OLD Nº 40

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Nยบ40 Dezembro de 2014


Revista OLD Número 40 Dezembro de 2014 Equipe Editorial Direção de Arte Texto e Entrevista

Capa Fotografias

Felipe Abreu e Paula Hayasaki Felipe Abreu Angelo José da Silva, Felipe Abreu e Paula Hayasaki Lihuel Gonzalez Fábio Cançado, Lihuel Gonzalez, Raimundo Britto, Rodrigo Marques e Vinicius Xavier

Entrevista

Bárbara Wagner

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Livros

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Série F Exposição

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Lihuel Gonzalez Portfolio

24

Raimundo Britto Portfolio

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Rodrigo Marques Portfolio

56

24 10 42

Bárbara Wagner Entrevista

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Vincius Xavier Portfolio

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Fábio Cançado Portfolio

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Reflexões Coluna

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Chegou Dezembro e junto com ele Natal, final de ano e a última edição da OLD em 2014. Neste ano tivemos novidades importantes por aqui: novos membros no time, novo site, algumas mudanças na estrutura da revista e a satisfação de ver que a OLD segue seu caminho de crescimento constante. Em um ano tão agitado como este, ficamos felizes em sentir que a OLD é cada vez mais um espaço democrático para a fotografia, trazendo autores de todas as regiões do Brasil e de vários países do mundo. Além disso, ainda temos muito orgulho de ter apresentado em nossa edição de aniversário somente trabalhos de fotógrafas da mais alta qualidade, garantindo, mais uma vez, que aqui o espaço e o destaque é igual para todos. Fechamos nosso quarto ano de atividades com uma série de belos trabalhos fotográficos. Nossa capa é assinada pela fotógrafa espanhola Lihuel Gonzalez, com o trabalho Sus Casas. Seguimos com o ensaio Na Alma, de Raimundo Britto, que explora a cultura Ayahuasca no centro do Brasil. Em nosso terceiro ensaio, Rodrigo Marques apresenta Primitivas, uma busca soturna por espaços abandonados na mata próxima à cidade do autor. Tanto Rodrigo quanto Raimundo apresentam uma visão especial sobre regiões de grande força natural no Brasil. Vinicius Xavier se debruça sobre a religião e a cultura negra na Bahia e sua importância na construção cultura do Brasil. O ensaio Sangò é

uma tocante representação dessa importante e subestimada parcela da cultura brasileira. Em nossa entrevista conversamos com Bárbara Wagner, única mulher brasileira a participar do projeto Offside Brazil da Magnum durante a Copa do Mundo. As fotografias de Bárbara revelam os diversos aspectos da cultura popular brasileira, sempre com uma visão original e objetiva, longe de estereótipos e conclusões rasas. É assim que fechamos 2014. Espero que você tenha aproveitado as dozes edições que apresentamos ao longo do ano! E, para não perder o costume, aproveito para adiantar que teremos muitas novidades em 2015!

Felipe Abreu



LIVROS

CENTRO DE FELIPE RUSSO

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A visão única de Felipe Russo sobre o Centro de São Paulo tem ganhado cada vez mais destaque no cenário fotográfico. Quando foi entrevistado pela OLD no ano passado, Felipe apresentava as primeiras versões do trabalho, ainda sem o fotolivro em mente, ao menos de forma pública. Um ano depois, Felipe lançou o livro, com o apoio da venda de uma série limitada de suas fotografias, que se concretizou em um dos grandes sucessos de 2014. A publicação foi ao Paris Photo pela seleção da Livraria Madalena e chamou a atenção do aficionado apreciador de fotolivros Martin Parr. Graças à indicação de Parr, o livro é o único representante do Brasil na prestigiosa lista de melhores fotolivros do ano da revista TIME. O projeto, muito bem executado, merece esse destaque e muito mais. As fotografias precisas, bem pensadas, de uma luz calma mostram um Centro longe do óbvio, vazio e tranquilo. Felipe mostra um olhar especial para os detalhes pitorescos que dão alma ao centro da capital paulista.

Disponível no site do autor e na livraria madalena Valor: R$ 70,00 80 páginas


LIVROS

CARPOOLERS DE ALEJANDRO CARTAGENA

Carpoolers reúne algumas das características de recentes fotolivros de sucesso: tem um formato inovador, foi publicado de maneira independente e seu autor é falante de espanhol. Obviamente que não só por isso, o mais recente livro de Alejandro Cartagena também está na lista de melhores fotolivros do ano segundo a TIME. A publicação aposta em uma abordagem que tem ganhado uma importância cada vez maior no cenário fotográfico atual: a repetição de uma abordagem visual que mostra a troca de elementos dentro deste cenário. Explico: Cartagena apresenta uma série de caminhonetes que levam trabalhadores mexicanos escondidos em suas caçambas, sempre visto de cima.Os elementos de repetição dão a noção do tamanho do cenário apresentado e as trocas impressionam pela quantidade de detalhes que se apresentam dentro deste imenso cenário. O livro, como a maioria dos destaques dos últimos anos, dá novas camadas de significado à obra fotográfica. Com um série de interessantes transições e dobras entre as páginas, Cartagena consegue criar um ritmo forte para sua narrativa, além de intensificar o sentimento de repetição apresentado por suas fotografias.

Disponível no site do autor Valor Médio: R$ 150,00 80 páginas

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EXPOSIÇÃO

GALERIA NIKON NA VILA MADALENA O novo espaço, encabeçado pelo time da DOC, se apresenta como mais um rica opção de conteúdo fotográfico naquele que cada vez mais se apresenta como o hub fotográfico da capital paulista.

São Paulo tem um tamanho tão descomunal que fica difícil imaginar ações centralizadores em um determinado ramo de ação. Ao 08 contrário de Paraty, Tiradentes e outras cidades importantes para a fotografia brasileira, São Paulo não tem um local de encontro fácil, para reunir fotógrafos e criar uma sinergia similar à dos festivais de cidades pequenas. Bom, para ser mais preciso, talvez não tivesse e agora tenha. A Vila Madalena vem se tornando um espaço central para a discussão e pensamento da fotografia em São Paulo. Isso se dá graças às ações de dois pólos: Livraria e Estúdio Madalena e DOC. O primeiro, se concentra na rua Faisão e traz a melhor livraria de fotografia do Brasil e um dos mais importantes centros de estudo da capital. O segundo, destaque deste texto, toca a Mostra SP de Fotografia, a DOC Galeria, realiza uma série de ações pontuais no bairro e acaba de apresentar seu mais novo e ambicioso projeto: a Galeria Nikon. O novo espaço foi inaugurado no mês passado com a mostra “Série F”, que faz retrospectiva com alguns dos melhores fotógrafos da história do país e suas Nikons série F. Estão na exposição

fotógrafos como Bob Wolfenson, Armando Prado, Walter Firmo, Klaus Mitteldorf, Paulo Vainer, João Bittar, Juan Esteves, Tuca Reines e muitos outros de fina estirpe. A seleção se concentra entre as décadas de 60 e 90 e mostra as transformações pelas quais a fotografia e o mundo passaram nesses últimos 55 anos. A mostra segue em cartaz até o dia 10 de janeiro do ano que vem. Depois disso, a galeria continua como mais um ponto fotográfico da Vila Madalena e o time da DOC acelera o planejamento para mais uma Mostra SP de Fotografia, que vai tomar o bairro paulistano no dia do aniversário da cidade com muita fotografia. Parece que a imensidão desarranjada de São Paulo está finalmente encontrando seu lugar, ao menos para pensar e discutir fotografia.

Série F segue em cartaz até 10 de Janeiro de 2015. A Galeria Nikon fica na Vila Madalena, na Rua Aspicuelta, 153.


Ana Carolina Fernandes


Lihuel Gonzalez Sus Casas



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Lihuel Gonzalez produz uma série de retratos cinematográficos em que personagem e espaço são igualmente importantes para suas narrativas. Em Sus Casas todos os personagens estão em conflito e sua angústia é palpável. Lihuel, nos conte sobre seu começo na fotografia. Começar a fotografia na adolescência. Nessa época eu freqüentava uma escola de arte que incentivava a criação em todas os aspectos possíveis. Foi neste lugar que comecei minha formação artística e técnica. Comecei a fotografar o meu entorno, minha intimidade, família e amigos. Me dei conta, com o tempo, que tinha algo que queria dizer com minhas imagens. A partir destas experiências comecei a me interessar pela linguagem fotográfica. Como surgiu o ensaio Sus Casas? Nos conte sobre sua criação e desenvolvimento. Começou com a necessidade de trabalhar com pessoas e espaços

reais. Antes deste trabalho minhas fotografias eram uma construção pura, já que trabalhava em um set com atores.O ensaio retrata momentos cotidianos da vida nos quais uma estranheza se faz presente frente ao conhecido. O ponto de partida é retratar mundo íntimos de pessoas distintas que vou conhecendo. O método de trabalho que adoto consiste em ir ao lugar no qual vou realizar o retrato, a cada da pessoa ou um espaço que tenha algum valor particular para ela. Entre nós, escolhemos o lugar ideal para a produção do retrato, uma vez escolhido o local, armo minhas luzes, determino o enquadramento e travo a câmera no tripé para que o quadro dure até o final da sessão.O personagem vai estar submergido em uma situação que vai ter que desenvolver em frente à câmera. Não trabalho com personagens em pose fixa. Cada sessão dure de quatro a seis horas, até chegarmos na imagem desejada.


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Todos os personagens que aparecem nas minhas fotografias estão imersos em um conflito. Não poderia determinar especificamente como angústia, mas claramente algo os atormenta.

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Existe uma relação muito forte entre fotografia e personagem nesta série. Como esta relação contribui para a construção da narrativa nas imagens?

Há uma forte sensação de angústia nas suas imagens. Este é um dos sentimentos que você deseja transmitir com as suas fotografias?

O trabalho de escolha dos espaços e dos personagens para cada uma das fotografias não é nenhum um pouco aleatória. Muitas vezes acontece de conhecer uma pessoa que me interessa mas seu espaço não condiz com a poética que quero gerar. Neste caso a fotografia não funciona e é descartada rapidamente. É necessária uma conexão entre ambos. O personagem vai desenvolver uma ação dentro deste espaço, vai ser planejado, de uma forma sutil, um conflito que pode estar relacionado ao vínculo entre espaço e personagem, o gesto do retratado ou por algo que está fora do enquadramento.

Todos os personagens que aparecem nas minhas fotografias estão imersos em um conflito. Não poderia determinar especificamente como angústia, mas claramente algo os atormenta. O cinema influencia sua produção fotográfica? Você acredita que há um lado cinematográfico nas suas imagens? Minha formação acadêmica é em cinema, sou diretora de fotografia. As imagens que produzo estão vinculadas profundamente com uma linguagem cinematográfica. Cada imagem é pensada como um frame de um filme, um momento chave congelado no tempo. Gosto de pensar que o espectador pode completar a fotografia imaginando o que aconteceu antes dela e o que virá depois.


Raimundo Britto Na Alma



Na série Na Alma, Raimundo Britto explora a espiritualidade e seus caminhos pela fotografia. As imagens tem uma ambiência marcante e envolvente. Raimundo, nos conte sobre sua relação com a fotografia. 26

Sempre gostei de contar histórias através de imagens, porém apenas durante minha formação como designer que descobri o estudo da linguagem visual, sobretudo a fotografia. Hoje percebo que muito do design está presente em meu trabalho fotográfico, gosto da ideia de poder associar estas duas disciplinas para a produção de uma estética autoral. Como surgiu o ensaio Na Alma? Em meados de 2011 tive contato com uma fotografia que despertou todo o trabalho. Era um grupo de pessoas sentadas ao redor de uma fogueira à noite, três homens tocavam violão com um altar ao fundo, possivelmente em alguma região de mata fechada. De alguma maneira, aquela imagem não saiu da minha cabeça, toda aquela atmosfera etérea teve uma representação simbólica muito grande do que eu entendia por espiritualidade, justificando uma busca. Decidi procurar o fotógrafo e descobri que a imagem foi produzida durante um ritual da ayahuasca na Chapada Diamantina.

Decidi então me programar para ir à região. Encontro um tempo em dezembro, alguns dias antes da ano novo. Ainda sem rumo, procurando um lugar para ficar e mais informações sobre a comunidade, fui informado que para chegar ao lugar teria que ir até um sítio localizado afastado da vila, em um caminho que cruzava um rio, já me deparando com uma rede de significados e expectativas sobre o que viria em seguida. Ao chegar, fui ao encontro dos responsáveis pela comunidade, conversei sobre o meu interesse em documentar o seu cotidiano, do trabalho que estava desenvolvendo sobre manifestações de espiritualidade e de como a cultura envolvida no experiência ritual com a ayahuasca poderia acrescentar à esta pesquisa. Para além dos desafios que uma atividade de campo podem despertar, descobri que estava diante de algo mais complexo do que havia esperado, proporcionando uma sucessão de encontros com pessoas e experiências que despertaram a percepção sobre a importância do trabalho, o que me levou a dedicar os três anos seguintes à pesquisa e documentação do tema. Na Alma é composto por uma série fotográfica e um fotolivro, que surgiu da necessidade de proporcionar um suporte físico mais estável para a publicação do trabalho e do meu interesse pela produção em design editorial.


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Havia momentos em que eu abaixava a câmera, pois qualquer imagem que poderia ter produzido seria inferior às sensações presentes naquela atmosfera. O quanto estar imerso neste grupo foi essencial para produzir este ensaio? O quanto você pesquisou sobre o tema antes de produzir as imagens?

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Hoje não tenho dúvidas que estar imerso na comunidade foi essencial para que chegasse a este resultado. A possibilidade de vivenciar junto ao grupo todo o processo de preparação para o ritual me fez perceber o cuidado, dedicação e respeito que estava sendo construído naquele momento. O que se tornou ainda mais intenso em minha última ida ao local, quando, tendo a oportunidade de acompanhar diretamente todos as etapas que envolvem a preparação da ayahuasca – da seleção das folhas à trituração do cipó e cozimento do chá – conheci mais sobre a ayahuasca me aproximando aos poucos das pessoas e tendo uma conversa mais tranquila. Foi devido a este processo que senti um profundo respeito pelo que estava sendo vivenciado naquele local. Havia, inclusive, momentos em que eu abaixava a câmera, pois qualquer imagem que poderia ter produzido seria inferior às sensações presentes naquela atmosfera. Paralelamente a isso, busquei artigos e pesquisas em literaturas específicas, documentários e relatos que demonstrassem diferentes perspectivas sobre o tema, o que se tornou fundamental para uma maior compreensão sobre o papel da ayahuasca como suporte à conexão espiritual, de sua utilização indígena primitiva aos contextos urbanos modernos.

Como você buscou transmitir a espiritualidade das cenas em suas fotografias? Este questionamento esteve muito presente no início do trabalho, pois percebi que precisava atravessar o olhar superficial e ir além do recorte estático da fotografia. Assim, para documentar a comunidade, busquei o caminho da entrega àquele processo, me integrei ao coletivo desde a execução das tarefas cotidianas à participação nos rituais de cura e feitio da ayahuasca. Este envolvimento – mais profundo com o grupo – oportunizou a produção de imagens mais íntimas e verdadeiras tanto dos momentos de meditação quanto de intenso êxtase espiritual. Na tentativa de representar, simbolicamente, os aspectos mais íntimos da espiritualidade envolvida no culto, bem como todas as sensações e sentimentos vivenciados individual e coletivamente, construí uma narrativa a partir de retratos, paisagens e elementos simbólicos os quais se propõem a despertar uma atmosfera multissensorial de aproximação sobre o tema. Atrelado a isso, fiz capturas de áudio enquanto estive na comunidade e tenho planos de poder utilizar este material para intensificar esta experiência.


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Rodrigo Marques Primitivas



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Primitivas é uma sombria série sobre tempo e abandono. Rodrigo Marques buscou espaços que tenham marcas profundas e antigas e os apresentou de uma forma soturna e marcante.

faço o uso da mesma apenas por uma questão imprescindível... pela simples necessidade do meu olho direito registrar algo que esta dentro de mim mesmo...” é isso, o poder de contar uma história através da imagem, um único frame, é o que me move.

Rodrigo, nos conte sobre seu começo na fotografia.

Como surgiu o ensaio Primitivas?

Foi um processo, mas originalmente minha intenção era trabalhar com o cinema e após ingressar na faculdade de áudio visual involuntariamente fui influenciado nas aulas de laboratório, mas sinceramente, a capacidade de se criar sem depender de grandes orçamentos, equipe, enfim, todo o planejamento que o cinema exige, me levaram a esse caminho. Larguei emprego e uma vida aparentemente “segura” e me joguei de cabeça nisso, a fotografia me tomou por completo. A partir daí experimentei diversos segmentos neste ramo até se formar uma linha de pensamento que me levou a fotografia autoral. A alguns anos escrevi uma breve reflexão que resume bem isso tudo: “Se pudesse me traduzir como fotógrafo, diria que sou mais olho do que câmera, sendo assim,

Pois é, este ensaio é fruto das andanças pela minha região. Foi uma extensão de outros trabalhos e um amadurecimento também do meu olhar. Neste em especial, um local histórico todo caído aos pedaços, com a marca do tempo muito forte, impregnada em tudo que se possa ver...tenho um certo fascínio por esse clima de abandono, como uma nostalgia da época em que eu passava as férias em sítios e fazendas, ouvindo histórias dos “cabocos”, quando me deparo com estas cenas, me sinto muito confortável. Toda essa bagagem foi essencial para desenvolver uma relação com os personagens, no qual 70% do trabalho foi sem a câmera , respeitando o tempo deles e absorvendo a atmosfera do lugar , até transformar essas nuances em um fio condutor para criar o ensaio.


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A fotografia é um fragmento da realidade, que pode manipular tanto sua forma quanto seu conteúdo.

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O fogo é um elemento recorrente nas imagens. Qual a sua função narrativa no ensaio?

Você vê a fotografia como uma ferramenta de transformação da realidade?

Sim. O fogo por si só já traz a idéia do primitivismo, mas não esta inserido por conta disso. Sua recorrência esta justamente pontuada por ser um costume muito comum na cultura dessas comunidades, que eu considero simbolicamente um rito de passagem, de transformação, pureza. Acho que esse misticismo tem uma relação universal com qualquer cultura, foi a primeira grande descoberta do homem.

A fotografia é um fragmento da realidade, que pode manipular tanto sua forma quanto seu conteúdo. Sua transformação atinge diretamente a mim, tudo que vivo através do meu trabalho me impregna de certa forma. Agora, como aspecto social, não vejo uma transformação coletiva, ela não tem esse poder e nem é sua função primaria. É a mesma coisa do sujeito que vai a missa, ele se confessa, reza, e quando sai comete os mesmos pecados. As pessoas se sensibilizam muito com a fotografia, mas virou a esquina acabou. A internet proporciona uma grande difusão desses meios, mesmo que indiretamente, mas ainda sim é efêmero e há pouco aprofundamento sobre os assuntos em geral, tudo tende a ser conciso, um texto com mais de uma página ninguém agüenta ler, é muito tempo.

Qual o papel dos personagens e do espaço na construção da sua narrativa? Os personagens e o espaço são uma simbiose, se complementam e se interferem ao mesmo tempo e é justamente isso que eu considero primitivo. A todo momento fica evidente o rastro de ocupação em um espaço abandonado, sem vida, mas que há vida. A narrativa mostra este conflito e se constrói a partir daí.


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OLD ENT

BÁRBARA


REVISTA

WAGNER


Bárbara Wagner investiga a cultura popular brasileira em sua fotografia. Muito longe de estéticas e temas clichês, suas fotografias mostram as transformações e contradições de um Brasil contemporâneo. Conversamos com Bárbara por email para conhecer melhor seu trabalho e o pensamento por trás dele. Bárbara, como você começou a se interessar pela fotografia? Aos 18, estagiei num jornal popular do Recife como redatora no caderno cutural, e era muito frustrante tentar atrair leitores para meus textos sobre arte contemporânea quando as páginas policiais ou de fofoca pareciam mais coloridas e interessantes. Simplesmente entendi que a fotografia era, naquele contexto, uma ferramenta de comunicação muito mais poderosa. 58

A cultura popular brasileira é o grande tema do seu trabalho. Como surgiu esse interesse? Quais são seus objetivos com este registro? Não foi difícil: entre fabricar clichês do cotidiano que mais representavam o interesse dos jornais e entender de fato o que acontecia nas ruas, a segunda opção me era muito mais urgente. De certa maneira, o que faço desde então é inventar pra mim essa função de comunicar algo a um grande público ao mesmo tempo em que as ‘pautas’ que escolho são, exatamente, as formas de expressão popular que se repetem e que viram tradição - ou que de um modo curioso se apresentam elas mesmas como ‘novos’ clichês a serem descobertos.

representação de alguém bem sucedido e feliz, normalmente não questionamos o porquê dessa associação semântica. De um jeito invertido, quando vemos o retrato de um tipo popular apresentando esses mesmos valores (sucesso, felicidade) são as questões de cor, classe e status que passam a conduzir nosso entendimento sobre sua representação. Nesse sentido, não digo que é a fotografia que subverte significados, mas sim o sujeito que nela atua. Ou seja, para que essa forma de subversão se torne visível, a fotografia tem mesmo é que se prender o tempo inteiro na convenção, no clichê, ou dá pouco espaço para que a ‘cena’ aconteça. Sua fotografia é muito baseada em seus personagens. Como eles transformam você? Como você acha que sua fotografia os transforma? Esse jogo entre a convenção fotográfica, a capacidade do personagem diante da câmera e as espectativas do observador é o que mais me ocupa no meu trabalho. Quando falo em ‘capacidade’ me refiro não somente a elementos da pose ou ação, mas sobretudo à posição (simbólica) do sujeito fotografado. Entre tantos métodos de fazer um retrato, só consigo fotografar quem quer ser fotografado, e esse é pra mim o aspecto transformador. Porque quando um fotógrafo se coloca diante de alguém que realmente investe em se transformar numa imagem, um universo absolutamente imprevisível de nuances dos estados dessa transformação pode se tornar visível. Esse exercício de ‘poder’ em cena (do sujeito fotografado que joga com esse poder) vira então a própria força de ruptura ou reflexão que a imagem opera naquele que a vê.

Em textos sobre seu trabalho você apresenta sua fotografia como subversiva. Porque este termo é importante para você?

O flash tem um papel central na estética de boa parte dos seus trabalhos. Como você buscou construir este estética? Qual o seu papel narrativo?

Quando olhamos uma imagem de um homem de negócios como uma

O que acho mais intrigante no uso da luz artificial (como no uso da


cor) é exatamente o fato de ela ser um código muito familiar na produção de uma imagem técnica. Em nosso repertório do ‘fazer imagens’, o flash e a cor são esses signos de uma ordem postiça à realidade que entram no cotidiano pra atestar que ele ‘existe’. Será que é por isso que não consigo dissociá-los da minha prática do retrato documental? Minhas tentativas fracassadas em criar novas narrativas ficcionais sem flash e ou em preto e branco me fazem suspeitar que sim! Qual o papel do fotolivro na sua produção? Seus ensaios já nascem com este formato em mente? Entendo que a circulação de fotos impressas em livros e revistas já foi um instrumento radicalmente mais democrático do que o espaço da galeria de arte, por exemplo. Meus primeiros trabalhos foram por isso bastante voltados pra esses formatos. A popularização do fotolivro é um grande ganho, nesse sentido. O que não acho interessante é a conversão desse formato num objeto-fetiche... Quando a produção de uma publicação impressa vira ela mesma uma instância que só serve para legitimar um ‘nível de qualidade’ do artista ou, ou do designer, ou da editora (obviamente, com fins comerciais) ela vira um item de luxo para poucos, uma confecção de produtos que muitas vezes apenas mantêm a mística em torno do que é ou não ‘arte’. Acho que hoje me alimento muito mais do youtube, das selfies e dos memes. Como foi participar do projeto Offside Brazil? De partida, o mais importante foi conseguir negociar com a Magnum a minha participação no projeto a partir da cidade que eu mais conheço bem, que é o Recife (inicialmente a agência esperava que eu estivesse no Sudeste, onde se concentrou a maioria dos fotógrafos convidados para registrar o Brasil durante a Copa, com excessão do coletivo Mídia Ninja). Fui também a única fotógrafa

A popularização do fotolivro é um grande ganho, nesse sentido. O que não acho interessante é a conversão desse formato num objetofetiche...Acho que hoje me alimento muito mais do youtube, das selfies e dos memes.







mulher - e nordestina - do grupo brasileiro (Susan Meiselas era a representante feminina da agência internacional, o que não por coincidência se refletiu no seu interesse sobre a indústria da beleza no país). Estar em Recife e poder sugerir temas próprios da minha pesquisa em fotografia foi fundamental para eu dar conta do ritmo de produção que caracterizou o projeto: tinhamos o cometimento de enviar, online, ao menos 10 boas imagens por dia para a editora do projeto durante 1 mês de trabalho). O intento de questionar os estereótipos da imagem do Brasil no exterior era ao mesmo tempo um clichê e uma urgência, coisas de que já gosto muito. Em um de seus ensaios para o Offside você abordou a religião evangélica pensando em um viés de consumo. Como foi a produção deste ensaio? Foi tão interessante que eu ainda estou produzindo! O projeto offside acabou mas o tempo que passei visitando igrejas, fotografando e entrevistando pessoas entre Pernambuco e Alagoas só serviu como uma introdução para eu entender o quão complexo é o assunto e quão diversas podem ser as maneiras de tratá-lo. A relação entre religião, classe e economia é repleta de imagens interessantes em suas contradições. A série ‘Crentes e Pregadores’, produzida durante o Offside continuou uma pesquisa que iniciei em 2012 sobre as estratégias de visibilidade da nova classe média nesta região do país. O que seguirá a partir de agora retoma o tema das tradições e festas populares e seu parentesco recente com os rituais do palco (ou do altar). Você busca registrar as transformações sociais brasileiras com a sua fotografia? Para você, qual a importância deste registro? Busco entender como gestos se manifestam, se repetem, se transferem, se experimentam, se desviam e se aprendem a fim de serem novamente manifestados, repetidos, transferidos,

experimentados... e desviados por gerações que têm um pé na tradição (no sentido da experiência de coletividade e reconhecimento de uma herança cultural) e outro no pop (no sentido da projeção individual, do desapego à origem e da rendição ao virtual). Se esse movimento de transformação da cultura sempre seguiu o da economia, não vejo sentido em olharmos pro passado com nostalgia, é importante percebermos o que esta acontecendo em nosso país agora. Quem você espera impactar com suas imagens? Qual o legado que você espera deixar com sua fotografia? Talvez ‘impacto’ seja um efeito muito próximo ao do arrebatamento... Não acredito que minhas fotografias tenham essa função: prefiro pensar que as imagens que procuro ver ou criar sejam também vistas e procuradas por outros, e que de repente funcionem para desvendar 65 um pouco as vias tortas que se criam nessa corrida sem freio pelo desenvolvimento a qualquer custo. Não acho que conseguimos construir crítica ou reflexão sobre nosso país com associações rápidas sobre nossa história. Ainda temos muito que olhar aqui, e muitas vezes, e por mais tempo.


Vinicius Xavier Sangò



Sangò explora a cultura e a religião de origem negra na Bahia, suas raízes e figuras. Vinicius Xavier produz um ensaio documental, com tocantes personagens. Vinicius, nos conte sobre seu começo na fotografia. 68

Recobrando aqui a minha memória, lembrei que meu primeiro contato com a fotografia foi na casa dos meus pais, meu pai tinha uma antiga câmera Yashica que eu sempre futucava nos tempos de criança/adolescência. Não sei bem porque, mas aquele aparelho me causava certo encanto, talvez pela possibilidade de criar imagens. Anos mais tarde, quando ingressei na faculdade de Comunicação Social - Publicidade & Propagada (UCSal - Universidade Católica de Salvador), tive um semestre da disciplina fotografia, ali foi o marco inicial, onde aprendi a técnica com o meu primeiro mestre, o fotógrafo Gilberto Melo. Como surgiu o ensaio Sangò? Aqui na Bahia, como é sabido, o contingente da população negra é predominante na sociedade. Salvador é a cidade que possui a maior população negra fora da África, e foi o predomínio da cultura negra que fez com que a Bahia fosse motivo de destaque para o mundo, toda a cultura do estado é calcada sobre esta matriz africana,

sem desprezar as outras influências, indígena e lusitana, mas se afirmando de uma maneira muito mais intensa. Portanto, invariavelmente, meu trabalho relaciona-se bastante com a cultura negra, e o candomblé é uma das suas expressões mais importantes na Bahia. Daí, nas minhas viagens de pesquisas etnográficas acabei encontrando uma cidade repleta de cultura popular de matriz africana, a qual me interessou intensamente pela riqueza e variedade das suas expressões, tais como: samba de roda e candomblé. Essa cidade chama-se Cachoeira e está localizada no Recôncavo da Bahia. Foi lá que tive de fato o meu primeiro contato com o candomblé, inicialmente visitando algumas Festas em Terreiros da cidade. E alguns anos após, fui levado a conhecer o terreiro Ilê Axé Icimimó Aganju Didê, um dos únicos terreiros Nagô puro no Brasil, lugar sagrado que traz uma história belíssima e toda uma ancestralidade. A partir deste encontro, iniciou-se uma amizade com as pessoas que estão à frente do Terreiro, o Pai Duda (Pai de Santo da casa e filho do saudoso Gandola, um dos mais importantes Pais de Santo da região, já falecido), Seu Dezinho (Ogan da casa), entre outros integrantes. Falei do meu interesse com o candomblé, de conhecer mais aquele lugar, aquela cultura, e logo me foi concedido o direito de documentar o dia a dia do Terreiro e algumas festas que acontecem regularmente lá. O Ensaio Sangò é um recorte das imagens captadas nos dias de festejos dos orixás e dias que antecedem essas celebrações.


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Com certeza são processos de uma intensidade singular, vi cenas de demonstrações de fé que me tocaram profundamente. Como você se relaciona com a fotografia documental? Você vê ela passando por um período de transformação?

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O meu trabalho fotográfico é predominantemente documental/ etnográfico, autoral, trabalho com determinados grupos sociais que se diferenciam ou pela região geográfica, ou pela fé, ou por determinadas práticas culturais, mas o que todos esses grupos tem em comum no meu trabalho é a identidade com a cultura popular brasileira. Procuro mostrar com o trabalho fotográfico que desenvolvo a beleza do povo brasileiro. Minha fotografia é totalmente parcial e participativa, eu procuro chegar o mais perto possível do que eu fotografo, envolvo-me com as pessoas e cenas, antes de tudo, eu quero é viver a minha fotografia e mostrar um Brasil de verdade, com seus esplendores e mazelas.Com relação a segunda pergunta, eu entendo que na dinâmica da vida tudo muda com o tempo, e com a fotografia não poderia ser diferente, a fotografia documental como conhecíamos antigamente, fotografia documento, que explorava unicamente o sentido referencial da fotografia está em decadência, ou melhor, em transformação, eu diria até que a linha de fronteira que delimitava a definição de fotografia documental se rompeu. Como é a experiência de registrar a religião fotograficamente? Foi um processo intenso? Apresento este ensaio sobre o candomblé, que é a religião afro-

brasileira de maior importância no país. Com certeza são processos de uma intensidade singular, vi cenas de demonstrações de fé que me tocaram profundamente. A fé do povo brasileiro é emocionante, aliás, a fé é impressionante. Vive-se pela fé e também morre-se por ela. Como você buscou registrar algo imaterial, como a fé, em algo material, como a fotografia? A fé em si não se registra, ela é pessoal, intangível e intransferível. O que nós registramos nas imagens são os símbolos e os rituais que os homens criaram para materializar e externar ela, é um processo de construção de um sentido. Ademais, para realizar um trabalho dessa natureza, precisamos ter o mínimo de compreensão do que estamos fotografando, é preciso conhecer e respeitar o seu fluxo para que se consiga tirar o máximo de proveito do estar ali presenciando aqueles momentos, vivendo aquilo tudo, e saber que o ritual não acontece para que fotografemos, ele acontece por um motivo maior. E digo isso porque é importante ressaltar o papel que o fotógrafo tem de registrar essas manifestações culturais, mas é de suma importância também registrar o seu papel de responsabilidade com o que se fotografa e como se fotografa, pois estamos falando da crença e de rituais que são sagrados para determinados grupos sociais. O fotógrafo precisa trabalhar com respeito, ética e humanismo.


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Fรกbio Canรงado Quickbird


teer達, ir達


Quickbird explora vistas aéreas de diversas partes do mundo. Suas imagens fazem uso do Google Earth e do olhar de Fábio Cançado para escolher recortes e novos pontos de vista para esses variados lugares. Como surgiu o ensaio Quickbird?

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Sempre gostei de vistas aéreas e quando descobri o google earth percebi que teria muito interesse ali. Por conceito, não gosto de fotografias simplesmente sedutoras e virtuosas, em todos os temas e sub temas dela (se podemos classificá-las assim). Mas percebi que com este aplicativo teríamos agora uma ferramenta, por onde poderemos criar recortes metafóricos e autorais do nosso planeta fora da idéia previsível da maioria do fotógrafos que usam simplesmente o belo, o superficial, para criar uma força espetacular da fotografia. Nosso planeta não é simplesmente privilegiado, e ai agradecemos por ser, mas também absurdamente diferenciado e cheios de estranhezas. Queria com meu olhar recortar imagens que pudessem sintetizar o lugar em relação ao nosso imaginário histórico e de histórias sobre ele, reunindo crítica política, ironia e instigação do pensamento visual. Trabalhava quase sempre nas madrugadas e para começar a pesquisa encontrei um aeroporto em Altamira, que é o maior município brasileiro e um dos lugares mais violentos, com a forma exata de um rifle a ai entendi tudo o que queria buscar. Muitas formas coincidem com nossos pensamentos e sonhos, e como um flaneur passeando pelo planeta descobri absurdas metáforas interpretativas entre lugares e imagens.O livro é resultado de uma

seleção destas imagens e sempre o lugar é citado. Muitas vezes começava pensando em um lugar e ai saia buscando uma imagem que sintetizava uma interpretação simbólica dali. Passava as vezes muitos dias e noites procuram sentidos, e apenas me vinham formas interessantes. Dispensei muita coisa, mas de repente me surgia correlações absurdas e verdadeiramente exatas. Viajava pelo planeta sem sair do lugar. Pensava que estava descobrindo imagens do seu casulo semiótico. Como o Eder Chiodetto participou do trabalho? O texto escrito por ele transformou sua visão sobre o ensaio de alguma forma? Na verdade o texto do Eder surgiu depois da produção e uma primeira edição minha. Foi muito fácil para nos conectarmos. Logo, que o projeto lhe foi mostrado ele me ajudou nas minhas dúvidas e me pediu um tempo e ai me enviou o texto. Ele entendeu tudo, o texto é esteticamente e conceitualmente perfeito em relação ao meu olhar e me acrescentou duas percepções de destaque. A primeira foi que ele percebeu na fotografia que fiz do Vale do silício uma espelhada visita do aparelho tecnológico usado como meio (o satélite do Google Earth) ao lugar de sua origem. A lente que se distancia e depois volta ao seu próprio berço. Depois em outro momento do texto ele cita Vilém Flusser para definir meu trabalho como inovação e ampliação do uso da linguagem do próprio aparelho.


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lixĂŁo da estrutural, brasĂ­lia, brasil












Não tenho mais nenhum medo dela, o que existe no final é a força da imagem. Acredito que a captação da imagem esta perdendo para o tratamento digital posterior.

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Em Quickbird você apresenta uma nova perspectiva e uma nova técnica fotográfica. Como isso marcou você? E sua produção?

Como você vê a chegada de novas tecnologias na fotografia? Isso liberta ou pressiona o fotógrafo?

Sempre valorizei o trajeto sobre o destino final. Tenho um projeto que se chama “Aparições” que privilegia aquilo que sempre vemos a beira da estrada e quase nunca paramos para investigar. Trabalhei muito tempo com publicidade, moda, etc. e quando consegui ser autor das minhas fotografias consegui conjuntamente saber desconstruir a técnica fotográfica. Não tenho mais nenhum medo dela, o que existe no final é a força da imagem. Acredito que a captação da imagem esta perdendo para o tratamento digital posterior. Neste trabalho, captei do aplicativo imagens com pouca resolução, em nenhum momento as subornei criando coisas que não existiam, mas tratei aumentando suas resoluções e qualidade para impressão.

Para mim a questão não está na resolução das novas câmeras acessíveis e da previsibilidade dos aplicativos de tratamento, mas na idéia de construção de um novo olhar. Talvez hoje seja os fotógrafos os que menos fotografam, por que precisam construir e manter uma identidade no trabalho, e neste sentido pode-se usar qualquer aparelho para este intuito. Por outro lado, com a quantidade de câmeras, aplicativos e pessoas que fotografam, apenas se reafirmou o amadorismo e a banalidade temática, que privilegia o consumo, o ego e a justificativa da presença das pessoas no previsível.


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institute columbine, colorado usa


REFLEXร ES

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Ler uma poesia, uma foto nos dรก a memรณria de coisas simples. Quando essa simplicidade nos alcanรงa produz mudanรงas.


COLUNA

IMPERMANÊNCIA FOTOGRAFIA MEMÓRIA VERSO ZEN VAZIO

Saudades do Leminski Às vezes a gente busca uma foto pra lidar com a saudade. No caso do Leminski um verso uma palavra me dizem mais. Ele escreveu um texto lá pelos oitenta chamado Zen e a Fotografia. O Milton Guran que me passou... Ali encontramos muitas coisas sobre umas tantas coisas... O que me toca agora é refletir sobre a fotografia, a memória, a lembrança, a impermanência. O Leminski aproxima Hai-kai e fotografia, a idéia, a imagem de síntese sentimento, de síntese plástica, de síntese imagem texto. “Hai-kai: um clique de palavras.” Bonito, não é?! Tem mais Leminski... O instante que valoriza a experiência do aqui e agora, menos é mais, “o máximo do significado do mínimo de material, em ultra-segundos de hiperinformação.” Poesia fotografia Retirando a retórica, o conceito, os excessos e buscando a essência. Removendo os egoísmos e realizando a fusão do eu com o vazio e o todo, tocamos a filosofia ZEN, a filosofia budista e vemos o mundo de outro lugar algo mais simples, sensível, íntegro, inteiro, satisfatório, feliz. Ler uma poesia, uma foto nos dá a memória de coisas simples. Quando essa simplicidade nos alcança produz mudanças. Geralmente buscamos em uma foto o passado congelado, criogenia, recordação. Naquele instante em que nos toca a síntese, recordar, então, já se transformou e notamos que as coisas são transitórias. A impermanência alcança a tudo e a todos, o todo. A intenção de ver para lembrar do que já passou, para ativar a memória tem um sentido de retenção, de acúmulo, de prisão, passarinho na gaiola. A intenção de ver para fazer parte do fluxo, do movimento, nos torna

um só com nossas memórias, nossos sentimentos, nos alivia a alma, liberta-nos do peso dos conceitos, dos sujeitos, dos adjetivos e dos predicados, das relações e, como bolhinhas de sabão, nos mostra um universo todo completo e pronto a desaparecer. Memória como uma experiência como um sentir e não como reverência, obrigação. Passarinho voando, feliz, cantando, voou, sumiu. Esse Paulo que nos conduz por caminhos, às vezes, nunca dantes navegados. Foi ali que li que o Bresson tinha A Arte Cavalheiresca do Arqueiro Zen como livro de cabeceira. Perto da cabeça, do olho e do coração, alinhados. Poesia e fotografia. Algumas vezes escrever é mais fácil que fotografar outras prefiro tirar todo o mundo da cena e deixar só o quadro. Escrever muitas vezes é pintar a tela branca. Diante do nada vamos tecendo linhas e construindo um mundo. É divertido, é mágico... Fotografar é diferente porque pegamos todo o mundo já feito e vamos esvaziando esse mundo e deixamos para a foto apenas um pedacinho desse universo, uma síntese, uma lembrança, uma memória. É mágico, é divertido... Fotografo ergo sum

Angelo José da Silva é professor de sociologia na Universidade Federal do Paraná e fotógrafo. Suas pesquisas mais recentes focam o espaço urbano e o grafite.

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informe publicitário

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proposta didática e cursos 2 LQVWLWXWR DSUHVHQWD XPD SURSRVWD VLQJXODU $ HVSHFLDOLGDGH GD HVFROD Ä IRUPDU IRWÎJUDIRV SUHSDUDGRV SDUD HQWUDU QR PHUFDGR GH WUDEDOKR H DSULPRUDU RV IRWÎJUDIRV SURƬVVLRQDLV $VVLP R HQVLQR VH IXQGDPHQWD VREUH XP WULSÄ GH FRQKHFLPHQWRV HVVHQFLDLV GRPÈQLR GD WÄFQLFD IRWRJU¼ƬFD FRQKHFLPHQWR GH OLQJXDJHP YLVXDO H FRPXQLFD¾R SXEOLFLW¼ULD FRQMXQWDPHQWH FRP QRÂÐHV HP DGPLQLVWUD¾R H PDUNHWLQJ 7RGRV RV SURIHVVRUHV QR ,,) V¾R DWXDQWHV H HVSHFLDOLVWDV QDV ¼UHDV TXH PLQLVWUDP RV FXUVRV R TXH SHUPLWH DR DOXQR DOÄP GH DSUHQGHU D WÄFQLFD YLYHQFLDU GH PDQHLUD FRQFUHWD DV GLQ½PLFDV H SUREOHP¼WLFDV GD SURƬVV¾R DVVXQWRV HVWHV TXH HVW¾R SUHVHQWHV QD JUDGH GH WRGRV RV FXUVRV DYDQÂDGRV $ IRUPD¾R PDLV FRPSOHWD GD HVFROD Ä R FXUVR GH &DSDFLWD¾R 3URƬVVLRQDO 6¾R RIHUHFLGRV WDPEÄP FXUVRV H ZRUNVKRSV DYDQÂDGRV GH HVSHFLDOL]D¾R SDUD FDGD ¼UHD GR PHUFDGR $OÄP GHOHV FRPSOHWDP D JUDGH GLG¼WLFD FXUVRV E¼VLFRV SDUD LQLFLDQWHV GD IRWRJUDƬD H RXWURV ZRUNVKRSV FRPR )RWRJUDƬD $QDOÎJLFD )RWRJUDƬD GH 5XD 2ƬFLQD GH &ULDWLYLGDGH H RV HYHQWRV 3DSHO H $UWH H )LOPHSDORR]D 3DUD FRQKHÂHU PHOKRU R ,,) DFHVVH http://www.iif.com.br


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Diego Kuffer



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