ter muita fé nessa representação; não importa como ela vai ser feita. Se ela é kitsch, brega, arrojada, high tech, de altíssima ou mínima resolução. Eu gosto muito de olhar imagens antigas, ou usar os aparelhos de reprodução antigos; pegar a peça, restaurá-la inteira e colocar uma imagem para projetar, com uma lâmpada parecida com o grau de iluminação que me daria a vela ou a lamparina, bem sutil. Ao ver um slide projetado assim, hoje, imagino aquela pessoa que viu o slide em 1860.

Ela se satisfazia com aquela imagem, como a representação mais pura, fiel… como a tecnologia boa daquela época. Hoje, com a mesma imagem, a gente enxerga outra coisa. Se esquecermos do aspecto nostálgico, como o nosso olho reage àquela imagem? Ela não chega, tecnologicamente, aos pés do que se faz com um celular, mas as pessoas se satisfaziam com aquela imagem. Não se achava que um dia iria ter outra coisa, não se imaginava o próximo passo da imagem. Pensando no ‘Senhor dos Anéis’, por exemplo. A gente assiste hoje e é verossímil. Daqui a 20 anos não vai ser; com certeza não vai. Como nós acreditamos em ‘Guerra nas Estrelas’, por exemplo? [risos] E não é uma questão de moda, como você olhar para as ombreiras dos anos 1980 e achar brega; é que o olhar muda mesmo. O negativo atingiu, de certa maneira,

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o seu limite. Mas o digital não sei se tem limite, né? Fico pensando sobre como as imagens respondem ao tempo de duas maneiras. Uma é essa de que a gente está falando, e outra é como vai ser possível, ou continuar sendo impossível, narrar um determinado tempo histórico a partir do que sobrou dele. No seu filme ‘Vera Cruz’, por exemplo, você constrói uma narrativa com imagens desgastadas (“imagens sem imagens”, de certo modo) e sem som, mas com legendas baseadas na carta do Caminha. Naquele momento, na ocasião da carta, não havia fotografias; a carta era o que tinha para ser usado. Hoje, pelo contrário, estamos no excesso. Como será, daqui um tempo, repensar a história de hoje a partir desse amontoado de imagens que estamos produzindo? Como seria essa arqueologia?

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Como destacar alguma coisa significativa, dentro de tudo? Essa é uma grande incógnita. Eu penso nisso e me preocupo com isso o tempo todo. Graças a Deus, vou morrer antes. Não vai ser uma preocupação para mim, não quero nem saber como vai ser essa encrenca. Porque, no fundo, eu acho apavorante. Não sei o que são esses dados. Não é possível que essa quantidade de dados, em um lugar que se chama ‘nuvem’, ou sei lá o que… isso não pode ser bom, você acha? [risos] Essa merda vai feder daqui a sei lá quanto tempo. Cada um lida com as realidades da forma que acha. Eu prefiro ficar restaurando maquininhas e entendendo como era: “Olha, as pessoas se satisfaziam com essa imagem, essa resolução. Isso aqui era incrível”. Então, por que isso não pode me responder outras coisas ainda hoje? E não é por

uma questão de nostalgia, é por uma questão de aprendizado mesmo. A gente não pode estar sempre querendo lidar com as coisas às claras; alguém tem que cuidar daquilo que está na sombra. Tem matérias que estão na sombra e que dizem coisas muito importantes. Prefiro lidar com elas. O que está no claro, além de ser banal e fácil, é muito prosaico. Tem gente que faz coisas incríveis com as imagens prosaicas – mas eu, até quando uso imagens prosaicas, prefiro que elas cumpram uma coisa um pouco mais profunda. Acabamos sempre conversando sobre as diferenças e proximidades entre as soluções para exposições e para livros. Já te vi dizendo que tenta colocar, nos livros, detalhes que escaparam ao formato das exposições. Mas também vi livros, ou livros-objeto seus, como o


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‘2005-510117385-5’, que têm uma outra premissa; de colocar em pauta, por exemplo, o próprio colecionismo, e tratar não da imagem em si, mas dos rastros das imagens. O que você acha que o formato livro ainda tem para oferecer hoje, e que te interessa? Eu sempre pensei no livro. Desde o momento em que compreendi que o livro era um lugar tão importante quanto um espaço expositivo – quer dizer, que o livro é um espaço expositivo –, sempre pensei no livro. Isso já na década de 1990. Com o tempo, fui ganhando a clareza da potência que isso pode ter. Sempre foi um desafio, porque sempre imaginei as transposições de um projeto como algo a mais. O livro não pode ser simplesmente um catálogo do que aconteceu no espaço da exposição; precisa dialogar com aquilo de outra forma, autônoma. Até porque, é a forma mais democrática mesmo de você levar o

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território visual para outros lugares. Então o mínimo é caprichar muito; entender o instrumental e fazer de fato uma obra com aquilo. Se a questão espacial era algo muito importante na exposição, por exemplo, ela tem que estar presente, de alguma forma, no livro. Os elementos têm que estar ali. Em alguns momentos, essa transposição é perfeita; em outros, fica um pouco frustrante. Mas se eu perco de um lado, procuro sempre ganhar do outro. O próprio livro do ‘Rio-Montevidéu’ é isso: ele perde a beleza das projeções, mas ganha requintes na documentação do projetor, no aspecto de arquivo… Dá trabalho fazer assim, mas é mais divertido, porque dá uma sobrevida ao projeto. Os seus trabalhos acabam voltando algumas vezes para questões próximas entre si. Um exemplo fácil seria o ‘Cerimônia do adeus’ (1997-2003) e

o ‘Nuptias’ (2017) – que, embora tenham propostas distintas, usam de base imagens de cerimônias matrimoniais. Você pode falar um pouco sobre esses casos em que retorna a um tema, ou problemática, alguns anos depois? Sobre esses diálogos da sua obra com ela mesma. Não tenho uma clareza total disso. Muitas vezes retomo um assunto sem me dar conta de que já tinha feito aquilo. Mas… são obsessões, né? [risos] Às vezes fico meio apavorada de perceber que algo está se tornando uma obsessão séria. É que tem coisas com as quais temos mais familiaridade. Claro que não me esqueci do ‘Cerimônia’ ou do ‘Afinidades eletivas’ quando fiz o ‘Nuptias’… até porque eu coleciono imagens de casamentos. Mas acho que essa familiaridade, no fim das contas, é o que me autoriza a ser muito irônica ou ter mais liberdade com o material. Eu não me dou

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tanta liberdade com um arquivo que conheço pouco; vou mais devagar, estudo mais, vou com mais cuidado. Porque não gosto de ser leviana. Não gosto de tratar as imagens antigas como uma ilustração que eu possa manipular. Tem gente que usa fotos antigas como textura; aí não dá. Ou, o contrário: como história. Nesse caso, as fotos são tão sagradas que, como a pessoa não pode mexer na foto, usa um xerox. Eu não acredito nisso. Falta a coragem de pegar e cortar o original, né? [risos] No meu caso, a familiaridade com o material permite ser mais má, mais cruel, e isso é bom. Como é aquela frase da Mae West? “Quando eu sou boa, eu sou muito boa. Mas quando eu sou má, sou melhor ainda”. O que você tem visto, ou lido, ultimamente, que te chame a atenção? Tenho gostado muito de ver docu-

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Eu não me dou tanta liberdade com um arquivo que conheço pouco; vou mais devagar, estudo mais, vou com mais cuidado. Porque não gosto de ser leviana. Não gosto de tratar as imagens antigas como uma ilustração que eu possa manipular.

mentários… mas eu sou muito promíscua, vejo de tudo. Só não consigo ver remake de filme que já era ruim [risos]. O Netflix ajuda a gente a ir pegando umas coisas, e tenho gostado muito de documentários. Sou muito carente de boas ficções, também, e capaz de ver um filme de que eu goste cem vezes, como o ‘Blade Runner’. E literatura? Estou lendo menos ficção do que gostaria e muita coisa instrumental, para trabalhos. Nessas pesquisas, às

vezes acabo descobrindo livros bem interessantes. Acabei de descobrir um dicionário de mulheres na história do Brasil. Tem mulheres incríveis! Mais do que surpresas de imagens, tenho tido surpresas de histórias. 

por Laura Del Rey


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IVI MAIGA BUGRIMENKO adultodeboa

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vi começou a fotografar em 2016, após o falecimento de seu pai, com uma câmera encontrada em seu escritório. Para ela, a descoberta da fotografia foi um presente deixado pelo seu pai. Desde então Ivi tem registrado seus rolês, sua vida e seus amigos na noite. Desta experiência nasceu o projeto adultodeboa, que fala sobre mudanças e um processo de amadurecimento - às vezes mais rápido, às vezes mais lento - pelo qual todos passamos com a chegada da vida adulta. São registros livres, ácidos e divertidos, que falam sobre a comunidade desta fotógrafa e sua idiossincrasias.



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Eu tenho fascínio por essa Ivi, como começou sua relação com a fotografia? É uma historia bonitinha, parece até de mentira mas não é, rs. Eu comecei a tirar foto com a máquina automática que achei na gaveta do escritório do meu pai logo depois que ele morreu, em 2016. Era uma Fuji preta dessas dos anos 90 que toda família tinha. Era a máquina que eu lembro que ele usava pra tirar nossas fotos quando criança. Logo que eu peguei nela o que me deixou mais curiosa é que tinha um filme tirado pela metade. Eu levei comigo pra casa e tirei o resto das fotos pra poder revelar e ver que tipo de fotografia tinha ali largada há tanto tempo. (Eram umas fotos de fachadas de casas no bairro que ele trabalhava e umas selfies,

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meu pai era selfeiro hahaha). Daí a partir disso eu comecei a tirar foto com ela regularmente, levava comigo sempre que saía de rolê. Na mesma época também eu estava saindo muito – olhando em retrospecto foi minha maneira de viver o luto - e conheci muita gente, me aproximei de pessoas que tiravam fotografia analógica ha bastante tempo também e isso me estimulou ainda mais. Foi meio uma confluência de fatores. Meu pai era acumulador, tinha esse lado canceriano bem apegado com tudo. Essa máquina devia estar lá parada há pelo menos uns dez anos, se ele estivesse vivo talvez eu nunca tivesse lembrado que ela existia, ou se lembrasse eu tenho certeza que ele não me deixaria levá-la hahaha, por

construção de memória do futuro. isso eu gosto de pensar que foi um tipo de presente que ele me deixou. Uma maneira de lidar com a sua ausência. Nos conte sobre a produção de adultodeboa. A ideia do adulto de boa surgiu também nessa época. Foi numa conversa entre amigos que surgiu o nome. Estávamos falando sobre isso de amadurecer e ter que parecer que está tudo resolvido, que você está de boa. E em contraponto existe o jovem de noia, que é o inconsequente, o impulsivo. No ambiente noturno em que eu


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circulo existem pessoas de, pelo menos, três gerações diferentes, então é engraçado observar como muitas vezes faz sentido esse lance, de como os comportamentos vão mudando conforme a gente amadurece. Talvez nem tenha tanta relação com a idade no fim das contas. É mais ou menos como eu me sinto e eu tento captar esta sensação nas imagens que registro. Você imagina um final para este projeto? Ou é algo que vai acompanhar sua produção durante um bom tempo? Eu não imagino um final, eu acho que é um projeto a longo prazo, porque ao mesmo tempo em que é um processo de registro de uma época, é sempre muito pessoal, está atrelado aos ambientes em que eu circulo, às pessoas com quem eu convivo. Um

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amigo meu que agora mora no Canadá , me disse que gosta de ver as fotos estando lá porque se sente mais perto do que acontece aqui, e porque ele acha que como minha família é pequena e ficou ainda menor com a ausência do meu pai, eu meio que transformei tudo isso num grande álbum de família. Eu não tinha pensado nunca dessa maneira mas acho que é por aí mesmo, então não tem como pensar que isso vai ter um fim sabe? adultodeboa fala muito das transformações vividas por toda uma geração. O que você sente como principal aspecto destas mudanças? Como suas imagens registram estas mudanças de comportamento? Acho que é isso, que eu disse ali mais em cima. Tem um aspecto muito pes-

soal, mas tem esse aspecto de acompanhar as mudanças de dentro, porque são ambientes que eu frequento, que meus amigos frequentam e essas pessoas estão produzindo, construindo algo no aqui agora que só vamos ter consciência com um distanciamento. E eu estou ali, sempre de canto tentando captar. Não que eu tenha sempre essa consciência ativa, racional do que vai ou não ser um registro importante pro futuro, mas eu acho que me enquadro bem nesse tipo de fotografia de cotidiano que ganha mais “significado” com o passar do tempo porque capta um certo espírito do tempo. Eu tenho fascínio por essa construção de memória do futuro. 

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fotografia está no sangue da família Galembeck. Gui vive hoje um processo de organização entre seu trabalho comercial e sua produção autoral, um delicado equilíbrio entre os dois “tipos” de fotografia presentes em sua vida. Em Rolo, Gui apresenta a feira que leva o mesmo nome do ensaio, em que vendas e trocas de todo tipo acontecem. Um espaço complexo, marcado por questões políticas, econômicas e sociais, um ponto central para entender as dinâmicas que dominam uma das áreas mais tensão em Campinas.



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O que eles construíram ali escancara Gui, nos conte sobre sua relação com a fotografia. É uma relação muito íntima. Eu nasci em uma família que se sustenta da fotografia comercial, então minha principal dificuldade sempre foi conseguir desassociar o fotógrafo comercial do autoral, pois desde muito cedo aprendi a levar a fotografia como forma de subsistência. Essa necessidade de imposição do autoral como forma de auto-conhecimento é o exercício motriz da minha carreira. Encontrar a própria voz em meio as inúmeras prioridades do dia a dia se tornou uma necessidade vital, e eu tive que aprender a lidar com as duas coisas em paralelo, a fotografia que me sustenta e a fotografia que me completa, então posso dizer que

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minha relação com a fotografia além de íntima é também um tanto quanto ambígua, amor e ódio a grosso modo. Como surgiu o ensaio Rolo? Treze anos após a morte de meu pai, eu me vi na situação de ter que lidar com seus objetos, estocados em uma casa abandonada, infestada de cupins, com o teto à beira do desabamento. Era o caos em forma de lembranças, apego e afetividade. Ter que lidar com aquela enxurrada de objetos que me traziam lembranças e sentimentos, me forçou a refletir sobre o que realmente tinha valor ali e o que poderia ser considerado lixo. Foi naquele momento que eu comecei entender o significado da acumulação e percebi que exis-

as diferenças da nossa sociedade e eu quero dar visibilidade a esse processo te uma linha tênue baseada em definições extremamente pessoais. Eu precisava tratar esse assunto de uma maneira mais ampla, que representasse alguma importância não apenas para mim, mas também para outras pessoas. Isso aconteceu no início de 2017 e no mesmo período comecei a produzir essa série no Jardim Campo Belo II em Campinas, cidade onde vivo atualmente. Você está explorando um espaço muito específico, tanto em termos geográficos como sociais. Como você entrou em contato com este local e com seus


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personagens? Há um tempo eu cultivava a vontade de documentar essa região, a qual me remete a um faroeste moderno, mas eu ainda não entendia exatamente o que me movia. Quando as coisas se encaixaram na minha cabeça, eu fiz uma visita inicial, já como projeto em mente e foi uma espécie de choque para ambos os lados. Eu tinha medo de fotografar e as pessoas tinham medo de serem fotografadas e por isso me ameaçavam. Eu não queria ter que me esconder ou fotografar sem que ninguém percebesse, então foi um contato vagaroso, tive que me movimentar de maneira sincera e didática, uma espécie de troca que ao longo do tempo foi amaciando o relacionamento e fazendo com que as pessoas me aceitassem ali com uma câmera. Logo na segunda incursão,

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optei por uma dinâmica de trabalho ainda mais lenta, em médio formato, o que me forçou a fotografar de uma maneira pensada, comunicada e consentida. Isso acabou por moldar o trabalho como um todo. Este é um local que sofre com muita desconfiança e preconceito. Trabalhar com estes pontos é importante no seu processo de criação? Qual a atmosfera que você deseja construir para este espaço? Essas pessoas foram realocadas em 2012, vindas de uma região central de Campinas e colocadas numa área dominada por facções onde vivem sob pressão de todos os lados. Existe uma circulação muito grande de objetos roubados, ilícitos e até por isso a presença da polícia também é uma constante opressora. Junte a

isso, o fato de estarem na cabeceira do aeroporto de Viracopos, um dos termômetros do desenvolvimento da região, mas ainda assim, um local reconhecido como uma das áreas mais violentas do município. O que eles construíram ali escancara as diferenças da nossa sociedade e eu quero dar visibilidade a esse processo, quero que essas pessoas sejam respeitadas, tirando o assunto da situação marginal onde foi alocado e trazendo de volta ao centro como uma forma de reflexão. 

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SOBRE O SONHAR E O FOTOGRAFAR

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maginação – capacidade de produzir e decifrar imagens. Mais uma vez o lembrar Vilém Flusser e suas questões nos aproxima de ideias inspiradoras. O mote para este texto surgiu de forma incomum e articulou alguns aspectos da produção e leitura de imagens. Vamos refazer, pelo menos em parte, o caminho imaginado até aqui. A Física mais próxima no tempo chama nossa atenção para o impossível, para o

Angelo José da Silva é professor de sociologia na Universidade Federal do Paraná e fotógrafo. Suas pesquisas mais recentes focam o espaço urbano e o grafite.

invisível. Já é relativamente comum pensarmos a matéria como luz condensada. Antes da Física as tradições de conhecimento mais distantes no tempo nos revelam um segredo similar: somos todos luz. Faz algum tempo sonhei com uma fotografia. Não me lembro muito bem da seqüência toda mas havia muitas árvores, pedras, rostos, memórias. Afinal, era um sonho. Tudo, assim meio misturado, difuso. Desperto, pensei no fio que urde esses dois lados do mundo de minha imaginação e, em seguida, as semelhanças, como eles se espelham. Sonhar é dar forma, criar imagens. É imaginar de olhos fechados. Pensei, então, a fotografia como a imaginação materializada, a luz condensada. A foto é a ponte que une o sonho e

a realidade. O meio que permite o trânsito entre o sonhar e o criar. A materialização da luz. Segui imaginando que a fotografia impressa tem essa paridade com a luz tornada matéria. O olhar, a câmara, o tempo, a sensibilidade, todos ingredientes da criação, focalizam a luz dando-lhe de início uma latência, uma intenção criadora, divina. A impressão dá à imaginação um corpo. Por que gosto da fotografia no papel? Porque eu a tomo como uma alma encarnada. Como os seres vivos, pura poesia. Uma representação da criação que estabelece vínculos de memória, que conecta diferentes espaços de nossa sensibilidade. Luz, tempo, espaço recortados. 

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reflexões

Sonhar é dar forma, criar imagens. É imaginar de olhos fechados. Pensei, então, a fotografia como a imaginação materializada, a luz condensada. 135


MANDE SEU PORTFÓLIO revista.old@gmail.com Fotografia da série Cimo da Serra, de Marco AF. Ensaio completo na OLD Nº 72.



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