OLD Nº 57 - Edição Especial de Aniversário

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expediente

revista OLD #número 57

equipe editorial direção de arte texto e entrevista

Felipe Abreu e Paula Hayasaki Tábata Gerbasi Angelo José da Silva, Felipe Abreu, Laura Del Rey e Paula Hayasaki

capa

fotografias

Diego Saldiva

Diego Saldiva, Francesco Amorosino, Giovana Schluter, Pétala Lopes e Roberta Sant’Anna

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índice

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70 60

30 06 08 10

livros sobre o tempo exposição

diego saldiva por tfólio

30 50 60

giovana schluter por tfólio

roberta sant’anna por tfólio

bloco do eu sozinho especial

88 70 88 110

pétala lopes por tfólio

francesco amorosino por tfólio

reflexões coluna



carta ao leitor Meia década. Parece muito tempo, mas também parece muito pouco. Ainda lembro das reuniões com os professores da USP - Luli, Joel e Musa – na busca pelo formato ideal e por um rascunho de linha editorial para as primeiras edições da OLD. Nestes cinco anos conquistamos muita coisa. São centenas de trabalhos publicados em 57 edições, uma postura editorial e, por que não, política, que me orgulha muito. Sempre fomos e sempre seremos essencialmente colaborativos, sendo constantemente alimentados pelos nossos leitores e fotógrafos que apresentam seus trabalhos para a publicação. E em um dos meses mais tristes da história do nosso país, venho dizer que, aqui na OLD, a luta continua. Se o que vem adiante parece ser uma precarização de direitos e aces-

so a cultura e informação, por aqui continuamos críticos, presentes e gratuitos, nos espalhando até onde puderem nos levar. Na nossa comemoração de aniversário trazemos de volta duas fotógrafas que admiramos muito: Pétala Lopes e Roberta Sant’Anna e apresentamos três novos criadores: Diego Saldiva, Giovana Schluter e Francesco Amorosino. São todos trabalhos fortes, que abordam de maneiras distintas questões complexas como habitação, juventude e vigilância. Para fechar a edição temos um especial sobre o mercado de fotolivros, discutindo caminhos e problemas nessa área tão central da fotografia contemporânea. Espero que você aproveite mais uma edição de aniversário da OLD e seguimos a diante!

por Felipe Abreu 5


livros

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THE CASTLE de Federico Clavarino

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he Castle, novo livro da editora espanhola Dalpine e do fotógrafo Federico Clavarino, tem como objetivo principal construir metáforas visuais para a cultura e o estilo de vida europeus. Composto de uma série de retratos, recortes de paisagens urbanas e detalhes, o livro mais constrói um labirinto do que uma análise direta do que seria a cultura europeia. Algo muito mais justo, pois não me parece possível definir de maneira simples o que é “ser europeu”. As imagens em preto e branco de Clavarino estão divididas em quatro capítulos – The Dead, The Organizing Principles, The Castle e At Twilight – e cada um aborda um tema específico da identidade europeia e da construção deste labirinto, ou castelo, como sugere o título do livro.

Disponível no site da Dalpine valor R$150 160 páginas 6


livros

SPIRIT IS A BONE de Oliver Chanarin & Adam Broomberg

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m seu novo livro lançado pela MACK Broomberg e Chanarin continuam em seu uso da fotografia como instrumento político e de questionamento. Na nova publicação a dupla se vale de uma nova tecnologia de segurança moscovita que cria retratos de cidadãos sem precisar de sua cooperação. Uma espécie de máscara 3D que pode ser utilizada para os mais variados fins de monitoramento e segurança. O livro apresenta a série de “retratos”, seus erros e a descrição de cada uma das pessoas apresentadas. Em tempos de repressão e vigilância constante – não só no território russo – trazer este tipo de questionamento para a arte é essencial e, mais uma vez, Broomberg e Chanarin o fazem brilhantemente.

Disponível no site da MACK valor R$120 240 páginas 7


exposição

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SOBRE O TEMPO: FOTOGRAFIAS EM PLACA ÚMIDA DE COLÓDIO A fotografia em placa úmida de colódio, inventada em 1851 por Frederick Archer, recebe todo primeiro sábado de maio uma comemoração mundial. Ao redor desta data, entusiastas das plaquinhas de vidro e metal organizam eventos em diversas cidades para celebrar a difícil sobrevida do método e seu impressionante resultado visual. Em São Paulo, será organizada uma exposição coletiva, com 15 obras produzidas especialmente para a data, além de uma série de demonstrações da técnica e cursos relacionados. Os artistas Anna Silveira, Bruna Queiroga, Laura Del Rey, Lucio Libanori, Maurício Sapata, Osiris Lambert, Roger H. Sassaki, Simone Wicca e Tiana Chinelli trabalharam desde o final do ano passado sobre a reflexão do

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tema ‘tempo’. Como resultado, há ambrótipos de tamanhos variados, desde uma singela lâmina de microscopia à embasbacante sobreposição de placas e até experimentos com colódio sobre vidro de celular. De skylines a recantos fragmentados de uma casa, as fotografias carregam todas o gestual de seu caminho: do umedecer a placa com colódio ao sensibilizá-la com a prata; do tempo de exposição à estabilidade do assunto; do verniz espalhado ao se cobrir, por fim, a imagem fixada - não há movimento que escape ao resultado. As manchas típicas do processo, que podem ser mais ou menos incorporadas ao trabalho de cada artista, já são em si parte central de uma opção estética - pela definição extrema ou por um pouco de ruído.

Cada placa pede seu tempo, mas todas retêm muito dele em si, num sentido que se complementa quando vistas em conjunto. Estará aberto à visitação parte do acervo do Imagineiro, fotografias de Roger H. Sassaki, que estuda desde 2012 o voluntarioso caminho químico do processo e que terá uma sala dedicada aos seus ambrótipos do centro de São Paulo, feitos especialmente para ilustrar a série de livros Ecletismo Paulista. 

Por Laura Del Rey Entrada gratuita, de 7 a 28 de maio de 2016 (sextas e sábados, das 11 às 16h). Casa Ranzini | Rua Santa Luzia, 31 - Liberdade | São Paulo - SP.


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DIEGO SALDIVA Gigantes

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iego Saldiva viu, como muitos, na fotografia uma saída para suas frustrações e um caminho aberto para criar e se expressar. Dessa percepção surgiu uma produção forte, aqui representada pelo ensaio Gigantes. Na série, Diego apresenta o mundo da luta livre no Brasil, com todas as suas incríveis idiossincrasias. Um exercício de observação, delicadeza e construção de sentidos.



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diego saldiva

Diego, como começou seu interesse pela fotografia? Meu primeiro contato com a fotografia e suas possibilidades foi quando eu estava na faculdade cursando Comunicação Social. Eu me interessava pelo curso, mas foi vendo o que outras pessoas faziam que despertou em mim a vontade de fazer pelo menos igual. A fotografia para mim parecia resolver duas frustrações pessoais: contar uma história sem saber escrever, fazer uma bela imagem sem saber como pintar. Além disso, eu logo estava trabalhando como designer gráfico e percebi que as cobranças corporativas e um ambiente que não suportava a tomada de riscos estava abafando minha

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força criativa. A fotografia até então me permitia o fazer pelo prazer de fazer. Nos conte um pouco sobre a criação de Gigantes. A maior parte dos meu interesses antes dos “Gigantes” estava relacionada com mudanças repentinas do estado das coisas. Transformações abruptas em situações mais ou menos estáveis. Eram momentos em que o risco de perda era maior (ou parecia maior) que o prazer no presente, ou no que estava disponível. Foi o caso de “Momentos e Máculas” e “Break of Day”. Um dia, fazendo pesquisas na internet, tomei conhecimento de que os lendários Gigantes do Ringue, iriam se apresentar em uma série de

Acho interessante contrapor a aspiração potente dos personagens e do espetáculo com a penosa tarefa de continuar sendo interessante . shows no Clube dos Metalúrgicos de Guarulhos. Achei que seria um tema interessante, visto que hoje em dia são as lutas não encenadas que são bem mais populares. Estava curioso para ver como o público respondia, para minha surpresa não havia muita gente que se interessou pelo evento. Mesmo sendo a entrada valendo um quilo de alimento não perecível, apenas uma pequena parte do ginásio estava ocupado. Quais os papeis do fantástico e do absurdo na construção deste trabalho? Eu comecei a fotografar esses perso-


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nagens em 2012 e fiquei com as imagens por um bom tempo guardadas. Achava que tinha algo interessante ali mas ainda faltava algo. De tempos em tempos voltava à elas e olhava me perguntando o que fazer com elas. Eu não moro no Brasil agora, então tenho que enfrentar essa adversidade geográfica para dar prosseguimento ao meu trabalho. Por isso resolvi pesquisar sobre a mitologia dos gigantes e encontrei paralelos curiosos entre os mitos e os personagens que eu estava fotografando. Em linhas gerais, a tribo dos Gigantes na tradição grega nasceu das gotas de sangue caídas dos testículos de Urano (céu) sobre Gaia(terra), que em conluio com o filho Cronos, criou a situação para que este castrasse o pai. À partir de então, Cronos se tornou o “senhor do céu”.

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Assim o trabalho ganhou novo fôlego. No mito, para cada Gigante havia uma maneira diferente de derrotá-lo. Por se tratar de batalhas, algumas dessas maneiras se assemelham aos movimentos de luta livre, como por exemplo a luta entre Hércules e Anteu. Muitas representações icônicas foram feitas sobre este combate, a mais famosa talvez seja uma estátua no Palazzo Pitti em Florença. Como você buscou construir a narrativa deste trabalho? Estou encontrando a melhor forma ainda. Isto é ainda algo em que estou trabalhando. Tento colocar elementos que sugiram o “fantástico e o absurdo” de maneira mais sugestiva. Comecei o trabalho assim, depois retirei todas as referências mitológicas e agora estou recolocando-as com

um conta-gotas. Acho interessante contrapor a aspiração potente dos personagens e do espetáculo com a penosa tarefa de continuar sendo interessante. Como foi sua relação com os personagens apresentados? Alguma história em especial te chamou a atenção? Alguns anos atrás meu primo fez parte da equipe e isso foi um pretexto para me dedicar ao tema. Era como uma ponte, ainda que minúscula e instável, que me ligava à eles. Ao mesmo tempo, as narrativas de superação, comuns da tradição ocidental, parecia se encaixar neste determinado espaço e tempo. 

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GIOVANA SCHLUTER

South Bronx, Downtown Bronx

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iovana Schluter assumiu para si um desafio complexo: retratar o sul e o centro do Bronx, em Nova Iorque. Áreas que são historicamente negligenciadas pelo poder público e que vivem um desenvolvimento cultural fortíssimo e um ativismo sempre presente. Em South Bronx, Downtown Bronx, Giovana deixa sua missão jornalística se contaminar pela poesia do espaço que apresenta, criando assim um trabalho muito mais complexo e humano.



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giovana schluter

Giovana, como começou seu interesse pela fotografia? Antes de estudar fotografia, eu estudei Jornalismo e Ciências Sociais. Na Cásper Líbero, o currículo inclui uma cadeira de Fotojornalismo no primeiro ano. Quando eu estava chegando mais perto do fim do curso, várias coisas coincidiram no sentido de me encorajar a levar o meu interesse por fotografia mais a sério, e eu o meu TCC acabou sendo um trabalho multimídia sobre o Lord Palace Hotel na Santa Cecília, uma ocupação da FLM (Frente de Luta por Moradia). Acho que o que me atrai na imagem é o quanto ela resiste a ser completamente domesticada. Foi o Martin Parr, eu acho, que disse uma vez que o dia em que ele descobrir o que faz uma boa fotografia,

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ele vai parar de fotografar. Sempre há esse elemento imponderável, que é um pouco como se apaixonar por alguém. As minhas referências mais importantes viraram Alec Soth, Katy Grannan, Rineke Djikstra, Doug DuBois, Joel Sternfeld… Fotógrafos que tratam de coisas que frequentemente são profundamente políticas sem jogá-las na cara do observador, que estão nessa intersecção entre documentário e arte. Acho que respondi um pouco mais do que como o meu interesse começou, mas acho que isso explica mais ou menos qual foi o processo de chegar no espaço onde eu estou agora. Nos conte sobre o desenvolvimento da série South Bronx, Downtown Bronx. Essa série foi uma curva de aprendi-

Acredito que uma das maiores violências que se pratica contra lugares como esse é a violência narrativa, colonialista zado incrível. A princípio eu achava que seria algo completamente diferente do que acabou sendo. Minha ideia inicial era criar um trabalho jornalístico que tratasse de planejamento urbano, moradia e acesso a comida de qualidade. Eu comecei a ter muita dificuldade pra articular esses elementos, porque ainda estava raciocinando como alguém que escreve, e a minha pesquisa era muito conteudística e pouco visual. Quando eu comecei a me desprender de um plano rígido e deixar o meu instinto mais imediato guiar o que eu estava fazendo, o trabalho começou


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a ganhar corpo. Eu acho um pouco cafona falar em instinto (risos), mas realmente não vejo outra palavra pra descrever a aceitação desse processo inconsciente que a fotografia demanda, essa honestidade brutal consigo mesma que muitas vezes coloca em xeque as coisas que nós queremos acreditar sobre a nossa identidade enquanto criadoras de imagens. Eu moro no bairro de Mott Haven, onde muitas dessas fotografias foram feitas. Essa região da cidade e as suas imediações têm uma história muito longa de negligência por parte do poder público, perseguição sistemática de pessoas pobres, negras e/ou imigrantes, injustiça ambiental, com bairros inteiros dedicados a atividades tóxicas que afetam seriamente a saúde de uma população que já é particularmente vulnerável. Mas acredito que uma das maiores violências que se pratica contra lugares como

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esse é a violência narrativa, colonialista, que é a de se roubar as histórias e a cultura de um lugar, de ignorar de que universos simbólicos completos e independentes acontecem ali. Então acho que a coisa mais importante sobre esse trabalho é contribuir para o tecido narrativo desse lugar, fazer um tributo a essas pessoas que resistem e a afirmação de que esse não é um espaço vazio, pronto para ser “revitalizado”. Quais os desafios de fotografar uma cultura diferente da sua? Acho que o maior desafio foi, e continua sendo entender e ter sensibilidade em relação ao que eu represento nesse lugar. Mott Haven é o lugar onde eu vivo e onde eu tenho uma parte muito considerável dos meus amigos, mas não é como se a minha presença aqui fosse completamente livre de conflitos. Eu vivo aqui por-

que é o que eu posso pagar, e porque a essas alturas este é o lugar em que eu desenvolvi meus afetos, mas a presença do meu grupo demográfico aqui simboliza coisas ruins pra muitas pessoas. Com tudo isso em mente, é quase de se pensar que talvez eu nem devesse fazer esse trabalho, e eu me questionei sobre isso muitas vezes. Mas hoje eu penso que em situações como essas, em que há um desequilíbrio de poder, há uma diferença entre sequestrar o discurso e usar a sua voz para colaborar para a diversidade de narrativas disponíveis sobre um determinado assunto. Eu gosto de acreditar que é isso que este trabalho está operando dentro da segunda opção, mas eu também entendo as várias maneiras em que ele pode ser problemático. 

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ROBERTA SANT’ANNA Birinight

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oberta Sant’Anna amadureceu em sua maneira de fotografar desde sua primeira aparição na OLD, no final de 2011. Seus assuntos estão mais claros e definidos, assim como sua abordagem em relação a eles. Em sua segunda passagem pela revista, Roberta apresenta a série Birinight, em que fotografa adolescentes nas noites de carnaval em Atântida, no Rio Grande do Sul. As fotos são diretas, potentes e nos levam diretamente aos tempos de adolescência, cheios de ansiedades, frustrações e emoções.



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Roberta, você volta à OLD depois de pouco mais de quatro anos. O que mudou na sua fotografia neste período? Talvez menos na fotografia que faço, mas mais na maneira que me relaciono com ela. Acho que aí está a maior mudança. Há quatro anos atrás eu ainda fotografava de um tudo, sem muito filtro, com muita vontade, experimentando diversas câmeras e formatos. Quanto mais desenvolvo meu trabalho, mais coisas vou aprendendo sobre ele. Também tenho aprendido mais sobre os formatos que escolho e em como decido apresentar meu trabalho. Acho que de quatro anos pra cá foi um processo natural de amadurecimento e talvez as fotos reflitam isso. Nos conte sobre a criação de Birinight.

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Birinight foi um projeto espontâneo. Quando fui pro Brasil ano passado eu cheguei na época do carnaval. Meus avós sempre tiveram casa em um balneário do Rio Grande do Sul chamado Atlântida (a casa foi demolida esse ano). Era costume minha família veranear nessa praia quando eu era criança. Eu passei diversos carnavais lá durante a minha adolescência. Em razão disso (e pela nostalgia) eu resolvi voltar até o “centrinho” da cidade à noite, pois era lá onde tudo acontecia. Pra minha surpresa nada parecia ter mudado, a não ser eu mesma e o hit musical do verão. Eram os mesmos adolescentes, o mesmo clima quase agressivo no ar, os mesmos drinks, os mesmos grupos e suas hierarquias. Na outra noite de carnaval eu resolvi voltar

Uma vez isolados esses indivíduos são frágeis, quase delicados. Existe muita beleza na fragilidade e acho que os retratos mostram isso. com a minha câmera para fazer alguns retratos. Como se deu a sua relação com os seus personagens? Quais as histórias mais marcantes que surgiram deste contato? Minha interação com quem fotografei foi um tanto rápida, mas sempre divertida. O mais interessante dos contatos que fiz foi justamente me deslocar entre grupos tão contrastantes. Acho que sair da adolescência é um alívio (pra mim pelo menos foi). Voltar pra uma situação que no passado me causava ansiedade, dessa


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vez sem envolvimento, ou seja, como observadora, foi rever minha própria adolescência à distância e entender todo o jogo social complexo que existe dentro de um grande grupo de jovens. Caminhei durante a madrugada entre os diversos sub-grupos que compreendem personalidades totalmente distintas e algumas vezes até “rivais”. Quando eu era a adolescente nessa mesma situação eu me restringia ao meu próprio grupo e essa neutralidade no deslocamento de quem não pertence era algo impensável. Acho que me diverti mais dessa vez do que quando eu era a adolescente. Todos os retratos da série tem uma força muito grande, que parece puxar o espectador para dentro deles. Como você buscou esta estética e seus personagens?

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Esses pequenos núcleos dentro do grande grupo são como ilhas comportamentais inteiras e cada um tem uma estética própria. Uma coisa em comum a todos é a insegurança e andar em grupo é uma forma natural de mascarar isso. Escolhi fotografar individualmente como uma maneira de furar o padrão comportamental desses grupinhos e enxergar o indivíduo. Uma vez isolados esses indivíduos são frágeis, quase delicados. Existe muita beleza na fragilidade e acho que os retratos mostram isso. Seus trabalhos lindam com questões comportamentais de uma maneira muito marcantes. Como você costuma escolher seus temas? Quais são principais objetivos ao lidar com este tipo de tema? Me sinto atraída por situações sociais

que compreendem um grupo de pessoas delimitados por um espaço comum com um objetivo claro. Em situações como essas surgem comportamentos muito específicos e permissões que nos são dadas de acordo com elas. No caso de Birinight é esse agrupamento espontâneo de uma massa de adolescêntes que se juntam à noite no centro comercial de um pequeno balneário para beber, flertar, fumar maconha, ouvir música, ver e serem vistos. Me interesso por essas atmosferas específicas que são criadas a partir dessas situações socias. . É pela observação desses grupos e através da fotografia que permito me aproximar de pessoas das quais normalmente não me aproximaria. É esse contato que permeia todo meu trabalho. As pessoas sempre me surpreendem.

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B LOCO DO E U SOZ IN HO Produzimos uma quantidade cada vez maior de fotolivros, mas estamos pensando em quem vai consumir? Como manter o cenário saudável? Não temos respostas definitivas, mas apresentamos uma primeira pesquisa sobre o tema

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otolivros são objeto de desejo de quase todos os fotógrafos hoje em dia. Isso não é nenhum segredo. O volume da produção de livros ligados à fotografia só faz aumentar, trazendo uma série de vantagens para os produtores e uma série de questões a serem pensadas para que o mercado se mantenha saudável. Laura Del Rey coloca muito bem os pontos marcantes para um fotógrafo e a produção de seu fotolivro: “o livro

tem a coisa legal de você investir nele e ser algo que pra sempre vai estar com quem comprou, nas bibliotecas que o adquirirem ou para as quais você mandar. Livros são mais práticos, mais viajáveis, mais ‘do mundo’. Fáceis de enviar, trocar, passíveis de presentear para curadores, pessoas que a gente admire e assim por diante.” Para manter este cenário tão marcante para fotógrafos e consumidores vivo e saudável é importante que se



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crie uma cultura mais profunda de pesquisa e análise crítica deste cenário, para que se quebre com o ciclo de que quem faz, compra fotolivros e quem compra, faz. Tentando de alguma maneira sanar, mesmo que minimamente, esta falta de dados de um mercado tão central para a fotografia contemporânea Carlos Henrique Silveira – em parceria com este que vos escreve, Fabio Messias e Renata Baralle - realizou uma pesquisa sobre hábitos de consumo de fotolivros no Brasil. São 220 respostas que constroem um panorama bastante completo deste cenário e apontam uma série de caminhos e dados - que serão discutidos adiante - para uma criação mais consciente dos nossos tão queridos fotolivros. Um dos pontos mais importantes

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destacados na pesquisa é a desproporção entre o tamanho da produção e do consumo de fotolivros no Brasil. Se temos um catálogo imenso como o da Livraria Madalena e feiras de igual tamanho como a Plana e a Tijuana, temos um público ainda tímido. Entre os 220 respondentes, 40% compram 5 livros por ano, seguidos – quase em empate técnico – entre os que compram até 10 livros (21%) e os que compram apenas 1 (17.9%). Com esta informação em mente podemos apresentar duas hipóteses. A primeira é que o público “em geral” não é algo primordial para quem produz fotolivros. Me explico: os fotolivros funcionam muitas vezes como um misto de aposta e portfolio. Se eles circulam bem entre feiras e passam pelas mão corretas, a car-

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Há um interesse cada vez maior de produção – comprovado reira – e por consequência as vendas – do fotógrafo podem deslanchar, se não, paciência. Fabio Messias pontua muito bem a força que um fotolivro pode ter na carreira de um fotógrafo em sua entrevista na OLD Nº 36: “já existiam colecionadores de fotolivros antigamente, claro, mas hoje isso é um grande boom. E o mais legal: pessoas estão colecionado fotografia através dos fotolivros! E como toda cultura de coleção, gera especulação acerca de valores. Fotolivros super esperados tendem a esgotar em poucos dias (alguns até em suas pré-vendas) por terem tiragem limitada, e depois são vendidos por centenas ou milhares de dólares em e-bays da vida ou leilões e livrarias especializadas mundo a fora. Talvez isso não pareça super legal, mas é interessante a ideia

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pelo constante crescimento de feira especializadas e de prêmios e editais com foco na produção impressa em fotografia - mas o consumo não acompanha ainda este volume criativo.

de que a fotografia tenha uma forma particular, sua, de ser colecionada.” A segunda hipótese, que caminha lado a lado com a primeira, é de que ainda não há uma cultura de consumo de fotolivros desenvolvida a ponto de dar conta da quantidade de títulos produzidos. Há um interesse cada vez maior de produção – comprovado pelo constante crescimento de feira especializadas e de prêmios e editais com foco na produção impressa em fotografia - mas o consumo não acompanha ainda este volume criativo. Há exatamente um ano atrás,

Daigo Oliva abordou exatamente esta questão em texto para a OLD e apontou que “medir o tamanho deste público, criar alternativas para que existam reedições em grande número e dispositivos que ampliem o número de interessados em fotolivros parece ser a questão mais importante na fotografia hoje.” Assim chegamos a outro ponto trabalhado na pesquisa e que pode ajudar a elucidar parte do desencontro entre produtor e consumidor: quais são os temas e características levados em consideração no momento da


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compra de um fotolivro. Entre os temas mais populares estão a fotografia documental, de rua e arte baseada em fotografia, que agradam muito a quase metade dos respondentes, seguidos de projetos ficcionais, experimentais, históricos e pessoais. Se analisarmos os títulos lançados pelas editoras RVB Books e RIOT Books, que emplacaram os vencedores nas principais categorias do Aperture / Paris Photo Awards, e as listas de melhores do ano de Time, The Guardian e do blog Entretempos, veremos que há uma série de encontros e desencontros entre o que é publicado, premiado, destacado pela crítica e o que o consumidor final deseja. A RVB, editora francesa que levou o grande prêmio no Paris Photo de 2015 com Illustrated People, publicou no último ano 15 títulos entre zines

e livros. Todos os títulos da casa são bastante conceituais e tem uma ligação muito forte com a apropriação de imagens. Destes, quatro estão esgotados e os outros onze seguem à venda no site da editora. Já a RIOT, união entre Espanha e Azerbaijão, que se especializa em edições artesanais de livros de artista em pequenas tiragens e levou o prêmio de melhor fotolivro de estreia na última edição do Paris Photo, publicou apenas dois livros e uma reedição de seu primeiro lançamento, Mühit, em 2015. Os dois lançamentos tem uma forte questão política e caminham também por uma rota conceitual, ligada a imagens de arquivos e intervenções visuais. Entre os três títulos apenas You Haven’t Seen Their Faces, ganhador do dito prêmio, está esgotado. Entre as famosas, e muitas vezes te-

merárias, listas de melhores do ano temos alguns títulos que se repetem entre as analisadas para este texto e representam, de certa forma, um consenso entre o que foi publicado de melhor no ano passado. São eles: Moises, de Mariela Sancari, Songbook, de Alec Soth, Lago, de Ron Jude, Find a Fallen Star, de Regine Petersen, Imperial Courts, de Dana Lixemberg, Life is Elsewhere, Sohrab Hura, e Cabanagem, de André Penteado. Entre estes 7, pode se dizer que 2 estão nas categorias preferidas do público brasileiro (Songbook e Imperial Courts se encaixam na categoria documental) e os outros cinco no segundo escalão de preferências (Moises, Lago e Life is Elsewhere no time dos projetos pessoais, Find a Fallen Star na categoria ficção e Cabanagem entre um pouco de tudo: documen-

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tal, histórico e pessoal). Dessa pequena análise se podem tirar pelo menos duas conclusões: como na maioria das artes e produções criativas, a crítica está em um mundo distinto do público, com apenas algumas aproximações. A boa notícia é que nas famosas listas de final de ano, criadas por indicações de origens mais variadas, há uma aproximação muito mais forte, tanto que geralmente estes são os títulos que costumam sumir imediatamente após começarem a aparecer nestas indicações. Dessa forma, voltando à questão apontada no início deste texto e considerando o catálogo das editoras e o sucesso dos livros apontados como melhores a cada ano, fica cada vez mais claro que o mercado atual de fotolivros é regido por indicações de “experts”, sem um fôlego suficiente

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para se manter saudável sem este tipo de apoio. Algo que incentiva mais de dois terços dos respondentes no momento da compra. Assim, seguem as questões: o mercado não se importa com o público? Muitas vezes vemos editores comemorando o fato de lançarem aquilo que os agrada e ponto. Essa atitude pode contribuir muito para a construção de uma vanguarda artística, mas torna o mercado insustentável, dependendo dos pouquíssimos títulos que vendem muito bem. Ou é realmente o caso de buscar um crescimento do público para fotolivros de uma maneira constante e duradoura? Me parece que a única maneira de manter a visão vanguardista dos editores é fazer um grande esforço para aumentar seu público consumidor. Outro ponto que pode gerar um distanciamento entre produtor e consu-

midor é o valor final de um livro de fotografia, especialmente em tempos de dólar valorizado como vivemos hoje. Não é nada incomum ver livros estrangeiros e nacionais girando entre R$ 100 e R$ 250. Para 42% dos entrevistados o valor ideal a pagar por um livro de fotografia é de 80 a 100 reais, algo que exclui de cara pouco mais de dois terços do catálogo da Editora Madalena, uma das principais do país, que tem como preço médio de seus títulos R$ 120. Para fazer uma comparação mais precisa com o cenário Europeu proponho o seguinte modelo: qual a porcentagem do salário mínimo local os respondentes estão dispostos a investir em fotolivros. No caso do Brasil a proporção seria entre 9 e 11%. Considerando o salário mínimo espanhol – atualmente em 764 EU – a mesa proporção nos daria um valor


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Esta matéria especial é ilustrada por parte dos 72 livros de fotografia apresentados pela OLD desde sua edição Nº 21.

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ideal entre 68 e 84 Euros, algo que abarca todos os livros lançados pela Dalpine – com média de preço de 30 Euros - e quase todos os livros de editoras consagradas como Steidl e MACK. Dessa comparação se tiram duas conclusões: o público brasileiro está muito disposto a investir em fotolivros, especialmente ao analisarmos o valor médio em relação ao salário mínimo. E que é importante fazermos um esforço para manter os livros acessíveis no Brasil, justamente para incentivar a entrada de novas pessoas neste ainda restrito nicho. Não pretendo entrar em méritos de escala, qualidade de produção, preços de gráfica e afins, mas me parece muito importante ter em vista, ao longo do processo, a faixa final de preço que um fotolivro irá ocupar.

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O alento gerado por essa pesquisa – que esperemos que seja a primeira de uma série de iniciativas do tipo – é que há sim uma série de oportunidades e conexões possíveis dentro deste complexo e ainda pouco explorado mercado. Cabe a nós, produtores e consumidores, entender nosso lugar para mantê-lo saudável. Ser cuidadosos no momento da realização do projeto mas também na maneira de apresentá-lo, de como fazer com que nossos tão queridos fotolivros cheguem ao seu lugar de destino: mãos, mesas e estantes ao redor do mundo. 

por Felipe Abreu


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PÉTALA LOPES Suspensão

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étala apresentou seu trabalho logo no começo da OLD. Desde então, tanto a revista quanto a fotógrafa, passaram por intensas transformações. Quatro anos depois de sua primeira publicação, Pétala volta às páginas da OLD para apresentar seu ensaio Suspensão. Na série, ela apresenta imagens que simbolizam momento de profunda mudança em sua vida, aliadas a um ar de mistério. Além das páginas da OLD, você também pode ver Suspensão em seus últimos dias de mostra no Café Suplicy, em São Paulo.



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pétala lopes

Exisita uma espécie de paralisação, Pétala, você está voltando à OLD depois de 4 anos. O que mudou na sua fotografia neste período? Com certeza aprendi que fotografia é estudo constante e paciência. Adquiri mais referência visual e teórica. Mas acho que a coisa ficou mais séria quando entendi que fotografar em si não é o mais difícil, e sim saber trabalhar na prática tudo o que vem antes do clique. No momento de fotografar, você encontra a saída para contar a história, mas antes é preciso criar uma certa relação com o que se fotografa, e isso é tempo e dedicação. Hoje em dia respeito muito meus processos e não atropelo etapas simplesmente por querer publicar uma foto.

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Nos conte sobre o processo de produção de Suspensão. É um trabalho que me acompanha desde 2009. Em 2014, iniciei uma compilação de fotos que vinha fazendo ao longo desses anos que possuíam um certo ar de mistério e conversavam esteticamente entre si, e foi quando percebi que cada foto representava um momento de mudança brusca na minha vida. Refletindo sobre cada uma delas, notei que existia uma espécie de paralisação, me via imóvel diante do desconhecido, como se beirasse um precipício. Foi a partir daí que garimpei ainda mais meus arquivos e passei a buscar tudo que poderia fazer uma ligação com esse “estado de suspensão”, onde não pertenço a nenhum lugar, não

me via imóvel diante do desconhecido, como se beirasse um precipício. possuo nenhuma certeza. Você passou uma temporada no México, desenvolvendo este ensaio. Como foi esta experiência? O que mais te marcou nesta jornada? O que me levou ao México foi a aprovação no Seminário de Fotografia Contemporânea do Centro de La Imagen, onde apresentei o Suspensão como uma das séries para a convocatória da escola. E ele foi produzido na minha estadia de quase um ano lá, sempre movida pelos momentos que me via sozinha em um país que não era o meu. Viajar também é estar


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em suspensão, pois lhe coloca diretamente em um lugar de não pertencimento, você lida com as novidades, a língua, a comida, as saudades. Você está vulnerável e sem controle diante do novo. Viajar é algo bem interno, onde você desenvolve mecanismos para suprir suas faltas, você se desafia a viver sentimentos inéditos. Por um outro lado acredito muito na fotografia como ferramenta de empoderamento e visibilidade social, e o México é um país que resiste politicamente, socialmente e artisticamente, tem muita coisa interessante acontecendo por lá, e isso fortaleceu ainda mais meu posicionamento enquanto artista, que transcende o rótulo de fotógrafa e mescla minha vida pessoal com a minha obra. Voltei com mais certezas de que o papel de um criador é sim de se aprofundar

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em seus temas e se responsabilizar sobre o que vai externalizar para o mundo. Já estamos mergulhados em imagens. E agora, o que faremos com elas? Tem que existir muitos questionamentos do fotógrafo sobre os porquês de fotografar o que se quer fotografar, principalmente se o trabalho tiver um viés documental. Você acabou de apresentar Suspensão como exposição em São Paulo. Nos conte um pouco sobre este processo. Sem dúvida o processo de expor um trabalho é de extrema importância - a escolha do papel, o tamanho, a moldura, a montagem, a disposição das imagens e o suporte escolhido são partes essenciais, e influenciam diretamente sobre interpretação de quem acessa seu trabalho. Tudo isso também é a obra, em nenhum mo-

mento se desvincula. Quando a Talita Virginia e o Walter Costa me convidaram para apresentar a série no Café Suplicy, pensei que seria interessante como exercício do processo, e, de fato, pude realinhar várias reflexões que ainda estavam pendentes. Uma outra coisa legal foram os feedbacks que recebi de diferentes pessoas que foram ver as fotos, acho bacana essa troca, sempre é muito curioso e válido ouvir como seu trabalho acessa em cada um. A crítica é bem vinda e necessária. 

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FRANCESCO AMOROSINO The Rome Guide for Terrorists

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rancesco Amorosino foi proibido de fotografar um local em Roma pelo fato de que um dos seguranças achou que ele poderia planejar um atentado terrorista com as imagens. Em resposta, Amorosino criou um projeto que discute ao mesmo tempo a ilusão de segurança que possuímos atualmente e a onisciente monitoração por câmeras de todos os tipos em cidades do mundo todo. Assim, Amorosino coloca em jogo o poder e o papel da fotografia na contemporaneidade.



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Francesco, como começou seu interesse pela fotografia? Meu interesse pela fotografia começou quando eu era criança e fotografava minhas viagens com meus pais ou com a escola. Quando estava na universidade participei do meu primeiro workshop de fotografia e comecei a me interessar por uma fotografia mais conceitual. Depois de trabalhar durante alguns anos como jornalista, decidi me dedicar totalmente à fotografia, trabalhando tanto no campo comercial como no documental. Nos conte sobre a criação de The Rome Guide For Terrorists. Este projeto tomou um bom tempo entre a ideia original e sua conclu-

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são. Ele começou antes de eu estar bastante envolvido com fotografia, quando ainda fazia fotografias quase abstratas pelas ruas de Roma e um soldado me abordou e me pediu para deletar as imagens. Ele tinha certeza que eu estava tirando fotos dele em frente a uma embaixada, mas eu não estava. Depois de ter esse cara me ameaçando com seu rifle por uma simples imagem, porque eu poderia ser “um terrorista planejamento um ataque à embaixada” eu percebi o quanto somos controlados pelo governo, a sociedade e as corporações e quanto da nossa liberdade está sendo sacrificada em prol da segurança. Depois de alguns anos, vendo autores como Doug Rickard, que eu tive a ideia de usar o Google Street

A arte precisa ser política e levantar questões, especialmente em tempos em que a política em si não parece ter metas claras. View para documentar o que não me era permitido com minha câmera. O projeto é uma jornada por todos os lugares de Roma que não se pode visitar ou fotografar porque poderíamos ser terroristas ao fazer isso. Você vê o excesso de imagens produzidas e de vigilância eletrônica como um dos grandes problemas dos nossos tempos? Com certeza. Mas o real problema é que as pessoas não ligam para isso, ou melhor, elas gostam de trocar sua liberdade por uma falsa sensação de segurança. As pessoas estão realmen-


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te assustadas e depois dos atentados de Paris a situação está ainda pior. Vejo uma imensa paranoia se espalhando por Roma nas semanas que seguiram o ataque e toda essa vigilância não está resolvendo os problemas primordiais da nossa sociedade. Em relação à super produção de imagens, depende mais da ignorância em relação ao que realmente é uma boa imagem e da massificação dos gostos. Eu ensino fotografia para crianças e você consegue ver que quanto mais velhos ficam, menos livres são e começam a agir igual aos outros membros do seu grupo. Nós precisamos ensinar a eles que não percam toda a sua liberdade e que produzam imagens com honestidade e alegria. Eu não quero que as pessoas deixam de fotografar, mas eu quero que elas estejam mais conscientes da incrível

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ferramenta que a fotografia pode ser e seu potencial de fazer o mundo melhor do que ele é hoje. O quão importante é para você que suas criações sejam, de alguma maneira, posicionamentos políticos? Sim, para mim é muito importante. Não estou usando apenas apropriação de imagens em meus projetos (os mais recentes são feitos com imagens originais) mas em todos os meus trabalhos as questões políticas e sociais são centrais. Às vezes precisamos de imagens puramente estéticas para limparmos nossa mente e viver alguns momentos de deleite, mas as imagens que ficam marcadas em nossas almas são as que atingem nossos sentimentos, nossas crenças, nossas ideias de mundo. A arte precisa ser política e levantar questões,

especialmente em tempos em que a política em si não parece ter metas claras para resolver os problemas do mundo. Deixar as pessoas mais conscientes das questões ao seu redor de uma maneira mais íntima é uma das principais tarefas do artista contemporâneo. Por exemplo, em meu último projeto “Migrant Tomatoes” eu fiz imagens do tomates comprados pela minha família para fazer molho. Eles ainda estão sujos de terra, então ainda é possível ver as digitais de quem os colheu, em sua maioria migrantes pagos salários irrisórios. Uma grande história está escondida em um objeto super pequeno e comum. 

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CONSIDERAÇÕES SOBRE TÉCNICA, ARTE E LIBERDADE. Olhando para o título acima duas memórias brilharam em minha mente. A primeira delas relativa aos textos de Walter Benjamin sobre arte, técnica e magia. A ideia de que a técnica transforma-se em meio para a alienação. O vínculo entre a magia, a consciência e a arte desaparecem quando a modernidade assume o comando. A segunda memória devolve-me um pouco da magia perdida. Considerar é “estar com as estrelas”. Vamos entretecer, então, algumas considerações sobre arte, técnica e Angelo José da Silva é professor de sociologia na Universidade Federal do Paraná e fotógrafo. Suas pesquisas mais recentes focam o espaço urbano e o grafite.

magia, ou melhor, liberdade. A liberdade não nos é dada pelo domínio da técnica. Mas dominá-la ajuda a ser livre para criar da maneira mais apropriada. Em outras palavras, liberdade é um estado, um ponto de partida e não um ponto de chegada. Talvez essas ideias precisem um pouco mais de considerações. Quero dizer que elas ainda não estão bem encaixadas em seu conjunto. Ou ainda, elas não tiverem contato suficiente com as estrelas, para ficarem desencaixadas, livres, fora das caixas. Não se trata, creio eu, de construirmos um domínio sobre qualquer coisa. Mais que isso, é necessário abrirmos mão das tentativas de controlar ou dominar, inclusive a técnica. Quando a nossa capacidade de deixar fluir nosso conhecimento técnico ou qualquer

outro se expande, esse mesmo fluxo alimenta nossa produção, inclusive a produção artística. Começamos então a nos libertar de ideias como criação “mais apropriada” ou “menos apropriada” e passamos a irrigar com esse fluxo a nossa criação. Aproximamos nosso trabalho, nesse momento, daquilo que poderíamos chamar de arte, ou de criação livre. Podemos chamar esses elementos fluídos de técnica, arte e liberdade. Não necessariamente nessa ordem, é claro. Podemos considerar também que a criação artística só flui (e só é fruída) quando a ignorância se dissipa, onde há conhecimento portanto. E mais, o fluxo se intensifica onde existe liberdade. Do começo ao fim. Tempos difíceis estes da modernidade.

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Não se trata, creio eu, de construirmos um domínio sobre qualquer coisa. Mais que isso, é necessário abrirmos mão das tentativas de controlar ou dominar, inclusive a técnica. 111


MANDE SEU PORTFÓLIO revista.old@gmail.com Fotografia do ensaio Aritmètica Interior, de Xavier Sánchez. Ensaio completo na OLD Nº 58.





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for talent and quality both among professional and amateur photographers, offering them an international stage get noticed. The highest placing photos in the competition will take part in series of ”travelling” photography 2011, URBAN exhibits were held in Italy, Poland, Hungary, Latvia, Slovenia, Cyprus, Ukraine and Colombia.

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