OLD Nº 37

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Nยบ37 Setembro de 2014


Revista OLD Número 37 Setembro de 2014 Equipe Editorial Direção de Arte Texto e Entrevista

Capa Fotografias

Felipe Abreu e Paula Hayasaki Felipe Abreu Angelo José da Silva, Felipe Abreu e Paula Hayasaki Celeste Ortiz Celeste Ortiz, Géssica Hage, Luciano Spinelli, Massimo Failutti e Thiago Albuquerque

Entrevista

Martin Kollar

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Livros

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Agricultura da Imagem Exposição

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Celeste Ortiz Portfolio

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Massimo Failutti Portfolio

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Thiago Albuquerque Portfolio

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Martin Kollar Entrevista

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Géssica Hage Portfolio

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Luciano Spinelli Portfolio Reflexões Coluna

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As imagens desta edição da OLD são fortes. Não, elas não são simplesmente “gráficas” ou explícitas. Cada um dos ensaios tem uma força própria e diferente. Seja na figura do corpo feminino, de espaços desolados ou de um dos maiores metrôs do mundo. Nossa capa, assinada pela fotógrafa argentina Celeste Ortiz, mostra sua força pela profunda relação entre corpo e fotografia em uma série de delicados e livres autorretratos. Massimo Failutti, fotógrafo italiano radicado em São Paulo, apresenta sua visão melancólica de espaços vazios. Sua série viaja por vários locais, mas mantém a temática sombria e profunda em cada uma das imagens. Briga de Galo, ensaio de Thiago Albuquerque, mostra a dura e cruel realidade das rinhas de galo no Peru. A série é enfática nos danos causados por este hábito e na triste vida levada pelos animais usados. Em Dust, Géssica Hage se propôs a explorar um espaço limitado à fundo. Suas fotografias mostram corpo e espaço se descobrindo, se entendendo e expandindo seus limites. Luciano Spinelli é o responsável por fechar a edição de Setembro da OLD. O fotógrafo apresenta uma série desenvolvida nos metrôs da capital russa, na qual grafismos e personagens se fundem apresentando a metáfora perfeita para um dos meios de transporte público mais usados no mundo.

A entrevista desta edição é especial. Nós conseguimos uma divertida e profunda conversa com Martin Kollar, fotógrafo eslovaco criador de Field Trip, um dos mais impressionantes fotolivros dos últimos tempos, na humilde opinião deste que vos escreve. As imagens de Martin são um soco no estômago e apresentam Israel de uma maneira absurdamente original e instigante. Ficamos muito agradecidos com a abertura e gentileza de Martin durante nossa conversa por Skype. Espero que vocês apreciem esta forte edição da OLD, que mostra imagens impactantes nos mais variados ramos da fotografia. Até Outubro!

Felipe Abreu


[Germany Schaefer, Washington AL (baseball)]


LIVROS

ISLAND ON MY MIND DE IRINA ROZOVSKY

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Essa é a primeira vez que vamos falar de um livro que ainda não está à venda, mas achamos que vale à pena abrir esta exceção. O livro Island on my Mind, de Irina Rozovsky, acaba de ser premiado com o Dummy Award, o mais prestigiado prêmio para bonecos de fotolivros. O Júri, composto por Cristina de Middel, Todd Hido e Carlos Spottorno deu o grande prêmio para a fotógrafa russa. O livro pode ser visto na íntegra no Issuu por enquanto, mas já se tem uma bela noção de como será o produto final. O projeto se apóia na associação visual entre imagens, unindo linhas, sombras e criando diálogos entre as imagens estouradas em cada página do livro. Há uma grande liberdade na edição do livro. As associações estão longe de serem diretas. O fantástico, o lúdico, regem a sinfonia de imagens até o seu final. Temos momentos bons e ruins durante o livro, mas a obra como um todo é bastante instigante. Um dos pontos mais interessantes do trabalho é poder usálo para entender o que agrada e estimula um dos grandes prêmios da fotografia, definido por um time de grandes fotógrafos contemporâneos.

Disponível no issuu: http://issuu.com/monochrom/docs/ rozovsky_island_on_my_mind_6823_201 98 páginas


LIVROS

XY XX DE FOSI VEGUE

A Dalpine tem uma seleção de livros incríveis em seu catálogo. A editora espanhola adora arriscar e apresentar livros que vão marcar quem entrar em contato com eles, seja para o bem, seja para o mal. A editora é responsável por Paloma Al Aire, um dos hits fotográficos dos últimos anos, e por Karma, um dos grandes premiados do ano passado. Agora a Dalpine nos apresenta XY XX, de Fosi Vegue, com um belo tapa na cara. O livro se aproxima de Karma na sua abordagem temática: se o livro de Óscar Monzón apresenta nossa relação com os carros da maneira mais crua possível, Fosi Vegue apresenta o sexo da mesma maneira. O fotógrafo observava o bordel que ficava atrás de sua casa e fotografava o encontro entre prostituas e seus clientes durante a noite. As imagens são extremamente sombrias e ruidosas, dando um desconforto a mais a cada uma das duras fotografias. Fosi decompõe os corpos, os transformando em riscos, em recortes, em sombras, produzindo um poderoso conjunto de imagens sobre este arriscado e complexo tema. O livro se apropria disso, tornando essa estética mais evidente, estourando as imagens em cada uma das páginas. A força das imagens se dá não só pelo seu conteúdo, mas também pelos riscos estéticos tomados na produção de cada uma delas, tornando o trabalho não só intenso, mas também muito desafiador.

Disponível no site da Dalpine Valor Médio: R$ 75,00 108 páginas

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EXPOSIÇÃO

O FOTÓGRAFO AGRICULTOR Rodrigo Braga apresenta suas criações fotográficas e audiovisuais e exalta o conceito do fotógrafo agricultor, que aduba e cria suas imagens.

As fotografias e performances de Rodrigo Braga são sempre instigantes. Há um choque entre realidade e fantasia que não deixa 08 o espectador tranquilo. Suas melhores imagens nos incomodam, em uma constante busca sobre como aquilo pode ser, como foi criado e executado. Essa realidade fantástica permeia a obra e relação de Rodrigo com os espaços que ele freqüenta. Suas imagens são precisamente construídas, deslocando elementos nativos e os reinserindo na mesma natureza da qual foram retirados, porém em uma posição completamente nova. Para sua nova exposição, recém inaugurada no SESC Belenzinho, Rodrigo Braga se inspirou no conceito criado pelo artista canadense Jeff Wall: “existe o fotógrafo caçador, aquele que espera o momento certo de clicar uma situação, e existe o fotógrafo agricultor, que constrói a situação a ser fotografada”. A pré-criação da imagem é um dos momentos mais fortes da fotografia de Rodrigo. Suas produção se dá muito antes do clique. Sabendo disso, a exposição Agricultura da Imagem apresenta os cadernos de croquis do artista, com os rascunhos para as fotografias

também apresentadas na mostra. Rodrigo tem uma relação muito forte com a natureza, algo claramente perceptível em sua obra. Em suas vídeo performances essa relação está escancarada, com o contato imediato entre a natureza e o artista, sempre de forma dura e direta. Essa relação se dá pela forte presença da biologia na família de Rodrigo, que tem pais biólogos e que já viveu no Amazonas, em Pernambuco e no Rio de Janeiro. Suas produção está ligada a um período de imersão no bioma representado, unindo ainda mais artista e espaço fotográfico. A mostra no SESC é apresenta pelo ICCo, Instituto de Cultura Contemporânea, e conta com curadoria de Daniel Rangel, que diz que Rodrigo “sempre parece estar buscando imagens que já existem em sua cabeça, em um eterno déjà vu imagético.” Daniel resume muito bem um dos grandes pontos da obra de Rodrigo: o cativante passeio pela mente do artista, cheia de surpresas e criações surreais. Agricultura da Imagem está em cartaz no espaço Galpão do SESC Belenzinho. A mostra segue até o dia 30 de Novembro.


Rodrigo Braga


Celeste Ortiz Autorretratos



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Celeste Ortiz apresenta na OLD uma seleção de autorretratos. Nas imagens ela se transforma em diversos personagens, explorando os mais variados espaços e atmosferas dos ambientes em que fotografa. Celeste, nos conte sobre seu começo na fotografia. Comecei a fotografar quando me deram uma câmera digital compacta. Não sabia nada de fotografia e neste momento não tinha um interesse especial no assunto. Comecei a me autorretratar como uma coisa normal, como todos fazem. Sua fotografia apresenta momentos íntimos. Como você busca os construir? Talvez isso aconteça porque me fotografo, no meu espaço pessoal, mas não é algo que eu tenha buscado, é o que eu consigo fazer. A palavra “intimidade” me remete a algo muito mais oculto e isso não pude mostrar.

A natureza e o corpo têm papéis centrais em suas imagens. Como surgiu este interesse? Ele permeia todo o seu trabalho? Acredito que a natureza esteja presente nas minhas fotos como folhas ou flores com o desejo de representar bosques e paisagens. Não posso sair muito para fotografar, não tanto pelos autorretratos, mas sim por uma questão de segurança, mas é algo que desejo muito. Meu corpo é o que tenho para trabalhar, o que quero mostrar é o mesmo que quero esconder, por isso não penso que minhas fotografias são tão íntimas, isso não vai pelo lado do corpo.


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Minhas fotos nunca são perfeitas. Isso é bom, me lembra de como as coisas realmente são.

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O feminino também está muito presente. Como você buscar trabalhar o corpo feminino em suas imagens?

Porque você escolheu a fotografia analógica para a produção deste ensaio? Como o ruído ajuda na estética das imagens?

Busco o feminino como uma sensibilidade, mais do que simplesmente usar meu corpo de mulher.

Quando comecei a fotografar eu trabalhava com câmeras digitais e muita edição, mas sempre busquei o look da fotografia analógica, assim tive que dar esse passo de me atrever a usar câmeras analógicas e filmes. Gosto do ruído, dos riscos, da poeira nos negativos e das “falhas”. Minhas fotos nunca são perfeitas. Isso é bom, me lembra de como as coisas realmente são.


Massimo Failutti Absentia - Praesentia



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Massimo Failutti traduz a desolação em fotografias. Sua série de densos PBs cria um mundo intenso e triste, em que a solidão é algo que sólido. Massimo, nos conte um pouco da sua história na fotografia Lembro que meu tio Luigi durante as férias de verão pela Itália nos anos 80 levava sempre consigo uma Minolta com uma 50 mm e filme slide. Depois ao longo do ano nos reuníamos em casa para ver a projeção na parede. Passávamos junto um tempinho compartilhando boas lembranças. Era legal. Foi só depois de muitos anos que comprei minha primeira câmera, uma Canon analógica. Precisamente no ano 2003 quando estava morando na Irlanda, em Dublin. Então minhas primeiras experiências fotográficas foram feitas utilizando filme (especialmente PB, mas também cor e slide). Em 2006 quando fui morar em Barcelona fiz um curso de laboratório PB que me ajudou muito a entender o processo para uma correta exposição, revelação do filme e as técnicas de ampliação das cópias

no laboratório. Nunca abandonei a fotografia analógica porém me aproximei da fotografia digital e do uso do photoshop. Estudei fotografia 3 anos no IEFC de Barcelona e fiz as especializações em tratamento digital e em fotografia de moda no IDEP. Agora para meus projetos pessoais utilizo quase sempre câmeras analógicas e filme PB, a Canon dos tempos de Dublin, una Pentax MX, ótima câmera para fotografia de rua, e uma Yashica MAT LM de médio formato com a qual estou retratando a arquitetura urbana da cidade de São Paulo já que agora estou morando no Brasil. Como surgiu o ensaio Absentia - Praesentia? Gosto de fotografar paisagens sem presença humana. Aproveito para explorar novos lugares, ficando sozinho com a minha câmera, sossegado com o silêncio do lugar. Caminho na beira de uma praia no inverno ou num bosque longe da cidade curtindo o momento e tentando refletir nas fotos as sensações de melancolia, que o lugar me evoca.


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quando examino o negativo na mesa de luz é como uma revelação. A maioria das vezes dá certo, com a experiência você erra menos, outras vezes simplesmente não dá.

Você apresenta um mundo vazio, escuro. O que você pretende transmitir com essa abordagem?

Quais as vantagens de se fotografar com filme? Como você chegou a essa opção?

A neblina que tudo envolve, nuvens que ameaçam a chegada da chuva, a estrada vazia vista desde a janela do carro, umas pedras saindo da água do mar. São todos elementos que incorporados na paisagem me geram sensações de solidão, de abandono, de uma inexplicável melancolia que preciso congelar para sempre numa imagem.

A maior vantagem para mim é de tipo emocional. Acho muito legal fazer uma foto e não poder ver ela já na tela como acontece com a câmera digital. Assim você fica pensando se tudo deu certo, se a exposição foi correta, se pegou aquela pessoa passando no lugar certo para dar equilíbrio à foto, se o prédio do fundo terá esse pontinho de luz que dará vida nele. Eu fico pensando nisso por dias até entrar no laboratório e revelar o filme. é uma espera bem legal, um misto de adrenalina e tensão. E quando examino o negativo na mesa de luz é como uma revelação. A maioria das vezes dá certo, com a experiência você erra menos, outras vezes simplesmente não dá. O processo completo, do princípio até o final está nas suas mãos e nas suas decisões. Não interfere nenhum computador, técnico de laboratório ou impressora. Enfim, um pouco como um artesão que cria sua própria peça.

Sinto um pouco de road trip na construção do ensaio. Essa sensação de deslocamento é importante para o seu trabalho? Curtir a viagem e não a chegada. A idéia não era limitar o ensaio a um lugar especifico. Como viajo bastante, aproveito e junto os prazeres de viajar e de fotografar. Qualquer lugar é bom para ser retratado quando ele me transmite as sensações que estou procurando e segue a linha visual da série.

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Thiago Albuquerque Briga de Galo



Thiago Albuquerque explora em suas fotografias algo tão tradicional como proibido: as brigas de galo. Suas imagens acrescentam tensão ao assunto tão controverso, criando um ensaio poderoso. Thiago, nos conte sobre seu começo na fotografia. 48

Só depois de muito tempo imerso nesse universo percebi que a fotografia sempre fez parte da minha vida. No início era uma fuga constante de qualquer câmera apontada na minha direção – o que resultou em um escasso registro da minha infância e adolescência – Depois foi com o rápido convívio com um tio fotógrafo. Porém foi na minha passagem pela faculdade de publicidade que fui totalmente seduzido pela fotografia analógica e a alquimia do laboratório, desde 2002 sou um adepto fervoroso dessa prática de tentar captar a realidade através de imagens. Como surgiu o ensaio Briga de Galos? Esse ensaio surgiu de maneira acidental. Eu estava no meio de uma viagem inconsequente para o interior do Peru onde acabei ficando hospedado na casa da família de conhecidos em Vila Rica. A rinha de galos é parte da cultura local e lá fui levado como visitante para conhecer uma dessas brigas. Confesso que infelizmente me surpreendi com a estrutura que existe em torno dessa atividade.

Nunca poderia imaginar que fosse um evento rotineiro que envolvesse tamanha seriedade das pessoas que criam e apostam nessa atividade violenta e mesmo a triste participação de marcas Peruanas famosas usando estabelecimentos como esse para fazer propaganda de seus produtos. Como você buscou equilibrar documental, fotojornalismo e autoral em suas imagens? Você vê grandes distinções entre os estilos fotográficos de cada linha de produção? Acredito que toda e qualquer forma de expressão é baseada em influências anteriores. Somos sempre reféns das nossas referências e dos valores que nos acompanham desde a mais tenra idade. Existe com certeza inúmeras diferenças em cada linha de produção fotográfica, não necessariamente no estilo mas, ao meu ver, na intenção. Toda e qualquer fotografia é em sua essência autoral e documental, a grande diferença é o que o autor em questão quer transmitir e informar com aquele recorte da realidade escolhido. O fotojornalismo acima de todas as questões, possui um comprometimento com a verdade, deve ter como principal fio condutor a mínima interferência do observador (se é que isso é possível) visando contar uma história através de fatos. Diante disso não tenho a intenção de equilibrar essas linguagens, apenas tento transmitir através das imagens que escolho capturar, fragmentos das minhas experiências de vida.


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Talvez para minha experiência as imagens não façam justiça à violência que eu presenciei mas fico satisfeito em saber que alimentem esse tipo de questionamento.

Para você esse ensaio serve como registro, como denúncia ou como uma visão pessoal sobre um tema?

Você acha que uma imagem potencializa a sensação de violência do tema que ela apresenta?

O ensaio é um registro do que vivenciei, sendo assim uma visão pessoal, porém que não transmite necessariamente a minha opinião sobre o tema. Fui levado para assistir uma apresentação de violência que de modo algum concordo ou compactuo. Tentei mostrar as coisas como elas ocorreram de fato, sem distorcer ou manipular. É interessante pensar que o caráter de denúncia está intimamente relacionado com o observador e da cultura na qual ele está inserido. Aqui no Brasil como essa atividade é ilegal essas fotografias podem ser vistas como uma denúncia aos maus tratos sofridos por animais no Peru, porém com certeza em Vila Rica onde esse ensaio foi feito, essas imagens teriam uma interpretação totalmente diferente. Pessoalmente sou contra toda e qualquer violência contra animais e vejo que o Brasil já evoluiu muito nesse sentido. Se essas imagens alcançarem um número maior de pessoas e servirem como um combustível para questionamentos em prol da defesa de animais na América Latina eu terei o sentimento de dever cumprido.

Acredito que uma imagem apresenta a sensação da violência que existiu. Talvez sensibilize por limitar o olhar e a análise para um fragmento de tempo que muitas vezes passaria despercebido no calor de algumas situações. A prática fotográfica treina nosso olhar para buscar esses momentos impactantes e tentar organizá-los dentro de um espaço limitado fazendo com que o olhar do observador de alguma maneira encontre o que vimos. Não acredito que a fotografia potencializa, porém ela direciona e define uma direção para o olhar do observador, alimentando a curiosidade e imaginação e nesse aspecto reside um poder imenso e revolucionário. Eu que tive que convencer os apostadores a entrar no espaço reservado à briga dos animais para registar de perto pois só tinha uma lente 35mm e queria me aproximar o máximo possível, ainda lembro do cheiro de sangue, do barulho dos apostadores e ruídos das aves. Talvez para minha experiência as imagens não façam justiça à violência que eu presenciei mas fico satisfeito em saber que alimentem esse tipo de questionamento.

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OLD ENT

MARTIN


TREVISTA

KOLLAR


O trabalho de Martin Kollar é incrível. O fotógrafo eslovaco sabe transformar a realidade em algo ainda mais pertubador e fantástico. Seu trabalho já recebeu diversos prêmios entre eles o Oskar Barnack Award. Seu trabalho mais recente, Field Trip, é uma das mais originais representações de Israel na fotografia. Martin, você pode nos contar sobre o seu começo na fotografia?

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Até a minha adolescência eu nunca tinha fotografado, mas eu já sabia que seria um fotógrafo. Nos anos noventa, com o colapso do comunismo e um grande número de mudanças, ficou mais fácil estudar arte no meu país. Neste período vários amigos começaram a estudar cinema e eles sempre me diziam para fazer o mesmo. Eu comecei a estudar na escola de cinema, no departamento de câmera e este foi o melhor acidente que poderei ter acontecido comigo. Eu trabalhei como diretor de fotografia durante boa parte da década de noventa e, depois disso, estava na hora de virar fotógrafo. Eu comecei a trabalhar como fotógrafo mais velho, com quase trinta, mas eu já tinha treinamento em uma área bastante similar. Você trabalha como fotógrafo e como diretor de fotografia. Como o cinema influência o seu trabalho? É uma influência forte. Uma das coisas mais legais do cinema é o trabalho coletivo. Você tem que desenvolver certas habilidades que nem passariam pela sua cabeça enquanto fotógrafo. Tenho muitos amigos que trabalham com cinema e eles sempre me ajudam na edição dos meus trabalhos, a escrever propostas, eles são sempre as primeiras pessoas com quem eu falo. Também acho que esta troca é interessante para eles. Se não fosse por ela eles nunca teriam um contato tão profundo com a fotografia e você sempre pode pegar inspirações entre uma área e outra. Quais são os desafios na produção de um fotolivro?

Existem duas linhas paralelas: estou aprendendo como fazê-los e como conversar com editores e publishers e a ficar cada vez menos surpreso durante o processo de comunicação e produção. A segunda coisa é o crescimento e as mudanças na produção de fotolivros nos últimos anos. Muita coisa mudou desde a minha primeira publicação em 2008. O processo de publicação dos meus dois primeiros livros foi muito difícil por uma série de razões. Eu até estava com medo de passar por tudo aquilo mais uma vez, mas o começo do trabalho com o Michael Mack, da MACK Books, me ajudou muito. Todo o processo de produção de Field Trip foi tranquilo, foi quase um sonho. Eu estava preparado para o pior, mas tudo correu de uma maneira muito tranquila. Posso dizer que tudo mudou de um livro para o outro, do ponto de vista tecnológico, da experiência de trabalho, cada um deles foi único. Posso dizer que tenho três filhos, cada um diferente do outro. Meu primeiro livro, Nothing Special, foi publicado pelo braço fotográfico da Actes Sud, uma grande editora europeia. O principal interesse deles não é fotografia, eu tinha a estrutura para trabalhar, mas o livro não era o foco principal da editora. O segundo, Cahier, foi praticamente independente, foi mais difícil de financiar e de produzir. Com Field Trip tudo foi diferente. O foco principal de Michael e da MACK é a produção de fotolivros, então ele sabe muito bem como conduzir todo o processo. Como começou sua parceria com a editora MACK? Como eles ajudam na produção e distribuicação do seu trabalho? Field Trip faz parte do projeto This Place, curado por Frédéric Brenner. Este projeto praticamente caiu no meu colo, quase que vindo dos céus! Durante a produção Michael disse que estava interessado em publicar os trabalhos dos dozes fotógrafos envolvidos no projeto. O processo foi super eficiente. Nos encontramos em meu estúdio e tivemos a primeira conversa sobre como eu pensava o livro e como poderíamos fazê-lo. Nós começamos a trabalhar na seleção final das imagens, mas foi quase impossível chegar em um


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consenso. Depois disso eu fui para Londres algumas vezes para continuar o processo, mas afinal decidimos que seria melhor se eu ficasse encarregado de fazer a seleção final. Isso foi de uma liberdade muito interessante. Conversei com amigos, editores e diretores e aos poucos cheguei em um boneco, que levei de volta para a MACK.Depois disso foram somente alguns ajustes e já começamos a trabalhar na produção do livro. Foi super simples. A impressão foi feita em uma ótima gráfica alemã na qual pude fazer uma série de ajustes que nunca tive a chance de fazer antes. O livro foi lançado na New York Art Book Fair do ano passado e seu sei que ele tem circulado bastante. Sei que a MACK tem uma série de estratégias para tornar esse processo o mais eficiente possível. Quando você trabalha com algo por vinte anos você acaba desenvolvendo uma série de habilidades e segredos na sua produção. Quais foram as estratégias visuais que você adotou para fugir do óbvio em uma zona de conflito e trazer um novo olhar sobre Israel? Antes de começar a trabalhar em Field Trip eu já tinha ido à Israel. Então eu já estava relativamente preparado em relação ao que eu podia esperar de lá. Eu estava em uma posição muito privilegiada, com um bom orçamento para produzir meu trabalho, então decidi ficar lá o máximo de tempo possível. Nos primeiros meses eu atuei praticamente como um pesquisador, olhando ao redor, tentando entender o que estava acontecendo. Eu não tinha uma ideia definida do que eu queria fazer em Israel. Eu sabia que não queria lidar com o conflito de uma maneira óbvia. Passei o começo do meu tempo lá tentando entender o que seria interessante para mim, o que eu gostaria de produzir lá. Eu decidi que não iria trabalhar com os dois lados do conflito. Decidi manter o foco em Israel porque achei o lado mais complexo e mais próximo da minha cultura. Gosto de trabalhar em lugares que eu consiga entender minimamente o que está

acontecendo. Também sabia que não queria lidar com a história e as conseqüências da segunda guerra mundial. Conversei com muitas pessoas e percebi um foco no futuro. Achei interessante investigar como o futuro estava sendo visualizado em Israel. Comecei a seguir pesquisas, construções e outras coisas responsáveis por moldar o futuro. Não queria ser dogmático, também queria que o cotidiano estivesse presente. Eu queria mostrar uma realidade estranha, que poderia ser uma mistura entre presente e futuro. Também foi bom saber que o projeto seria apresentado como um livro porque já pude trabalhar pensando em sua estrutura desde o início. O livro que você pode ver hoje não é tão diferente do que eu imaginei no início do trabalho em Israel. Produzi as imagens de Field Trip entre 2009 e 2011, em um período muito pacífico em Israel, algo incomparável ao que está acontecendo hoje na região. Essa tranqüilidade foi o que fez o trabalho ser possível. É algo realmente raro poder trabalhar por tanto tempo na região e fazer o que você quiser, sem a pressão de um conflito presente. Para você, quais são os desafios para um fotógrafo documental contemporâneo? A vida já é um desafio! Acordar todos os dias com força e disposição para continuar nossa jornada já é um desafio e além de tudo ainda temos que fotografar! Todos dizem que estamos em uma época difícil para a fotografia, mas eu não penso assim. Eu acho que estamos no melhor momento possível para o meio por uma série de razões. Não estou falando do modelo econômico, mas sim das possibilidades artísticas. Estamos produzindo muito, mas só alguns trabalhos ficarão como destaques. No final das contas nós sempre encontramos os grandes projetos, não sei porque as pessoas reclamam tanto. Nós temos a chance de ver um número enorme de belas fotografias, todos podem fotografar. Com essa produção maior as pessoas estão começando a entender a fotografia melhor. Eu acho tudo isso perfeito.

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GĂŠssica Hage Dust



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Em Dust, Géssica Hage apresenta uma relação profunda entre corpo e espaço. Suas imagens são ao mesmo tempo fortes e delicadas. Suas personagens parecem se descobrir a cada clique, ficando cada vez mais seguras e complexas. Géssica, nos conte sobre seu começo na fotografia. Eu não sei dizer muito bem quando eu realmente comecei a fotografar. Acho que foi mais um processo do que um dia específico. Desde nova eu me interessava por fotografia, lia blogs e sites de fotografia. Quando ganhei minha primeira câmera, uma dessas cybershots antigas, não parei mais. A câmera tinha muitas limitações, mas eu conseguia dar um jeito de ficar do jeito que eu queria. Depois consegui juntar dinheiro e comprar uma DSLR, ela virou meu vício. Meu início foi muito experimental, eu não estudava muito sobre isso na adolescência, via umas dicas ou outras, mas com a prática, fui percebendo como a luz ficava melhor, qual ângulo, qual composição. Como eu morava num sítio, comecei pelo óbvio, tirava fotos de flores, detalhes, árvores qualquer coisa que me interessava. Depois, comecei a tirar muitos autorretratos. Essa época foi muito importante pra mim. Como eu era meu personagem principal, consegui aprender

quais ângulos do meu rosto eram melhores, em qual posição eu deveria ficar, como arrumar um jeito de focar manualmente. Isso me ajudou na minha fotografia de hoje, em perceber cada pessoa que fotografo, e como a luz fica melhor no rosto de cada um. Quando entrei na faculdade de Design, tive aulas de fotografia analógica, e isso me incentivou a querer aprender mais, a querer fotografar outras pessoas. Acho que a partir daí, pode-se dizer que comecei mesmo no estilo de fotografia que sigo hoje. Eu sempre fotografei para mim, por prazer, comecei a divulgar mesmo o meu trabalho no final de 2013. Como surgiu o conceito do ensaio Dust? Diferente da maioria dos ensaios que já fiz, esse tema surgiu a partir do local. A Gabriela (modelo) descobriu esse lugar incrível e me mostrou. Foi aí que tudo começou. Assim que fui lá pela primeira vez, me deslumbrei com a imensidão do lugar. Mas ao mesmo tempo em que era imenso, possuía uma forte sensação de solidão e abandono. Assim, tentamos transmitir através da modelo, as sensações que aquele lugar nos passava. Como se ela representasse os sentimentos que o prédio possuiria caso fosse humano. Sozinho, abandonado e impressionante.


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a relação do corpo com a luz é algo muito fascinante, tento explorar isso ao máximo.

Como você buscou construir a relação entre personagem e espaço nas fotografias? Tentei fazer como se ela já estivesse lá há tanto tempo que se tornou parte do prédio, como se ela estivesse presa lá, mas por escolha própria. Trabalhando com luzes, expressões e composições para chegar ao resultado final. A iluminação de lá é muito bonita e é algo que se percebe assim que se entra, então tentei trabalhar o máximo a iluminação natural do prédio em conjunto com o corpo da modelo. Seu trabalho tem uma relação forte com o feminino, com o corpo. Qual o seu interesse no tema? Como você gosta de trabalhar essas questões na sua fotografia? Nosso corpo é muito diferente um do outro, cada um funciona de um jeito na fotografia, e acho que a relação do corpo com a luz é algo muito fascinante, tento explorar isso ao máximo. Meu interesse no feminino começou involuntariamente, com meus autorretratos. Eu achei impressionante como pude aprender sobre meu corpo tirando fotos minhas. Então comecei a me desafiar a descobrir os melhores detalhes de outras mulheres. O corpo feminino é muito delicado e com muitas particularidades. Acho que ainda

tenho muito a explorar antes de pensar em fotografar homens, o que é algo que eu não excluo, mas ainda não penso em fazer agora. Muitas vezes penso num tema antes e depois fico procurando a modelo perfeita para aquele tema. Cada modelo tem um detalhe que me chama a atenção, procuro focar nessas diferenças de cada uma, para que cada ensaio seja único, com a cara daquela pessoa. Quais os desafios de se criar uma narrativa fotográfica com um personagem restrito a somente um espaço? Acho que se restringir a somente um espaço tem vantagens e desvantagens. Acredito que isso fortalece o tema do ensaio, faz com que as fotos se conectem e contem uma história. Existem espaços que me dão muitas possibilidades, como é o caso do Dust. O local tinha muita personalidade e era muito grande, então isso me ajudou a criar e ter ideias durante o ensaio. Nesse caso o local me ajudou a criar a linguagem das imagens. Quando o local é muito restrito, com poucas possibilidades, procuro dar toda a atenção a modelo, como se o local fosse somente mais um acessório. Foco muito nas expressões, para que o ensaio não fique muito repetitivo. Apesar de qualquer dificuldade, temos que ter a capacidade de tentar aproveitar o máximo que aquele local nos oferece, afinal as dificuldades nos ajudam a melhorar.

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Luciano Spinelli Metr么 de Moscou



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Luciano Spinelli apresenta na OLD um passeio pelos metrôs de Moscou, com uma série de imagens em PB em que o ritmo e o grafismo se destacam. Luciano, como você começou a se interessar por fotografia? Me envolvi com uma Praktica. Comecei a revelar preto e branco em casa. Descobri resultados do acaso objetivo. Foi no final da década de 90. Quais foram os desafios de criar um ensaio em um espaço restrito, como o metrô? Acho que o maior desafio foi os seguranças vestidos de soldado no metrô de Moscou, onde teoricamente é proibido fotografar. Aprendi algumas palavras em russo para conseguir explicar que eu era apenas um turista. Reforcei a presença da inofensiva, talvez ultrapassada, câmera analógica. Saí dali com três rolos de T-Max 400.

Como você buscou trabalhar os elementos arquitetônicos do metrô em suas imagens? São esses elementos que estruturam minha percepção do espaço, criando perspectiva e ponto de fuga. A gradual construção do metrô no decorrer de décadas também dá exemplos da evolução arquitetônica de uma cidade. Ele é um espaço gráfico, dotado de uma sinalética internacional homogeneizante que tem por objetivo facilitar o ir e vir dos viajantes. Gosto de entrepor estes índices arquitetônicos ao ritmo maquinal e pouco humanizado que reina nesse espaço.


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Eles dão movimento à narrativa, apresentam a personificação de um habitante genérico de uma metrópole contemporânea que poderia ser você.

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E quanto aos personagens? Como você buscou inseri-los na narrativa? Eles estavam lá. Entrando e saindo, assim como os trens na estação. Eles dão movimento à narrativa, apresentam a personificação de um habitante genérico de uma metrópole contemporânea que poderia ser você.

O metrô é um lugar de passagem, de pressa. Como você buscou trabalhar isso nas suas imagens ao construir um ensaio de fôlego sobre o tema? Me deixei empurrar pelas pessoas, levar pelos metrôs. Sair em uma estação qualquer e entrar em outro trem. As bifurcações entre dois corredores, mais do que uma dúvida, se tornaram um campo de possibilidades para uma cartografia não exaustiva do subsolo. Recentemente juntei fotos feitas nos mais diferentes metrôs e a leitura me pareceu linear, com uma forma coesa que não diferenciava mais cidades ou países, como se pudéssemos atravessar continentes dentro desses trens.


REFLEXÕES

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Inspirado pelas fotos de Vivian Mayer, pelo texto de Vilém Flusser e pela Rolleiflex 2.8F que uso para fotografar escrevi estas linhas. Ouvimos e lemos que é o fotógrafo que faz as fotos e não o aparelho. Isto nunca me convenceu totalmente.


COLUNA

O APARELHO

Inspirado pelas fotos de Vivian Mayer, pelo texto de Vilém Flusser e pela Rolleiflex 2.8F que uso para fotografar escrevi estas linhas. Ouvimos e lemos que é o fotógrafo que faz as fotos e não o aparelho. Isto nunca me convenceu totalmente. Para Flusser aparelho fotográfico é brinquedo e não instrumento. É pós-industrial portanto não produz nada, apenas programa comportamentos. Pois é, e durma-se com um barulho desses. Todos aqueles fotógrafos que admiramos usam aparelhos que também admiramos. Cada um de nós, quando vai fotografar, estabelece uma relação com o meio que permite a realização da imagem. Às vezes dizemos que o aparelho não importa porque o importante é o conceito ou a relação com os fotografados, ou seja, esvaziamos o lugar do aparelho. Às vezes dizemos que o peso é muito grande, que chama muito a atenção, o contraste produzido pela lente não é do nosso gosto enfim, atribuímos ao aparelho uma importância maior, ampliamos o lugar ocupado por ele. As maneiras de construirmos um diálogo com aquilo que nos ajuda a produzir imagens são infinitas. No meu caso, a relação que estabeleço com a coisa, com o gesto de fotografar, passa pela alma do aparelho. Faço fotos que resultam de uma relação que busca a intimidade com o aparelho e com o entorno. O tempo de disparo, o coating da lente, o peso, o som do disparo, o cheiro do estojo, todas essas sensações me contam uma história que me leva a buscar um determinado tipo de imagem e não outro. Um satori, como dizia Sergio Larrain. Um brinquedo que me permite construir uma ponte sobre o rio caudaloso do tempo que passa arrastando as infinitas cenas do mundo visível. Essa ponte me permite a conexão entre as minhas

percepções e a do outro, as emoções do outro e as minhas, conecta as duas margens desse rio. Afinal, as margens é que dão sentido e significado para os rios. Fotografar, então, transforma-se em uma dança dialógica, uma brincadeira, que ajuda a dar sentidos e significados para a própria existência, minha, do outro e daquele rio ali atrás no tempo deste texto. O aparelho é o meu brinquedo de fazer fotos, diálogos, construir pontes. É muito importante, ora pois. Mas, o que é essa ponte? Ela talvez seja a metáfora da minha 99 fotografia e do aparelho, o mágico e o real, o arco e as pedras da ponte. E aqui onde chegamos já não consigo mais escapar de Italo Calvino e suas cidades invisíveis... Lá, Marco Polo, o viajante; Kublai Khan, o imperador. O diálogo entre eles relembrado por mim, aqui. O viajante descreve a imagem da ponte pedra a pedra. O imperador pergunta qual é a pedra mais importante - afinal imperadores não têm tempo a perder com pedras desimportantes - aquela que sustenta a ponte. O viajante responde que não existe a pedra mais importante porque todas o são. E como bom viajante, que aprendeu a aprender com o sonho e com o tempo, afirma que o que sustenta tudo isso é o arco que as pedras formam ao estarem unidas em ponte. O imperador se impacienta, como acontece, às vezes, com os imperadores. As pedras não importam, então?! O arco é que é o fundamental?! O viajante o tranquiliza: sem as pedras não existe arco Angelo José da Silva é professor de sociologia na Universidade Federal do Paraná e fotógrafo. Suas pesquisas mais recentes focam o espaço urbano e o grafite.




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Benoit Fournier


Collection of (National Media Museum (photographer unknown)


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