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LILLA UNIVERSO LÉSBICO | N. 1 | dezembro 2017

Chell

E A MÚSICA

a cantora e instrumentista fala sobre o lançamento de seu primeiro EP e clipe

PERFIL Feminismo e representatividade pelas lentes de Mariana Smânia

COTIDIANO Rejeição familiar: mais um obstáculo na vida dos homossexuais


Índice 17 MÚSICA Poesia na voz delas: Laura Pergolizzi e Ana Muller

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ENTREVISTA Chell, do canal ChellandMar, fala sobre a carreira na música

10 FILMES E TV Amor entre elas: Pariah e O Perfume da Memória

REPORTAGEM A invisilibilidade das lésbicas na terceira idade

4 COTIDIANO Rejeição familiar: mais um obstáculo na vida dos homossexuais

19 LILLA INDICA O livro Amora e o canal

Louie Ponto

6 PERFIL Feminismo e representatividade pelas lentes de Mariana Smânia

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Editorial

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scolher a temática lésbica como foco de uma revista inteira e como público alvo é algo empolgante e desafiador ao mesmo tempo. Empolgante porque me proporcionou pesquisar, entender e conversar com mulheres incríveis que tem muitas coisas pra contar. Poder escrever sobre elas eaprender enquanto isso é muito legal e rico. Desafiador porque é um tema e um público invisibilizado que não é levado a sério. Pesquisando sobre possíveis assuntos para revista era comum encontrar conteúdo pornográfico ou sexual. A maioria das discussões acontecem em grupos fechados ou em alguns poucos sites e canais sobre o tema. Mas parece que ainda falta espaço para que as lésbicas se mostrem presentes e representadas. A intensão dsta publicação não é excluir mulheres não lésbicas ou as outras letras da sigla LGBT. É somente ser um espaço pra tratar unicamente desse tema, assim como tantos outros existentes sobre variados assuntos. Inclusive, exclusivas para homens gays e mulheres (pressupõe-se héteros). Este é só mais um espaço para reforçar e empoderá-las. Lésbicas existem

e é importante mostrar isso e criar uma representatividade para que nenhuma se sinta excluída ou estranha por sua orientação sexual. Espero conseguir nessas poucas páginas mostrar como é importante falar sobre o universo lésbico. É importante que elas tenham um espaço em que possam ter visibilidade e discutir temas importantes, além de mostrarem seu trabalho e ter outras mulheres para se inspirarem. E que a Lilla (lilás em italiano. Por quê? Não sei) consiga ser mais um espaço pra elas - guardadas as devidas proporções, como: essa revista não será divulgada e as pautas tiveram pouco tempo para apuração.

Ana Ritti editora

ana.ritti@ gmail.com

Expediente

REVISTA LILLA Dezembro 2017 Editora, textos, projeto gráfico e diagramação: Ana Caroliny Ritti Fotos: Nathália Mendes, Mariana Smânia, Sarah Diniz Outeiro e Amanda Gracioli. Esse trabalho é experimental, sem fins lucrativos e de caráter puramente acadêmico, desenvolvido peloa acadêmica Ana Caroliny Ritti como exercício de projeto gráfico-editorial para a disciplina de Laboratório em Produção Gráfica do curso de Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) no semestre 2017-2. Não será distribuído, tampouco comercializado.

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COTIDIANO

Rejeição familiar

mais um obstáculo na vida dos homossexuais

Entre medos e incertezas, sair do armário é uma situação complicada para grande parte do público LGBT. 37% dos brasileiros não aceitariam um filho ou filha homossexuais, segundo pesquisa de 2013 do Instituto Data Popular. 4 | DEZ 2017 | N. 1 |

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Foto: Pexels’

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odo homossexual, que aceita sua sexualidade, em algum momento da vida passa pelo constrangimento de ter que se assumir para amigos e familiares. As reações são imprevisíveis e entre pais que aceitam e pais que toleram há também os que rejeitam os filhos. Quando a mãe da Luciana Alves, 25, soube que a filha era lésbica ela aceitou mas na convivência foi mostrando rejeições e em um determinado dia expulsou a filha de casa. “Eu sabia que tinha a ver um pouco com o fato do alcoolismo. Porém ela nunca tinha chegado ao ponto de dizer sai da minha casa. Eu nunca esperei reação negativa porque ela sempre conviveu com gays e lésbicas, tinha gente na família e ela sempre tratava muito bem.” conta Alves. Ser rejeitado por ser homossexual é o medo de 57% dos internautas, gays e lésbicas, ouvidos pelo Ibope, em pesquisa de 2013. Desses, 14% tem medo de serem expulsos de casa. Entre as inúmeras questões que podem levar a família a rejeitar uma filha homossexual está a aceitação perante a sociedade, expectativas frustradas e homofobia. No grupo no facebook Odisseia de Morar Sozinho membros que sofreram homofobia em casa contaram que foram expulsos de casa ou optaram por sair pela falta de respeito ou violências. “Não fui expulsa. Minha mãe prefere não tocar no assunto, nunca aceitou o fato, acho que ela ainda sonha em me ver casada com um homem.” conta uma participante do grupo. A maioria dos relatos demonstram que sair do ambiente tóxico é bom mas as dificuldades financeiras acabam pesando. Por esse mesmo motivo, muito adiam a saída ou contam com a ajuda de amigos ou outros familiares. Muitos gays e lésbicas não se aceitam e não se entendem, por preconceitos enraizados, na criação e ambientes que frequentam, e falta de representatividade, onde podem enxergar que ser gay/lés-

“quando minha mãe bebia ela era agressiva demais e falava que eu era uma vergonha pra familia” bica também é normal. Somar essa auto-rejeição com a rejeição da família pode ter sérias consequências. Adolescentes LGBTs estão cinco vezes mais propensos a tentativas de suicídio do que adolescentes héteros, segundo estudo da Universidade Columbia. No Brasil, a realidade não é diferente. Um estudo de 2013 da Universidade Federal de Alagoas (UFAL) revela que, entre um grupo de homossexuais e bissexuais, de 12 a 60 anos, 49% dos entrevistados disse ter desejado não viver mais. Desses, 15% teriam coragem de tirar a própria vida e 10% já teve vontade ou tentou o suícidio. As pesquisas apontam que entre os inúmeros fatores que podem levar uma pessoa LGBT a esse ato, estão: o preconceito, a indiferença, a falta de apoio espiritual e influência do ambiente que vivem. Entender que a orientação sexual não é uma escolha ou uma moda é um problema frequente. Recentemente, uma liminar da justiça permitiu que a homossexualidade fosse tratada como doença, mesmo tendo saído da lista de doenças da ONU em 1990. A ideia de que terapias de “reversão sexual” podem mudar a sexualidade de alguém é uma forma de agressão e desrespeito. A procura por esses tratamentos geralmente não vem do homossexual querendo mudar sua orientação mas de familiares, como conta a psicóloga Marisa de Abreu, no canal Psicólogos em São Paulo no Youtube. “Ele (homossexual) pode ser acolhido em psicoterapias caso tenha outras questões para serem tratadas. Como por exemplo: a sua dificuldade de se colocar, se expressar, de se relacionar com outras pessoas, de se relacionar com a dificuldade das outras pessoas” afirma Abreu, que completa aconselhando que familiares que não aceitam a orientação sexual alheia podem ser acolhidos nas psicoterapias para trabalhar essa dificuldade e a necessidade de mudar o outro. LILLA | N. 1 | DEZ 2017 | 5


PERFIL

Montagem com duas Marianas. “Eu comigo retratando a minha improdutiva atrapalhando minha produtividade”.

FEMINISMO E REPRESENTATIVIDADE

pelas lentes de Mariana Smânia

A fotógrafa e jornalista, de 23 anos, fala da importância em se declarar lésbica e sobre seu fotolivro, que retrata os pêlos no corpo feminino.

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“Ser mulher no mercado de trabalho é você se auto sabotar o tempo todo e é muito perigoso isso.”

criciumense radicada em Florianópolis é uma pessoa divertida e “sem esforço para condutas adultas”. Ela diz que pode não passar uma imagem profissional, mas não pretende mudar seu jeito pois, afirma que sua espontaneidade lhe ajuda a criar um ambiente confortável e de interação com as pessoas fotografadas. O que Mariana mais gosta em seu trabalho é poder registrar emoções e sentimentos, que vão mudando conforme as fotos vão sendo revisitadas ao longo do tempo. Como lésbica, se entendeu e se assumiu na época da faculdade. Para ela é importante reafirmar sua sexualidade como forma de resistência e representatividade. Numa tarde de terça-feira, na Universidade Federal de Santa Catarina, a artista pede um açaí, conforta a repórter tímida e conta sobre sua vida e trabalho. Ela não lembra bem quando começou a se interessar pela fotografia. Supõe que foi pelos 14 anos, quando conseguiu de primeira captar as amigas pulando, imitando a cena do cartaz do filme High School Musical. Elas ficaram surpresas com o resultado. Com uma câmera digital continuou com o hobbie, praticando e fazendo fotos que a incentivaram a seguir nesse caminho. O estudo na área veio com a faculdade de Jornalismo, onde teve disciplinas voltadas à fotogra-

fia e ao fotojornalismo. Na mesma época, começou a fotografar eventos de amigos e de uma loja, o que ela considera sua primeira experiência como profissional. Apesar de já fazer trabalhos na área, se autodenominar profissional não foi fácil. “Ser mulher no mercado de trabalho é você se auto sabotar o tempo todo e é muito perigoso isso. As pessoas consideravam aquilo [a fotografia] um trabalho, as pessoas me consideravam fotógrafa, mas eu não conseguia. E aí, era o tempo todo assim e eu via constantemente meu trabalho sendo colocado pra trás pra trabalhos de homens que eu não considerava que fotografavam melhor que eu”, conta a fotógrafa. A falta de representatividade de mulheres na fotografia foi importante para Mariana se definir como fotógrafa, mas também foi um dos fatores que dificultou o processo de criação do seu trabalho de conclusão de curso, o fotolivro “Pelos Pelos Por Elas: a fotografia como forma de militância”, que entre fotos e textos

Chaveiro escrito “Keyring”. Homenagem à uma amiga, quando a fotografia era um hobbie.

Balada Lez Girls Party, para lésbicas. Primeira experiência fotografando baladas.

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como uma base - se mudou para Inglaterra, no mesmo período do projeto. Além disso, ela desenvolveu crises de ansiedade e em uma delas, indo pra banca de aprovação do seu trabalho, percebeu que precisava de um respiro e depois de apresentar o projeto, viajou para Londres com a certeza de que estar com a amiga, que é a segunda pessoa nos agradecimentos do TCC, traria equilíbrio e calma no processo difícil.

Na volta, o trabalho começou a ser executado e, como lésbica, a fotógrafa acredita que retratar os corpos femininos aconteceu com uma visão diferente do tradicional, que mostra mulheres fragilizadas ou sensualizadas. “A gente [lésbicas] ama mulheres, a gente não gosta de mulheres como homens, a gente ama mulheres porque a gente ama mulheres. A partir do momento que você tem uma visão diferente sobre o corpo de outras mulheres você faz isso [as fotos] organicamente”, explica. Smânia ainda conta que teve dificuldade em ter segurança e aceitar que não estava sendo egóica ou “se achando o máximo” ao falar do seu trabalho. E ser mulher, lésbica e artista ainda exige muitos questionamentos. Durante o processo ela era perguntada sobre o porquê de não falar também de homens que se depilam ou o que tinha de jornalístico no tema. Tanto que ela descreve o processo de criação como doloroso e “desvio da sanidade mental” e que chegou a ser vencida pelo cansaço em alguns momentos. Com o trabalho concluído, e avaliado com a nota máxima, ela diz que que se afastou do projeto e só conseguiu falar de novo sobre ele na semana anterior à entrevista, quando fez uma palestra em um evento de design.

A melhor amiga, Amanda, em Brighton no último dia juntas na Inglaterra.

No aniversário de 90 anos da avó em Morro Grande Santa Catarina.

retrata os pêlos no corpo feminino. Ela explica: “eu tava fazendo [o TCC] sobre o corpo feminino e a única pessoa que tinha pra me orientar era um cara, um fotógrafo. Foi aí que eu comecei a ver, onde está a mulher na fotografia? Que representatividade a mulher tem na fotografia? Você vai pra pesquisa, quais os maiores nomes da fotografia? homens”. Mas esse não foi o único perrengue do TCC, Smânia conta que ficou em “colapso emocional e apática a tudo” quando a melhor amiga, Amanda - a quem ela se refere

“A gente (lésbicas) ama mulheres, a gente não gosta de mulheres como homens.”

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Mariana pelos olhos de Amanda. “Feliz e realizada descobrindo muitas coisas sobre mim mesma”. Em Londres, Inglaterra.

A fotografia é uma paixão que ela diz ter o privilégio de ter como trabalho, mas durante um período deste ano ela pensou em desistir por conta de uma depressão. “Eu não sei onde eu tava, eu me enfiei num buraco. Eu sei que aconteceu porque minha carreira continuou mas eu não estava ali”, relata. As amigas, que são sua rede de apoio, foram importantes nesse período dando apoio que ela precisava. Esse período também serviu para que ela reformulasse a carreira e isso começou com a consciência do seu espaço e de que é necessário lutar por ele. “Nós, como mulheres e lésbicas, temos que fazer isso [lutar pelo seu espaço] quase que o tempo todo. No mercado de trabalho ainda mais porque a gente sempre vai ser sabotada, quando não é pela gente é pelas outras pessoas”, conclui.

Mesmo com os problemas ao longo da vida pessoal e profissional ela conta que tem planos para projetos fotográficos pessoais. Um deles é o que ela tira uma foto todo dia de algo que fez. Começou em seu aniversário, dia 20 de outubro, e vai até o próximo ano, na mesma data. “Caracteriza o que eu fiz. Depois de um ano eu posso não lembrar, mas eu tenho uma prova de que eu tava ali, eu tava viva, eu tava fazendo alguma coisa”. Pode parecer simples, mas é justamente na simplicidade que suas fotografias se mostram encantadoras e cumprem a missão de registrar emoções e sentimentos. Como falou sua avó quando pediu que ela fotografasse seu aniversário de 90 anos: “existem vários fotógrafos por aí, mas nenhum tem a delicadeza e a sensibilidade da Mariana”.

Simetria no corredor do metrô em Londres.

Primeiro ensaio com estrutura de ensaio. Em Florianópolis, Santa Catarina.

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FILMES E TV

Cena do filme americano Pariah (2011) com a personagem principal, Alike. Foto: Divulgação

AMOR ENTRE ELAS

Pariah e O Perfume da Memória Os filmes desta edição falam de descobertas. Um das descobertas da sexualidade e da coragem de ser o que é. O outro do amor e do conflito entre a razão e a atração.

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Pariah (2011) Dirigido por Dee Rees, o filme se passa em Nova York, no Brooklyn, e conta a história de Alike (Adepero Oduye), uma garota de 17 anos está se descobrindo e em meio a dúvidas e conflitos busca suas primeiras experiências como lésbica. A palavra “Pariah” significa algo como uma pessoa excluída socialmente, que é o caso de Alike. Ela é negra, lésbica e não performa feminilidade. Apesar de quieta, boa aluna e filha, a garota enfrenta situações desconfortáveis. Os pais não aceitão a homossexualidade e parecem saber que a filha é lésbica, mas negam isso para si mesmos. Tanto que a mãe insiste para que ela use “roupas femininas”, se afaste da amiga lésbica e seja amiga da filha de uma colega da igreja. Se descobrindo no mundo, Alike busca coragem para ser quem ela realmente é e como qualquer jovem tenta entender seu estilo. Dividida entre uma personalidade “masculinizada”, “agrsseiva” e a outra mais calma e poética/artistica. A diretora conta que escreveu o roteiro baseada em algumas experiências próprias, como sua saída do armário. E de forma genuína ela conduz o filme de forma que o telespectador sinta o que a personagem sente, através de movimentos de camêra e luzes dos cenários.

O Perfume da Memória (2016) O filme dirigido pelo músico Oswaldo Montenegro conta a história de amor de duas mulheres. Ana (Kamila Pistori) e Laura (Amandha Monteiro) são intensas, a primeira é apaixonada por cinema, poesia tudo que envolve arte, a segunda é uma poeta passando por um divórcio. A história acontece em apenas um dia, quando Ana vai à casa de Laura, antes de viajar de volta a Londres, porque precisava conhecê-la e mostrar sua admiração com seus textos e os sentimentos que lhe causaram. Laura está em casa triste, é seu aniversário mas o fim do casamento ainda a abala, e a visita de Ana, até então uma desconhecida, incomoda primeiramente por atrapalhar sua “fossa”e por falar dos textos que tinham sido mostrados para poucas pessoas. Mas Laura permite que ela entre e as duas se aproximam, se conhecem e se descobrem nessas poucas horas de encontro. Parecidas em tantas coisas e em tantos gosto, no amor elas discordam. Laura acredita que é bom mergulhar em paixões intensas e Ana acredita na efemeridade das relações de desejo. Em praticamente apenas um cenário, o filme se desenrola com a narração do diretor, as duas atrizes e duas musicistas que deixam o filme delicado e poético. Cena do filme brasileiro O Perfume da Memória (2016) com as personagens principais, Ana e Laura. Foto: Divulgação

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REPORTAGEM

Cena do casamento de Teresa (Fernanda Montenegro) e Estela (Nathalia Timberg), na novela Babilônia (2015). Foto: Divulgação

A INVISI BILIDADE das lésbicas na terceira idade Envelhecer pode ser uma ideia ruim para muitas pessoas mas chegar a melhor idade sendo homossexual é ainda mais complicado, já que precisam encaram o preconceito pela idade e pela sexualidade.

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o chegar à terceira idade, o idoso passa por dificuldades, sofre preconceitos e é abandonado por uma sociedade que aprecia a juventude. Ser lésbica nessa sociedade é ser invisível e excluída. Muitas vezes elas acabam voltando para o armário para conseguir mais aceitação. Nos últimos anos, estudos e obras têm abordado cada vez mais a mulher lésbica como tema. Entretanto, são raros os que falam do envelhecimento da mulher e seu papel na sociedade. Em 2015, a telenovela Babilônia, da Rede Globo, mostrou o casal lésbico Teresa (Fernanda Montenegro) e Estela (Nathalia Timberg) se beijando no primeiro capítulo. A rejeição do público foi grande e membros de igrejas evangélicas promoveram um boicote ao folhetim, que teve a participação das duas diminuída e as cenas de carinho cortadas ao longo das cenas. O que chocou além do beijo gay foi a ideia de que o idoso não pode ter uma sexualidade, principalmente mulheres e sem participação de homens. Outras obras já tiveram personagens homossexuais e a polêmica sempre existiu, já que a influência do modelo patriarcal e conservador ainda é forte culturalmente no Brasil. Mas a aversão ao casal de senhoras parece desproporcional se lembrarmos o casal Marcela (Luciana Vendramini) e Marina (Giselle Tigre), da novela Amor e Revolução do SBT, elas eram mais jovens. Ou ainda, as cenas de beijo e sexo entre Beatriz (Bruna Marquezine) e Julia (Leticia Colin) na série global Nada Será como Antes, que além de jovens faziam parte de um triângulo amoroso com um homem, a repercussão foi bem diferente, o episódio era aguardado e “bombou” na web, segundo alguns portais de notícias. A mulher lésbica ainda é muito erotizada, tanto que ao pesquisar sobre elas muitos conteúdos são de caráter sexual. Mas quando essas lésbicas envelhecem é como se não tivessem mais utilidade.

Se hoje em dia as lésbicas conseguem se assumir e viver desta forma parte da responsabildade é de lutas que vem de décadas atrás, com o movimento feminista no Brasil que trouxe consciência e representatividade para questões lésbicas. Antigamente, os homossexuais sentiam-se unicos, não era comum conhecer outros gays, tanto que muitos chegam a maturidade sem entender a própria sexualidade. “Os gays aparecem mais, eles foram habituados a desde criança correrem atrás do que eles querem, brigar pelo que eles querem. E claro, eles usam isso no exercicio da sua homossexualidade. Isso se reflete mesmo hoje as lésbicas são muito mais embutidas, quietas, dentro de casa do que os gays”, fala a editora de livros Laura Bacellar para o programa É a vovózinha! da TV Brasil em 2012.

A mulher lésbica ainda é muito erotizada, tanto que ao pesquisar sobre elas muitos conteúdos são de caráter sexual. Apesar da ideia comum de que ser lésbica na velhice pode ser algo solitário, tudo depende de como a pessoa leva a vida e suas escolhas ao longo dela. Para Bacellar, não ter a sexualidade clara na melhor idade e estar no armário pode ser duroe causar sofrimento. Mas estar aberta a isso é importante e apesar de conflituoso, ter a sexualidade clara, mesmo depois de mais velho é libertador. “Faça terapia. Vai lá, converse ‘isso está me incomodando’ ou ‘ eu quero sair do armário e não tenho coragem’. Peça ajuda, fale!” aconselha a advogada Hanna Korich, parceira de Bacelalr.

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ENTREVISTA

Chell

E A MÚSICA

Cantora, compositora, instrumentista, youtuber e publicitária. Chell Alberti, 23, tem vários talentos e neste ano investiu em um que já a acompanhava: a música. Com influências de Mallu Magalhães, Chet Faker, Tom Custódio e Grimes a gaúcha, radicada em Goiânia, lançou seu primeiro EP homônimo através de um financiamento coletivo. Formada em publicidade, ela divide seu tempo entre o trabalho em uma agência e os ensaios e shows de divulgação. Fotos: Nathalia Mendes

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Como começou sua relação com a música? Quando eu era nova ganhei dos meus pais um teclado, aos poucos ele se tornou meu “brinquedo” favorito. Lembro que tinha um visor pequeno indicando onde os dedos deveriam ser posicionados pra fazer as notas, foi assim que tive meu primeiro contato com a música. Quando fiz 15 anos comprei meu primeiro violão, e com ajuda das revistinha e do pouco que eu entendia de internet na época, consegui aprender o básico pra começar as compor minhas próprias músicas.

Como é seu processo de composição? O que costuma te inspira? Costumo compor sobre o que me causa incômodo, o que me deixa inquieta. A maioria das músicas que escrevo falam sobre dor, não necessariamente minha, mas é como se inspirasse a letra a sair. Tenho me esforçado para fugir um pouco disso, uma das duas novas músicas que toco nos shows tem uma pegada mais alegre, mais alto astral. Com o tempo acredito que o processo aconteça de forma mais orgânica e randômica, ainda tenho muito pra aprender.

Como veio a ideia de gravar um EP e de fazer isso através de um financiamento coletivo? Até ano passado eu nunca tinha pensado em profissionalizar meu trabalho musical. Sempre gostei de cantar e compor para a família, amigos, etc, mas em 2016, encorajada pela minha namorada, postei algumas musicas autorais em nosso canal no YouTube. Como já havia um número considerável de inscritos os vídeos tiveram bastante visualizações, pra minha surpresa muitas pessoas haviam gostado. Entre elas, a vocalista de uma banda da minha cidade, que pouco depois de ver os vídeos entrou em contato com o interesse de produzir um EP com 5 músicas minhas. Veio dela também a ideia de fazer o financiamento coletivo. Na época, cheguei a perguntar nas redes

sociais se as pessoas teriam interesse em conhecer mais do meu trabalho, que até então era conhecido apenas por pessoas próximas, e muitas me responderam que sim. A partir daí montamos o projeto e entramos em estúdio.

O que você tem reparado da recepção das pessoas com seu trabalho? Fiquei muito feliz com o resultado do EP, desde seu lançamento tivemos uma aprovação grande do público e muitas criticas positivas ao trabalho, seguimos bem nas plataformas de streaming e estamos con-

“Costumo compor sobre o que me causa incômodo, o que me deixa inquieta.” seguindo chegar a mais pessoas a cada dia. As criticas negativas existem, sempre tem alguém pra te colocar pra baixo, mas me esforço muito pra guardar só o que vem de positivo e construtivo. Fico feliz quando alguém aponta algo que posso melhorar, mas tento ignorar quem fala só pra machucar.

Você já tinha se apresentado em palcos antes mas como é estar em um palco num show seu, com suas? Eu já havia me apresentado com bandas de amigos, sempre fazendo alguma “ponta” no violão, ukulele ou escaleta, mas nunca com composições minhas. Pra falar a verdade, o processo até eu chegar no palco como “atração principal” foi longo, e ainda é algo que trabalho e tenho muito a melhorar. Por ser bastante tímida, a ansiedade me pega de jeito antes de cada show, mas depois que canto a primeira música fica fá cil me sentir a vontade. Gosto muito de estar no palco e ver pessoas que me querem bem felizes por estarem lá.

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“Estar no palco me deixa imensamente feliz, mas ao mesmo tempo sou uma pessoa retraída” Você tem a carreira musical em paralelo com a carreira na publicidade. Como lida com as duas funções?

CANAL CHELL AND MAR

Tento me dividir entre as duas, sinto que sou bastante “pé no chão” com a carreira musical, e apesar de gostar muito dela continuo no meu trabalho em horário comercial, mesclando ensaios e shows com a pauta da agência :)

É um objetivo seu ter a música como “profissão principal”? Que dá retorno financeiro, paga as contas, etc. Estar no palco me deixa imensamente feliz, mas ao mesmo tempo sou uma pessoa retraída, que aprecia muito a calmaria, a casa, o cachorro, a família, então me soa estranho pensar em algo que fuja muito desse universo. Ainda não sei o que me espera no futuro, tenho muito a fazer, muito a aprender, muito a trabalhar e muito a estudar, até lá a única certeza que eu tenho é que vou me esforçar ao máximo em cada novo desafio que aparecer.

Você já lançou EP, apareceu em listas do Spotify e lançou um clipe. Qual o próximo passo na carreira? Nesse ano realizamos muitas coisas, foram meses de trabalho duro pra gravar as músicas, lançar, divulgar, fazer shows e finalizar com o clipe, aprendi muito com todo esse processo mas sei que ainda tenho muito a aprender. Estamos discutindo como será o ano que vem, não tenho pressa e nem pretenção de ser uma grande artista da noite pro dia. Aprecio muito o planejamento detalhado, a calmaria na tomada das decisões, a conversa e principalmente o aprendizado. Certamente os próximos passos serão divulgados com o passar do tempo :’) No mais, espero que 2019 seja um ano bom pra todos nós.

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Criado em 2015 pela Chell com a namorada Marcella Landeiro, 25, o canal tem conteúdo variado como covers, tags, assuntos LGBT e pessoais como profissão e o relacionamento de 6 anos das duas. Atualmente o canal tem mais de 100 mil inscritos e está em hiato.

O EP CHELL Composto por cinco músicas, foi lançado em abril. Com canções doces ao som do violão, a artista retrata as simplicidades e delicadezas da vida e dos relacionamentos. Em outubro, o clipe da canção Não ache que é por mal for foi lançado no Youtube e já tem mais de 22 mil visualizações.


MÚSICA

Ana Muller em ensaio fotográfico. Foto: Sarah Diniz Outeiro

Poesia na voz delas LAURA PERGOLIZZI & ANA MULLER

As artistas dessa edição cantam e compõem sobre amor, relacionamentos reais e corações partidos. Com vozes marcantes elas conquistam nossos ouvidos e corações.

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Laura Pergolizzi Conhecida como LP, é uma cantora e compositora nova-iorquina de 36 anos. Seu timbre de voz e seu estilo meio andrógino são elementos de sua pernonalidade que chamam atenção. Como compositora já escreveu para artistas como Cher, Rihanna e Backstreet Boys e como cantora já lançou quatro álbuns. A combinação da voz com letras sentimentais trazem músicas que são pura arte e poesia. Sobre ser lésbica ela já declarou: “Não é importante me provar como lésbica mas ainda assim visibilidade é importante. Somos pessoas normais como qualquer um. Tem tanta coisa pra se preocupar no mundo e com quem outra pessoa dorme não deveria ser da conta de ninguém”.

Ana Muller A capixaba Ana Muller (na foto anterior), de 25 anos, já integrou da banda Aurora, conhecida no Espírito Santo, e recebeu prêmios pelo trabalho com o grupo. Em carreira solo ficou conhecida ao redor do Brasil ao postar suas músicas em plataformas da internet. Cantora e compositora, chama atenção pela voz forte em canções sentimentais, romanticas e até melancólicas. As influências ela diz que sempre mudam mas que o sertanejo raiz é uma referência que ela traz desde a infância como algo bonito e singelo que a inspira. Cantando em primeira pessoa suas experiências, a artista, muitas vezes incluída no gênero Nova MPB, quase desistiu da carreira por conta de uma depressão que a fez pensar em tirar a própria vida. Com o apoio da família e fãs, ela conseguiu passar por esse momento e em janeiro lançou seu primeiro EP.

Não foi você que me frustrou Eu acho que fui eu Que me frustrei primeiro ANA MULLER - ESCOPO

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LP em apresentação. Foto: cortesia para revista InStyle.

When you get older, plainer, saner Will you remember all the danger we came from? LP - LOST ON YOU

Playlist da edição 1. Ressignificar - Ana Muller 2. Lost on You - LP 3. Feelings - Hayley Kiyoko 4. Ventre Livre de Fato - Luana Hansen 5. Not a Love Song - Uh Huh Her 6. Me Chama pra Dança - Chell 7. I Wrote the Book - Beth Ditto 8. Camarim - Camila Garófalo 9. Secrets - Mary Lambert 10. Meia Lua Inteira - Ellen Oléria 11. Por Enquanto - Cássia Eller 12. Closer to Fine - Indigo Girls 13. Esquadros - Adriana Calcanhoto 14. Closer - Tegan and Sara 15. Duas Meninas - Karla da Silva


LILLA INDICA Literatura NATÁLIA BORGES POLESSO O livro de contos Amora traz histórias de romances e desilusões amorosas de mulheres lésbicas. A autora, que é lésbica,, respondeu ao portal Nonada, que por mais que muitas pessoas possam consideram a publicação como um “livro-que-fala-sobre-relacionamento homoafetivo”, ele não é limitado a isso. É um livro com protagonismo lésbico mas as histórias não são voltadas só a elas ou público LGBT, mas sim para um público geral que gosta de contos. Lançado pela editora Não Editora, em 2016, ganhou o Prêmio Jabuti na categoria Contos e Crônicas no mesmo ano.

Internet

A autora do livro Amora, Natália Borges Polesso. Foto: Amanda Gracioli

Louie Ponto produz conteúdo para seu canal. Foto: Divulgação

CANAL LOUIE PONTO A youtuber, de Florianópolis (SC), é formada em Letras Português pela UFSC. Em seu canal, criado em 2008 para postar covers. Hoje, além dos covers, ela publica canções próprias, e conteúdos que vão de temas polêmicos a entretenimento. Em agosto, a catarinense divulgou dois vídeos para a playlist #VisibilidadeLésbica, em que vários canais falaram sobre o tema. Louie entrevistou mulheres que falaram como é ser lésbica e como se descobriram assim. Imagens: lovelove6

HQ GAROTA SIRIRICA Série de quadrinhos produzidos pela artista Lovelove6 desde 2013. As histórias contam as relações sexuais e intímas da Garota Siririca, que sabe explorar e aproveitar seu corpo. A masturbação, pêlos, cheiros não são tabu para a garota mente aberta. Leia e contribua no site: lovelove6.com LILLA | N. 1 | DEZ 2017 | 19


LILLA UNIVERSO LÉSBICO | N. 1 | dezembro 2017

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E A MÚSICA

a cantora e instrumentista fala sobre o lançamento de seu primeiro EP e clipe

PERFIL Feminismo e representatividade pelas lentes de Mariana Smânia

COTIDIANO Rejeição familiar: mais um obstáculo na vida dos homossexuais


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